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Revista Portuguesa de Enfermagem de Reabilitação

versão impressa ISSN 2184-965Xversão On-line ISSN 2184-3023

RPER vol.6 no.2 Silvalde dez. 2023

https://doi.org/10.33194/rper.2023.312 

Artigo original reportando investigação clínica ou básica

IMPACTE DA PANDEMIA SOBRE OS ENFERMEIROS ESPECIALISTAS EM ENFERMAGEM DE REABILITAÇÃO E OS CUIDADOS PRESTADOS.

IMPACTO DE LA PANDEMIA EN LOS ENFERMEROS ESPECIALIZADOS EN ENFERMERÍA DE REHABILITACIÓN Y LO CUIDADO PROPORCIONADO.

Barbara Pires1  , Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Recursos, Supervisão, Validação, Visualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição, leram, concordam com a versão publicada do manuscrito
http://orcid.org/0000-0001-9311-3351

Miguel Padilha2  , Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Recursos, Supervisão, Validação, Visualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição, leram, concordam com a versão publicada do manuscrito
http://orcid.org/0000-0002-6631-776X

Rui Silva3  , Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Recursos, Supervisão, Validação, Visualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição, leram, concordam com a versão publicada do manuscrito
http://orcid.org/0000-0003-4731-339X

1Escola Superior de Enfermagem do Porto, Porto, Portugal

2CINTESIS@RISE, Porto, Portugal

3ARS/ Norte; ACES Maia/Valongo; UCC Vallis Longus - Valongo, Portugal


RESUMO

Introdução:

A pandemia por COVID-19 conduziu à readaptação e reorganização dos sistemas de saúde.

Objetivos:

Caraterizar o impacte da pandemia por COVID-19 nos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação; identificar o impacte da pandemia por COVID-19 nos cuidados especializados de enfermagem de reabilitação disponibilizados às populações; identificar o impacte da pandemia por COVID-19 nas estratégias de atualização técnico-científica dos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação; tendo ainda como finalidades disponibilizar informação aos decisores para uma melhor gestão de recursos humanos/profissionais; e, disponibilizar informação aos decisores para uma melhor gestão de cuidados de enfermagem especializados às populações.

Metodologia:

Estudo observacional, descritivo e transversal. Amostra não probabilística, de conveniência, de enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação, sócios da Associação Portuguesa dos Enfermeiros de Reabilitação. Questionário online. Análise descritiva e inferencial. O questionário foi submetido para resposta durante o período entre 2 de marco de 2022 e 11 de abril de 2022, tendo obtido um total de 160 questionários respondidos.

Resultados:

Durante o período da pandemia pelos EEER verificou-se um impacte negativo nas dimensões “tempo para os amigos” e “tempo para o lazer pessoal”, e um impacte positivo nas dimensões “relacionamento com os colegas de trabalho” e “disponibilidade de equipamentos de proteção individual”. No futuro verificou-se uma perceção de impacte negativo nas dimensões “atividades burocráticas”, “saúde pessoal”, “tempo para os amigos”, e “tempo para o lazer pessoal”, e um impacte positivo nas dimensões “disponibilidade de equipamentos de proteção individual” e “organização do espaço físico no local de trabalho”.

Conclusão:

A pandemia por COVID-19 apresentou um impacte nos EEER e nos cuidados especializados prestados. Recomendam-se estudos futuros que permitam conhecer este impacte a longo prazo, ou direcionados para as intervenções autónomas dos EEER tornam-se pertinentes.

DESCRITORES: COVID-19; Enfermagem de reabilitação; Avaliação do Impacto na Saúde

RESUMEN

Introducción:

La pandemia de COVID-19 motivó la readecuación y reorganización de los sistemas de salud.

Objetivos:

Caracterizar el impacto de la pandemia de COVID-19 en los EEER (enfermeros especialistas en enfermeria de rehabilitacion); caracterizar el impacto de la pandemia de COVID-19 en los cuidados de enfermería especializada en rehabilitación prestados a las poblaciones; caracterizar el impacto de la pandemia del COVID-19 en las estrategias de actualización técnico-científica de los EEER; e como finalidades proporcionar información a los tomadores de decisiones para una mejor gestión de los recursos humanos/profesionales; y, proporcionar información a los decisores para una mejor gestión de la atención de enfermería especializada a las poblaciones.

Metodología:

Estudio observacional, descriptivo y transversal. Muestra no probabilística de conveniencia de enfermeros especialistas en enfermería de rehabilitación, miembros de la Associação Portuguesa dos Enfermeiros de Reabilitação. Cuestionario en línea. Análisis descriptivo e inferencial.

Resultados:

Durante el período de la pandemia por los EEER, se verificó un impacto negativo en las dimensiones “tiempo para los amigos” y “tiempo para el ocio personal”, y un impacto positivo en las dimensiones “relación con los compañeros de trabajo” y “disponibilidad de equipos de protección personal”. A futuro, se percibe un impacto negativo en las dimensiones “actividades burocráticas”, “salud personal”, “tiempo para los amigos” y “tiempo para el ocio personal”, y un impacto positivo en las dimensiones “disponibilidad de medios de protección”. equipamiento individual” y “organización del espacio físico en el lugar de trabajo”.

Discusión:

El conocimiento del impacto sirve de guía para implementar cambios en las dinámicas de trabajo y estructuras de servicio.

Conclusión:

La pandemia de COVID-19 tuvo impacto en los EEER y en la atención especializada proporcionada. Futuros estudios que permitan conocer este impacto a largo plazo, o dirigidos a las intervenciones autónomas de los EEER, cobran relevancia.

DESCRIPTORES: COVID-19; Enfermería de rehabilitación; Evaluación del Impacto en la salud

ABSTRACT

Introduction:

COVID-19 pandemic led to the readaptation and reorganization of health systems.

Aims:

Characterize the impact of the COVID-19 pandemic on the NSRN (nurses specialized in rehabilitation nursing); characterize the impact of the COVID-19 pandemic on specialized rehabilitation nursing care provided to populations; to characterize the impact of the COVID-19 pandemic on the technical-scientific updating strategies of the NSRN; and also as aims to provide information to decision-makers for better management of human/professional resources; and, to provide information to decision makers for better management of specialized nursing care for populations.

Methodology:

Observational, descriptive and cross-sectional study. Non-probabilistic, convenience sample of nurses specializing in rehabilitation nursing, members of the Associação Portuguesa dos Enfermeiros de Reabilitação. Online questionnaire. Descriptive and inferential analysis.

Results:

During the period of the pandemic by the NSRN, we verified a negative impact on the dimensions “time for friends” and “time for personal leisure”, and a positive impact on the dimensions “relationship with coworkers” and “availability of equipment for individual protection”. In the future, there is a perception of a negative impact on the dimensions “bureaucratic activities”, “personal health”, “time for friends”, and “time for personal leisure”, and a positive impact on the dimensions “availability of protective equipment individual” and “organization of the physical space in the workplace”.

Discussion:

Acknowledgement of the impact serves as guidance for implementing changes in work dynamics and service structures.

Conclusion:

The COVID-19 pandemic had an impact on the NSRN and on the specialized care provided. Future studies that allow knowing this impact in the long term, or directed to the autonomous interventions of the NSRN, become pertinent.

DESCRIPTORS: COVID-19; Rehabilitation nursing; Evaluation of Impact on Health

Introdução

A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a 11 de março de 2020 a Síndrome Aguda Respiratória Severa por COVID-19 como pandemia 1.

A pandemia por COVID-19 acarretou diversas mudanças, sendo que os serviços de saúde não foram excluídos destas. Foram implementadas diversas medidas sociais e de saúde pública com intuito de prevenir e de controlar o risco de infeção nos diferentes contextos, as quais resultaram em alterações na dinâmica do trabalho e dos serviços de saúde (2; 3).

Num contexto de já sobrecarga das instituições e dos profissionais de saúde, compreende-se que estas mudanças vieram, em certos contextos, agravar os problemas já existentes ou criar novos desafios. Algumas questões como a escassez de material e de equipamentos de proteção individual, a exaustão mental e física eram já problemáticas presentes nos contextos de prática dos profissionais de saúde, assim como a necessidade de reestruturação dos serviços e dos cuidados de saúde por alteração das prioridades 4.

Além da evidência na fase aguda das consequências do vírus, começa a existir também evidência numa fase mais prolongada. Estima-se que 1 em cada 5 pessoas infetadas com COVID-19 possa experienciar os sintomas da fase aguda numa fase mais prolongada, designado por long covid2. De acordo com a mesma fonte, cerca de 5 a 20% das pessoas poderão experienciar os sintomas da fase aguda por um período superior a 4 semanas, sendo que estes podem estar presentes ainda num período até 14 semanas (considerados sintomas de COVID-19 contínuos) e após as 14 semanas (considerado como síndrome após COVID-19). Nesta fase os sintomas que podem ser identificados podem incluir: fadiga, cefaleias, tinitus, anosmia, tosse persistente, dor de peito, dispneia, palpitações, miocardite, diarreia, mialgia, dor abdominal, rash, febre recorrente, complicações cognitivas, e depressão. Existem sintomas relatados como uso de álcool e stress pós-traumático 4.

Numa pesquisa com intuito de aceder ao impacte que a pandemia deteve nos enfermeiros após o primeiro ano de pandemia por COVID-19, realizada pela American Nurses Foundation (2021)5) , identificou-se que, de um total de 22,316 enfermeiros, cerca de 51% apresentava exaustão, cerca de 43% apresentava sobrecarga, cerca de 37% apresentava irritabilidade, e cerca de 36% apresentavam ansiedade sem causa aparente, entre outros sintomas que podem deter uma influência negativa na vida destes profissionais. Os sintomas em si não estão relacionados com a gravidade dos sintomas decorridos durante a fase aguda. Nesta mesma pesquisa)5 verificou-se que 47% dos enfermeiros considera deixar a profissão devido a esta afetar negativamente o seu bem-estar e saúde, 45% pondera abandonar a profissão devido a falta de pessoal no local de trabalho, 33% refere considerar abandonar a profissão devido à falta de apoio durante o período de pandemia, e 28% considera deixar de exercer as suas funções por impossibilidade de oferecer cuidados de qualidade e com consistência, bem como devido à perda de confiança no empregador.(5

A proteção da saúde, bem-estar e segurança dos profissionais de saúde é essencial considerando que esta categoria profissional constitui um pilar importante na qualidade e na garantia dos cuidados. Essa proteção requer uma boa coordenação e adoção de medidas de prevenção e controlo de infeção, segurança e saúde ocupacional, gestão de pessoal e apoio psicológico e de saúde mental com vista à prevenção de um aumento da taxa de doença nos profissionais de saúde, bem como absentismo, diminuição de produtividade e da qualidade de cuidados 7.

No que concerne à adaptação dos serviços, e considerando a situação de pandemia, identificou-se uma alteração ao nível da organização dos cuidados de saúde, priorizando-se a resposta direta aos casos COVID-19, e diminuindo significativamente a prestação de cuidados a outras patologias/contextos, nomeadamente os cuidados especializados de enfermagem de reabilitação 4.

Os EEER estiveram desde início envolvidos na resposta de emergência do Sistema Nacional de Saúde (SNS) à pandemia por COVID-19, sendo que sofreram com as alterações efetuadas pelas necessidades identificadas durante o período de pandemia, nomeadamente: a alteração do papel dentro das equipas, sendo que alguns EEER passaram da intervenção como enfermeiros especialistas a tempo integral para a intervenção como enfermeiros generalistas a tempo parcial ou total; a alteração de serviços para prestação de cuidados, tendo alguns sido direcionados para departamentos diferentes daqueles nos quais estes estavam afetos previamente; a mudança de residência em tempo de prestação de cuidados por motivos de prevenção de transmissão do vírus e proteção dos seus ente-queridos; a alteração da qualidade dos cuidados prestados, uma vez que em momentos de pandemia existe um foco central no problema mais urgente de forma a dar resposta ao mesmo; e, a existência de desafios éticos e deontológicos na prestação de cuidados que condicionaram o processo de tomada de decisão e priorização de casos clínicos. 4

Além dos desafios estruturais, a disponibilidade de dados fiáveis e atualizados relativamente à capacidade de resposta e às perturbações identificadas nos serviços de saúde derivadas da pandemia é uma questão importante, uma vez que sem estes dados se torna difícil a fundamentação de estratégias de mitigação e de orientação para a resposta às necessidades reais 2.

Por este mesmo motivo, torna-se pertinente conhecer o impacte da pandemia por COVID-19 nos EEER e na prestação dos cuidados, visando identificar problemas e desafios, e posteriormente viabilizar a implementação de medidas de promoção de qualidade de cuidados e consequente satisfação destes profissionais.

Metodologia

Considerando que ainda existe pouca evidência quanto ao impacte da pandemia nos EEER, formulámos como pergunta de partida “Qual o impacte da pandemia por COVID-19 nos profissionais e cuidados de enfermagem especialistas em enfermagem de reabilitação?”.

Finalidade e objetivos do estudo

Decorrente do conhecimento do impacte de mais 2 anos de pandemia nos EEER, tínhamos como finalidade disponibilizar informação que permita otimizar a tomada de decisão, a gestão de cuidados de enfermagem e a governação clínica em futuros episódios pandémicos.

Foram estabelecidos os objetivos: avaliar impacte da pandemia por COVID-19 nos EEER; identificar impacte da pandemia por COVID-19 nos cuidados especializados de enfermagem de reabilitação disponibilizados às populações; identificar o impacte da pandemia por COVID-19 nas estratégias de atualização técnico-científica dos EEER;

Consequentes dos objectivos delineados, formulámos as seguintes finalidades para o estudo: disponibilizar informação aos decisores para uma melhor gestão de recursos humanos/profissionais; e, disponibilizar informação aos decisores para uma melhor gestão de cuidados de enfermagem especializados às populações.

Realizámos um estudo do tipo observacional, descritivo e transversal. A população em estudo incluía os EEER, sócios da Associação Portuguesa dos Enfermeiros de Reabilitação (APER). Utilizámos uma amostra não probabilística de conveniência de EEER que reunissem os seguintes critérios de inclusão: ser EEER; sócios da APER; ter desempenhado funções em qualquer tipologia de serviço no período em análise; e, aceitar participar no estudo.

Utilizámos um questionário online “Impacte da pandemia COVID-19 nos cuidados de enfermagem´ disponibilizado pela APER aos seus sócios, numa parceria com a Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP).

E por isso, o questionário usado apresentava duas partes, a primeira com os dados sociodemográficos e a segunda parte com questões relativas a I) mudanças nos cuidados de enfermagem devido à pandemia por COVID-19; (II) mudanças na organização do trabalho; (III) decisões éticas; (IV) casos mais desafiantes; (V) formação adicional necessária para cuidar doentes com COVID-19; além destas foram adicionadas questões relativas ao impacto da pandemia no futuro, tendo estas sido elaboradas para este estudo.

O questionário foi disponibilizado via email e era constituído por duas partes, a primeira para recolha de dados sociodemográficos, a segunda parte direcionada para a avaliação do impacte da pandemia

Este questionário foi originalmente desenvolvido por Marco Clari (2020), e posteriormente traduzido e utilizado por Padilha e Silva (2020). A avaliação das variáveis associadas à formação e atualização técnica científica foi avaliada numa uma escala de Likert de 5 pontos, sendo que 1 se refere a “pior opinião” e 5 a “melhor opinião” acerca da variável. As variáveis associadas à avaliação da complexidade clínica dos doentes e da satisfação dos EEER foram avaliadas uma escala de Likert de três pontos (diminuiu, manteve-se igual, aumentou).

Neste estudo associamos ao instrumento original de recolha de dados uma nova dimensão para a avaliação do impacte da pandemia no futuro no trabalho e na vida dos enfermeiros de reabilitação, avaliada através de uma escala de Likert de 7 pontos, de “-3” “maior impacte pela negativa” “0” “impacte nulo” a “3” “maior impacte pela positiva”.

Os dados foram recolhidos através de um questionário online enviado por email à população. O questionário foi submetido para resposta durante o período entre 2 de marco de 2022 e 11 de abril de 2022.

O tratamento e análise dos dados foi posteriormente realizado utilizando estatística inferencial e descritiva com recurso com recurso ao IBM SPSSR versão 28 (IBM Corp. Released 2020).

Neste estudo foram adotados todos os pressupostos éticos, tendo sido obtida autorização da Comissão de Ética da Escola Superior de Enfermagem do Porto com referência ADTE_70/2021.

Relativamente às considerações éticas garantimos o consentimento informado prévio e a anonimização e confidencialidade das respostas.

Resultados

Como amostra para este estudo obtivemos um total de 160 questionários respondidos. Em termos das características sociodemográficas da nossa amostra, estas apresentam-se no quadro seguinte (Tabela 1).

Tabela 1 Dados sociodemográficos da amostra. 

Género Feminino 72,5% (n=116)
Masculino 27,5% (n=44)
Idade média 45,8 anos (SD±7,8)
Experiência profissional (média) 22 anos
Categoria profissional Enfermeiro especialista 92,5% (n=148)
Enfermeiro 4,4% (n=7)
Enfermeiro gestor/chefe 3,1% (n=5)

De salientar que houve alterações na execução de funções como EEER quando comparando o período antes e durante a pandemia. Estas alterações observam-se na Tabela 2.

Tabela 2 Execução de funções como EEER antes e durante a pandemia. 

Antes da pandemia Durante a pandemia
Sim, na totalidade do tempo 43,8% (n=70) 22,5% (n=36)
Sim, na parcialidade do tempo 33,8% (n=54) 48,8% (n=78)
Não 20% (n=32) 26,9% (n=43)
Sem resposta 2,5% (n=4) 1,9% (n=3)

Verifica-se, ainda que, desde março de 2020, 74,4% (n=119) dos enfermeiros prestou cuidados a doentes com COVID-19 ou exerceu funções num serviço dedicado a COVID-19. Durante o período de pandemia 42,5% (n=68) dos enfermeiros relatam um aumento no número de doentes ao seu encargo por turno.

Quanto aos rácios entre enfermeiro especialista em reabilitação/doente por turno, 46,3% (n=74) dos enfermeiros relataram uma diminuição.

Foi, adicionalmente, verificado que 63,7% (n=102) dos enfermeiros relata um aumento da carga de horas semanal de trabalho durante o período de pandemia.

Impacte da pandemia por COVID-19

Durante o período da pandemia pelos EEER verificamos um impacte negativo nas dimensões “tempo para os amigos” e “tempo para o lazer pessoal”, e um impacte positivo nas dimensões “relacionamento com os colegas de trabalho” e “disponibilidade de equipamentos de proteção individual” tal como se pode observar na tabela 3.

Tabela 3 Impacte percecionado pelos EEER durante o período de pandemia. 

Média Desvio padrão Min Max
Organização do espaço físico no local de trabalho -0,61 2,02 -3 3
Disponibilidade de equipamentos de proteção individual 0,77 2,08 -3 3
Relacionamento com familiares dos doentes -1,19 1,90 -3 3
Relacionamento com colegas de trabalho 0,29 1,88 -3 3
Treino e integração de enfermeiros -1,16 1,67 -3 3
Supervisão de estudantes de enfermagem -1,68 1,46 -3 3
Atividades burocráticas -1,01 1,70 -3 3
Saúde pessoal -1,38 1,55 -3 3
Tempo para a família -1,81 1,40 -3 3
Tempo para os amigos -2,18 1,26 -3 3
Tempo para lazer pessoal -2,16 1,28 -3 3
Tempo para formação/atualização profissional -1,64 1,74 -3 3

No futuro verifica-se uma perceção de impacte negativo nas dimensões “atividades burocráticas”, “saúde pessoal”, “tempo para os amigos”, e “tempo para o lazer pessoal”, e um impacte positivo nas dimensões “disponibilidade de equipamentos de proteção individual” e “organização do espaço físico no local de trabalho”, tal como se pode observar na tabela 4.

Tabela 4 Impacte percecionado pelos EEER no futuro. 

Média Desvio padrão Min Max
Organização do espaço físico no local de trabalho 0,88 1,70 -3 3
Disponibilidade de equipamentos de proteção individual 1,62 1,55 -3 3
Relacionamento com familiares dos doentes 0,42 1,79 -3 3
Relacionamento com colegas de trabalho 0,83 1,66 -3 3
Treino e integração de enfermeiros 0,47 1,67 -3 3
Supervisão de estudantes de enfermagem 0,28 1,63 -3 3
Atividades burocráticas -0,12 1,62 -3 3
Saúde pessoal -0,07 1,86 -3 3
Tempo para a família 0,01 1,97 -3 3
Tempo para os amigos -0,07 2,03 -3 3
Tempo para lazer pessoal -0,07 2,01 -3 3
Tempo para formação/atualização profissional 0,42 1,87 -3 3

A pandemia por COVID-19 teve impacte nas diferentes dimensões estudadas, realçando-se que os enfermeiros chefes/gestores têm uma perceção mais positiva deste impacte comparativamente aos restantes enfermeiros, quer no período da pandemia quer para o futuro.

Verificou-se, ainda, que a pandemia deteve um impacte mais negativo nos EEER que deixaram de exercer funções como especialistas, tal como se observa na tabela 5, através do Teste ANOVA One-Way e Teste de Tukey HSD.

Tabela 5 Impacte percecionado pelos EEER considerando a execução de funções como especialista em enfermagem de reabilitação. 

F p Categorias Média p
Tempo para a família 8,28 <0,001 Sempre especializados em enfermagem de reabilitação -0,97 <0,001
Deixei de prestar cuidados especializados em enfermagem de reabilitação -2,21

Complexidade clínica dos doentes

A pandemia por COVID-19 apresentou ainda uma alteração na complexidade clínica dos doentes. Verificou-se um aumento da complexidade nos doentes do “foro respiratório” para 73,8% dos EEER, com “alterações na capacidade para o autocuidado” para 52,5% dos EEER e “alterações na capacidade de autogestão da doença” para 51,9% dos EEER. Estas alterações podem ser ainda observadas nos gráficos seguintes (Gráfico 1 e 2).

Gráfico 1 Complexidade clínica dos doentes durante o periodo de pandemia. 

Gráfico 2 Complexidade clínica dos doentes durante o periodo de pandemia. 

Satisfação com os cuidados prestados

A satisfação global, com as várias dimensões dos cuidados especializados prestados, diminuiu para 59,4% dos EEER. Contudo, quando analisamos individualmente a dimensão dos cuidados prestados a doentes do “foro respiratório”, a satisfação aumentou para 40% dos EEER.

Na dimensão da satisfação com a qualidade dos cuidados o impacte mais negativo foi percebido pelos EEER que deixaram de exercer funções de especialistas e relativamente à prestação de cuidados de enfermagem a pessoas com alterações da eliminação, tal como se pode observar na tabela 6, através do Teste de diferenças de Kruskal-Wallis.

Tabela 6 Satisfação com os cuidados prestados considerando a execução de funções como EEER. 

Ordem média (Sempre especializados em enfermagem de reabilitação) Ordem média (Deixei de prestar cuidados especializados em enfermagem de reabilitação) Ordem média (Quase sempre especializados em enfermagem de reabilitação, mas em alguns períodos, apenas como enfermeiros de cuidados gerais) H p
Doentes com alterações da Eliminação 90,57 73,98 81,47 10,80 0,01

Utilização de recursos de aprendizagem

Durante a pandemia por COVID-19 verificou-se uma necessidade de utilização de recursos de aprendizagem pelos profissionais de saúde, sendo que os webinars e os jornais/revistas científicas foram os recursos mais utilizados e com impacte mais positivo para os enfermeiros. Estes resultados podem observar-se na tabela 7.

Tabela 7 Utilização e impacte dos recursos de aprendizagem. 

Utilização Impacte
Média Desvio Padrão Min Max Média Desvio Padrão Min Max
Colegas peritos 3,03 1,23 1 5 3,1 1,23 1 5
Outros peritos da equipe de saúde 3,03 1,26 1 5 3,11 1,19 1 5
Webinars 3,79 1,21 1 5 3,69 1,17 1 5
Websites institucionais 3,08 1,39 1 5 3,09 1,32 1 5
Plataformas de e-learning 3,09 1,38 1 5 3,03 1,33 1 5
Jornais e revistas científicas online 3,21 1,18 1 5 3,29 1,22 1 5

Modalidades de aprendizagem

Relativamente às modalidades de aprendizagem preferidas pelos enfermeiros no futuro, o regime presencial e misto foram os que obtiveram valores médios superiores, tal como se verifica na tabela 8.

Tabela 8 Modalidades de aprendizagem. 

Média Desvio Padrão Min Max
Presencial 3,84 1,21 1 5
Distância 2,71 1,20 1 5
Distância síncrona 3,26 1,14 1 5
Distância assíncrona 3,45 1,23 1 5
Mista 3,69 1,17 1 5

DISCUSSÃO

A perceção de impacte da pandemia pode estar relacionada com diferentes questões. Para além das medidas sociais e de saúde pública, as condições laborais implementadas como medidas de resposta à pandemia nos serviços de saúde também podem deter um papel importante, as quais reforçam a ideia de que houve uma maior solidariedade e espírito de equipa entre colegas. A variável “relacionamento com os colegas de trabalho” apresentou um impacte positivo nos enfermeiros durante a pandemia. Estes resultados estão de acordo com resultados de anteriores 4. A “disponibilidade de equipamentos de proteção individual” apresentou um impacte positivo, sendo que este se pode dever a um maior investimento nestes recursos como reposta imediata à pandemia, tal como salientado num estudo anterior 8).

No período “no futuro” a variável “disponibilidade de equipamentos de proteção individual” mantém-se como uma das variáveis com impacte mais positivos nos enfermeiros. Também a variável “organização do espaço físico no local de trabalho” apresenta um impacte positivo. As variáveis com impacte mais negativo “no futuro” foram “atividades burocráticas”, “saúde pessoal”, “tempo para os amigos”, e “tempo para lazer pessoal”. Estes resultados são menos impactantes comparativamente com os valores obtidos no período “durante a pandemia”. As “atividades burocráticas” poderão apresentar um valor de impacte negativo menos impactante devido a, com o passar do tempo e com a produção de evidência, a implementação e a organização dos cuidados de saúde estarem melhor suportados através da aquisição de novo conhecimento e da implementação de standards e guidelines que providenciam um suporte melhor nas intervenções de enfermagem 8.

Verifica-se uma diminuição da satisfação com os cuidados prestados por parte dos EEER provavelmente como resultado da adaptação das funções destes profissionais durante o período de pandemia. No estudo anterior 8 os enfermeiros especialistas demonstraram uma média de impacte nas dimensões das práticas autónomas inferior, inclusive atividades de planeamento, avaliação e continuidade, influenciando a forma como estes respondem às necessidades dos seus doentes.

O aumento da complexidade clínica dos doentes do foro respiratório pode estar relacionado com a sintomatologia associada ao vírus e das suas consequências posteriores, sendo que o aumento da complexidade clínica dos doentes com alterações na capacidade para o autocuidado e autogestão da doença pode estar relacionado com o facto de ainda haver pouca evidência acerca dos comportamentos de saúde a adotar aquando da reabilitação após o período agudo da doença, sendo que se trata, também, de uma transição em que muitos doentes se tornaram dependentes ou ainda mais dependentes.

A alteração das condições de trabalho, rácios, carga horária, funções executadas têm um papel essencial na qualidade dos cuidados e, inevitavelmente, na satisfação dos profissionais de saúde. Com os dados presentes torna-se claro para os decisores que algumas mudanças ou adaptações deverão ser feitas aos serviços com intuito de permitir uma melhor dinâmica e qualidade dos cuidados prestados. Como factor limitante podemos salientar o tempo de recolha de dados.

CONCLUSÃO

O estudo do impacte da pandemia nos EEER e nos cuidados especializados prestados contribui para o conhecimento desta dimensão e para a implementação de medidas com intuito na melhor gestão de recursos humanos/profissionais e na melhor gestão dos cuidados especializados prestados às populações.

Considerando os objetivos anteriormente delineados para este estudo, podemos afirmar que obtivemos os resultados que auxiliam à resposta dos mesmos. Para o objetivo identificar o impacte da pandemia por COVID-19 nos cuidados especializados de enfermagem de reabilitação disponibilizados às populações, verificou-se que a pandemia deteve um impacte na complexidade clínica de determinadas tipologias de doentes, bem como teve um impacte na satisfação que os enfermeiros apresentam na prestação de cuidados. Para o objetivo caraterizar o impacte da pandemia por COVID-19 nas estratégias de atualização técnico-científica dos EEER, verificou-se que, durante o período de pandemia, determinados recursos de aprendizagem que possibilitaram uma prática mais atualizada e segura dos cuidados, sendo que além dos recursos de aprendizagem, havendo uma preferência por determinadas modalidades de aprendizagem no que concerne à aprendizagem para o futuro. Para os restantes dois objetivos disponibilizar informação aos decisores para uma melhor gestão de recursos humanos/profissionais, e disponibilizar informação aos decisores para uma melhor gestão de cuidados de enfermagem especializados às populações, os resultados são informação importante para a tomada de decisão e adaptação das condições de trabalho, visando uma maior qualidade de cuidados e satisfação profissional. Informação esta que poderá vir a ser útil na preparação da resposta dos serviços de saúde a potenciais futuras pandemias.

Seria interessante explorar mais especificamente como a pandemia afetou a vida pessoal e profissional dos EEER, bem como uma contínua monitorização dos mesmos resultados num período mais prolongado, com intuito mais comparativo. Estudos mais direcionados para o impacte da pandemia nas intervenções autónomas dos EEER, bem como na satisfação da prestação de cuidados seriam igualmente pertinentes na medida que promoverão uma melhor compreensão do contexto e da problemática.

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS

1 Saxena SK, Kumar S, Sharma R, Islam SS. Current Insight into the Novel Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). Nature Public Health Emergency Collection. 2020;1-8. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7189397/ [ Links ]

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3 WHO. Clinical management of COVID19 - Living Guideline. 2022 [cited 2023 Apr 15]. Available from: https://files.magicapp.org/guideline/b487d134-4901-48a4-b145-d1a367ebbbdf/published_guideline_6470-4_1.pdfLinks ]

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Financiamento: Este trabalho não recebeu nenhuma contribuição financeira ou bolsa.

Comissão de Ética: Aceite pela comissão de ética da Escola Superior de Enfermagem do Porto

Declaração de consentimento informado: Formulário online incluído no questionário de recolha de dados

Proveniência e revisão por pares: Revisão por parte dos orientadores da dissertação

Recebido: 20 de Fevereiro de 2023; Aceito: 03 de Setembro de 2023; Publicado: 10 de Setembro de 2023

Autor correspondente: Barbara Pires, barbara.8.pires@gmail.com

Conflitos de interesse:

Nenhum

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