Introdução
A capacidade para andar é um importante indicador de saúde sendo amplamente reconhecido como um sinal vital funcional(1, 2). Nos últimos anos, vários estudos têm encontrado relações significativas entre o desempenho na marcha e resultados como a mortalidade, a morbidade e a qualidade de vida3-5. Uma melhor capacidade para andar está associada também a uma redução sustentada dos custos dos cuidados de saúde(6, 7).
O internamento hospitalar é um acontecimento comum que surge em diferentes fases da vida da pessoa, devido a uma doença súbita, a um evento cirúrgico ou à agudização de uma condição crónica. Essa experiência pode, no entanto, ter um impacto significativo na capacidade funcional, sobretudo nas populações mais vulneráveis. Existe ampla evidência de que a hospitalização produz perda de funcionalidade, agravamento na capacidade de deambulação e necessidade de ajuda para a realização das atividades da vida diária, representando uma ameaça à vida independente após a alta8-10.
Garantir os níveis de atividade física e períodos de marcha durante a hospitalização é uma forma de inverter estes resultados. Programas de marcha assistida aplicados em idosos durante o internamento hospitalar, melhoraram significativamente a sua capacidade de andar à data da alta(11, 12). Uma revisão tipo scoping aferiu que os programas de marcha no hospital têm impacto em indicadores clínicos e não clínicos, podendo estar associados a uma melhoria funcional e a uma redução do tempo de internamento de um a três dias13.
Este estudo tem como objetivo identificar a relação entre as intervenções de enfermagem e o autocuidado andar, em contexto hospitalar. Pretende dar resposta à questão norteadora - Qual a relação entre as intervenções no âmbito da marcha desenvolvidos por enfermeiros e o autocuidado andar durante o internamento hospitalar?
Metodologia
Trata-se de um estudo exploratório de cariz quantitativo, retrospetivo, descritivo e correlacional elaborado com dados do registo clínico dos enfermeiros, dos serviços de internamento de um centro hospitalar e universitário da região norte de Portugal. Definiram-se como critérios de inclusão todos os internamentos de pessoas com idade igual, ou superior, a 18 anos, que ocorreram no intervalo temporal de 01/01/2021 a 31/12/2022, com diagnósticos e intervenções de enfermagem no domínio do autocuidado andar. Os dados foram fornecidos pelo serviço de sistemas de informação e gestão da instituição. A análise estatística descritiva e inferencial foi realizada com recurso ao IBM SPSS®, considerando-se um limiar de significância de 0.05% para os testes de hipóteses efetuados.
O grau de dependência da pessoa no autocuidado andar foi aferido pela conjugação do juízo clínico do enfermeiro e da utilização do formulário de autocuidado de Hernani Duque, integrado no sistema de informação. A pontuação obtida classifica a capacidade para andar em quatro graus: independente, dependente em grau reduzido, grau moderado e grau elevado. Na operacionalização da variável, os graus de dependência foram agrupados em dois níveis: independente e dependente. Por sua vez, o compromisso para andar com auxiliar de marcha compreende uma avaliação dicotómica da eficácia da marcha com a utilização de um produto de apoio (andarilho, canadianas, tripé, entre outros), classificado em: sem compromisso e com compromisso.
Recolheram-se informações relativas ao score da primeira avaliação (momento 1 - M1), aquando definição do diagnóstico e da última avaliação de enfermagem (momento 2 - M2), realizada após a implementação de intervenções de enfermagem no domínio da marcha e antes da alta clínica. Nos casos em que existiu apenas uma avaliação, assumiu-se que a capacidade para andar em M2 foi igual a M1.
Foram recolhidos dados relativos às intervenções de enfermagem do tipo avaliar, assistir, supervisionar, incentivar, ensinar, instruir e treinar a andar, com e sem auxiliar de marcha. Os diagnósticos de admissão foram agrupados pelas categorias definidas pela Classificação Internacional de Doenças ICD-10.
Durante o estudo respeitaram-se as normas éticas e direitos dos participantes, atendendo ao que está subjacente à Declaração de Helsínquia na Convenção de Oviedo. Foi obtida a autorização do Conselho de Administração e da Comissão de Ética do centro hospitalar. De forma a garantir o anonimato dos participantes, os dados demográficos e clínicos foram anonimizados, codificados, inseridos e analisados num programa informático.
Resultados
Dos 11.190 episódios identificados, 4.644 foram excluídos por não garantirem conformidade com os critérios de inclusão. A descrição da amostra é representada na tabela 1.
Variáveis | |
---|---|
Idade (anos) Média (DP) Mediana Moda |
65,99 (16,73) 68 76 |
Sexo n (%) Mulheres Homens |
3299 (50,4%) 3247 (49,6%) |
Tempo de internamento (dias) Média (DP) Mediana Moda |
12,75 (20,68) 5,75 1,03 |
Tipo de admissão n (%) Programada Urgência |
3172 (48,5%) 3374 (51,5%) |
Proveniência n (%) Consulta externa Urgência Outras proveniências Exterior |
3096 (47,3%) 3245 (49,6%) 72 (1,1%) 133 (2%) |
Destino n (%) Domicílio Outro Hospital Falecido |
5810 (88,8%) 493 (7,5%) 243 (3,7%) |
A amostra é constituída por 6546 episódios de internamento, provenientes do serviço de urgência (49,6%) e da consulta externa (47,3%). As idades dos participantes variaram entre os 18 e os 101 anos, sendo a média de 65,99 (DP 16,73) anos, correspondendo predominantemente a uma população idosa. Observou-se uma distribuição equitativa do sexo dos participantes (49,6% homens Vs 50,4% mulheres). A média de dias de internamento foi de 12,75 (DP 20,68) dias, apesar de existir uma variação entre 1 e 369 dias. A tabela 2 apresenta a distribuição dos participantes pelos serviços de internamento.
Serviço | n | % |
---|---|---|
Medicina interna | 1502 | 22,9 |
Ortopedia | 1173 | 17,9 |
Neurocirurgia | 859 | 13,1 |
Otorrinolaringologia | 652 | 10 |
Oftalmologia | 582 | 8,9 |
Cirurgia geral | 492 | 4,5 |
Neurologia | 295 | 4,5 |
Cirurgia de especialidades | 281 | 4,3 |
Infeciologia | 192 | 2,9 |
Outros | 165 | 2,5 |
Cardiologia | 144 | 2,2 |
Urgência | 98 | 1,5 |
Urologia | 63 | 1 |
Nefrologia | 48 | 0,7 |
Como se pode observar os participantes com intervenções de enfermagem no âmbito do autocuidado andar estiveram internadas maioritariamente nos serviços de medicina interna (22,9%), ortopedia (17,9%) e neurocirurgia (13,1%). A tabela 3 apresenta a distribuição dos participantes por diagnóstico de admissão.
Admissão por patologia | n | % |
---|---|---|
Sistema músculo esquelético | 1142 | 17,4 |
Lesões de causa externa e trauma | 916 | 14 |
Sistema circulatório | 903 | 13,8 |
Neoplasias | 696 | 10,5 |
Doenças dos olhos | 504 | 7,7 |
Sistema respiratório | 498 | 7,6 |
Contactos com serviços de saúde | 344 | 5,3 |
Sistema digestivo | 342 | 5,2 |
Doenças dos ouvidos | 256 | 3,9 |
Doenças metabólicas | 210 | 3,2 |
Doenças infeciosas | 198 | 3 |
Sistema Nervoso | 185 | 2,8 |
Sistema génito urinário | 162 | 2,5 |
Doenças da pele | 77 | 1,2 |
Sinais/sintomas não definidos | 60 | 0,9 |
Doenças hematológicas | 24 | 0,4 |
Malformações congénitas | 21 | 0,3 |
Doenças mentais | 18 | 0,3 |
Os diagnósticos de admissão mais frequentes foram as patologias do foro musculoesquelético (17,4%), lesões de causa externa (14%) e doenças do sistema circulatório (13,8%). As malformações congénitas e as doenças mentais, ambas com 0,3%, foram as categorias com menor representatividade nos programas de marcha.
Relativamente aos cuidados de enfermagem no domínio do autocuidado andar foram registadas 156511 intervenções, correspondendo a uma média de 24 intervenções (DP 50,37) por participante, no período de internamento. As intervenções mais frequentes foram o “assistir no andar” e o “avaliar o andar”. Os registos de enfermagem demonstraram que as intervenções dirigidas ao prestador de cuidados neste domínio foram menos frequentes (Tabela 4).
Intervenção de enfermagem | n | % |
---|---|---|
Avaliar o andar | 28631 | 18,3 |
Incentivar a andar | 2874 | 1,8 |
Assistir no andar | 73494 | 47 |
Avaliar o andar com auxiliar de marcha | 8981 | 5,7 |
Avaliar capacidade para andar com auxiliar de marcha | 2603 | 1,7 |
Providenciar dispositivo adaptativo para andar | 758 | 0,5 |
Incentivar o andar com auxiliar de marcha | 7776 | 5 |
Assistir no andar com auxiliar de marcha | 14848 | 9,5 |
Avaliar capacidade para executar técnica de adaptação para andar | 3097 | 2 |
Ensinar sobre técnica de adaptação para andar | 1674 | 1,1 |
Instruir a andar | 2831 | 1,8 |
Treinar o andar | 2446 | 1,6 |
Instruir a andar com auxiliar de marcha | 3113 | 1,9 |
Treinar a andar com auxiliar de marcha | 3268 | 2,1 |
Avaliar capacidade do prestador de cuidados para assistir no andar | 21 | 0,01 |
Avaliar conhecimento do prestador de cuidados para assistir no andar com auxiliar de marcha | 53 | 0,03 |
Instruir o prestador de cuidados para assistir no andar | 30 | 0,02 |
Treinar o prestador de cuidados para assistir no andar | 13 | 0,01 |
Na avaliação da capacidade para andar, no M1, existiam 30,3% (n=1531) pessoas independentes e 69,7% (n=3515) dependentes na marcha, por sua vez, no M2, existiam 33,4% (n=1687) e 66,3% (n=2959), respetivamente. A análise da variância entre a primeira e a última avaliação mostra que 13,99% (n=706) melhoraram, 7,85% (n=396) agravaram e 78,16% (n=3944) mantiveram o seu estado. O teste t para amostras emparelhadas encontra diferenças significativas nos níveis de dependência dos participantes, nos dois momentos t(5045)=8,028; p<0,001. O número de intervenções realizadas não demonstrou associação estatisticamente significativa com a variação da dependência no autocuidado andar (F=1,43; gl=1; p=0,233).
No que se refere ao destino após a alta, 88,8% (n=4484) dos participantes receberam alta para domicílio e 6,72% (n=339) foram transferidas para outro hospital, dos quais 84,96% (n=288) apresentavam dependência no andar. A dependência dos participantes no M2 mostrou associação significativa com o destino após a alta (F=170,892; gl=3; p<0,001), portanto as pessoas que têm alta para outra instituição hospitalar são mais dependentes.
Simultaneamente, foi analisada a relação entre o tempo de internamento e a capacidade para andar à data de alta. A média do tempo de internamento das pessoas independentes é de 12,01 dias (DP 19,76), enquanto as pessoas com dependência na marcha estiveram internadas em média 13,45 dias (DP 22,127). Esta diferença de 1,44 dias revela significado estatístico t(5044)=2,259; p=0,006.
As intervenções especializadas para a capacitação na marcha integraram 9,36% (n=329) dependentes na marcha. Analisando M2, 7,9%(n=26) das pessoas adquiriram capacidade para executar a técnica de adaptação para andar durante o período de internamento, mantendo 92,1% (n=303) a necessidade de continuidade de cuidados após a alta hospitalar. Verifica-se significado estatístico na análise da variância da capacitação para andar entre os dois momentos de avaliação (Z=-4,849; p<0,001). As pessoas que adquiriam esta capacidade estiveram internadas, em média, mais 1,725 dias do que as que mantiveram a necessidade de continuidade de cuidados, apesar desta diferença não ter atingido significância estatística t(353)=-0,647; p=0,538.
Perante uma mudança da condição clínica, pode surgir a necessidade de utilização de produtos de apoio para a mobilidade. Durante o internamento hospitalar, verificou-se existência de um maior compromisso na primeira avaliação comparativamente à última - em M1 existiam 73,13% (n=215) participantes com compromisso e 26,87% (n=79) sem compromisso para andar com auxiliar de marcha, enquanto em M2 existiam 58,8% (n=167) e 43,2% (n=127), respetivamente, uma diferença com significância estatística t(293)= 6,766; p<0,001. As intervenções especializadas para a capacitação no andar com auxiliar de marcha foram identificados em 2,7% (n=134) participantes.
Das pessoas que necessitaram de auxiliar de marcha 77,21% (n=227) receberam alta para domicílio e 19,73% (n=58) foram transferidas para outro hospital. Destas últimas, 72% (n=42) mantiveram necessidade de assistência para andar com produtos de apoio. Observou-se uma associação estatisticamente significativa entre o compromisso para andar com auxiliar de marcha e o destino após a alta (F=7,511; gl=1; p=0,007). Embora não atingindo significância estatística t(292)=0,927; p=0,063, os participantes que à data de alta eram competentes no andar com auxiliar de marcha estiveram, em média, internadas mais 2,1 dias do que as que mantiveram compromisso.
Discussão
Este estudo procurou identificar a relação entre as intervenções de enfermagem e o autocuidado andar, tendo verificado que as intervenções no domínio da marcha estão associadas à manutenção e recuperação dos níveis de funcionalidade das pessoas durante a hospitalização.
Andar é uma atividade básica de vida14 e a capacidade para andar um fator chave para a independência funcional15. A hospitalização tem sido associada a um agravamento na condição física, à perda de marcha independente, pelos baixos níveis de mobilidade e pelos períodos de repouso no leito(10, 11, 16). Estes dados são aferidos pela avaliação dos níveis de atividade dos doentes em internamento de agudos, em que apenas um, dos 450 minutos observados foi passado em ortostatismo ou a andar17. A redução do número de passos entre as primeiras e as últimas 24 horas de hospitalização foi também associada a um risco quatro vezes maior de morte nos 2 anos após a alta18. Esta realidade tem implicações sobretudo na população mais idosa. A incapacidade associada ao internamento hospitalar ocorre em aproximadamente um terço das pessoas com mais de 70 anos de idade, podendo ser desencadeada mesmo quando a doença que exigiu a hospitalização é tratada com sucesso19. Nesta população, a imobilização pode ainda aumentar a complexidade da doença primária ou trauma, traduzindo-se num problema maior do que o motivo que conduziu à admissão20.
Neste estudo, verificou-se que os serviços onde mais se desenvolveram programas de marcha foram os serviços de medicina interna, de ortopedia e de neurocirurgia, prevalecendo patologias do foro musculoesquelético, lesões de causa externa e doenças do sistema circulatório. O relatório anual de acesso aos cuidados de saúde constata que, no ano de 2019, os problemas do sistema circulatório foram uma das três principais causas de internamento e as especialidades de ortopedia e neurocirurgia destacaram-se no volume de procura de cuidados de saúde21. Nestes contextos, a literatura apresenta evidência da importância dos programas de marcha durante o internamento, demonstrando uma melhoria da capacidade funcional em idosos internados em serviços de medicina(11, 12), a uma redução do tempo de internamento em neurocirurgia(22, 23) e mais altas para casa em pessoas internadas em ortopedia24.
O envelhecimento da população é uma inevitabilidade a que os sistemas de saúde devem preparar-se para dar resposta. Em Portugal a esperança média de vida é de 80,96 anos25, ligeiramente superior à apresentada na União Europeia, no entanto a esperança de vida saudável aos 65 anos é de apenas 7 anos26. Tal significa que nos anos subsequentes existe um aumento da utilização de cuidados de saúde, incluindo a hospitalização27. Por outro lado, o recenseamento de 2021, corroborou que a principal dificuldade reportada pelos idosos é andar25. Neste estudo, numa população com necessidades de cuidados no âmbito da marcha, a média de idades dos participantes foi de 65,99 anos e a idade mais frequente foi de 76 anos, correspondendo a uma população envelhecida.
Compreender as necessidades de saúde integradas na complexidade das pessoas mais idosas exige uma abordagem de cuidados inovadora não centrada apenas na doença11. Os programas de incentivo à mobilidade que incluem marcha, representam estratégias de intervenção face a uma elevada incidência de incapacidade iatrogénica28.
Neste estudo, durante o período de internamento hospitalar, cada participante foi alvo de cerca de 24 intervenções de enfermagem no domínio da marcha, refletindo investimento destes profissionais no autocuidado andar. A maioria dos participantes apresentavam dependência para andar na primeira avaliação, verificando-se o efeito positivo das intervenções, pelo não agravamento e redução dos níveis de dependência ao longo do internamento. Apenas 7,85% dos participantes aumentaram o nível de dependência na marcha, o que pode ser justificado por estados de saúde mais agravados(13, 29, 30) ou pela necessidade de programas de marcha especializados11. Estes dados sugerem a importância de manter a sensibilização dos enfermeiros para garantir os níveis de mobilidade dos doentes, uma vez que a marcha é em alguns contextos, negligenciada em detrimento de outros cuidados(12, 31).
Durante muito tempo, caminhar foi considerado um processo automático, de controlo inferior, dependente da função de músculos, reflexos e amplitude articular. Atualmente, estudos demonstram que a marcha é controlada por processos cognitivos envolvendo uma rede neuronal complexa, essenciais para permitir a caminhada em circunstâncias desafiadoras, mas também durante as condições habituais da vida quotidiana15. Programas de treino motor, têm potencial para melhorar a marcha, o equilíbrio e a cognição32-34. Os resultados deste estudo revelam que à data de alta hospitalar, as pessoas independentes apresentaram menor tempo de internamento comparativamente com as pessoas dependentes na marcha, sublinhando a importância de uma avaliação sistemática da capacidade para andar e o investimento nos processos de capacitação. A adoção de programas de treino de marcha especializados durante o internamento, embora num reduzido número de participantes, relacionou-se com a aquisição da competência para andar, com ou sem auxiliar de marcha, estando associado a um aumento do tempo de estadia hospitalar entre 1,7 e 2,1 dias. Achados semelhantes foram obtidos noutros estudos, sugerindo que o tipo de programas de reabilitação e o processo individual de recuperação determinam um tempo de internamento superior, com vista à maximização da capacidade para andar(29, 30). O aumento do tempo de internamento não pode ser apenas justificado pela implementação de programas de marcha, uma vez que não foi possível isolar o seu efeito, representando esta outra das limitações deste estudo.
Na última avaliação, antes data de alta, a maioria dos participantes que apresentaram dependência para andar e/ ou compromisso para andar com auxiliar de marcha, teve alta para outra instituição hospitalar, depreendendo-se uma necessidade de continuidade de cuidados a vários níveis, incluindo a marcha. Estes resultados corroboram que a perda de competências e a deterioração da condição de saúde causadas pela idade e pela imobilização favorecem a alta hospitalar para outras instituições(35, 36). Por sua vez, uma melhor capacidade para andar traduz-se numa menor necessidade de cuidados após a alta, uma vez que a dependência neste autocuidado assume um papel preponderante no processo de cuidar37. Neste sentido, e sabendo que um limiar de 400 passos diários é preditor de alta para domicílio12, os programas de reabilitação da marcha potenciam a ida para casa após o internamento24. Os mesmos resultados foram obtidos nesta pesquisa em que 88,8% dos participantes sujeitos a programas de marcha tiveram alta para o domicílio, resultando numa menor necessidade de transição de cuidados para outras instituições e, consequentemente, menor custo global para o sistema de saúde.
A integração de programas de marcha no plano de cuidados relaciona-se com a melhoria da condição clínica das pessoas, sobretudo idosas, potenciando uma maior autonomia. Este facto é inquestionavelmente promotor da redução sustentada do consumo de cuidados de saúde e dos custos que lhe estão associados, no entanto, neste estudo os ganhos económicos inerentes aos programas de marcha foram de difícil mensuração. Evidencia-se, assim, a necessidade de mais estudos, em contextos específicos, que permitam validar estes resultados e estimar o efeito destes programas.
Conclusão
Andar é uma atividade básica de vida e um importante indicador de saúde. O envelhecimento está associado a menores níveis de mobilidade, podendo este problema ser agravado pelo declínio funcional durante a hospitalização. As intervenções de enfermagem no domínio da marcha surgem como uma estratégia para colmatar a incapacidade iatrogénica associada ao internamento.
Este estudo mostrou que as pessoas submetidas a estes programas são sobretudo idosas, com patologias do foro musculoesquelético, lesões de causa externa e doenças do sistema circulatório, internadas nos serviços de medicina interna, ortopedia e neurocirurgia. As pessoas independentes na marcha à data de alta ficaram menos tempo hospitalizadas e as intervenções no domínio da marcha realizadas por enfermeiros mostraram efeitos mensuráveis significativos na manutenção e melhoria da capacidade para andar, ao longo do internamento. A maioria das pessoas teve alta para o domicílio, verificando-se uma associação entre o destino após a alta e a dependência na marcha.
A capacidade de andar é já considerada um sinal vital funcional. Dada a importância deste indicador, sugere-se a avaliação sistemática da capacidade para andar em todos os doentes internados e a intervenção nos processos de capacitação, pelos enfermeiros, a fim de garantir a manutenção dos níveis de mobilidade durante o internamento, a maximização da capacidade funcional e maior número de altas obtidas para casa, inferindo-se uma redução dos custos dos cuidados de saúde.