Introdução
O aumento da longevidade origina uma maior prevalência de doenças crónicas e progressivas, o que torna os cuidados paliativos como a resposta mais adequada. A pessoa em condição paliativa e a sua família são inseparáveis neste processo, por isso, é imperioso o envolvimento da família na rede de cuidados. Este envolvimento da rede familiar, como suporte para a promoção da qualidade de vida, prevenção e alívio do sofrimento na pessoa em condição paliativa é crucial (Decreto-Lei n. º52/2012).
O MDAIF constitui uma ferramenta útil para os enfermeiros, enquanto modelo teórico e operativo, para avaliar e intervir de forma colaborativa com as famílias ao longo do seu ciclo vital e em situações de transição não normativa, como é o caso das famílias da pessoa em condição paliativa (Figueiredo, 2012).
Constitui objetivo geral deste estudo, avaliar os ganhos em saúde, sensíveis aos cuidados de enfermagem pela aplicação do MDAIF na dimensão funcional, à família da pessoa em condição paliativa. Ainda como objetivos específicos surgem: avaliar as áreas de atenção, focos e juízos sensíveis aos cuidados de enfermagem da família da pessoa em condição paliativa segundo a dimensão funcional do MDAIF; identificar diagnósticos de enfermagem e respetivas intervenções referentes à família da pessoa em condição paliativa, determinar a resolução de diagnósticos de enfermagem na dimensão funcional da aplicação do MDAIF, no cuidar em enfermagem à família da pessoa em condição paliativa.
Enquadramento/ fundamentação teórica
Os cuidados paliativos prestam cuidados de saúde integrados e centrados nas pessoas (WHO, 2021), através de uma abordagem interdisciplinar, holística e humanizada. A proposta de tratamento desta tipologia de cuidados passa pelo alívio do sofrimento, numa tentativa de contribuir para a melhor qualidade de vida possível da pessoa doente e seus familiares (Cardoso, Turpin & Valente, 2021). O alívio físico, psicológico, social ou espiritual do doente e família é uma responsabilidade ética global (WHO, 2021).
Os cuidados paliativos devem respeitar a autonomia, a vontade, a individualidade, a dignidade da pessoa e a inviolabilidade da vida humana (Decreto-Lei n.º 52/2012), dado que surgem como resposta de saúde, em momentos de elevada vulnerabilidade para a pessoa e família.
O doente e família enfrentam, durante o curso da doença perdas simbólicas, tais como: a perda de papéis sociais, autonomia e identidade (Espindola, Quintana & Farias, 2018). Nesta perda da autonomia, o cuidador é quem assume a função de assistência à pessoa que foi atingida por uma incapacidade e se encontra dependente de terceiros em alguma dimensão do seu cuidado (McCauley, R., McQuillan, R., Ryan, K., & Foley, G. (2021).
De acordo com a função desempenhada, os cuidadores podem ser classificados em cuidador formal e cuidador informal (Figueiredo, 2012; Araújo, 2022). Os cuidadores formais são neste caso, considerados os profissionais de saúde. Por sua vez, os cuidadores informais são aqueles que cuidam e auxiliam de forma continuada, em tempo parcial ou integral, um familiar que apresenta algum tipo dependência, não sendo remunerados para o efeito (Araújo, 2022).
A família pode ser entendida como o conjunto de pessoas que, para além de coabitarem na mesma casa, se encontram interligadas por uma relação afetiva que lhe confere caráter único (Figueiredo, 2012).
O conceito de saúde familiar é um estado que se encontra ativo e em contínua mudança, na procura do equilíbrio e bem-estar da família enquanto sistema e depende e, simultaneamente, da condição individual de saúde/doença de cada elemento que a constitui (Pires, 2016). Neste contexto, importa fazer uma avaliação e intervenção holística da unidade familiar e de cada um dos seus elementos, considerando ainda o meio e a comunidade envolvente.
Reconhece-se que perante um processo de doença de um dos seus membros, a família vivência alterações no seu nível emocional que, a impelem a mudanças nas relações familiares, nas dinâmicas das atividades de vida diária e na dinâmica da própria família (Figueiredo, 2012). Por forma a procurar o equilíbrio e ajustar-se a esta fase de sofrimento, existe na família um processo de transição, com ajuste dos papeis assumidos e das atividades realizadas pelos elementos do seio familiar (McCauley, R., McQuillan, R., Ryan, K., & Foley, G., 2021). Neste sentido, o enfermeiro de família intervém enquanto suporte para a coesão familiar, já que na sua área de intervenção, cuida da família nas diferentes etapas do ciclo vital (Ordem dos Enfermeiros, 2011). O enfermeiro de família num processo de doença da pessoa, deverá atender ao impacto que essa vivência acarreta, não só para a pessoa, mas para todo o seio familiar. Deve também, auscultar o significado atribuído pela família ao processo de doença, por forma a planear um plano de cuidados personalizado (Figueiredo, 2012). Desta forma, a prestação de um plano de cuidados centra-se na relação entre a família e o enfermeiro (Pires, 2016), pelo que a família deve ser auscultada e incluída no planeamento e execução deste (Programa Nacional de Cuidados Paliativos, 2015).
Seibel et al., 2017 defendem ainda que o enfermeiro deve assumir um papel protetor da rede de apoio da qualidade das relações intrafamiliares e do próprio funcionamento familiar.
A este respeito, Correia (2018) refere que a família e o doente terminal são a unidade a cuidar e torna-se necessário, que se compreenda e avalie as necessidades sentidas pela família, por forma a que seja vista como a unidade recetora de cuidados e, assim, desempenhar cabalmente a sua função de prestadora de cuidados.
O MDAIF surge na enfermagem, como uma ferramenta para o levantamento das necessidades da família e sua intervenção, realçando as forças e as potencialidades da família e promovendo uma ligação entre os seus membros e o enfermeiro de Saúde Familiar (Figueiredo, 2012). O MDAIF é um instrumento de referência teórico e operativo no desenvolvimento de práticas direcionadas à família. Este modelo avalia a família em três grandes dimensões: estrutural, de desenvolvimento e funcional. Para aplicabilidade do modelo é necessário usar uma matriz operativa, que permite organizar a estrutura da família e compreender as suas relações (Figueiredo, 2012).
Apesar de ser amplamente aceite a importância das famílias no acompanhamento da pessoa em condição paliativa, pouco se sabe sobre o impacto que a doença terminal tem no sistema familiar e qual a melhor forma de intervir e de oferecer suporte às famílias. Como tal, preconiza-se a necessidade de se implementarem mais estudos empíricos que visem determinar a influência da doença terminal nas famílias, quais as suas necessidades de suporte, bem como as estratégias de intervenção que melhor lhes possam dar resposta (Areias, Major & Relvas, 2017). Sabe-se, contudo, que, as necessidades não atendidas dos cuidadores familiares são multidimensionais e afetam o seu bem-estar e o da pessoa por eles cuidada (Zavagli, V., et al, 2019).
Com a evolução crescente da Enfermagem de Saúde Familiar, torna-se imperativo avaliar as necessidades da família da pessoa em condição paliativa, sendo este um tema com escassez de evidência científica.
Metodologia
Estudo descritivo, transversal, de natureza quantitativa, que procurou dar resposta à seguinte questão de partida: Quais os ganhos em saúde na dimensão funcional do MDAIF, sensíveis aos cuidados de enfermagem, `a família da pessoa em condição paliativa? Trata-se de uma amostra de conveniência, constituída por 15 famílias de doentes internados numa unidade de cuidados paliativos, de um Centro Regional Oncológico da Região Centro, e acompanhadas entre setembro e novembro de 2021. Foram considerados como critérios de inclusão para a amostra: cuidadores familiares maiores de 18 anos, conscientes e orientados, com domínio da língua Portuguesa, acompanhados por uma equipa de cuidados paliativos especializada, ter um familiar com doença oncológica internado no mês de setembro na unidade de cuidados paliativos do Centro Regional Oncológico da Região Centro e consentirem participar no estudo.
A colheita de dados decorreu entre setembro (avaliação inicial das famílias) e novembro de 2021 (avaliação final das famílias), sendo executada por dois investigadores da equipa de investigação, com experiência em cuidados paliativos e domínio no MDAIF. Estes analisaram os registos de enfermagem existentes em processo clínico informatizado e realizaram um questionário presencial ao familiar cuidador do doente paliativo oncológico internado e apoiado por cuidados paliativos especializados. O instrumento de colheita de dados utilizado consistiu numa grelha de extração de registos definida à priori e um questionário, baseados no MDAIF. Este instrumento contemplou a avaliação de: i) caracterização da família (tipologia de família, subsistema familiar, intensidade de contacto, relações com a família extensa, sistemas mais amplos, classe social, etapa do ciclo vital da família, família com membro dependente); ii) diagnósticos de enfermagem segundo as três dimensões do MDAIF; iii) intervenções de enfermagem segundo o MDAIF; iv) resultados de enfermagem.
Os dois investigadores realizaram de forma independente a recolha dos dados no processo clínico das famílias, procurando homogeneizar a categorização dos dados e reduzir desvios. Na presença de divergência procuraram consenso com terceiro revisor. O questionário baseado na matriz operativa do MDAIF, foi realizado à família na pessoa do familiar cuidador, e aplicado por um só investigador.
O software Statistical Package for the Social Sciences, versão 21 serviu de base para análise de estatística descritiva dos dados. Analisou-se a frequência relativa e absoluta dos indicadores a estudar (diagnósticos relativos à dimensão funcional do MDAIF e respetivas intervenções).
Foram cumpridos os princípios éticos junto da Comissão de Ética do Centro Regional Oncológico da Região Centro e Unidade de Investigação e Desenvolvimento da Escola Superior de Saúde (número de parecer 2021-017 de 02/08/2021), tendo sido cumpridos todos os pressupostos éticos junto dos participantes (consentimento informado livre e esclarecido para a colheita de dados no processo de enfermagem e para o preenchimento de questionário baseado na matriz operativa do MDAIF).
Resultados
A amostra foi constituída por 15 famílias (n=15), das quais a sua maioria nucleares (n=6; 40%), seguidas de famílias casal (n=4; 26,6%), alargadas (n=3; 20%), famílias monoparentais lideradas pela mulher (n=1; 6,7%) e famílias unipessoais (n=1; 6,7%) (Figura 1). Verificou-se que 10 famílias (66,7%) tinham, na sua composição, o subsistema casal e todas as famílias tinham subsistema parental.
Quanto ao contacto com a família extensa, das 15 famílias, 13 (86,7%) estabeleceram contato presencial e 7 (46,7%) contato telefónico. Dos contatos realizados com a família extensa, 12 (80%) famílias estabeleceram uma frequência e intensidade de contacto diário e as restantes 3 (20%) fizeram-no semanalmente.
A dimensão funcional do MDAIF contempla duas áreas de atenção: papel de prestador de cuidados e o processo familiar. Ao nível dos diagnósticos, foram identificados inicialmente 76 (54,7%) no papel de prestador de cuidados e 63 (45,3%) no processo familiar. Constatou-se a resolução de 54 (71%) dos 76 diagnósticos referentes ao papel de prestador de cuidados e de 47 (74,6%) dos 63 diagnósticos referentes ao processo familiar (Tabela 1).
Dimensão Funcional | Áreas de Atenção | Diagnóstico de Enfermagem | Antes (n) | Após (n) | Resolução de diagnósticos (n) |
Papel de prestador de cuidados | Papel de prestador de Cuidados Não Adequado (n=15) | 15 | 4 | 11 | |
Conhecimento de papel não demonstrado (n=15) | 13 | 3 | 10 | ||
Comportamento de Adesão não demonstrado (n=15) | 15 | 5 | 10 | ||
Consenso de papel: não (n=15) | 12 | 4 | 8 | ||
Conflito de papel (n=15) | 7 | 3 | 4 | ||
Saturação de papel (n=15) | 14 | 3 | 11 | ||
Total de diagnóstico do Papel de prestador de cuidados | 76 | 22 | 54 | ||
Processo familiar | Processo Familiar Disfuncional (n=15) | 13 | 4 | 9 | |
Comunicação familiar não eficaz (n=15) | 13 | 4 | 9 | ||
Coping familiar ineficaz (n=15) | 12 | 2 | 10 | ||
Interação de Papeis não eficaz (n=15) | 12 | 3 | 9 | ||
Relação Dinâmica Disfuncional (n=15) | 13 | 3 | 10 | ||
Total de diagnóstico do Processo Familiar | 63 | 16 | 47 | ||
Total de diagnósticos da Dimensão Funcional | 139 | 38 | 101 |
Nos diagnósticos iniciais de enfermagem, ao nível da dimensão funcional (mais propriamente no papel de prestador de cuidados), verificava-se que 15 famílias (100%) apresentavam papel de prestador de cuidados não adequado e comportamento de adesão não demonstrado, seguindo-se o diagnóstico de saturação de papel (n=14; 93,3%), o conhecimento de papel não demonstrado (n=13; 86,6%), o consenso de papel não demonstrado (n=12; 80%) e o conflito de papel (n=7; 46%). Figura 2.
Ainda referente aos diagnósticos da dimensão funcional, no processo familiar, constatava-se que o diagnóstico de comunicação familiar não eficaz, a relação dinâmica disfuncional e o processo familiar disfuncional surgiam em 13 (86%) famílias. Em 12 (80%) das famílias surgia um coping familiar ineficaz e uma interação de papéis não eficaz.
No sentido de uma melhor compreensão da pertinência das intervenções de enfermagem sobre os diagnósticos na área funcional, de que resultaram uma melhoria no status do diagnóstico ou mesmo numa diminuição do número de diagnósticos de enfermagem, passaremos a apresentar esses resultados e as intervenções de enfermagem implementadas (com o objetivo de resolver o diagnóstico ou com o objetivo de melhorar a organização e o funcionamento familiar nas famílias sem diagnóstico).
Após a elaboração dos diagnósticos das 2 áreas de atenção, foram elaboradas 1612 intervenções de enfermagem tendo por base o MDAIF, em que, no papel de prestador de cuidados, interveio-se em 1144 e, no processo familiar, em 468, as intervenções encontram-se representadas na tabela 2 e 3 respetivamente.
Área de Atenção Papel de Prestador de Cuidados da Dimensão Funcional do MDAIF (N=15 → N=4) Intervenções de enfermagem N = 1144 | ||||
Diagnóstico | Intervenções | |||
Papel de PC não adequado / Conhecimento do papel não demonstrado | Ensinar | Instruir | Treinar | |
Autocuidada higiene (Int=221) | 94 | 64 | 63 | |
Intervenções: ensinar o PC sobre a importância de estimular a independência (n=15); ensinar (n=15), instruir (n=15) e treinar (n=14) o PC sobre a técnica do banho, a higiene do cabelo e técnica de fanerotomia (14); ensinar, instruir e treinar o PC sobre técnica de lavagem de dentes (n=15); ensinar (n=5) e instruir e treinar (n=4) sobre a utilização do fio dentário; e ensinar sobre a periodicidade da lavagem de dentes (n=13). | ||||
Autocuidado vestuário (In. = 52) | 26 | 13 | 13 | |
Intervenções: ensinar sobre adequação do vestuário ao clima (n=13); ensinar, instruir e treinar para vestir e despir (n=13). | ||||
Autocuidado comer e beber (Int. = 160) | 78 | 38 | 44 | |
Intervenções: ensinar o PC sobre a importância de estimular a independência, ensinar PC sobre padrão alimentar adequado, planear dieta com o PC (n=14); ensinar PC sobre preparação dos alimentos (n=12); Instruir PC sobre preparação dos alimentos, ensinar PC sobre técnica de alimentação (oral ou SNG), instruir PC sobre técnica de alimentação (oral ou SNG) (n=11); treinar PC sobre técnica de alimentação (oral ou SNG) (n=10) e treinar PC sobre preparação dos alimentos (n=9); ensinar PC sobre a importância de estimular a independência e ensinar PC sobre padrão de ingestão de líquidos, planear estratégias de ingestão de líquidos com o PC (n=14); ensinar PC sobre técnica de administração de líquidos (n=13); instruir PC sobre técnica de administração de líquidos (n=12) e treinar PC sobre técnica de administração de líquidos (n=9) | ||||
Autocuidado ir ao sanitário (Int .= 60) | 30 | 15 | 15 | |
Intervenções: Ensinar PC sobre a importância de estimular a independência (15), ensinar, instruir e treinar o PC sobre equipamentos adaptativos (n=15) | ||||
Sono e repouso (Int =124) | 60 | 30 | 34 | |
Intervenções: ensinar PC sobre a importância de estimular a independência e a importância do sono reparador, a organização das horas de sono e repouso (15), ensinar, instruir (n=15) e treinar (n=14) o PC sobre estratégias de promoção do sono e repouso | ||||
Autocuidada atividade recreativa (Int. = 29) | 29 | |||
Intervenções: Ensinar o PC sobre a importância de estimular a independência (n=15), de manter e advogar para a promoção de atividades de lazer e motivar para as atividades de lazer (n=14) | ||||
Autocuidada atividade física (Int. = 73) | 43 | 15 | 15 | |
Intervenções: ensinar PC sobre a importância de estimular a independência (n=13); sobre padrão de exercício adequado (n=15) e ensinar/instruir/treinar PC sobre técnicas de mobilização e equipamentos adaptativos (n=15) | ||||
Comportamento de adesão não demonstrado Gestão do regime terapêutico (Intervenções = 180) | Intervenções: Ensinar PC sobre a importância de estimular a independência (n=15), fisiopatologia da doença (n=15), medidas de prevenção das complicações (n=15) e regime terapêutico (n=15). Motivar o PC a estimular a independência do Membro da Família Dependente (MFD) a promover higiene adequada ( n=15)., o vestuário adequado (n=15), a ingestão nutricional adequada ao MFD (n=15), motivar a família a adquirir equipamentos adaptativos para a utilização do sanitário pelo MFD (n=15)., motivar o PC a promover comportamento de sono e repouso adequado (n=15) e promover atividades recreativas adequadas ao MFD (n=15), motivar para assistir o MFD (n=15) e motivar para promover padrão de exercício físico adequado ao MFD (n=15). | |||
Papel prestador de cuidados não adequado/consenso não demonstrado (Intervenções = 90) | Intervenções: promover a comunicação expressiva das emoções (n=15)., avaliar as dimensões não consensuais de papel (n=15), motivar para a redefinição dos papeis pelos membros da família (n=15), negociar a redefinição dos papeis pelos membros da família (n=15), orientar para serviços sociais (n=15) e requerer serviço social (n=15). | |||
Papel prestador de cuidados não adequado/conflito de papel (Intervenções= 80) | Intervenções promover a comunicação expressiva das emoções (n=13); avaliar os conflitos no papel (n=9); motivar para a redefinição dos papeis pelos membros da família (n=11); negociar a redefinição dos papeis pelos membros da família (n=10) e; orientar (n=8) e requerer serviços sociais (n=9). | |||
Papel prestador de cuidados não adequado/saturação de papel (Intervenções= 75) | Intervenções promover a comunicação expressiva das emoções (n=15), avaliar saturação do papel (n=15), promover estratégias de coping para o papel (n=15), motivar e negociar a redefinição dos papeis pelos membros da família (n=15) e requerer serviços de saúde/sociais (n=15). |
Área de Atenção Processo Familiar da Dimensão Funcional do MDAIF (N=15 → N=4) Intervenções de enfermagem N = 468 | |
Diagnóstico | Intervenções |
Papel de processo familiar disfuncional/coping familiar não eficaz | Intervenções: promover e negociar estratégias adaptativas/ coping na família. |
Processo familiar disfuncional/interação de papeis familiares não eficaz ou conflitual | Intervenções: promover a comunicação expressiva das emoções, promover o envolvimento da família, colaborar na identificação dos papéis familiares, avaliar as dimensões não consensuais do papel, avaliar saturação do papel, motivar e negociar a redefinição dos papeis, orientar/requerer para serviços sociais/saúde, promover estratégias de coping para o papel e o suporte da família. |
Processo familiar disfuncional/relação dinâmica disfuncional | Intervenções: otimização do padrão de ligação; promover a comunicação expressiva das emoções; avaliar os conflitos no papel; motivar para a redefinição dos papeis pelos membros da família; negociar a redefinição dos papeis pelos membros da família e; orientar e requerer serviços sociais. |
No início do estudo, todas as famílias apresentaram o diagnóstico de papel de Prestador de Cuidados (PC) não adequado, resultado que foi melhorado no momento de avaliação final, onde se verificou a resolução dos diagnósticos a 11 famílias que participaram neste estudo.
Assim, o diagnóstico papel de PC não adequado/conhecimento do papel não demonstrado, com uma prevalência de 15 e 13 famílias, respetivamente, no início do estudo, melhorou no final do estudo para 4 e 3 famílias, respetivamente. Para os ganhos em saúde no auto cuidado de higiene, contribuíram as seguintes intervenções às famílias: ensinar o PC sobre a importância de estimular a independência (n=15); ensinar (n=15), instruir (n=15) e treinar (n=14) o PC sobre a técnica do banho, a higiene do cabelo e técnica de fanerotomia; ensinar, instruir e treinar o PC sobre técnica de lavagem de dentes (n=15); ensinar (n=5) e instruir e treinar (n=4) sobre a utilização do fio dentário; e ensinar sobre a periodicidade da lavagem de dentes (n=13). No que se refere ao autocuidado vestuário, foram realizadas várias intervenções: ensinar sobre adequação do vestuário ao clima (n=13); ensinar, instruir e treinar para vestir e despir (n=13). No autocuidado comer, foram realizadas as seguintes intervenções de enfermagem: ensinar o PC sobre a importância de estimular a independência, ensinar PC sobre padrão alimentar adequado, planear dieta com o PC (n=14); ensinar PC sobre preparação dos alimentos (n=12); Instruir PC sobre preparação dos alimentos, ensinar PC sobre técnica de alimentação (oral ou SNG), instruir PC sobre técnica de alimentação (oral ou SNG) (n=11); treinar PC sobre técnica de alimentação (oral ou SNG) (n=10) e treinar PC sobre preparação dos alimentos (n=9). No autocuidado beber, foram realizadas as seguintes intervenções de enfermagem: ensinar PC sobre a importância de estimular a independência, ensinar PC sobre padrão de ingestão de líquidos, planear estratégias de ingestão de líquidos com o PC (n=14); ensinar PC sobre técnica de administração de líquidos (n=13); instruir PC sobre técnica de administração de líquidos (n=12) e treinar PC sobre técnica de administração de líquidos (n=9). Ensinar PC sobre a importância de estimular a independência, ensinar, instruir e treinar o PC sobre equipamentos adaptativos (n=15) foram as intervenções realizadas para a resolução do diagnóstico associado ao autocuidado ir ao sanitário. O diagnóstico associado ao autocuidado comportamento de sono e repouso foi gerido através da implementação das intervenções: ensinar PC sobre a importância de estimular a independência e a importância do sono reparador, a organização das horas de sono e repouso, ensinar, instruir (n=15) e treinar (n=14) o PC sobre estratégias de promoção do sono e repouso. Ensinar o PC sobre a importância de estimular a independência (n=15), de manter e advogar para a promoção de atividades de lazer e motivar para as atividades de lazer (n=14) foram as intervenções realizadas para resolver o diagnóstico associado ao autocuidado atividade recreativa. O diagnóstico associado ao autocuidado atividade física foi trabalhado através da implementação das intervenções: ensinar PC sobre a importância de estimular a independência (n=13); sobre padrão de exercício adequado (n=15) e ensinar/instruir/treinar PC sobre técnicas de mobilização e equipamentos adaptativos (n=15).
No início do estudo, todas as famílias apresentaram o diagnóstico comportamento de adesão não demonstrado (n=15), resultado que foi melhorado no momento de avaliação final (n=5), onde se verificou a resolução do diagnóstico junto de 10 famílias que participaram neste estudo. Para a resolução do diagnóstico associado à gestão do regime terapêutico, foram implementadas as intervenções: ensinar PC sobre a importância de estimular a independência, fisiopatologia da doença, medidas de prevenção das complicações e regime terapêutico (n=15). Motivar o PC a estimular a independência do Membro da Família Dependente (MFD), a promover higiene adequada, o vestuário adequado, a ingestão nutricional adequada ao MFD, motivar a família a adquirir equipamentos adaptativos para a utilização do sanitário pelo MFD, motivar o PC a promover comportamento de sono e repouso adequado e promover atividades recreativas adequadas ao MFD, motivar para assistir o MFD (n=15) e motivar para promover padrão de exercício físico adequado ao MFD (n=12) foram as intervenções implementadas para debelar o diagnóstico papel prestador de cuidados não adequado/comportamentos de adesão não demonstrado.
No início do estudo, 12 famílias apresentavam o diagnóstico papel prestador de cuidados não adequado/consenso não demonstrado, resultado que foi melhorado no momento de avaliação final (n=4), onde se verificou a resolução do diagnóstico junto de 8 famílias que participaram neste estudo. Para este resultado contribuíram as seguintes intervenções: promover a comunicação expressiva das emoções, avaliar as dimensões não consensuais de papel, motivar para a redefinição dos papeis pelos membros da família, negociar a redefinição dos papeis pelos membros da família, orientar para serviços sociais e requerer serviço social (n=15).
No início do estudo, 7 famílias apresentavam o diagnóstico papel prestador de cuidados não adequado/conflito de papel, resultado que foi melhorado no momento de avaliação final (n=3), onde se verificou a resolução do diagnóstico junto de 4 famílias que participaram neste estudo. Para a resolução/melhoria do status do diagnóstico foram instituídas as intervenções: promover a comunicação expressiva das emoções (n=13); avaliar os conflitos no papel (n=9); motivar para a redefinição dos papeis pelos membros da família (n=11); negociar a redefinição dos papeis pelos membros da família (n=10) e; orientar (n=8) e requerer serviços sociais (n=9).
No início do estudo, 14 famílias apresentavam o diagnóstico papel prestador de cuidados não adequado/saturação de papel, resultado que foi melhorado no momento de avaliação final (n=3), onde se verificou a resolução do diagnóstico junto de 11 famílias que participaram neste estudo. Para a resolução diagnóstica contribuíram as intervenções: promover a comunicação expressiva das emoções, avaliar saturação do papel, promover estratégias de coping para o papel, motivar e negociar a redefinição dos papeis pelos membros da família e requerer serviços de saúde/sociais (n=15).
No que se refere à área de atenção processo familiar, da dimensão funcional do MDAIF, no início do estudo, 12 famílias apresentavam o diagnóstico de papel de processo familiar disfuncional/coping familiar não eficaz, resultado que foi melhorado no momento de avaliação final (n=2), onde se verificou a resolução do diagnóstico junto de 10 famílias que participaram neste estudo, tendo o enfermeiro intervindo no sentido de promover e negociar estratégias adaptativas/ coping na família (n=12).
O diagnóstico de processo familiar disfuncional/interação de papeis familiares não eficaz ou conflitual foi identificado nas famílias participantes (n=12) no início do estudo. Às famílias com o diagnóstico, e não só, foram implementadas as seguintes intervenções: promover a comunicação expressiva das emoções, promover o envolvimento da família, colaborar na identificação dos papéis familiares, avaliar as dimensões não consensuais do papel, avaliar saturação do papel, motivar e negociar a redefinição dos papeis (n=15), orientar/requerer para serviços sociais/saúde (n=14), promover estratégias de coping para o papel (n=15) e o suporte da família (n=14). Após a intervenção, apenas 3 famílias persistiram com o diagnóstico inicial, tendo sido resolvido o diagnóstico junto de 9 famílias.
A otimização do padrão de ligação, a promoção da comunicação expressiva das emoções e o envolvimento da família, a otimização da comunicação na família (n=13) e padrão de ligação (n=12) e a orientação para terapia familiar (n=9) foram algumas das intervenções realizadas para resolver o diagnóstico de enfermagem processo familiar disfuncional/relação dinâmica disfuncional identificado inicialmente junto de 13 famílias e cujo resultado foi melhorado, mantendo apenas 3 famílias o diagnóstico (10 famílias resolveram o diagnóstico).
Discussão
As famílias estudadas são na sua maioria, de carácter nuclear (40%), facto corroborado pelos 59% de famílias nucleares portuguesas identificadas em 2011, com tendência a um aumento de 2,6%, deste tipo de famílias nos últimos dez anos (Censo, 2021).
A avaliação familiar permite perceber que a proximidade do doente paliativo e famílias com a família extensa, estabelece-se amplamente (80%) numa frequência e intensidade de contato diário, sendo este preferencialmente efetuado através do contato presencial (86,7%) e telefónico (46,7%). Estes dados demostram a importância da proximidade das famílias como agentes de apoio emocional, companhia social, apoio e guia para conselhos, ajuda material e acesso aos serviços, corroborados por Seibel et al. (2017). Estes autores aludem à importância da rede de apoio para a proteção da qualidade das relações intrafamiliares e do próprio funcionamento familiar.
Segundo o Programa Nacional de Cuidados Paliativos (2015), a família deve ser avaliada, auscultada e incluída no plano de cuidados, sendo ela mesma, o objeto de cuidados, quer durante a doença, quer durante o luto. Para que os familiares do doente em condição paliativa possam compreender, aceitar e colaborar nas exigências e ajustamentos que a doença e o doente determinam, é necessário identificar e responder às suas necessidades, proporcionando-lhes apoio, informação, treino e educação.
Esta resposta é possibilitada e facilitada pela possibilidade de presença do familiar cuidador 24h por dia no internamento de cuidados paliativos, visita alargada de familiares, existência de uma linha de apoio 24horas, existência de apoio telefónico de enfermagem, de segunda a sexta-feira promovido pela equipa Intra-hospitalar de Suporte de Cuidados Paliativos, pela existência de consulta de Cuidados Paliativos, com uma frequência ajustada às necessidades do doente, pela possibilidade de usufruírem de um fim de semana terapêutico e a disponibilidade de visita virtual.
A aplicação do MDAIF às 15 famílias do doente internado em condição paliativa, permitiu identificar 271 diagnósticos ao nível estrutural, desenvolvimental e funcional, sendo que a dimensão funcional é aquela que apresenta a maioria dos diagnósticos levantados (n=139; 51,3%). No estudo de Ferreira et al. (2020), o domínio mais prevalente ao nível de diagnósticos é a dimensão desenvolvimental, seguida da funcional. Contudo, esse estudo tratava uma amostra de famílias com um baixo nível de dependência do doente (27,6%), enquanto, no presente estudo, a dependência é de 100%, o que demonstra uma elevada exigência ao nível funcional, no que se refere ao papel do prestador de cuidados e processo familiar.
A intervenção de Enfermagem na família do doente em condição paliativa, levou a alteração favorável em 101 (72,7%) diagnósticos de enfermagem ao nível da dimensão funcional do modelo, resultado que vem demonstrar os ganhos em saúde sensíveis aos cuidados de enfermagem, baseados e respeitantes da filosofia dos Cuidados Paliativos. Na presença de uma doença crónica e evolutiva, a família sofre impacto coletivo, com implicações na sua dinâmica e relação, o que leva a um reajuste das funções assumidas no sistema familiar (Guarda, Galvão e Gonçalves, 2010). Ao cuidador seu familiar doente a família executa funções que resultam de necessidades associadas ao processo de doença. Para tal, é necessário ser instruída ao nível da gestão sintomática, na dependência do autocuidado e na gestão de regime terapêutico, entre outras tarefas. O contínuo da experiência enquanto cuidadores ao longo do processo de doença do seu familiar, diferencia a família na prestação de cuidados (Araújo, 2022).
No presente estudo, os diagnósticos iniciais de enfermagem, ao nível da dimensão funcional (mais propriamente no papel de prestador de cuidados), surgem na totalidade da amostra. As 15 famílias apresentam papel de prestador de cuidados não adequado/comportamento de adesão não demonstrado, seguindo-se o diagnóstico de saturação de papel (n=14; 93,3%), o conhecimento de papel não demonstrado (n=13; 86,6%), o consenso de papel não demonstrado (n=12;80%) e o conflito de papel (n=7; 46%). Cruz et al. (2010), alerta que exigência da prestação de cuidados no que se refere às tarefas a desempenhar e há reduzida resposta formar e informal de apoio aos familiares na prestação de cuidados, conduz a um isolamento do cuidador com impacto na sua vida social.
No processo familiar, constata-se que o diagnóstico de comunicação familiar não eficaz, a relação dinâmica disfuncional e o processo familiar disfuncional surge em 13 (86%) famílias. Identifica-se ainda que 12 (80%) famílias apresentam coping familiar ineficaz e interação de papéis não eficaz. Estes resultados são justificados por Sequeira (2018) demonstrando que a será mais fácil compreender as necessidades dos familiares cuidadores se estes forem auscultados quanto às fontes de stress, recompensas e satisfações da prestação de cuidados, eficácia das estratégias de coping, suporte social recebido, motivação para prestar cuidados e relação com a pessoa de quem cuida. É imprescindível para o familiar cuidador ter garantido o bem-estar, conforto e o alívio do sofrimento do seu familiar doente.
Importa ainda referir que a necessidade de informação surge no âmbito da doença, dos cuidados inerentes às alterações dos papéis da família, dos recursos socioeconómicos a ativar, do apoio emocional perante a perda e morte e da gestão emocional do próprio cuidador (Kristjanson e White, 2002). O cuidado ao doente paliativo pode despoletar no familiar cuidador sentimentos de frustração, tristeza, desespero e revolta, associados à redução do tempo livre do cuidador, à alteração do orçamento familiar, à modificação do funcionamento familiar, a conflitos e sentimentos de culpa (Correia, 2018).
As intervenções de enfermagem identificadas neste estudo são na sua maioria direcionadas à promoção da independência e a ensinar, instruir e treinar os autocuidados ao familiar cuidador. Direcionam-se ainda, à promoção da comunicação expressiva de emoções, às intervenções sobre os conflitos e dinâmicas familiares e à promoção da comunicação da família.
Araújo (2022) valida a necessidade destas intervenções ao alertar que, na progressão da doença, se verifica, junto do familiar cuidador, a necessidade de reajustar as intervenções de enfermagem, principalmente de âmbito educativo, em resposta às dificuldades da pessoa doente e cuidador. As intervenções junto das famílias, ao nível do papel do PC e do processo familiar, abrangem sobretudo o domínio cognição, afetividade e comportamento. No âmbito da comunicação e educação destacam-se a importância da partilha de informação do processo doença e regime terapêutico instituído; instruir sobre os recursos da comunidade; apoiar a tomada decisão; educar e treinar a família para se adaptar e gerir o processo de dependência; ensinar estratégias de resolução de conflitos e de promoção da comunicação com doente e seus familiares e facultar formação sobre a prestação direta de cuidados.
Conclusão
O MDAIF é um modelo teórico e operativo cujo objetivo é a avaliação familiar, de forma a identificar as dimensões mais afetadas reconhecendo os diagnósticos de enfermagem, e planear intervenções em colaboração com a família.
Através do MDAIF, os enfermeiros avaliaram famílias de doentes em condição paliativa, internados num Centro Regional Oncológico da Região Centro, identificaram áreas de atenção e formularam diagnósticos de forma colaborativa com as mesmas. Após a identificação dos diagnósticos, procedeu-se à seleção das intervenções mais adequadas em resposta a cada um.
Da intervenção de enfermagem sobre os diagnósticos na dimensão funcional, resultaram ganhos em saúde, verificando-se uma modificação positiva no estado da maioria dos diagnósticos após a implementação das intervenções na família, refletindo-se em ganhos na saúde resultantes da intervenção do enfermeiro.
As famílias quando acompanhadas com metodologias participativas e colaborativas conseguem mobilizar as suas forças e os recursos para a resposta às suas necessidades. O MDAIF mostrou ser um instrumento de trabalho fundamental para os enfermeiros e famílias neste processo sendo uma ferramenta importante para os enfermeiros no contexto de cuidados paliativos, pois facilita a compreensão holística do sistema familiar e do processo de enfermagem.
Os resultados obtidos reforçam o papel do enfermeiro junto das famílias da pessoa em condição paliativa, a necessidade crescente de uma enfermagem avançada capaz de gerir situações de elevada complexidade, e a utilidade do MDAIF como suporte às decisões de enfermagem referentes às necessidades evidenciadas na família.
Como limitações de estudo destaca-se a sua implementação na pandemia Covid-19 havendo maior dificuldade ao contacto presencial com as famílias, a inexistência uniformização dos registos de enfermagem relativos à família no processo clínico e o tempo limitado para a execução do estudo.
São necessários mais estudos que possam reforçar os resultados obtidos pela aplicação do MDAIF, enquanto abordagem colaborativa à família como cliente e parceira de cuidados, disseminando em mais contextos de internamento em cuidados paliativos oncológicos e não oncológicos. Será também pertinente a sua execução em contexto de equipas comunitárias em Cuidados Paliativos onde o doente e família se encontram inseridos no seio meio natural.