SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.6 número1Tradução E Adaptação Transcultural Do Índice De Vulnerabilidade Clínico-Funcional (Ivcf-20) Para Português EuropeuTraçado da intervenção do Enfermeiro de Reabilitação - organização de cuidados para um envelhecimento saudável e ativo índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação

versão impressa ISSN 2184-965Xversão On-line ISSN 2184-3023

RPER vol.6 no.1 Silvalde jun. 2023  Epub 30-Jun-2023

https://doi.org/10.33194/rper.2023.318 

Artigo original reportando investigação clínica ou básica

Estrutura da qualidade dos cuidados nas Unidades de Medicina Física e Reabilitação: perceção dos enfermeiros

Calidad de la estructura asistencial en las Unidades de Medicina Física y Rehabilitación: percepción de los enfermeros

Ana Rita Silva Martins1  , Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Recursos, Validação, Visualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição, leram, concordaram com a versão publicada do manuscrito
http://orcid.org/0000-0002-5632-5408

Olga Maria Ribeiro1  , Metodologia, Administração do projeto, Recursos, Supervisão, Validação, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição, leram, concordaram com a versão publicada do manuscrito
http://orcid.org/0000-0001-9982-9537

José Miguel Padilha1  , Redação - revisão e edição, leram, concordaram com a versão publicada do manuscrito
http://orcid.org/0000-0002-6631-776X

Maria Manuela Martins3  , Redação - revisão e edição, leram, concordaram com a versão publicada do manuscrito
http://orcid.org/0000-0003-1527-9940

Mónica Sofia Martins Vieira1  , Redação - revisão e edição, leram, concordaram com a versão publicada do manuscrito
http://orcid.org/0000-0002-3346-5707

Carla Sílvia Fernandes2  , Redação - revisão e edição, leram, concordaram com a versão publicada do manuscrito
http://orcid.org/0000-0001-7251-5829

1Hospital de São João, Porto, Portugal

2Escola Superior de Enfermagem do Porto, Porto, Portugal

3Universidade do Porto, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Porto, Portugal


RESUMO

Introdução:

Com o desenvolvimento da sociedade, o conceito de qualidade tornou-se fundamental no âmbito das organizações de saúde. Contudo pouco ainda se sabe sobre o impacto da componente estrutura do modelo de Donabedian na qualidade dos cuidados prestados pelos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação (EEER). O objetivo deste estudo consiste em identificar e analisar os fatores relacionados com a qualidade dos cuidados de enfermagem de reabilitação nas Unidades de Medicina Física e Reabilitação (MFR) à luz do modelo de Donabedian na dimensão estrutura.

Metodologia:

Estudo de caso de natureza qualitativa. Utilizamos uma amostra não probabilística de conveniência, sendo todos os participantes, EEER do mesmo serviço. Os dados foram recolhidos através de uma entrevista semiestruturada, constituída por oito perguntas abertas e um conjunto de oito perguntas para a caraterização sociodemográfica e profissional. Na análise dos dados utilizamos as orientações para a análise de conteúdo propostas por Bardin (2009) com recurso ao software Atlas.ti.

Resultados

e Discussão: Da análise dos discursos dos 16 participantes, à luz do modelo de Donabedian na área temática Estrutura emergiram as seguintes categorias: gestão de pessoas e liderança no serviço e ambiente físico e condições para funcionamento das práticas de enfermagem. O modelo de Donabedian suportou a discussão em conjugação com outros referenciais. Encontramos discrepâncias nos discursos dos participantes, especificamente em relação às metodologias de trabalho e de distribuição da carga de trabalho relativa aos cuidados de enfermagem de reabilitação. O método de trabalho surge como contributo dificultador para alguns enfermeiros, enquanto, para outros é uma mais-valia para a responsabilização das práticas autónomas desenvolvidas.

Conclusão:

Podemos concluir que os enfermeiros identificam fatores facilitadores e dificultadores no âmbito da estrutura do serviço, que interferem com a qualidade dos cuidados.

Descritores: Medicina Física e Reabilitação; Cuidados de Enfermagem; Enfermagem em Reabilitação; Qualidade da Assistência à Saúde; Estrutura

RESUMEN

Introducción:

Con el desarrollo de la sociedad, el concepto de calidad se ha convertido en esencial dentro de las organizaciones sanitarias. Sin embargo, poco se sabe sobre el impacto del componente estructural del modelo de Donabedian en la calidad de los cuidados prestados por las Enfermeras Especialistas en Enfermería de Rehabilitación. El objetivo de este estudio es identificar y analizar los factores relacionados con la calidad de los cuidados de enfermería de rehabilitación en las Unidades de Medicina Física y Rehabilitación a la luz del modelo de Donabedian en la dimensión estructura.

Metodología:

Estudio de casos de carácter cualitativo. Se utilizó una muestra no probabilística de conveniencia, siendo todos los participantes EEER del mismo servicio. Los datos se recogieron a través de una entrevista semiestructurada, compuesta por ocho preguntas abiertas y un conjunto de ocho preguntas de caracterización sociodemográfica y profesional. En el análisis de los datos, se utilizaron las directrices para el análisis de contenido propuestas por Bardin (2009) utilizando el software Atlas.ti.

Resultados y Discusión:

Del análisis de los discursos de los 16 participantes, a la luz del modelo de Donabedian en el área temática Estructura, surgieron las siguientes categorías: gestión de personas y liderazgo en el servicio y entorno físico y condiciones para el funcionamiento de las prácticas de enfermería. El modelo de Donabedian apoyó la discusión junto con otras referencias. Encontramos discrepancias en los discursos de los participantes, específicamente en lo que se refiere a las metodologías de trabajo y a la distribución de la carga de trabajo relacionada con los cuidados de enfermería de rehabilitación. El método de trabajo surge como una contribución obstaculizadora para algunas enfermeras, mientras que, para otras, es un valor añadido para la responsabilización de las prácticas autónomas desarrolladas.

Conclusión:

Podemos concluir que los enfermeros identifican factores facilitadores y complicadores dentro de la estructura del servicio, que interfieren en la calidad de los cuidados.

Descriptores: Medicina Física y Rehabilitación; Cuidados de Enfermería; Enfermería de Rehabilitación; Calidad de la Atención Sanitaria; Estructura

ABSTRACT

Introduction:

With the development of society, the concept of quality has become essential within health care organizations. However, little is known about the impact of the structural component of the Donabedian model on the quality of care provided by the Specialist Nurses in Rehabilitation Nursing. The purpose of this study is to identify and analysis the factors related to the quality of rehabilitation nursing care in Physical Medicine and Rehabilitation Units in the light of the Donabedian model in the structure dimension.

Methodology:

Case study of a qualitative nature. We used a non-probability convenience sample, with all participants being RNs from the same service. Data were collected through a semi-structured interview, composed of eight open-ended questions and a set of eight questions for socio-demographic and professional characterization. In data analysis, we used the guidelines for content analysis proposed by Bardin (2009) using the Atlas.ti software.

Results and Discussion:

From the analysis of the speeches of the 16 participants, in light of the Donabedian model in the thematic area Structure, the following categories emerged: people management and leadership in the service and physical environment and conditions for the functioning of nursing practices. The Donabedian model supported the discussion in conjunction with other references. We found discrepancies in the participants' discourses, specifically regarding the work methodologies and workload distribution related to rehabilitation nursing care. The work method emerges as a hampering contribution for some nurses, while, for others, it is an added value for the accountability of the autonomous practices developed.

Conclusion:

We can conclude that the nurses identify facilitating and complicating factors within the structure of the service, which interfere with the quality of care.

DESCRIPTORS: Physical Medicine and Rehabilitation; Nursing Care; Rehabilitation Nursing; Quality of Health Care; Structure

INTRODUÇÃO

Olhar a qualidade de um serviço exige, por um lado, o conhecimento da natureza desse serviço, bem como os cuidados prestados nesse contexto e, por outro, as regras a seguir para garantir a qualidade.

A especialidade de Medicina Física e Reabilitação (MFR) tem uma longa história na Europa Continental sendo esta reconhecida em quase todos os países da UEMS (Union Européene des Médicins Spécialistes). A sua estrutura varia nos diferentes países, mas a sua modernização e o seu progresso ocorreram após a Segunda Guerra Mundial com o regresso dos militares, que sofreram lesões decorrentes do seu serviço, e com a necessidade de empregabilidade da população, levando a um aumento das unidades de MFR 1.

Atualmente o Serviço Nacional de Saúde (SNS) encara múltiplos desafios devido a alterações demográficas, mudanças nos padrões de doença, inovação tecnológica e mobilidade geográfica. Face a estes desafios, a Rede de Referenciação Hospitalar de Medicina Física e de Reabilitação (RRHMFR) foi criada sob a responsabilidade da Direção-Geral da Saúde (DGS) no âmbito da especialidade de MFR 2.

A existência de serviços de MFR nos serviços hospitalares é imprescindível, uma vez que nestas unidades de saúde são prestados cuidados diferenciados essencialmente na fase aguda da doença, sendo esta potencialmente incapacitante nos casos de AVC, Lesão Medular, Traumatismo Cranioencefálico (TCE), Amputações, entre outros 2.

Nos últimos anos, a transição de paradigma de um modelo biomédico para biopsicossocial impõe um método de trabalho diferente, ao conjunto de profissionais mais comuns nestes serviços de MFR. Nesses contextos surgem com maior frequência, fisiatras, enfermeiros, enfermeiros de reabilitação, fisioterapeutas, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, entre outros. Nestes serviços o trabalho em equipa deve ser efetivo e centrado no processo de reabilitação de cada pessoa, o que determina que também a tomada de decisão tenha de ser em equipa. A equipa define-se como o grupo dos profissionais disponíveis no serviço de áreas diferenciadas, mas com objetivo de interação que potencie o alcance dos resultados 3.

Com o desenvolvimento da saúde e das exigências dos consumidores, o conceito de qualidade tornou-se fundamental nas organizações de saúde. No âmbito das instituições hospitalares, o modelo mais utilizado é o de Avedis Donabedian (2003), e este assenta em sete pilares: efetividade, eficiência, eficácia, acessibilidade, otimização, legitimidade e equidade. Este autor desenvolveu um modelo constituído por três componentes: Estrutura (é caraterizada por aspetos relativamente estáveis como as instalações, equipamentos, profissionais e recursos), Processo (conjunto de atividades que os profissionais realizam para responder às necessidades dos doentes onde se inclui diagnóstico, terapêutica e ações preventivas) e Resultado (que se refere a níveis de saúde, custos associados e satisfação dos doentes). Com o objetivo de promover e avaliar a qualidade, importa referir que as componentes não são atributos de qualidade, mas sim tipos de informação que se podem alcançar, sendo que a congregação das três componentes permite melhorar a compreensão da qualidade em saúde 4.

Os enfermeiros de reabilitação confrontam-se com quatro pilares: a sua curta história, pouco conhecimento científico da área, técnicas semelhantes a outros profissionais e pouca diferenciação da sua função na assistência, em alguns contextos. O campo de atuação dos EEER também é influenciado pelos diferentes tipos de formação pós-graduada, pela formação contínua, pela autoformação e até pelas associações profissionais, de que é exemplo a Associação Portuguesa de Enfermeiros de Reabilitação (APER), assim como o órgão regulador da profissão, a Ordem dos Enfermeiros (OE). Posto isto, emerge um problema sobre as crenças e valores dos enfermeiros na sua prática profissional, pelo que se torna necessário estudar as suas perceções e fundamentos para o contexto dos serviços e organizações, no sentido de garantir, mais eficazmente, a segurança e qualidade em saúde.

Com este estudo pretendemos, a partir do olhar dos EEER, analisar os aspetos estruturais para o exercício da sua atividade, focando-nos nos objetivos de: analisar a perceção dos EEER em relação à estrutura que suporta os cuidados e analisar a perceção dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação sobre os fatores facilitadores e dificultadores da prestação de cuidados referentes à estrutura numa unidade de MFR.

Dada a importância de explorar as orientações das práticas com base nos padrões de qualidade importa também compreender como os EEER valorizam a estrutura para a sua prática clínica, uma vez que a enfermagem de reabilitação constitui uma área de intervenção especializada que visa a manutenção e a promoção do bem-estar e da qualidade de vida, a recuperação da funcionalidade, tanto quanto possível, recorrendo à promoção do autocuidado, à prevenção de complicações e à maximização de capacidades. 5) Deste modo, formulamos a pergunta de partida “Como percecionam os enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação a estrutura, para sustentar os cuidados de enfermagem prestados numa unidade de Medicina Física e Reabilitação?”.

METODOLOGIA

Desenho do Estudo

A natureza qualitativa do estudo permite melhorar o conhecimento em enfermagem na particularidade do conhecimento empírico, estético, pessoal e moral 6, que surge nos discursos dos participantes como autores da experiência de ser e cuidar em enfermagem de reabilitação e foi desenhado através de um estudo de caso. Consideramos o estudo com caraterísticas de caso, uma vez que todos os participantes são do mesmo serviço e o problema em análise é a centralidade da gestão e assistência num serviço de MFR.

Tendo em conta a pergunta de partida formulamos as perguntas de investigação: Qual a perceção dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação sobre a componente estrutural do serviço para o desenvolvimento da sua atividade?; Qual a perceção dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação sobre os fatores facilitadores da estrutura para a prestação de cuidados numa unidade de Medicina Física e Reabilitação?; Qual a perceção dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação sobre os fatores dificultadores da estrutura para a prestação de cuidados numa unidade de Medicina Física e Reabilitação?.

Dada a natureza do estudo, utilizamos uma amostra não probabilística de conveniência de EEER com o critério de inclusão de serem EEER a exercer funções num serviço de MFR. Neste estudo participaram 16 EEER, que corresponde a todos os que exercerem funções no serviço durante o período de colheita de dados, cujas caraterísticas iremos descrever.

Instrumentos de colheita de dados e análise dos dados

O instrumento de colheita de dados utilizado foi a entrevista semiestruturada realizada face a face. O guião da entrevista era constituído por oito perguntas abertas e um conjunto de oito perguntas para a caraterização sociodemográfica e profissional dos participantes. Não sendo inteiramente aberta, nem comportando um conjunto rígido de questões, o recurso à entrevista semiestruturada possibilitou, através da interação entre o entrevistado/entrevistador, o emergir de questões e dados que, não tendo sido considerados previamente, contribuíram para o enriquecimento da informação recolhida. O registo das entrevistas foi realizado através da gravação de áudio, após autorização dos participantes. De modo a garantir o anonimato, todas as entrevistas foram codificadas com as letras iniciais das palavras Enfermeiros e Reabilitação, seguida pelo número: ER1, ER2, ER3, etc.

A base de análise dos dados enquadrou-se na perspetiva de Bardin (2009). A análise de conteúdo proposta pelo autor é composta por um conjunto de técnicas de análise de comunicações, uma metodologia sistemática e objetiva que se desenvolve por fases: a pré-análise, a exploração do material e, por último, a inferência e interpretação dos resultados obtidos 7. Após validação do conteúdo das entrevistas por cada participante criamos 16 documentos constituindo o corpus de análise que foi posteriormente submetido no software Atlas.ti 22, concebido para a análise qualitativa dos dados. Toda a exploração das expressões dos participantes foi codificada por dois investigadores em separado, seguindo-se um momento de conciliação das categorias que não coincidiram entre os dois, onde se definiram o sentido das expressões a partir das definições desenvolvidas pelos investigadores.

Considerações éticas

Após o planeamento do estudo, este foi submetido à comissão de ética da instituição hospitalar, tendo o parecer favorável expresso no Nº 51/22 (não identificamos a instituição hospitalar para garantir a confidencialidade dos dados). De modo a garantir a fidedignidade dos dados obtidos, o registo das entrevistas foi realizado através da gravação de áudio, após consentimento informado. O encontro com os participantes foi antecipadamente confirmado através de contacto telefónico, de acordo com a disponibilidade de cada participante. As entrevistas realizaram-se entre Março de 2022 e Junho de 2022, num espaço reservado da instituição hospitalar.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A qualidade em saúde desenha-se com algumas particularidades, de tal forma que surgem modelos específicos para o seu desenvolvimento, tendo ênfase particular o modelo de Donabedian, que embora conte já com alguns anos, ainda se mantém nas referências científicas mais atuais e nas entidades públicas nacionais e internacionais 8, pelo que foi selecionado como modelo de suporte para este estudo.

A componente estrutura influencia o comportamento das pessoas e em consequência a qualidade dos cuidados prestados. Em certos aspetos, pode ser o principal fator determinante da qualidade dos cuidados, e os participantes incorporam nos discursos em duas categorias: gestão de pessoas e liderança no serviço e ambiente físico e condições para funcionamento das práticas de enfermagem 4.

A profissão de enfermagem é maioritariamente constituída por mulheres e as características dos participantes seguem essa tendência, sendo a equipa de enfermagem composta maioritariamente por enfermeiros do sexo feminino (81,3%). Quanto à idade, os participantes do estudo apresentam uma idade média de 40,88 anos (desvio padrão 6,5 anos), sendo a maior 57 anos e a mínima 30. Em relação ao estado civil, 68,8% são casados, 18,8% solteiros e 12,5% divorciados.

Embora sejam maioritariamente licenciados (81,3%), três são mestres: um em Enfermagem de Reabilitação, outro em Direção e Chefia de Serviços de Enfermagem e outro em Saúde Pública. É de salientar que são EEER, o tempo de exercício na área da especialidade varia entre 1 e 14 anos, com média de 7,31 anos (desvio padrão de 3,6 anos). A sua experiência profissional como enfermeiros, varia entre 10 a 36 anos, com média de 18,19 anos (desvio padrão de 7,03). Quando analisado o tempo de exercício no serviço verificamos um intervalo de 1 a 10 anos, com uma média de 6,56% (desvio padrão 3,6).

Ao longo da realização das entrevistas, na sequência dos discursos dos participantes e da revisão teórica efetuada, fez sentido aos investigadores criar categorias à prior, o que orientou e facilitou a organização dos achados. Os referenciais teóricos de Afaf Meleis e Dorothea Orem, o modelo de Donabedian (2003) e os instrumentos reguladores do exercício profissional sustentaram teoricamente a identificação das categorias e subcategorias. Na sequência da análise realizada, na tabela nº1 estão explanadas as categorias e subcategorias identificadas.

Tabela nº 1 Descrição das categorias e subcategorias 

ÁREA TEMÁTICA CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
ESTRUTURA GESTÃO DE PESSOAS E LIDERANÇA NO SERVIÇO Momentos de reflexão sobre a prática
Reconhecimento da formação dos enfermeiros
AMBIENTE FÍSICO E CONDIÇÕES PARA FUNCIONAMENTO DAS PRÁTICAS DE ENFERMAGEM Espaço disponível no serviço
Dotações e rácio enfermeiro especialista/doentes
Formação contínua e em serviço
Metodologia de trabalho

A Estrutura engloba elementos relativamente estáveis de uma organização, nomeadamente os elementos físicos (recursos materiais e características do ambiente físico), as características dos recursos humanos em quantidade e qualidade e ainda a estrutura organizacional, representando fatores fundamentais à prestação de cuidados. Contudo, os elementos referentes à estrutura de uma organização, por si só, não são suficientes para garantir a qualidade dos cuidados de saúde 4.

A especificidade do serviço de MFR acresce particularidades aos aspetos estruturais particularmente à estrutura física do serviço e à natureza dos recursos humanos disponíveis para a assistência ao doente com dependência.

Evidencia-se ainda que da estrutura fazem parte as políticas da instituição hospitalar expressa com particularidades ao serviço de MFR. A análise dos discursos sobre os fatores da dimensão estrutura, levam-nos a considerar uma associação entre os momentos de reflexão sobre a prática, o reconhecimento da formação e o espaço disponível no serviço, conforme demonstramos no seguinte diagrama (Diagrama nº1).

Diagrama nº 1 Fatores relacionados com a dimensão Estrutura 

Os participantes consideram que o facto de serem especialistas em enfermagem de reabilitação os torna mais sensíveis para questões do espaço disponível mencionando que “O facto de sermos da reabilitação estamos mais formados e mais sensibilizados para este tipo de questões, reconhecendo a importância de ter espaço para trabalhar com o doente” (ER9).

O espaço disponível está associado à metodologia de trabalho bem como aos momentos de reflexão sobre a prática. A oportunidade dos enfermeiros terem colaborado na construção do projeto do serviço, foi na perspetiva dos participantes fundamental, “Quando viemos abrir este serviço, (…) nós tivemos a oportunidade de em conjunto com o responsável pelas obras, com a enfermeira diretora e com o enfermeiro supervisor, testar com as cadeiras de rodas, todas a entradas e saídas de todos os compartimentos deste serviço o que contribuiu imenso para podermos trabalhar num local com todas as condições, o que não aconteceria se fosse um serviço não dirigido para a reabilitação. (…) até nos deram a oportunidade de eliminar paredes que estavam no projeto inicial… testar lavatórios (…) algumas coisas já estavam colocadas e não podíamos alterar, mas ainda conseguimos alterar outras” (ER9).

A formação contínua e em serviço está associada à necessidade de dotações e à metodologia de trabalho. De facto, embora a reflexão gerada no contexto da formação possa contribuir para a qualificação da metodologia de trabalho em uso no serviço de MFR, esses momentos só poderão ocorrer se as dotações de enfermeiros garantirem, em primeira instância, uma resposta segura às necessidades dos doentes internados. Conforme refere um enfermeiro “O rácio acaba também por ajudar para a qualidade dos cuidados prestados, porque se fosse para substituir os doentes não era preciso, por exemplo, 4 enfermeiros no turno da manhã (…) aqui é diferente porque para os doentes evoluírem precisam da qualidade dos nossos cuidados especializados” (ER7).

Neste seguimento, os participantes consideram a formação contínua e em serviço uma excelente estratégia de aprendizagem, mencionando que “(...) a formação contínua é muito importante (…) neste serviço, a partilha entre nós, as reuniões de serviço e as formações em serviço em relação a temas específicos da reabilitação ainda deveriam ser mais frequentes (...) o problema é que nem sempre há tempo para tudo” (ER8). Tal como refere outro participante “acho que as formações são ótimos momentos de aprendizagem” (ER15).

Gestão de pessoas e liderança no serviço

A gestão de pessoas e liderança tem um papel preponderante nas organizações, tornando-se fundamental na competitividade e nas mudanças dos serviços.

Uma vez clarificadas as associações identificadas, importa destacar que da análise dos discursos dos participantes, no âmbito da dimensão estrutura, emergiram duas categorias: gestão de pessoas e liderança no serviço e o ambiente físico e condições para funcionamento das práticas de enfermagem. Convém referir que nos discursos estas categorias emergem numa interação íntima entre elas, como demonstrado no diagrama seguinte (Diagrama nº2).

Diagrama nº 2 Categorias da dimensão Estrutura 

Na categoria gestão de pessoas e liderança no serviço, os participantes defendem que os enfermeiros com funções de gestão deveriam promover mais momentos de reflexão sobre a prática “(...) o ideal seria termos tempo, e não estou a falar de tempo próprio, tempo de serviço para conseguirmos refletir sobre o que fazemos. Quando nós investimos em qualquer formação é com o nosso tempo pessoal e acho que aí deveria de ser introduzida uma modalidade diferente no nosso dia a dia, que seria nós conseguirmos evoluir teoricamente e na prática e essas vertentes andarem mais equilibradas” (ER4).

A reflexão sobre a prática tem vindo a ser destacada por vários autores, como uma excelente estratégia para melhorar a qualidade dos cuidados, nomeadamente Stonehouse, que refere que encontrar tempo para parar e pensar, muitas vezes é impossível, no entanto, a prática reflexiva além de qualificar o processo de tomada de decisão, promove a obtenção de resultados mais positivos para a equipa e principalmente para os clientes 9. Qualquer processo de tomada de decisão pode ser melhorado, e a verdade é que no contexto profissional, os pontos positivos precisam ser reconhecidos e valorizados, particularmente, pelos enfermeiros gestores.

Como reforça outro participante “existem coisas que gostaria de ver diferentes aqui neste serviço, é um serviço com muito potencial, que poderíamos fazer muitas coisas, que podíamos refletir mais sobre a prática (...)” (ER13). No mesmo seguimento, outros autores consideram que a reflexão sobre a prática é considerada uma habilidade fulcral no desenvolvimento profissional dos enfermeiros, permitindo que eles se tornem mais auto conscientes e, consequentemente, melhorem a prestação dos cuidados 10.

A maioria dos participantes, decorrente da tipologia do serviço, refere que há reconhecimento da sua formação pós-graduada , especialmente a que se reporta à oportunidade de prestar cuidados no âmbito da especialização em enfermagem de reabilitação “Foi-me dada oportunidade e, portanto, o foco do meu trabalho é o treino das atividades de vida diária, sou enfermeira especialista em enfermagem de reabilitação” (ER7), e na mesma linha de pensamento, acrescentam “Desempenho tudo que está relacionado com a enfermagem de cuidados gerais e da especialidade (...) (ER1). Em relação a este achado, na perspetiva de Santos, cabe efetivamente ao enfermeiro gestor coordenar, fomentar e incrementar medidas e criar condições para que os EEER possam assumir-se como enfermeiros de referência, especialmente no caso dos doentes com necessidades significativas no autocuidado 11.

Os próprios participantes valorizam a sua formação pós-graduada no contexto da prática profissional afirmando que “(...) a nossa formação é muito completa, às vezes podemos ter apenas de procurar alguma informação para relembrar certas coisas” (ER2), mas a verdade é que “Temos mais formação e estamos mais atentos ao que precisamos fazer.” (ER5). A formação pós-graduada na área da enfermagem de reabilitação assume uma particular importância, na medida em que esta possibilita aprofundar conhecimentos e desenvolver competências essenciais para dar resposta aos desafios da saúde. Na atualidade, a intervenção do EEER é clara e está explicita nos resultados em saúde e na satisfação das pessoas 12.

Os participantes valorizaram de forma representativa momentos de reflexão sobre a prática e o reconhecimento da formação dos enfermeiros. Os momentos de reflexão sobre a prática contribuem de forma significativa para a qualidade dos cuidados, mas exigem tempo disponível para a discussão. Por outro lado, o reconhecimento da formação torna-se um ato de dar valor à formação formal e informal, nas palavras dos participantes.

Ambiente físico e condições para funcionamento das práticas de enfermagem

Na categoria ambiente físico e condições para funcionamento das práticas de enfermagem, dos discursos dos participantes emergiram quatro subcategorias: espaço disponível no serviço, dotações e rácio enfermeiro especialista/doente, formação contínua e em serviço e metodologia de trabalho.

Os participantes referem que o espaço disponível no serviço é adequado às necessidades dos doentes, lembrando que “o serviço foi criado de raiz ainda que com algumas limitações (…) mas à partida é um serviço que tem outro tipo de atenção. O facto de termos mais casas de banho, as enfermarias apenas com duas camas (…) o serviço está adaptado para os doentes e para a nossa prática de enfermagem de reabilitação o que é um processo facilitador do nosso trabalho” (ER1).

A sensibilidade dos EEER para as questões do ambiente já tem sido abordada por outros autores nomeadamente por Pereira e colaboradores, que salientaram que os EEER têm como objetivo, na sua prática especializada, a promoção do bem-estar e da qualidade de vida, desenvolvendo ao máximo o potencial de saúde das pessoas com deficiência, através da promoção da mobilidade e da acessibilidade, o que efetivamente exige condições ambientais 13. Neste âmbito, outros autores abordando as competências dos EEER, enaltecem o seu papel na promoção de ambientes mais inclusivos, sendo que deve existir o seu envolvimento na melhoria das condições de acessibilidade 14. Embora esse envolvimento seja fundamental, no contexto em que a pessoa vive, deve ser uma realidade em cada serviço em que se prestam cuidados especializados em reabilitação, até porque sem essas condições estruturais, será difícil instruir e treinar estratégias que promovam a capacitação das pessoas para o autocuidado.

As questões do ambiente são determinantes para os cuidados facultados pelos profissionais, mas essenciais para as pessoas que necessitam dos seus cuidados. Certo é que, como reforça um participante “em comparação com outros serviços a nossa estrutura física está minimamente adaptada para este tipo de doentes.” (ER15). Ainda assim, outros participantes reconhecem oportunidade de melhoria “Temos uma estrutura física que nos permite trabalhar com os doentes, mas por exemplo as casas de banho e espaços de chuveiros deveriam ser maiores e os chuveiros estarem equipados com espelhos. As enfermarias são de duas camas o que é muito bom, mas se fossem só de uma seria melhor para simular a casa do doente.” (ER14).

Habitualmente o conceito comum de estrutura focaliza-se no ambiente físico e de recursos materiais, mas como refere Donabedian, da estrutura também fazem parte os recursos humanos 4. Os participantes, na área das condições físicas, apontaram o espaço disponível no serviço como uma condição favorável ao desenvolvimento dos cuidados, no entanto, apontam como sugestões de melhoria: a necessidade de equipar os espaços de chuveiro com espelhos. Torna-se necessário que os ambientes reúnam condições de acessibilidade de forma a responder às necessidades de cada indivíduo, para que ocorra a sua integração total, sem qualquer dificuldade 13. No serviço de MFR, os participantes referem ter boas condições, contudo, será necessário pensá-las no interface com a realidade do doente, na sua habitação, para a capacitação que se inicia no internamento.

Quanto às dotações e rácio enfermeiro especialista/cliente , os participantes consideram apropriado, afirmando que “Neste serviço temos bons rácios, quanto aos enfermeiros como auxiliares (…) principalmente no turno da manhã, (…) ajuda a que possamos ter mais tempo para prestar os cuidados aos doentes e cuidados com mais calma (…) dar tempo aos doentes para fazer as coisas, noutros serviços isso já não acontece porque têm menos gente a trabalhar.” (ER2). Tal realidade, não é frequente noutros contextos, sendo efetivamente mencionados, por vários autores, rácios desajustados às necessidades das pessoas em cuidados de enfermagem e, especialmente nos específicos de reabilitação. Numa investigação realizada em Portugal sobre os ambientes da prática de enfermagem, verificou-se que a perceção da qualidade foi desfavorável na maioria dos hospitais portugueses, nomeadamente a dimensão dos recursos humanos foi das componentes da qualidade mais críticas 15.

No âmbito dos cuidados de enfermagem de reabilitação, não existe uma adequação dos recursos humanos nas organizações de saúde 14, ao contrário do que afirma um dos participantes que considera “(...) do ponto de vista das dotações não estamos mal (…) até acho que estamos muito bem em termos de rácios. (ER4).

Os participantes consideram que os rácios têm impacto tanto na qualidade dos cuidados como na promoção da autonomia do doente. Decorrente da preocupação em prestar cuidados num padrão parcialmente compensatório e na perspetiva de evoluir para um padrão de apoio/educação, os EEER reconhecem o valor do tempo que podem disponibilizar com cada doente “temos um rácio muito bom que nos permite passar com o doente o tempo que ele precisa, nomeadamente na promoção da autonomia nos autocuidados” (ER14). Na prestação dos cuidados, a Ordem dos Enfermeiros no Regulamento n.º 743/2019, definiu o número adequado de enfermeiros em cada contexto de trabalho, promovendo assim índices favoráveis de qualidade e segurança dos cuidados. Nos centros especializados e serviços de internamento de MFR, devem estar dotados de 75% de EEER, tendo de garantir que no mínimo um EEER permaneça 24h do dia 16.

As complexidades associadas aos cuidados de saúde, especificamente aos cuidados de enfermagem e de enfermagem de reabilitação, exigem uma adequada dotação para garantir a segurança e qualidade em contexto diferenciados, como é o caso da MFR. O conceito de dotação segura em enfermagem é dinâmico e abrangente, onde se contempla o número de enfermeiros e se valoriza as suas competências, de modo a garantir a prestação de cuidados seguros. Quer dizer que em causa não está apenas o número, mas também as competências, a experiência, a formação e a motivação 17. A maioria dos participantes do estudo referencia as dotações, apenas no sentido de rácio enfermeiro especialista/doente, sendo predominante ter bons rácios para a assistência exigida no serviço, mas alertam para a necessidade de mais tempo para a prestação de cuidados, a fim de garantir tempo ao doente para o desenvolvimento da independência e autonomia.

Em relação à formação em serviço , os participantes referem que a mesma pode dar um contributo importante para a organização e orientação da prática de enfermagem “Penso que deveria haver mais formação em serviço, porque depois acabamos por investir mais fora em formações ou em congressos. Devíamos planear ao longo do ano formações em serviço” (ER5), até porque como refere um participante as “formações de serviço nos últimos anos foram completamente reduzidas (...)” (ER9). O contributo da formação em serviço para a prática de enfermagem, permite contextualizar o conhecimento teórico na resolução de problemas reais da prática dos cuidados de enfermagem. Nesse sentido, e por via da formação em serviço, as organizações podem criar ambientes reflexivos, de aprendizagem em equipa, que promovam a autonomia profissional, assim como a intercomunicabilidade entre todos os intervenientes 18.

Os achados demonstram que os participantes investem na formação contínua e consideram esta essencial na sua prática profissional “Mantenho-me atualizada a fazer formações (...)” (ER16), “Eu faço várias vezes formações online, acho que a enfermagem de reabilitação é uma especialidade muito prática, vem muito da experiência, mas claro que a teoria é importante e é a teoria que nos faz refletir na prática. Por isso, tento manter-me sempre atualizada” (ER13). Para além disso, os participantes investem em formações que possam contribuir para a sua prática no serviço “Tenho investido muito na formação na área da reabilitação, nomeadamente nos doentes com patologia vertebro medular e AVC” (ER3). O profissional em formação transfere consigo os percursos de vida que influenciam o modo como compreende os acontecimentos, que condicionam a sua conduta e as atitudes no exercício da profissão 19, daí que seja importante a valorização desta subcategoria.

A formação contínua e em serviço toma percursos que vão da formação informal à formação formal, passando pela autoformação com valorização do posto de trabalho, pelo que se torna efetivamente uma unidade dentro do pilar da estrutura. Todos os participantes deram corpo à subcategoria formação contínua e em serviço, trazendo para a discussão a sua importância na garantia de uma estrutura adequada à qualidade, desde o investimento da própria pessoa, formação outdoor (congressos, workshops) e a formação indoor (em serviço), acrescem ainda a facilidade atual da metodologia e-learning. A fragilidade identificada pelos participantes é a falta do plano de formação em serviço, considerando a especificidade dos cuidados e técnicas desenvolvidas nos serviços de MFR. Atendendo aos contributos da formação em serviço para a garantia da qualidade dos cuidados, é necessário a adoção de estratégias que permitam reflexões sobre a prática, com impacto na conceção e prestação de cuidados de enfermagem 20.

Quanto à metodologia de trabalho , as opiniões entre os participantes divergem, sendo que alguns consideram que a metodologia adotada no serviço - enfermeiro de referência - é um aspeto facilitador da promoção da qualidade dos cuidados, porém salientam que este método já foi mais eficiente e completo, “Devíamos seguir o método de enfermeiro de referência como era antigamente, que (…) tínhamos as visitas domiciliárias e as reuniões com a família, devíamos levar isto mais além (…)” (ER1). Tal como esclarece um participante “Temos o método de enfermeiro de referência, que neste momento apenas se baseia na atualização do plano de cuidados do doente que nos foi atribuído” (ER3). O método de enfermeiro de referência é reconhecido internacionalmente, consiste numa estratégia de responsabilidade individualizada nas tomadas de decisão, em relação à assistência em enfermagem 21.

Para alguns participantes, o método de enfermeiro de referência continua a ser o mais adequado “Nós temos o método do enfermeiro de referência (…) que permite ter uma visão do doente, porque cada enfermeiro está associado a um doente, e, apesar de não ficarmos sempre com esse doente, fazemos a avaliação do doente e gerimos o plano de cuidados” (ER8).

Por outro lado, alguns participantes consideram o método de enfermeiro de referência um aspeto dificultador, “Neste serviço não considero o método do enfermeiro de referência o mais adequado, às vezes com a distribuição posso ficar mais de duas semanas sem estar com o meu doente de referência e depois praticamente não o conheço, (…) agora se me perguntarem qual seria o método mais adequado, acho que teríamos de refletir sobre isso” (ER13). Neste seguimento, dois participantes elegeram o método individual como orientador da sua prática profissional, “Penso que deveríamos ter um método individual de trabalho” (ER6), “Na minha perspetiva o método de trabalhar deveria ser maioritariamente individual de forma a cada enfermeiro ficar responsável por tudo o que concerne aos seus utentes” (ER10).

Na comunidade científica a metodologia de trabalho tem sido alvo de discussão, no entanto, é certo que esta é parte integrante do processo de trabalho dos enfermeiros. A seleção de um método de trabalho de enfermagem reflete o tipo de conceptualização, organização e prestação dos cuidados num determinado contexto. E por isso traduzem uma perspetiva, uma forma de pensar e organizar a prática de enfermagem 22.

Importa salientar que os EEER, na organização do trabalho, poderão adotar vários métodos, de modo a dar resposta à complexidade e diferenciação dos cuidados. Contudo, face às competências específicas destes profissionais, a opção pelos métodos de enfermeiro de referência e/ou gestor de caso serão efetivamente os mais relevantes, no sentido da satisfação das reais necessidades das pessoas 23.

A Ordem dos Enfermeiros reconhece a necessidade de organização dos cuidados de enfermagem com ênfase na utilização de metodologias promotoras da qualidade e segurança, permitindo uma resposta integrada dos problemas dos doentes. Os participantes dividem-se na opinião entre o método de enfermeiro de referência e o método individual, salientando a necessidade de melhorar particularmente a estratégia de distribuição diária 24.

Recordemos que na metodologia de trabalho, o método mais referido é o método de enfermeiro de referência, também mencionado como enfermeiro responsável ou Primary Nursing. Ao enfermeiro é atribuído um ou mais doentes e este fica responsável por planear, executar e avaliar os cuidados, da admissão até à alta, sempre que esteja ao serviço. A fragilidade identificada pelos participantes, está relacionada com a falta de respeito pela manutenção da díade, enfermeiro responsável/doente, quando é feita a distribuição de trabalho, o que conflitua com a conceção do método. O método prevê que nos serviços haja dois tipos de enfermeiros, os de referência e os adjuntos/associados, o que facilitará a distribuição dos doentes na ausência do enfermeiro de referência. Este método valoriza a responsabilidade do enfermeiro considerando que, o enfermeiro de referência além de ser responsável pelo doente, coordena e supervisiona os cuidados durante todo o internamento 21,22.

Em oposição às práticas metodológicas da organização dos cuidados, onde é referido o uso do método de enfermeiro de referência, surgem participantes a defenderem o método individual, que consiste numa abordagem assistencial do doente como um todo, onde o enfermeiro assume diariamente a responsabilidade da assistência para todos os cuidados aos doentes distribuídos 21. Surgiram, recentemente, alguns estudos que demonstram fragilidades associadas, considerando que a responsabilidade do enfermeiro limita-se ao turno de trabalho em que lhe é distribuído o doente 22.

A enfermagem de reabilitação pode significar uma filosofia de cuidados baseada em princípios reabilitativos e de recuperação, o que implica habilidades por parte dos enfermeiros para intervir em termos funcionais, psicológicos, educacionais e sociais. Com o objetivo da procura da saúde, independência nos autocuidados e de adaptação em estilos de vida saudáveis, bem-estar e qualidade de vida, exige conhecimentos que vão para além da promoção do autocuidado, pois em causa está a pessoa como um todo, razões que tornam esta área de intervenção, uma especialidade diferenciadora de outras 25. A particularidade deste estudo constitui a análise da estrutura de modo a garantir condições de consecução do processo e assim evidenciar resultados da assistência no serviço de MFR.

CONCLUSÃO

Deste estudo foi possível observar analisar a perceção dos EEER em relação à qualidade dos cuidados nas Unidades de MFR referentes à Estrutura de onde emergiram as seguintes categorias: gestão de pessoas e liderança no serviço e ambiente físico e condições para funcionamento das práticas de enfermagem.

Embora na generalidade dos contextos, se reconheça e valorize o contributo dos EEER, são pouco frequentes os estudos que procurem a qualificação do exercício profissional através da análise aprofundada das práticas destes profissionais. Neste contexto, este estudo qualitativo permitiu uma reflexão sobre o problema e identificou estratégias de melhoria do exercício profissional.

Os fatores facilitadores da prestação de cuidados numa unidade de Medicina Física e Reabilitação, dizem respeitos à estrutura do serviço, o tipo de trabalho que desenvolvem e o que os motiva, contribuindo assim para a satisfação profissional e para com o serviço, evidenciando-se no seu bem-estar e motivação.

Os fatores dificultadores da prestação de cuidados numa unidade de Medicina Física e Reabilitação relacionam-se com a formação contínua e em serviço, bem como o défice de momentos de reflexão sobre a prática. O método de trabalho surge como contributo dificultador para alguns enfermeiros, enquanto, para outros é uma mais-valia para a responsabilização das práticas autónomas desenvolvidas.

O modelo de Donabedian (2003) suporta a perceção dos EEER pelo que se considera ajustado ao exercício de enfermagem e um contributo para organização e controlo da qualidade dos cuidados em serviços de MFR. Os enfermeiros de Reabilitação percecionam a organização dos cuidados com base em aspetos particulares da estrutura, relacionando-os com as suas competências.

O percurso deste estudo acrescentou valor à aprendizagem dos investigadores, contudo, identificamos limitações no aprofundamento do problema em estudo, o que nos permite deixar a sugestão de desenvolver uma nova investigação com metodologias de investigação/ação sobre a prática dos EEER num serviço de MFR.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Ward, A. & Gutenbrunner, C. Physical and Rehabilitation Medicine in Europe. J Rehabil Med [Internet]. 2006 [citado 13 de Fevereiro de 2023]. 38: 81-86. DOI: 10.1080/16501970500477777; [ Links ]

2 Sampaio, F., Pinto, C., Parada, F., Antunes, F., Silva, H., Caldas, J., André, L. & Mirco, T. Rede Nacional de Especialidade Hospitalar e de Referenciação - Medicina Física e de Reabilitação [Internet]. Ministério da Saúde. 2017 [citado 13 de Fevereiro de 2023]. Disponível em: https://www.acss.min-saude.pt/wp-content/uploads/2017/03/RNEHRMedFisicaReab_vf.pdf; [ Links ]

3 Queiroz, E. & Araújo, T. Trabalho de equipe em reabilitação: um estudo sobre a perceção individual e grupal dos profissionais de saúde. Paidéia [Internet]. 2009; 19 (43): 177-187; [ Links ]

4 Donabedian, A. An Introduction to Quality Assurance in Health Care. Oxford: University Press. 2003; [ Links ]

5 Ordem dos Enfermeiros. Regulamento n.º 392/2019 - Regulamento das Competências Específicas do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação [Internet]. 2019. Diário da República II Série, n.º 85: 13565-68. Disponível em: https://www.ordemenfermeiros.pt/media/11871/1356513568.pdf; [ Links ]

6 Streubert, H. & Carpenter, D. Investigação qualitativa em Enfermagem - Avançando o Imperativo Humanista. (5ª ed.). Loures: Lusociência. 2013. [ Links ]

7 Bardin, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. 2009; [ Links ]

8 Organização Mundial da Saúde. Orientações da OMS para a cirurgia segura 2009: cirurgia segura salva vidas. Direção-Geral da Saúde. 2010. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/44185/9789241598552_por.pdf;jsessio; [ Links ]

9 Stonehouse, D. Reflective practice: Ensuring quality care. British Journal of Healthcare Management [Internet]. 2015 [citado 20 de Fevereiro de 2023]. 21(5): 237-241. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/276238398_Reflective_Practice_Ensuring_Quality_Care; [ Links ]

10 Peixoto, N. & Peixoto T. (2016). Prática reflexiva em estudantes de enfermagem em ensino clínico. Revista de Enfermagem Referência [Internet]. 2016 [citado 20 de Fevereiro de 2023]. 4(11): 121-132. Disponível em: http://dx.doi.org/10.12707/RIV16030; [ Links ]

11 Santos, M. A gestão e a liderança em serviços de enfermagem de reabilitação. In O. Ribeiro, Enfermagem de Reabilitação conceções e práticas. Lidel. 2021. p.19-27; [ Links ]

12 Padilha, J., Martins, M., Gonçalves, N., Ribeiro, O., Fernandes, C. & Gomes, B. Olhares sobre os processos formativos em enfermagem de reabilitação. Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação [Internet]. 2021 [citado 20 de Fevereiro de 2023]. 4(1): 83-89. Disponível em: https://doi.org/10.33194/rper.2021.v4.n1.178; [ Links ]

13 Pereira, P., Martins, M. & Machado, W. Enfermagem de Reabilitação e a pessoa com deficiência: o caminho para a inclusão social. In O. Ribeiro, Enfermagem de Reabilitação conceções e práticas. Lidel. 2021. p.430-449; [ Links ]

14 Silva, C., Oliveira, F., Ribeiro, M., Prazeres, V. & Ribeiro, O. Novos desafios para velhos problemas: o enfermeiro especialista em enfermagem de Reabilitação na promoção da acessibilidade. Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação [Internet]. 2019 [citado 2 de Fevereiro de 2023]. 2(2): 20-26. Disponível em: https://doi.org/10.33194/rper.2019.v1.n2.02.4561; [ Links ]

15 Jesus, E., Roque, S. & Amaral, A. Estudo RN4CAST em Portugal: Ambientes de Prática de Enfermagem. Revista Investigação em Enfermagem [Internet]. 2015 [citado 2 de Fevereiro de 2023]. 26-44. Disponível em: https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/19776/1/2015066.pdf; [ Links ]

16 Ordem dos Enfermeiros. Regulamento n.º 743/2019 - Regulamento da Norma para Cálculo de Dotações Seguras dos Cuidados de Enfermagem [Internet]. 2019 [citado 2 de Fevereiro de 2023]. Diário da República, II Série, n.º 184: 128-155. Disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/regulamento/743-2019-124981040; [ Links ]

17 Freitas, M., Parreira, P. & Neves, T. Dotação Segura em Enfermagem. In Parreira, P., Castilho, A., Martins, M., Santos, M., Rocha, M., Souza, M. - Gestão nas organizações de saúde - Pessoa, formação e desenvolvimento profissional (1ªed.). Portugal: Ordem dos Enfermeiros, Associação de Apoio aos Cuidados de Saúde dos Pequenitos. 2022; [ Links ]

18 Ferreira, R. & Amendoeira, J. Resultados sensíveis em enfermagem. Ensaio: modelo de avaliação da qualidade dos cuidados. Revista da UIIPS. 2015; 5 (3):396-407; [ Links ]

19 Martins, M. & Fernandes, H. O Trabalho do Enfermeiro Gestor em Unidades de Saúde. In Parreira, P., Castilho, A., Martins, M., Santos, M., Rocha, M., Souza, M. - Gestão nas organizações de saúde - Pessoa, formação e desenvolvimento profissional (1ªed.). Portugal: Ordem dos Enfermeiros, Associação de Apoio aos Cuidados de Saúde dos Pequenitos. 2022; [ Links ]

20 Martins, M., Ribeiro, O. & Bastos, A. Formação em Serviço. In Parreira, P., Castilho, A., Martins, M., Santos, M., Rocha, M., Souza, M. - Gestão nas organizações de saúde - Pessoa, formação e desenvolvimento profissional (1ªed.). Portugal: Ordem dos Enfermeiros, Associação de Apoio aos Cuidados de Saúde dos Pequenitos. 2022; [ Links ]

21 Ventura-Silva, J., Martins, M., Trindade, L., Ribeiro, O. & Cardoso, M. Métodos de trabalho dos enfermeiros em hospitais: scoping review. Journal Health NPEPS [Internet]. 2021; 6(2): 278-295. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2021/12/1349325/document-7.pdf; [ Links ]

22 Parreira, P., Costa, P., Neri, M., Marques, A., Queirós, P. & Oliveira, A. Métodos de trabalho para prestação de cuidados de enfermagem. In Parreira, P., Castilho, A., Martins, M., Santos, M., Rocha, M., Souza, M. - Gestão nas organizações de saúde - Pessoa, formação e desenvolvimento profissional (1ªed.). Portugal: Ordem dos Enfermeiros, Associação de Apoio aos Cuidados de Saúde dos Pequenitos. 2022. [ Links ]

23 Silva, J., Martins, M., Trindade, L., Ribeiro, O., Ribeiro, M. & Cardoso, M. O processo de trabalho dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação numa ótica marxista. Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação [Internet]. 2021; 4(2): 72-80. Disponível em: https://doi.org/10.33194/rper.2021.73; [ Links ]

24 Ordem dos Enfermeiros. Regulamento do Perfil de Competências do Enfermeiro de Cuidados Gerais [Internet]. Lisboa: Ordem dos Enfermeiros. 2012 [cited 2023 Fev 21]. Disponível em: http://www.ordemenfermeiros.pt/publicacoes/Documents/divulgar%20-%20regulamento%20do%20perfil_VF.pdf; [ Links ]

25 Schoeller, S., Martins, M., Ribeiro, I., Lima, D., Padilha, M. & Gomes, B. Breve panorama mundial da enfermagem de reabilitação. Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação [Internet]. 2018 [citado 21 de Fevereiro de 2023]; 1(1): 6-12. Disponível em: https://doi.org/10.33194/rper.2018.v1.n1.01.4388. [ Links ]

Financiamento:Este trabalho não recebeu nenhuma contribuição financeira ou bolsa.

Comissão de Ética:Estudo autorizado pela Comissão de Ética do Centro Hospitalar Universitário de São João (Parecer nº 51/22).

Declaração de consentimento informado:O consentimento informado por escrito para publicar este trabalho foi obtido dos participantes.

Proveniência e revisão por pares:Não comissionado; revisto externamente por pares.

Recebido: 10 de Março de 2023; Aceito: 04 de Maio de 2023; Publicado: 26 de Maio de 2023

Autor Correspondente: Ana Rita Silva Martins, ritamartins2102@hotmail.com

Conflitos de interesse:

Os autores não declaram nenhum conflito de interesses.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons