INTRODUÇÃO
Atualmente, verifica-se um aumento do número de admissões aos serviços de urgência de pediatria com o objetivo da estabilização da situação clínica da criança doente (1). A idade de atendimento no serviço de urgência de pediatria vai desde o nascimento até aos 17 anos e 364 dias, reforçando que o atendimento urgente de crianças deverá ocorrer em instalações autónomas, específicas e exclusivamente pediátricas para a prestação de toda a assistência a essa população (2). Neste espaço deve estar salvaguardada a realização do sistema de triagem das crianças, que permite estabelecer a prioridade no atendimento em função da maior ou menor gravidade da sua situação clínica, sendo que a responsabilidade recai nos profissionais de Enfermagem (3) (4).
Por vezes, o recurso à urgência de pediatria é realizado sobretudo à custa de falsas urgências, implicando o aumento dos custos económicos e de recursos humanos para o tratamento de sinais e sintomas não urgentes, o que dificulta a assistência e a prestação de cuidados de enfermagem neste contexto (1). A recorrência ao serviço de urgência deve-se, essencialmente, pela perceção de doença grave e urgente, local de atendimento mais próximo e preferência por avaliação de profissional especialista em pediatria. Contudo, apenas 19,7% das admissões foram consideradas como justificáveis pelo cumprimento dos critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo que muitas destas ocorrências apresentaram alta sem a necessidade de realização de exames complementares de diagnóstico ou tratamento (5). Este estudo evidenciou as lacunas na educação para a saúde parental perante a perceção de doença grave em situação benigna, desencadeando um recurso precoce e injustificado ao serviço de urgência (5). Num outro hospital também se verificou que os episódios de doença “não urgente” foram responsáveis por quase dois terços das observações, reforçando a necessidade de sensibilização da população para esta situação (6).
Habitualmente, os diagnósticos mais frequentemente encontrados no serviço de urgência de pediatria são as infeções das vias aéreas superiores, dificuldade respiratória e traumatismos (1) (6). Além da patologia respiratória e, particularmente a dispneia, ser o motivo de admissão mais frequente em serviços de urgência de pediatria, também constitui o motivo de readmissão mais frequente a esse serviço (7). Segundo a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (ICNP) a dispneia caracteriza-se pelo processo do sistema respiratório comprometido, com a existência de movimento dinâmico da entrada e saída de ar dos pulmões, com desconforto e esforço respiratório crescente, falta de ar, associado a insuficiência de oxigénio no sangue circulante, sensação de desconforto e ansiedade (8). Em Portugal, as doenças respiratórias crónicas são uma das principais causas de morbilidade e de mortalidade com tendência para aumentar a sua prevalência (9).
Desta forma, encontra-se evidenciada a importância de se identificarem os motivos que levam ao recurso ao serviço de urgência de pediatria, bem como definir áreas de atuação dos profissionais, neste caso específico, enfermeiros com especialização em enfermagem de reabilitação. O Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação (EEER) é um profissional com conhecimento aprofundado na área da enfermagem de reabilitação, que tem como missão a intervenção precoce, a promoção da qualidade de vida, a maximização da funcionalidade e a prevenção de complicações (10).
De acordo com o supramencionado e sustentado no referencial teórico de Anne Casey, a relação de parceria no exercício profissional dos enfermeiros em contextos de assistência pediátrica revela-se fulcral para um cuidado centrado na criança/adolescente e família. As interações e os processos comunicacionais que se encontram subjacentes a essa relação de parceria permitem que as intervenções de enfermagem inerentes à promoção, manutenção e restauração do bem-estar da criança sejam tendencialmente mais efetivas. Conforme tem sido evidenciado por outros autores, os pais são os melhores prestadores de cuidados aos seus filhos e os enfermeiros desenvolvem todo o planeamento de cuidados, promovendo o envolvimento negociado dos pais no processo de cuidar, otimizando os seus conhecimentos e capacidades para o desenvolvimento efetivo do papel parental (11) (12).
Assim, perante a criança com dispneia, é fundamental que o EEER atue na capacitação para o papel parental, investindo na parceria de cuidados entre a família como prestadora de cuidados e a criança/adolescente como alvo dos cuidados, permitindo assegurar a contínua participação da família no planeamento dos cuidados à criança/adolescente (12). No seguimento do referido, este estudo tem como objetivo caracterizar as crianças/adolescentes que recorrem ao serviço de urgência de pediatria com quadro de dispneia e refletir sobre a necessidade de intervenção dos enfermeiros de reabilitação.
METODOLOGIA
Estudo retrospetivo, integrado no paradigma quantitativo, que visa analisar os dados relativos a crianças e adolescentes que recorreram ao serviço de urgência de pediatria, de um centro hospitalar da região norte do país, com dispneia. A colheita de dados foi concretizada através da análise dos fluxogramas existentes no programa de Triagem de Manchester que vigora num serviço de urgência de pediatria do referido centro hospitalar, no período compreendido entre 2018 e 2020, e com o registo de 99099 admissões. Os dados foram extraídos do programa informático diretamente para uma folha em formato excel e, posteriormente, no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 26.0. De acordo com os objetivos do estudo foram analisados os fluxogramas “dispneia” e “dispneia na criança”, do programa de Triagem de Manchester e relativamente aos quais foram elencados dados descritivos, nomeadamente frequências absolutas (n) e relativas (%). O sistema de Triagem de Manchester apresenta diferentes graus de prioridade de atendimento, nomeadamente Emergente (atendimento imediato); Muito Urgente (atendimento praticamente imediato, até 10 minutos); Urgente (atendimento rápido mas com possibilidade de aguardar até 60 minutos); Pouco Urgente (podem aguardar até 120 minutos ou serem encaminhados para outros serviços de saúde) ou Não Urgente (podem aguardar atendimento até 240 minutos ou serem encaminhados para outros serviços de saúde) (13).
De modo a cumprir as exigências éticas foi efetuado o pedido à comissão de ética do centro hospitalar em causa, obtendo-se aprovação em parecer com o número 3898/2021. Foi garantido o anonimato, confidencialidade e a exclusividade dos dados. Os dados foram recolhidos numa sala reservada, sendo garantida a confidencialidade no manuseamento do número de episódios de urgência, tendo sido apenas retirados os dados estritamente necessários para o estudo. Neste sentido, foi criada uma base de dados numerada, sem nunca serem identificados os números de episódios de urgência das crianças/adolescentes admitidos e a codificação dos dados foi efetuada unicamente pelo investigador, estando assegurado o sigilo total de todo o processo de investigação.
RESULTADOS
O fluxograma “Dispneia na Criança” é um dos mais frequentemente utilizados pelos enfermeiros do serviço de urgência de pediatria do Centro Hospitalar da Região Norte de Portugal. Da análise efetuada, no período entre Janeiro de 2018 a Dezembro de 2020, foram triados pelos fluxogramas “Dispneia” e a “Dispneia na criança”, 8974 crianças/adolescentes (Tabela 1).
FLUXOGRMAS/ANO | |||
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FLUXOGRAMAS | 2018 | 2019 | 2020 |
n | n | n | |
Dispneia na Criança | 3081 | 3414 | 1796 |
Dispneia | 328 | 221 | 134 |
Total | 3409 | 3635 | 1930 |
Total de Admissões: | 37954 | 40896 | 20249 |
Na tabela 1 podemos observar que o número de admissões aumentou do ano 2018 para o ano 2019 com um aumento de 7,75% das admissões totais e um aumento de 6,63% das admissões nos fluxogramas de “dispneia” e “dispneia na criança”. Contudo, quando comparado o ano de 2020 com o ano 2019 observa-se um decréscimo de admissões quer ao nível das admissões totais (-33,76%) quer ao nível das crianças admitidas com problemas do foro respiratório (-30,64%).
Na tabela 2 podemos observar os dados sociodemográficos das crianças/adolescentes que recorreram ao serviço de urgência de pediatria com compromisso do sistema respiratório.
SEXO/ANO | |||
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2018 | 2019 | 2020 | |
Sexo | n(%) | n(%) | n(%) |
Masculino | 1816(53,27) | 1986(54,64) | 1101(57,05) |
Feminino | 1593(46,73) | 1649(45,36) | 829(42,95) |
CLASSES DE DESENVOLVIMENTO/ANO | |||
Lactente | 464(13,61) | 388(10,67) | 234(12,12) |
Crianças Pequenas | 1606(47,11) | 1674(46,05) | 896(46,42) |
Pré-Escolar | 689(20,21) | 804(22,12) | 388(20,10) |
Escolar | 287(8,42) | 314(8,64) | 162(8,39) |
Adolescente | 363(10,65) | 455(12,52) | 250(12,95) |
Legenda: Recém-Nascidos (até 28 dias); Lactente (<1 ano); Crianças pequenas (1 - 2 anos); Pré-escolar (3 -5 anos); Escolar (6 - 9 anos); Adolescentes (≥10 anos e <18 anos)
O sexo masculino apresenta maior número de admissão ao serviço de urgência de pediatria, quando comparado com o sexo feminino. No nosso estudo, as crianças pequenas representam a classe etária com maior percentagem de admissões ao serviço de urgência por problemas respiratórios.
Foi durante os meses das estações do ano Outono e Inverno que ocorreu um aumento do número de admissões nestes fluxogramas (Tabela 3).
MÊS DE ADMISSÃO /ANO | |||
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Meses do Ano | 2018 n(%) | 2019 n(%) | 2020 n(%) |
Janeiro | 504(14,78) | 498(13,70) | 628(32,54) |
Fevereiro | 331(9,71) | 455(12,52) | 400(20,73) |
Março | 314(9,21) | 361(9,93) | 168(8,70) |
Abril | 277(8,13) | 279(7,68) | 36(1,87) |
Maio | 264(7,74) | 278(7,65) | 41(2,12) |
Junho | 177(5,19) | 169(4,65) | 17(0,88) |
Julho | 129(3,78) | 144(3,96) | 20(1,04) |
Agosto | 151(4,43) | 113(3,11) | 61(3,16) |
Setembro | 150(4,40) | 177(4,87) | 130(6,74) |
Outubro | 307(9,01) | 339(9,33) | 199(10,31) |
Novembro | 329(9,65) | 399(10,98) | 138(7,15) |
Dezembro | 476(13,96) | 423(11,64) | 92(4,77) |
Total Geral: | 3409(100,00) | 3635(100,00) | 1930(100,00) |
Como podemos observar foram os meses de Janeiro, Fevereiro, Novembro e Dezembro que apresentaram um aumento do número de admissões ao serviço de urgência de pediatria.
Relativamente à prioridade de admissão ao serviço de urgência de pediatria podemos observar que no fluxograma de “dispneia na criança” é mais frequente a “pouco urgente”, seguida da prioridade de “muito urgente”, “urgente” e “emergente” e “não urgente”. Já no fluxograma de “Dispneia” a prioridade mais frequente enquadra-se na “urgente”, seguida de “pouco urgente”, “muito urgente” e “não urgente” (Tabela 4).
PRIORIDADE DE ATENDIMENTO | ||||
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2018 n(%) | 2019 n(%) | 2020 n(%) | ||
Dispneia na criança | Emergente | 9(0,29) | 6(0,18) | 4(0,22) |
Muito urgente | 616(19,99) | 650(19,04) | 445(24,78) | |
Urgente | 503(16,33) | 611(17,89) | 322(17,93) | |
Pouco Urgente | 1946(63,16) | 2141(62,71) | 1024(57,02) | |
Não Urgente | 7(0,23) | 6(0,18) | 1(0,05) | |
Total (Dispneia na criança) | 3081(100) | 3414(100) | 1796(100) | |
Dispneia | Emergente | 0(0,00) | 0(0,00) | 0(0,00) |
Muito urgente | 94(28,66) | 15(6,79) | 7(5,22) | |
Urgente | 140(42,68) | 82(37,10) | 44(32,84) | |
Pouco Urgente | 93(28,35) | 121(54,75) | 818(60,45) | |
Não Urgente | 1(0,31) | 3(1,36) | 2(1,49) | |
Total (Dispneia) | 328(100) | 221(100) | 134(100) | |
Total: | 3409(100) | 3635(100) | 1930(100) |
Quanto aos sinais e sintomas que as crianças e adolescentes apresentavam estão descritas na tabela 5, nomeadamente nos descritores inseridos nos fluxogramas “dispneia” e “dispneia na criança” que os enfermeiros selecionaram durante a triagem da criança/adolescente.
DESCRITORES DOS FLUXOGRAMAS MAIS SELECIONADOS | |||
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2018 | 2019 | 2020 | |
n(%) | n(%) | n(%) | |
Adulto quente* | 1(0,0) | 1(0,0) | 0(0,0) |
Broncospasmo | 43(1,3) | 35(1,0) | 26(1,3) |
Compromisso da via aérea | 0(0,0) | 2(0,1) | 0(0,0) |
Dor pleurítica | 168(4,9) | 207(5,7) | 106(5,5) |
Estridor | 6(0,2) | 3(0,1) | 3(0,2) |
Exaustão | 1(0,0) | 1(0,0) | 1(0,1) |
Hemoptise / História de hemoptise | 15(0,4) | 6(0,2) | 1(0,1) |
História inapropriada | 120(3,5) | 170(4,7) | 92(4,8) |
História significativa de doença respiratória | 10(0,3) | 9(0,2) | 1(0,1) |
Incapacidade de articular frases completas | 5(0,1) | 8(0,2) | 2(0,1) |
Problema recente / Problema não recente | 868(25,5) | 762(21,0) | 396(20,5) |
Provável infeção respiratória | 1132(33,2) | 1466(40,3) | 683(35,4) |
Pulso anormal | 11(0,3) | 5(0,1) | 4(0,2) |
Respiração ineficaz | 3(0,1) | 1(0,0) | 1(0,1) |
SaO2 baixa / muito baixa | 446(13,1) | 354(9,7) | 196(10,2) |
Subfebril (Febrícula) | 4(0,1) | 7(0,2) | 3(0,2) |
Trabalho respiratório aumentado | 576(16,9) | 597(16,4) | 415(21,5) |
Traumatismo torácico | 0(0,0) | 1(0,0) | 0(0,0) |
Total | 3409(100,0) | 3635(100,0) | 1930(100,0) |
*Adulto quente encontra-se no descritor do fluxograma de “Dispneia”, que considera adulto quente quando a temperatura auricular é igual ou superior a 38,5ºC.
Os descritores mais vezes selecionados pelos enfermeiros foram a “provável infeção respiratória”, “problema recente/não recente”, “trabalho respiratório aumentado”; “saturação de oxigénio baixa/muito baixa” e “dor pleurítica” (tabela 5).
Na tabela 6 podemos verificar os descritores frequentemente selecionados pelos enfermeiros e comparar com as classes de desenvolvimento.
DESCRITORES MAIS FREQUENTES E CLASSES DE DESENVOLVIMENTO (N/%) | |||||||||||||||
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(%) | 2018 | 2019 | 2020 | ||||||||||||
L | C | PE | E | A | L | C | PE | E | A | L | C | PE | E | A | |
Dor pleurítica | 1,5 | 1,0 | 4,4 | 14,3 | 20,4 | 0,3 | 1,2 | 5,6 | 8,6 | 25,1 | 0,0 | 1,7 | 5,2 | 7,4 | 23,6 |
História inapropriada | 5,4 | 3,5 | 2,2 | 4,9 | 2,5 | 7,0 | 5,7 | 3,2 | 2,5 | 3,1 | 7,3 | 5,6 | 2,8 | 5,6 | 2,0 |
História significativa de doença respiratória | 0,0 | 0,1 | 0,6 | 0,3 | 1,1 | 0,0 | 0,0 | 0,1 | 0,3 | 1,5 | 0,0 | 0,1 | 0,0 | 0,0 | 0,0 |
Problema recente / Problema não recente | 34,1 | 23,9 | 26,7 | 20,6 | 22,9 | 26,5 | 18,2 | 21,1 | 24,2 | 24,0 | 25,6 | 16,4 | 19,1 | 19,1 | 33,6 |
Provável infeção respiratória | 28,2 | 37,9 | 35,7 | 27,9 | 18,5 | 39,7 | 42,3 | 43,3 | 42,4 | 27,0 | 29,1 | 39,2 | 39,9 | 31,5 | 23,2 |
SaO2 baixa / muito baixa | 8,2 | 11,5 | 11,8 | 20,2 | 23,1 | 4,4 | 9,8 | 12,8 | 9,6 | 8,8 | 8,5 | 9,6 | 11,9 | 15,4 | 7,6 |
Trabalho respiratório aumentado | 20,9 | 20,5 | 16,3 | 8,0 | 4,1 | 20,6 | 21,6 | 12,8 | 10,2 | 4,6 | 29,1 | 26,1 | 19,6 | 17,3 | 3,6 |
Outros | 1,7 | 1,6 | 2,5 | 3,8 | 7,4 | 1,5 | 1,3 | 1,0 | 2,2 | 5,9 | 0,4 | 1,3 | 1,5 | 3,7 | 6,4 |
Total (%) | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 | 100 |
Legenda: Lactentes (L); Criança pequena (C); Pré-escolar (PE); Escolar (E); Adolescente (A)
O descritor “provável infeção respiratória”, no programa de Triagem de Manchester, reporta-se a todas as crianças/adolescentes que apresentam como sintomas a tosse, expetoração e dispneia. Este é o descritor mais frequentemente utilizado pelos enfermeiros. As crianças com idade pré-escolar e as crianças pequenas são as mais afetadas por esta tipologia de sintomas, sendo que estão associadas a uma prioridade de atendimento “pouco urgente”.
O descritor “problema recente” e o “problema não recente” estão relacionados com o tempo de instalação dos sinais e sintomas que afetam a criança/adolescente. Assim, quando a instalação desses sinais e sintomas é superior a 7 dias e sem agravamento dos mesmos é considerado como “problema não recente”. Esta situação está evidenciada nas diversas classes etárias de desenvolvimento (tabela 6). Estes dois fluxogramas estão associados a uma prioridade de atendimento “pouco urgente” (problema recente) e “não urgente” (problema não recente).
Os lactentes e as crianças pequenas são as classes etárias que apresentaram um maior número de admissão ao serviço de urgência pelo descritor “trabalho respiratório aumentado”, ou seja, a presença de sinais de dificuldade respiratória como a tiragem, polipneia, pieira ou gemido, sendo que estes estão associados a prioridade de atendimento de “muito urgente”.
Relativamente aos descritores “saturação de oxigénio baixa/muito baixa” referem-se aos casos em que as saturações de oxigénio, em ar ambiente, se encontram num valor inferior a 90% (saturação de oxigénio muito baixa) e saturações de oxigénio inferiores a 95% (saturações de oxigénio baixas). Este descritor está fortemente relacionado com as classes etárias do pré-escolar e idade escolar. Estas duas situações apresentam uma prioridade de atendimento “muito urgente” (com saturações muito baixas) ou uma prioridade de atendimento “urgente” (com saturações de oxigénio baixas).
O descritor referente à dor pleurítica é um dos sintomas mais identificados pelos adolescentes, estando associada a uma dor aguda no peito que piora quando respira, tosse ou espirra, sendo uma situação considerada de prioridade “urgente”.
DISCUSSÃO
No período de tempo de 2018 a 2020, 9,06% das crianças/adolescentes foram admitidos num serviço de urgência com quadro de dispneia. Entre 2018 e 2019, os números eram mais elevados, quer em relação às nas crianças/adolescentes com patologia respiratória, quer nas admissões totais. Quando comparado a outros serviços de urgência, a nível nacional e internacional verificamos que grandes partes das admissões ao serviço de urgência de pediatria devem-se a casos de dispneia na criança, sendo que por vezes o seu recurso a este serviço é inadequado (5) (14) (15).
No ano 2020, o Governo Português decretou confinamento nacional a partir de 22 de março devido à pandemia por SARS-CoV2 e restringiu determinados direitos em prol da saúde pública, levando ao encerramento de estabelecimentos educacionais, bem como a adoção do regime teletrabalho parental (16). O encerramento de certos tipos de instalações e de estabelecimentos culturais, desportivos e/ou restauração, bem como o encerramento de berçários, creches, infantários e escolas e a adoção do regime teletrabalho parental foram fatores que contribuíram para a diminuição do número de admissões ao serviço de urgência de pediatria, assim como diminuição da doença respiratória na criança/adolescente, observando-se uma diminuição do número de doenças infeciosas, diminuição das admissões por iniciativa própria e aumento dos encaminhamentos externos ao serviço de urgência, contudo aumentaram as taxas de internamento hospitalar (17).
O sexo masculino apresenta maior número de admissão ao serviço de urgência de pediatria, quando comparado com o sexo feminino, semelhante a outros estudos (1)(5), sendo a classe etária de 1 ano aos 2 anos a mais frequente no serviço de urgência de pediatria por problemas respiratórios.
Os resultados do estudo retrataram uma prevalência de admissões com prioridade pouco urgente, bem como uma prevalência de sintomas de tosse, presença de expetoração e dispneia e com um aumento da frequência de admissões nas estações do ano de Outono e Inverno. Este período de tempo é coincidente com os diagnósticos de infeção das vias aéreas superiores, dificuldade respiratória ou nasofaringites que foram identificados em estudos prévios, sendo patologias frequentemente associadas a estes meses do ano (1) (5). Esta situação apresenta-se idêntica a outras instituições de saúde pediátricas onde se verificou um aumento de procura inadequada aos serviços de urgência de pediatria (número de admissões desnecessárias), dificultando o acesso e os cuidados de saúde a situações verdadeiramente urgentes (1) (18). O recurso à urgência de pediatria é causado por fatores temporais (19), sendo que o aumento da prevalência de admissões do ano 2018 para 2019 poderá ser justificado pelo aumento do número de casos de doenças respiratórias que se tornou evidente naquele período de tempo. Quando comparado com uma urgência de pediatria internacional, verificamos que o fluxograma “Dispneia na criança” é um dos fluxogramas mais utilizados, sendo que a “baixa saturação de oxigénio”, “dor moderada” e “problema recente” foram os discriminadores mais utilizados pelos profissionais de enfermagem aquando da Triagem de Manchester (15), sendo que estes dados vão ao encontro do nosso estudo.
A atribuição da prioridade “pouco urgente” é visível em todas as classes de desenvolvimento etário. Desta forma, depreende-se que existe uma necessidade de sensibilização e de educação para a saúde parental de forma a diminuir o número de admissões hospitalares com prioridade “pouco urgente” e que são visivelmente notórias neste estudo, de forma a evitar uma crescente afluência neste serviço, e o consequente colapso dos recursos humanos e da estrutura organizacional. Assim é fundamental capacitar os pais para reconhecer os sinais de patologia respiratória importantes, de forma a evitar admissões e readmissões ao serviço de urgência de pediatria, principalmente na área do foro respiratório, sendo que o EEER poderá ser vital para este processo de capacitação. O aumento do número de admissões, principalmente nos meses de Janeiro, Fevereiro, Novembro e Dezembro, situação semelhante a outros estudos (19), indica que são os meses em que esta capacitação deverá ser reforçada, principalmente em contexto da comunidade, de forma a diminuir a recorrência ao serviço de urgência por “falsas urgências”.
Importa também considerar que existem outros fatores preditivos que podem estar relacionados com o aumento do número de admissões ao serviço de urgência de pediatria, como a falta de orientações sobre os sinais de alarme na criança, e a confiança que os pais nutrem nos profissionais de saúde da instituição. Além disso, o contexto social, educacional e de acesso à saúde pode desencadear um maior recurso ao serviço de urgência de pediatria (18). Desta forma, muitos destes fatores de risco poderão ser colmatados através da prevenção, nos quais se deverão basear nas medidas preventivas futuras, de forma a diminuir as taxas de prevalência e de morbilidade que as crianças com dispneia apresentam.
A par da importância de despistar estes fatores, o EEER poderá ser vital para o processo de capacitação parental e para a própria capacitação das crianças/adolescentes, trabalhando em parceria de cuidados como o modelo teórico de enfermagem assiste. Embora não exista um estudo prévio para confirmar, empiricamente entre as discussões com os diversos elementos da equipa de enfermagem e na avaliação clínica da criança e adolescente é frequentemente necessária, a capacitação parental, sendo um dos aspetos que mais necessita de intervenção, visto que existe um aumento do número de admissões nas classes de desenvolvimento lactentes e as crianças pequenas estando relacionados com um elevado número de triagens com atribuição da prioridade “pouco urgente”.
Assim, a intervenção do EEER é fundamental para a capacitação do papel parental para a gestão da doença respiratória, permitindo a redução da hospitalização da criança/adolescente, a prevenção de crises/complicações respiratórias, a redução de antibioterapia, a redução da tosse, a higiene do sono, e a melhoria da limpeza das vias respiratórias, com expetoração mais fluida e/ou menos expetoração na criança/adolescente. Em estudo realizado anteriormente, todos os pais admitiram que a intervenção do EEER foi fundamental e que conseguiram adquirir competências para a promoção do autocuidado em contexto domiciliário, deteção de sintomas e complicações atempadamente e atuar nos problemas das vias respiratórias. Desta forma, a presença do EEER poderá contribuir para reduzir complicações, bem como o tempo de internamento hospitalar (20).
Na sequência dos resultados do presente estudo, é intenção dos autores criar uma proposta de projeto, com a finalidade de aumentar os conhecimentos sobre a patologia respiratória nas crianças/adolescentes e na família; diminuir a recorrência ao serviço de urgência de pediatria; minimizar a sintomatologia respiratória em crianças/adolescentes com doença crónica e promover a autonomia da criança/adolescente com doença respiratória crónica. O EEER poderá ser uma mais-valia para uma prática de cuidados especializados e contribuir para a consciencialização, o aumento da educação em saúde e melhorar a qualidade de vida da criança/adolescente e família, de forma a evitar as “falsas urgências”. Este concebe, implementa e avalia os planos e programas especializados tendo como objetivo a qualidade de vida da criança/adolescente e a sua reintegração na sociedade (10).
A criação de um projeto de capacitação para o papel parental implica o desenvolvimento de diversas habilidades, como por exemplo: higiene nasal com soro fisiológico; aspiração através de aspirador manual, elétrico ou bucal; posicionamento do recém-nascido e da criança nas situações de doença respiratória; higiene e adequação do quarto; arrumação e limpeza de brinquedos; reconhecimento de sinais de dificuldade respiratória e fatores desencadeadores de crises; e administração de terapêutica inalatória e cuidados respetivos.
A capacitação da criança/adolescente e do papel parental deverá ser ajustado à idade da criança/classe de desenvolvimento em que esta se encontra, sendo que o EEER deverá estar atento e em alerta para esta adequação. O objetivo final é ter parceiros no processo de reabilitação que sejam capazes de desenvolver o papel parental de forma transitória e definitiva, integrando cada pessoa da família como um ser único, alvo de cuidados no processo de reabilitação.
Assim, através do modelo de parceria de cuidados de Anne Casey os enfermeiros além da prestação de cuidados direcionados à resolução do problema respiratório, devem promover programas de ensino adequados às necessidades de cada família, de forma que estes possam adquirir conhecimento e técnicas mais apropriadas para a satisfação das necessidades das crianças/adolescentes. Desta forma, a atuação do EEER, na área da dispneia na criança poderá apresentar um elevado contributo num serviço de urgência de pediatria, pois é um profissional que atua em equipa multidisciplinar e na parceria de cuidados permitindo desenvolver o papel parental de forma transitória ou definitiva de forma a promover a autonomia na criança/adolescente e família e elevar a qualidade dos cuidados de enfermagem nesta área específica. Este profissional através das suas competências específicas e sustentando a sua tomada de decisão nos referenciais teóricos, está numa posição privilegiada para conceber e implementar planos de cuidados de enfermagem de reabilitação à criança/adolescente com compromisso cardiorrespiratório e família, de forma a alcançar a capacitação e maximização da funcionalidade e a autonomia nos vários contextos da prática clínica, permitindo melhorar a sua qualidade de vida. Estes profissionais apresentam conhecimentos e capacidades técnicas capazes de providenciar aos pais os ensinamentos que lhes permitem melhorar a ligação com os filhos e desempenhar mais eficazmente o seu papel parental.
CONCLUSÃO
A dispneia na criança é um problema em saúde que provoca um elevado número de admissões ao serviço de urgência de pediatria num centro hospitalar da região norte. Os principais sinais e sintomas mais indicados na admissão ao serviço de urgência de pediatria são a tosse, presença de sinais de dificuldade respiratória, hipoxemia e dor pleurítica. As crianças pequenas são a classe etária que apresentam maior número de admissões por quadro de dispneia, sendo que na maioria das vezes com prioridade de pouco urgente. Por outro lado, os lactentes e as crianças pequenas apresentam elevada prevalência de admissões com sinais de dificuldade respiratória evidentes, sendo que o número deste tipo de casos está a aumentar, o que condiciona a atuação muito urgente por parte dos profissionais de saúde. O recurso ao serviço de urgência de pediatria por patologia respiratória apresenta maior prevalência nos meses de janeiro, fevereiro, novembro e dezembro, estando associado a fatores temporais. Empiricamente, estes dados podem traduzir baixo conhecimento dos pais, stresse associado ao exercício do papel parental e/ou falta de acessibilidade a recursos na comunidade que lhes permitam adquirir conhecimentos e habilidades técnicas para cuidar de uma criança com dispneia. Assim, a facilidade de acesso dos serviços de urgência, bem como a qualidade dos cuidados lá prestados torna este serviço o preferido dos pais, pois encontra-se facilmente acessível. O EEER poderá ser uma mais-valia para a promoção em saúde, capacitando as crianças e os pais para a autogestão de eventuais patologias respiratórias e/ou minimizando a sua sintomatologia.