Introdução
Na organização dos serviços de saúde, os enfermeiros assumem uma posição privilegiada para serem elementos facilitadores nos processos de transição vivenciados pela pessoa com dependência (PD) e pelo Familiar cuidador (FC) (Meleis, 2010). Para tal, a prática clínica deve ser sustentada em bases teóricas sólidas que suportem a sua tomada de decisão.
Na sua atividade profissional, é importante que os enfermeiros assegurem e promovam a continuidade e a qualidade de cuidados através da documentação da sua prática nos sistemas de informação em Enfermagem, processo imprescindível para assegurando a valorização e visibilidade profissional (Ribeiro et al., 2018).) A análise da documentação permite indiretamente perceber o Modelo de acompanhamento utilizado na praxis. Como identificado por França et al. (2022a) os registos nos sistemas de informação remetem para uma abordagem focada essencialmente na pessoa dependente e a escassa informação sobre dados do FC mostram um olhar como parceiro de cuidados e não como cliente. A matriz construída com a equipa dos enfermeiros pretende ser um instrumento orientador para uma conceção de cuidados que responda às necessidades efetivas do FC, no exercício do papel enquanto cliente (França et al., 2022b).
Enquadrado neste cenário de redefinir a prática dos enfermeiros aquando da sua abordagem dirigida aos familiares cuidadores foi definido como objetivo desta investigação avaliar as mudanças na documentação dos enfermeiros relativa aos familiares cuidadores, após intervenção. A documentação dos enfermeiros espelha a conceção de cuidados ao FC.
Enquadramento/ fundamentação teórica
Nas sociedades atuais novos desafios são colocados aos sistemas de saúde, aos profissionais e às famílias associados ao incremento da longevidade conquistada (Jakovljevic et al., 2021).
Estes fenómenos conduzem a um elevado impacto financeiro no serviço de saúde, que enquadrado nas atuais políticas mais restritivas e visando a sustentabilidade dos serviços de saúde, têm vindo a condicionar altas hospitalares cada vez mais precoces e a transpor para as famílias mais responsabilidade na continuidade de cuidados em contexto domiciliário (Petronilho et al, 2017).
As alterações estruturais e funcionais que têm ocorrido na família, têm deixado transparecer uma crescente escassez de elementos para assumirem o papel de cuidador (Jakovljevic et al., 2021). No entanto, ainda é a família que a PD procura para suprir as suas necessidades.
Para o desempenho do papel de FC torna-se necessário a aquisição de conhecimentos e competências (Meleis, 2010). Contudo a evidência tem revelado que os cuidadores não se sentem devidamente preparados para responderem às exigências deste novo papel (Hagedoorn et al., 2020), desempenhando cada vez mais tarefas que previamente só eram realizadas por profissionais de saúde (Ullgren et al., 2018). O aumento das exigências associado com a falta de conhecimentos e de preparação adequada, conduz a sentimentos de incerteza que se enquadram num cenário de carga excessiva de trabalho conduzindo a sobrecarga, com efeitos negativos no bem-estar do FC (Frederick, 2018).
Os enfermeiros enquadrados na equipa multidisciplinar devem assumir um papel ativo, com implementação de terapêuticas de Enfermagem facilitadoras deste processo transicional (Meleis, 2010), recorrendo ao processo de Enfermagem. Este constitui-se por cinco fases que se desenvolvem num ciclo reflexivo: avaliação, diagnóstico, planeamento, implementação e avaliação (Huitzi-Egilegor,et al., 2018). Identifica-se como uma estrutura que possibilita o registo da atividade autónoma e colaborativa do enfermeiro, autoafirmando a profissão, conduzindo a melhoria da qualidade dos cuidados (Huitzi-Egilegor et al., 2018; Queirós et al., 2021), enquanto que a documentação em Enfermagem conduz a uma maior visibilidade da atividade profissional (Queirós et al., 2021).
Em Portugal, o sistema informático em uso nos cuidados de saúde primários (SClínico), reúne conjuntamente o sistema de apoio à prática Médica e o sistema de apoio à prática de Enfermagem, permitindo a uniformização da informação e um melhor desempenho da equipa multidisciplinar (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, 2018).
A literatura tem mostrado que o uso dos sistemas de informação traz vantagens para a prática de Enfermagem (Tasew et al., 2019). No entanto, os profissionais evidenciam dificuldades na sua implementação, apontando a falta de conhecimento e preparação (Huitzi-Egilegor et al., 2018, Silva et al., 2016), a escassez de material e recursos humanos (Huitzi-Egilegor et al., 2018), a resistência à mudança (Huitzi-Egilegor et al., 2018), a escassez de tempo (Reis et al., 2016), a necessidade de formação contínua e a falta de suporte técnico (Silva et al., 2016). Estas dificuldades constituem barreiras à adesão dos enfermeiros ao procedimento documental das diferentes etapas do processo de Enfermagem, com consequente impacte na não visibilidade de indicadores que espelhem os ganhos em saúde sensíveis aos cuidados de Enfermagem.
Considerando o exposto e atendendo aos princípios basilares da Pesquisa ação Participativa em Saúde (PaPS) que pressupõe um caminho reflexivo, levando a um questionamento constante e reequacionamento necessário perante o desenvolvimento da mesma, incluindo o envolvimento das pessoas como elementos ativos do processo nas suas diferentes fases de todo o percurso (Brito & Mendes, 2018; Wright et al., 2018), foi fundamental para o trabalhar desta temática e para a obtenção da mudança na prática clínica e nos próprios profissionais o recurso a esta abordagem.
Metodologia
O artigo aqui apresentado corresponde a um estudo quase-experimental antes e após intervenção. Reflete a última etapa de uma pesquisa mais abrangente conduzida nos pressupostos da PaPS. Os resultados do estudo na fase diagnóstica remeteram para um Modelo de cuidados focado no FC como substitutivo dos cuidadores formais, onde as intervenções mais prevalentes eram no âmbito do saber fazer. Os registos na perspetiva de FC como clientes estiveram quase ausentes (França, et al., 2022a). Procurando incorporar as evidências que permitem aos enfermeiros serem mais significativos para os FC nas diferentes fases de transição para o exercício de papel, foi co construído com as duas equipas de enfermagem (n=16) uma matriz orientadora para a conceção de cuidados e consequente transposição para os sistemas de informação em enfermagem. A seleção das duas unidades foi por conveniência atendendo à sua localização e fácil acessibilidade.
Este artigo reflete a etapa de avaliação pós - intervenção, tomando como fonte de informação os registos dos enfermeiros nos seis meses subsequentes à intervenção. Quer na fase de avaliação inicial (AI), quer na fase de Avaliação Final (AF) ou pós intervenção, a fonte de informação foi a documentação dos enfermeiros de família e a recolha de dados centrou-se nos dois focos de atenção de Enfermagem integrados no SClínico: Papel Prestador de Cuidados e Stress de Prestador de Cuidados.
Os processos clínicos para recolha da informação foram identificados a partir da lista global das pessoas com dependência de todos os enfermeiros de ambas as unidades de saúde familiar. A AI correspondeu à extração de dados do Sclinico relativos aos seis meses prévios ao início da investigação e a AF foi realizada após os seis meses da implementação da intervenção. Foram critérios de inclusão: estar inscrito no programa de dependentes e ter FC. Ser dependente, mas estar institucionalizado, ter sido referenciado para uma equipa de cuidados continuados integrados, ou ter residência fora da área geográfica da unidade de saúde familiar, foram critérios de exclusão. Na AI foram analisados 163 processos e com base nos mesmos critérios foram analisados 323 processos na AF (Fig. 1).
Após a seleção dos 163 processos foi realizada a colheita de dados. No cumprimento das orientações dadas pela comissão de ética, a colheita foi realizada por dois enfermeiros interlocutores, um de cada unidade. Para a extração da informação de cada processo clínico foi previamente elaborado um documento para registo sistematizado dos dados. Cada interlocutor fez chegar anonimamente esta informação à investigadora principal. Na AF seguiu-se o mesmo procedimento.
Para a análise dos dados recorreu-se à estatística descritiva, particularmente às medidas de frequência (absoluta e relativa). Na estatística analítica, a associação entre variáveis nominais foi analisada com recurso ao teste não paramétrico Qui -quadrado (X2), comparando as frequências observadas nos dois momentos avaliativos. Para comparação de médias entre amostras independentes (AI e AF) utilizou-se o teste t student.
Para a análise dos dados recorreu-se ao SPSS versão 27. O nível de significância foi definido para um valor de p < 0,05. O estudo iniciou-se após parecer favorável da Comissão Nacional de Proteção de Dados (autorização 10744/2016) e da Comissão de Ética em Saúde (autorização 105/2016).
Resultados
Nos 163 processos analisados na AI foi identificado um cuidador (0,6%) e nos 323 processos na AF estavam nomeados 12 (3,7%). No que concerne aos focos Papel Prestador de Cuidados e Stress do Prestador de Cuidados, constataram-se duas formas distintas de documentação. Uma que se limita ao enunciado do foco, sem outros registos associados às diferentes etapas do processo de Enfermagem, outra onde foi possível identificar, para além dos enunciados dos focos, registos relativos a etapas subsequentes ao processo de Enfermagem (atividades diagnósticas, diagnóstico e intervenções).
Na tabela 1 retratam-se os resultados referentes aos processos com registo ativo dos focos sem outros registos associados, onde na AF [110 (34,4%)] se verifica um aumento exponencial no foco Papel Prestador de Cuidados, comparativamente à AI [20 (13,3%)], com significado estatístico (p = 0,001).
Avaliação Inicial | Avaliação Final | X 2 | |||
N (163) | % | N (323) | % | ||
Papel Prestador de cuidados | 20 | 13,3 | 110 | 34,4 | X 2 = 26,24; gl = 1; p < 0,001 |
Stress do Prestador de cuidados | 28 | 17,2 | 56 | 17,3 | X 2 = 0,002; gl = 1; p = 1,000 |
Nos processos com registo ativo dos focos e com registos em outras fases do processo de Enfermagem foram identificados 19 focos na AI e 20 na AF. Em ambos os momentos avaliativos foram nomeados dois referentes ao FC (Papel Prestador de Cuidados e Stress de Prestador de Cuidados). Os restantes focos estão adstritos à PD sendo que alguns estão enunciados em ambas as avaliações e outros apenas estão referenciados em uma das avaliações.
No que concerne aos focos Papel Prestador de Cuidados e Stress do Prestador de Cuidados ativos e com registos relativos às outras etapas do processo de enfermagem (tabela 2) constatou-se um aumento significativo no registo do foco Papel Prestador de Cuidados na AF (p = 0,002).
Focos | Avaliação Inicial | Avaliação Final | X 2 | |||
N (163) | % | N (323) | % | |||
Papel Prestador de Cuidados | 5 | 3,1 | 35 | 10,8 | X 2 = 8,656; gl =1; p = 0,002 | |
Stress do Prestador de Cuidados | 6 | 3,7 | 9 | 2,8 | X 2 = 0,290; gl =1; p = 0,387 |
Nos focos elencados na PD verifica-se que alguns foram alvo de registo apenas em uma das avaliações e outros obtiveram registos em ambas. Existem focos com um único registo nas duas fases. Assim, optou-se por agrupá-los em dimensões que se designaram de Autocuidado, Gestão de sinais e sintomas, Gestão de regime terapêutico e Adesão à vacinação (tabela 3). A criação destas dimensões foi necessária para ser possível o recurso a alguns testes estatísticos. Comparando os dois momentos avaliativos observou-se um incremento nos registos, exceto na Gestão do regime terapêutico que reflete uma ligeira diminuição, no entanto sem diferenças estatisticamente significativas.
Focos | Avaliação Inicial | Avaliação Final | t (p) | ||
N (163) | % | N (323) | % | ||
Autocuidado | 8 | 4,9 | 23 | 7,1 | t (484) = 0,534; p = 0,594 |
Alimentar-se | 4 | 2,5 | - | - | ----- |
Andar | 1 | 0,6 | 3 | 0,9 | ----- |
Andar com auxiliar de marcha | - | - | 1 | 0,3 | ----- |
Transferir-se | - | - | 1 | 0,3 | ----- |
Higiene pessoal | 1 | 0,6 | 1 | 0,3 | ----- |
Autonomia no autocuidado | 1 | 0,6 | 12 | 3,7 | ----- |
Autovigilância | 1 | 0,6 | 2 | 0,6 | ----- |
Gestão de sinais e sintomas | 18 | 10,9 | 41 | 12,6 | t (484) = 0,354; p = 0,723 |
Aspiração | 2 | 1,2 | 1 | 0,3 | |
Confusão | 1 | 0,6 | - | - | |
Desidratação | 1 | 0,6 | - | - | |
Dispneia | 1 | 0,6 | - | - | |
Excesso de peso | - | - | 2 | 0,6 | |
Hipertensão Arterial | - | - | 1 | 0,3 | |
Infeção | - | - | 1 | 0,3 | |
Maceração | 2 | 1,2 | 4 | 1,2 | |
Metabolismo energético | 1 | 0,6 | 2 | 0,6 | |
Orientação | 1 | 0,6 | - | - | |
Queda | 5 | 3,1 | 12 | 3,7 | |
Sono | 1 | 0,6 | - | - | |
Úlcera | - | - | 9 | 2,8 | |
Úlcera de pressão | 3 | 1,8 | 9 | 2,8 | |
Gestão de regime terapêutico | 14 | 8,6 | 18 | 5,6 | t (484) = 1,225; p = 0,221 |
Gestão do regime terapêutico em geral | 13 | 8,0% | 15 | 4,6% | |
Auto-administração de medicamentos | 1 | 0,6% | 3 | 0,9% | |
Adesão à vacinação | - | - | 3 | 0,9 | ------------------------- |
Conforme a tabela 4 constatou-se que em ambas as avaliações, foram identificados os domínios de diagnósticos (Conhecimento, Capacidade, Potencial, Papel de prestador de cuidados, Stress e Úlcera de pressão). Globalmente ocorreu um aumento de registos na AF, com exceção da Úlcera de pressão que só é documentada na AI. De entre estes os mais frequentemente documentados, em ambas as avaliações são os diagnósticos no domínio do Potencial (n=29; n=54) e do Conhecimento (n=15; n=50), contudo sem significado estatístico.
Avaliação inicial | Avaliação Final | t (p) | |||
Domínios de diagnósticos | Nº de registos | Tipo de enunciado | Nº de registos | Tipo de enunciado | |
Conhecimento | 15 | 6 | 50 | 11 | t (484) = 1,874; p = 0,062 |
Capacidade | 5 | 5 | 15 | 5 | t (483) = 0,756; p = 0,450 |
Potencial | 29 | 20 | 54 | 18 | t (484) = 0,113; p = 0,910 |
Papel de Prestador de cuidados | 1 | 1 | 31 | 3 | t (484) = 0,001; p = 0,001 |
Stress | 1 | 1 | 9 | 1 | ---------------------------------- |
Úlcera de Pressão | 1 | 1 | - | - | ---------------------------------- |
No diagnóstico do domínio do Papel de Prestador de Cuidados verificou-se um aumento significativo na AF (p=0,001).
No seguimento do processo de Enfermagem analisaram-se as intervenções documentadas, tendo sido identificadas dez tipos de ações diferentes (Apoiar, Assistir, Avaliar, Encorajar, Ensinar, Incentivar, Instruir, Negociar, Orientar e Treinar), embora algumas só estejam registadas em uma das avaliações (Tabela 5).
Avaliação Inicial | Avaliação final | ||||
Ação | Nº de registos | Tipo de intervenções | Nº de registos | Tipo de intervenções | t (p) |
Assistir | - | - | 1 | 1 | ____________________ |
Apoiar | 1 | 1 | 6 | 1 | ____________________ |
Encorajar | - | - | 4 | 3 | |
Incentivar | 5 | 3 | 28 | 6 | t (484) = 1,598; p = 0,050 |
Ensinar | 53 | 27 | 102 | 33 | t (484) = 0,071; p = 0,943 |
Orientar | 1 | 1 | 2 | 2 | _____________________ |
Instruir | 24 | 16 | 8 | 4 | t (484) = 3,299; p = 0,014 |
Treinar | 8 | 5 | 1 | 1 | t (484) = 3,233; p = 0,018 |
Negociar | - | - | 1 | 1 | _____________________ |
Avaliar | 51 | 25 | 164 | 25 | t (484) = 1,535; p = 0,072 |
TOTAL | 78 | 77 |
Na AI as ações mais documentadas foram Ensinar (n=53), Avaliar (n=51) e Instruir (n=24). Na AF as do tipo Avaliar (n=164) e Ensinar (n=102) continuam a ser as mais expressivas, sem diferenças estatisticamente significativas. A ação do tipo Instruir e Treinar demonstraram um decréscimo de registo significativo na AF (p = 0,014; p = 0,018, respetivamente). As intervenções no âmbito do Incentivar apresentam um aumento de registos (AI-5; AF - 28) marginalmente significativo (p = 0,050).
Discussão
Apesar do período em que decorreu a implementação da matriz orientadora da conceção de cuidados ao FC coincidir com o cenário pandémico vivenciado no contexto nacional, os resultados obtidos parecem expressar de forma positiva o percurso desenvolvido com as equipas de Enfermagem, visando a melhoria de cuidados dirigidos ao FC.
Atendendo ao cenário desfavorável em que decorreu a implementação da intervenção, os resultados indiciam que o recurso ao paradigma da pesquisa PaPS permitiu a consciencialização dos enfermeiros para a necessidade de construir um caminho conducente de mudança, no que se refere aos cuidados ao FC e sua documentação nos SIE.
O número substancialmente mais elevado de utentes na listagem de PD na AF, pode estar associado às implicações da COVID19 na população mais frágil com consequente aumento de dependência nas atividades de vida diária (Fettes et al., 2021), mas também ser indicativo da maior sensibilidade dos enfermeiros para a identificação e sinalização da PD.
A maior sensibilização das equipas de enfermagem, pode também explicar algum do incremento no número de FC identificados na AF. No entanto, este aumento fica aquém do desejável, pois esta informação é omissa em 97% dos processos clínicos.
A identificação do cuidador é essencial para a planificação dos cuidados (FC e PD), no sentido de responder atempadamente às necessidades do FC e da PD (Hagedoorn et al., 2020). Nestes processos de transição, o apoio e acompanhamento de Enfermagem é fulcral para o preenchimento das lacunas no âmbito da aquisição do novo papel, com repercussão favorável nos cuidados prestados à PD (Meleis, 2010).
A elevada representatividade de processos clínicos com identificação do foco de Papel Prestador de Cuidados, mas sem qualquer outra informação relativa às etapas subsequentes do processo de Enfermagem, traduz um desfasamento entre a prática e os Modelos expostos pela comunidade científica, reforçando o papel invisível do FC (Cloyes et al., 2020).
Os resultados espelham a necessidade de as equipas terem um olhar mais atento ao FC, na sua transição para o papel de tomar conta (Ploeg et al., 2020), pois a preparação do FC está positivamente associada com melhores resultados para a pessoa cuidada (Hagedoorn et al., 2020).
Nos processos clínicos com identificação do Papel de Prestador de Cuidados que avançaram para as diferentes etapas do processo de Enfermagem, constatou-se um aumento significativo do número de FC, que foram alvo de um processo de conceção de cuidados visando a resposta às suas necessidades. Dados corroborados pela literatura (Samadbeik, et al., 2017), realçando a importância do envolvimento dos enfermeiros na documentação dos cuidados.
O foco Stress do Prestados de Cuidados em fase ativo (sem registos nas outras etapas do processo de Enfermagem) manteve o padrão documental, o mesmo foco, mas com registos nas etapas seguintes do processo de Enfermagem, apresenta uma tendência de diminuição não significativa. Estes resultados revelam uma abordagem pouco integradora ao FC como alvo dos cuidados, tal como corroborada na literatura (Cloyes et al., 2020; Ploeg et al., 2020).
Na AF os enunciados de diagnóstico refletem um pendor crescente nos registos. Porém só os referentes ao Papel Prestador de Cuidados tiveram um aumento estatisticamente significativo evidenciando a importância dada pelos profissionais na avaliação dos cuidadores (Cloyes et al., 2020).
Apesar de um maior número de registos face ao número de processos consultados, as intervenções documentadas continuam centradas no tipo Avaliar e Ensinar. As intervenções que poderiam ter um forte impacto na gestão das emoções do FC mantêm uma baixa notificação, não permitindo perceber os ganhos em saúde (Driel et al., 2021).
A literatura evidencia que capacitar os FC no exercício do papel, sem descuidar o seu autocuidado e bem-estar, deve ser uma prioridade dos profissionais de Enfermagem, assumindo-se como um elemento facilitador desta transição (Ploeg et al., 2020). Este estudo revelou uma lacuna na documentação de algumas intervenções promotoras de uma transição saudável, apesar das intervenções do tipo Incentivar apresentarem uma melhoria marginalmente significativa (p = 0,05), indiciadora de maior completude na abordagem ao FC.
A diminuição significativa nas intervenções do tipo Instruir e Treinar observada na AF (p= 0,014; p = 0,018) pode ser justificada pelo cenário pandémico que conduziu à reestruturação das unidades de saúde familiares, que condicionou o atendimento presencial, ficando este restringido aos cuidados inadiáveis (Borges et al., 2021).
Apesar de serem apresentadas algumas melhorias na AF considera-se que estas não foram substanciais, provavelmente associado ao contexto vivido. De facto, os cuidados de saúde primários sofreram uma restruturação sem precedentes devido à pandemia COVID-19 vivenciada no nosso país e a nível mundial, nomeadamente no contexto e timing em que decorreu esta pesquisa (implementação da intervenção/AF). A reorganização das unidades de saúde familiar, no cumprimento das orientações do Serviço Nacional de Saúde centrou a atividade dos enfermeiros nas respostas à COVID-19 (DGS, 2020). O impacto destes acontecimentos nos profissionais de Enfermagem, principalmente a nível organizacional, trabalho nas equipas, recurso a tele-trabalho, entre outros, tem tido reflexo nos cuidados de Enfermagem prestados aos utentes (Borges et al., 2021).
Admite-se que estas alterações tiveram repercussões nos resultados obtidos, no entanto, considera-se que o Modelo de Acompanhamento aos Familiares Cuidadores desenvolvido com os enfermeiros da praxis poderá ter contribuído para a sua consciencialização da necessidade de aproximação do Modelo em uso às melhores evidencias e melhorado o seu conhecimento do real potencial da parametrização no SClínico.
Conclusão
Os resultados evidenciaram melhoria significativa na identificação dos FC e no foco referente ao Papel Prestador de Cuidados (com e sem outros registos nas etapas posteriores do processo de Enfermagem), bem como, os enunciados de diagnóstico que envolvem o Papel de Prestador de Cuidados.
As intervenções dirigidas à gestão do bem-estar do FC mantêm um padrão de subnotação. Embora nem todas as intervenções do incentivar sejam dirigidas ao FC, as que remetem para a PD refletem uma maior preocupação de quem cuida com a promoção da autonomia no seu familiar.
A diminuição significativa no registo das intervenções do tipo Instruir e Treinar reflete o cenário pandémico.
O recurso a uma abordagem de pesquisa participativa em saúde revelou-se uma mais-valia para a transformação positiva na equipa de enfermagem e potencial repercussão na melhoria contínua dos cuidados.
Este estudo, que inclui a criação e implementação do Modelo de acompanhamento aos familiares cuidadores, traduz que a área do FC ainda necessita de um maior investimento por parte das instituições/profissionais. Numa pesquisa futura sugere-se a realização de um ensaio clínico randomizado, a implementar num período de atividade normalizada, para reavaliar a adoção da matriz por parte da equipa e consequente avaliação da satisfação dos FC. Posteriormente ao término do estudo a investigadora validou com os enfermeiros interlocutores a continuidade da utilização da matriz na condução da atividade diagnóstica, definição das intervenções e avaliação.