INTRODUÇÃO
O envelhecimento da população é um aspeto referido frequentemente em Portugal. A esperança média de vida em 1970 era de 67,1 anos e em 2019 era de 81,1 anos1. Atualmente, o envelhecimento humano é visto como um processo cada vez mais longo acompanhado por alterações fisiológicas e biológicas, muitas vezes associado a processos degenerativos que podem comprometer a capacidade funcional das pessoas2). Desta forma, com o envelhecimento da população advêm as patologias crónicas o que, a nível dos cuidados de saúde hospitalares, modificam o nível e as horas de cuidados prestados; as dinâmicas dos serviços de Medicina Interna são influênciadas e são abertas portas que incentivam uma mudança do paradigma de hospitalização.
Segundo Temido et al (2018) a percentagem de clientes com mais de 65 anos internados nos serviços de medicina interna duplicou, passando a mediana de idades de 61 para 79 anos. Verificou-se também um aumento do número de diagnósticos secundários (64,8% tinham 6 ou mais diagnósticos), ilustrando claramente a complexidade desta população 3.
Analisando o facto de 73,8% da população com mais de 65 anos ter doenças crónicas e estas alterarem a sua percepção de saúde4 torna-se imprescindivel o trabalho dos EEER nos serviços de medicina interna.
Os EEER têm como objetivo fundamental na sua ação profissional a manutenção e promoção do bem-estar, qualidade de vida, promoção do autocuidado e recuperação da funcionalidade, prevenção de complicações e maximização das capacidades (5,6.
Os EEER estão inseridos em equipas muldidisciplinares e ao terem uma intervenção baseada na evidência, originam ganhos em saúde, que se traduzem em anos de vida, redução de episódios de doença ou encurtamento da sua duração, diminuição das situações de incapacidade, aumento da funcionalidade e redução do sofrimento evitável e melhoria da qualdiade de vida7. Assim, os EEER desenvolvem um conjunto de atividades que permite minimizar o efeito do envelhecimento e a hospitalização recorrente.
Em 2017, a Direção-Geral da Saúde salientou a necessidade de adaptação dos serviços de saúde aos idosos, realçando também os benefícios de internamentos hospitalares mais curtos 8.
É neste sentido e com o objetivo de responder às seguintes questões:
Q1: Como se carateriza a condição de saúde dos clientes internados no serviço de medicina durante os anos de 2019 e 2020?
Q2: Quais as intervenções de enfermagem de reabilitação que foram realizadas neste periodo de tempo?
Q3: Qual é a relação entre o número de EEER e o número de clientes com plano de reabilitação implementado?
que surge este estudo, permitindo fortalecer as evidências sobre enfermagem de reabilitação, necessidade identificada por Fernandes, Gomes, Magalhães & Lima em 2019 9.
Desta forma, pretende-se contribuir para a divulgação dos cuidados prestados pelos EER e seus resultados na saúde dos cidadãos, permitindo gerar conhecimento, avaliar as práticas e fornecer evidência para o ensino, contribuindo desta forma para a evolução da profissão10).
METODOLOGIA
Foi realizado um estudo quantitativo, transversal e retrospetivo tendo como contexto um serviço de medicina de um hospital da região centro-norte de Portugal.
O serviço de Medicina X é constituído (fisicamente) por 11 quartos com 36 camas. No mesmo espaço físico, funciona o serviço de Neurologia, que é constituído por 4 camas. A equipa de enfermagem de reabilitação presta cuidados especializados a ambos os serviços e quando solicitada, dá apoio ao internamento de Medicina Y e Unidade de AVC. No entanto, para este estudo foram apenas contabilizadas as camas referentes ao serviço de Medicina X.
Através de amostragem não probabilística foram selecionados todos os clientes que tiveram intervenção do EEER e que foram internados no serviço no período compreendido entre 1 de janeiro de 2019 e 31 de dezembro de 2020.
Durante o mesmo espaço temporal, ou seja, dois anos foi feita a recolha de dados. Este período foi selecionado uma vez que os recursos humanos de enfermagem de reabilitação duplicaram no ano 2020, particularidade esta que permitiu analisar e comparar de uma forma mais detalhada a prestação de cuidados dos EEER.
Os dados referentes à amostra foram recolhidos através de uma grelha realizada previamente pelos EEER, onde constava o número de processo do cliente, o género, a idade, a principal patologia associada ao internamento, a data de início e fim do plano de intervenção e as técnicas utilizadas.
As intervenções implementadas neste período foram agrupadas de acordo com a informação descrita no Diário da República n.º 132 (2017) 11) e representadas na tabela 1.
A restante informação, que permitiu a comparação com a amostra selecionada, foi solicitada ao serviço SEPAG do Hospital X. Esta foi obtida através dos registos realizados nos sistemas informáticos pelos clínicos e assistentes técnicos da instituição.
Os dados obtidos foram introduzidos e analisados no programa informático Excel® uma vez que se trata de um programa de fácil acesso nas instituições de saúde portuguesas. Recorreu-se à estatística descritiva utilizando medidas de tendência central e de dispersão.
Durante a realização deste estudo foram respeitados todos os aspetos éticos pressupostos, pelo que foi pedida autorização ao órgão máximo para recolha e tratamento dos dados, estes foram tratados assegurando o anonimato dos participantes e cumpriram-se os princípios de integridade académica durante todo o processo.
Intervenção | Código |
---|---|
Aerossóis | 60438 |
Cinesiterapia respiratória | 60430 |
Drenagem postural | 60435 |
Técnica percussão / vibração | 61139 |
Mobilização de secreções com flutter / acapella | 61137 |
Aspiração nasotraquobronquica com cateter | 80890 |
Assistência mecânica da tosse (caugh assist) | 60434 |
Fortalecimento muscular manual | 61102 |
Reeducação ao esforço com monitorização continua | 61134 |
Treino de recondicionamento ao esforço | 80203 |
Mobilização articular manual | 60290 |
Treino de equilíbrio e marcha | 60404 |
Fortalecimento muscular /mobilização articular | 61104 |
Treino de destreza manual | 61068 |
Treino de coordenação motora | 61070 |
Treino de utilização de ajudas técnicas | 61045 |
Reeducação funcional de cada membro | |
Treino de deglutição | |
Treino de Atividades de Vida Diária | 61087 |
Treino de algaliação intermitente | 1027 |
Treino de familiares / Cuidadores | 61029 |
Aplicação/adaptação a coletes, colares, cintas ou talas | 79230 |
Imobilização com velpeau/Gerdy | 79270 |
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Durante o período analisado, deram entrada 1786 clientes, de entre os quais, 849 eram do género masculino e 937 do género feminino (tabela 2). A média de idades foi de 77,5 anos. Estes resultados corroboram os da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, que aponta para que a demografia dos clientes internados em serviços de medicina interna tem a clara prevalência das classes etárias idosas, sendo que 76% dos clientes têm 70 ou mais anos 12.
O tempo médio de internamento foi de 13,5 dias com uma mediana de 9,5 dias (tabela 2). A demora média de internamento apresenta um valor superior ao que foi apresentado em 2018 no estudo realizado por Martins, Sanches e Carvalho, onde constataram uma demora média de 9,5 dias num serviço de internamento com as mesmas caraterísticas de um hospital do interior sul de Portugal 13). Esta demora pode dever-se a vários fatores, como por exemplo o envelhecimento da população e diversificação do interior do país uma vez que é um valor sobreponível aos dados referentes a anos anteriores e a outros hospitais com uma área de abrangência com características semelhantes. No estudo realizado por Carvalho (2018), no ano de 2015, o tempo de internamento da ARS Centro variava entre 8,65 dias e 15,49 13.
2019 | 2020 | |
---|---|---|
Total de clientes internados | 906 | 880 |
Clientes do género feminino | 444 | 493 |
Clientes do género masculino | 462 | 387 |
Taxa de ocupação | 103,48% | 86,21% |
Média de idade | 77 | 78 |
Mediana de idade | 82 | 82 |
Média de tempo de internamento | 13 | 14 |
Mediana de tempo de internamento | 9 | 10 |
Fonte: autoria própria com dados fornecidos pelo SEPAG da ULS X
Durante o ano de 2019, a equipa de enfermagem de reabilitação do serviço de Medicina X era constituída por um elemento com contrato individual de trabalho a cumprir 35 horas semanais, enquanto no ano 2020, a mesma equipa era constituída por dois elementos, totalizando 70 horas semanais.
Desta forma, a equipa era constituída por um enfermeiro de reabilitação a prestar cuidados especializados a tempo inteiro durante 1414 horas, aproximadamente 176 dias, calculado de acordo com a fórmula apresentada na norma para o cálculo de dotações seguras dos cuidados de enfermagem 14, ou seja, 48,9% do tempo, enquanto em 2020 a equipa contou com enfermeiro de reabilitação a tempo inteiro, todos os dias úteis, durante 83 dias. Ou seja 32,8% dos dias úteis, houve 2 enfermeiros de reabilitação a trabalhar em simultâneo, apesar de, por vezes, estes elementos estarem partilhadas com outros dois serviços de internamento
2019 | 2020 | |
---|---|---|
N.º de clientes | 323 | 559 |
N.º de clientes do género feminino | 150 | 290 |
N.º de clientes do género masculino | 183 | 269 |
Média de idades | 80,12 | 80,27 |
Máximo de idades | 102 | 101 |
Mínimo de idades | 23 | 26 |
Média de dias de tratamento | 9,20 | 10,91 |
Máximo de dias de tratamento | 47 | 60 |
Mínimo de dias de tratamento | 1 | 1 |
Fonte: autoria própria
A tabela 3 permite-nos verificar que, durante o biénio, de um total de 882 clientes que tiveram intervenção em cuidados de enfermagem de reabilitação, 440 eram do género feminino e 452 do género masculino com uma média de idades de 80 anos (mínimo de 23 anos e o máximo de 102 anos). O tempo médio de duração do programa de reabilitação foi de 10 dias, tendo um mínimo de 1 dia e um máximo de 60 dias.
Do número total de clientes que deram entrada no ano 2019 (906 clientes), 323 tiveram implementadas intervenções de enfermagem de reabilitação, ou seja 35,65% dos clientes foram alvo desta prática especializada. Em 2020, 63,5% tiveram implementado plano de reabilitação, refletindo um aumento de 27,9%.
Intervenção | Código | N.º de intervenções 2020 | N.º de intervenções 2019 | Diferença entre os dois anos |
---|---|---|---|---|
Aerossóis | 60438 | 48 | 124 | -76 |
Cinesiterapia respiratória | 60430 | 334 | 177 | 157 (28,5%) |
Drenagem postural | 60435 | 240 | 162 | 78 (19,4%) |
Percussão/vibração | 61139 | 235 | 163 | 72 (18,1%) |
Aspiração nasotraquiobronquica | 80890 | 203 | 101 | 102 (33,6%) |
Fortalecimento muscular manual | 61102 | 268 | 167 | 101 (61,6%) |
Mobilização articular manual | 60290 | 187 | 154 | 33 (9,7%) |
Treino de equilíbrio e marcha | 60404 | 182 | 153 | 29 (54,3%) |
Fortalecimento muscular | 61104 | 195 | 179 | 16 (4,27%) |
Fonte: autoria própria
De forma a facilitar a compreensão, foram selecionadas as intervenções mais relevantes (realizadas mais vezes) apresentadas na tabela 4. No total foram realizadas para além destas, mais 858 intervenções especializadas, perfazendo um total de 4130.
Como se pode observar na mesma tabela houve um aumento do número de intervenções entre 61,6% e 4,27%, havendo um valor negativo referente aos aerossóis uma vez que durante o ano 2020, devido às contingências relacionadas com a pandemia SARS-COVID19 não foi permitida a sua execução no serviço de internamento.
As intervenções que foram mais vezes realizadas no biénio (cinesioterapia respiratória, drenagem postural, fortalecimento muscular manual), vão de encontro às necessidades de assistência associadas aos diagnósticos médicos mais frequentes neste serviço em estudo. Estes resultados corroboram o estudo retrospetivo de Martins, Sanches, & Carvalho (2018) onde se concluiu que os dignósticos principais referentes à admissão de clientes centenários, no serviço de Medicina, durante o periodo de 10 anos, estiveram relacionados com: patologia infecciosa do sistema respiratorio, desidratação, acidente vascular cerebral e insuficiência cardiaca13, bem como o estudo de Mendes (2019) em que os principais motivos de internamento num serviço de medicina foram: pneumonia, acidente vascular cerebral isquémico e traqueobronquite15.
GDH | Nº |
---|---|
Doenças alcoólicas do fígado | 35 |
Infeções e/ou inflamações respiratória major | 38 |
Insuficiência renal | 43 |
Embolia pulmonar | 49 |
Septicemia e/ou infeções disseminadas | 64 |
Infeções do rim e/ou vias urinárias | 79 |
Acidente vascular cerebral e/ou oclusão pré-cerebral com enfarte | 80 |
Sinais, sintomas e/ou diagnósticos minor respiratórios | 142 |
Insuficiência cardíaca | 197 |
Outras pneumonias | 259 |
Fonte: autoria própria com dados fornecidos pelo SEPAG da ULS Guarda
Considerando o ano 2019 e observando a figura 1, podemos verificar que há um aumento de clientes internados e de intervenções de enfermagem de reabilitação no período de inverno, havendo uma ligeira diminuição nos meses mais quentes.
Para esta análise não foi considerado o ano 2020 uma vez tratar-se de um ano atípico devido à pandemia SARS-COVID19. Verificou-se um acesso aos cuidados de saúde tardio por parte dos clientes o que modificou ligeiramente as características dos mesmos, pelo que o número de clientes internados por mês ou épocas do ano não pode ser comparado com outros anos.
CONCLUSÃO
De forma a responder às questões colocadas neste estudo, e de acordo com os resultados apresentados, pode-se concluir que os clientes do serviço de medicina X se caracterizaram por ter uma média de idades de 77,5 anos, com uma média de internamento de 13,5 dias.
Comparando ambos os anos, em 2020 foi possível a inclusão de enfermeiro de reabilitação a tempo inteiro permitindo a dotação de 2 enfermeiros de reabilitação (apesar de partilhados com outros serviços), o que proporcionou a prestação de cuidados de enfermagem de reabilitação a mais 236 clientes do que no ano anterior, ou seja, mais 27,9%. Também houve um aumento do número de intervenções implementadas como é o caso do “fortalecimento muscular” que foi realizado 101 vezes mais do que no ano anterior (61,6%). Todavia, este número de enfermeiros de reabilitação é insuficiente, uma vez que não deram resposta em cuidados especializados a todas as necessidades tendo, no melhor ano avaliado apenas 63,5% dos clientes do serviço de Medicina X, o que é claramente insuficiente para a realidade de um serviço de Medicina Interna, que tem como população alvo clientes idosos, na sua grande maioria, com multimorbilidade e com um grau de dependência no autocuidado elevado.
Desta forma, considerando:
As vantagens associadas à implementação de planos de enfermagem de reabilitação,
A investigação realizada por Lima, Ferreira, Martins e Fernandes (2019) onde concluiram que a hospitalização é um fator de agravamento da mobilidade e que os clientes sujeitos a intervenções de enfermagem de reabilitação têm maior possibilidade de preservar a sua função16 ,
A Ordem dos Enfermeiros (2019) recomenda que deve haver “por serviço, pelo menos 2 (dois) enfermeiros especialistas em Enfermagem de Reabilitação, por cada 15 clientes” (14,
Reconhece-se a necessidade de alocação de mais EEER nos serviços de Medicina de forma a prevenir as consequências da imobilidade e promover o potencial de reconstrução de independência, face às caraterísticas específicas da população mais envelhecida, frequentemente internada nesta tipologia de cuidados.
Apesar das contingências foi realizado um elevado número de intervenções de enfermagem de reabilitação (4130 intervenções a 882 clientes). As áreas que foram mais desenvolvidas durante este período foram: cinesioterapia respiratória (drenagem postural e técnicas associadas), fortalecimento muscular/mobilização articular e treino de equilíbrio e marcha. Estas intervenções estão associadas às patologias mais frequentes no serviço: doenças e perturbações do aparelho respiratório, do aparelho circulatório e do sistema nervoso.
Como dificuldade sentida, pode-se apontar alguma complexidade em aceder aos dados relativos ao serviço de Medicina X e o tempo reduzido disponível para a realização de registos e a análise dos mesmos.
As limitações deste estudo relacionam-se essencialmente com o curto período analisado e com a impossibilidade de realizar algumas comparações com o ano 2020 devido à pandemia SARS-COV19.
Para investigações futuras, propõe-se a realização de estudos experimentais randomizados que permitam avaliar concretamente a eficácia dos planos de intervenção de enfermagem de reabilitação aplicados nos serviços de Medicina Interna e deve criar-se programas individualizados de acordo com os diagnósticos de enfermagem mais frequentes no domínio da reabilitação.