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Revista Portuguesa Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço

versão On-line ISSN 2184-6499

Rev Port ORL vol.61 no.4 Lisboa dez. 2023  Epub 31-Dez-2023

https://doi.org/10.34631/sporl.2067 

Caso Clínico

Schwannoma do nervo facial - uma causa rara de paralisia facial periférica: Caso Clínico e Revisão da Literatura

Facial nerve schwannoma - a rare cause of peripheral facial paralysis - Clinical Case and Literature Review

1 Unidade Local de Saúde de Matosinhos - Hospital Pedro Hispano, Portugal; pedrommarquesgomes@hotmail.com


Resumo

O schwannoma do nervo facial é uma neoplasia benigna com origem nas células de Schwann do nervo facial. Corresponde a cerca de 5% das paralisias faciais e deve ser incluído no diagnóstico diferencial de uma paralisia facial periférica. Esta neoplasia atinge mais frequentemente os segmentos timpânico e mastoideu do nervo facial. As opções terapêuticas incluem cirurgia, radiocirurgia estereotáxica ou vigilância clínico-imagiológica.

Descrevemos o caso de um doente com um quadro agudo de paralisia facial periférica, otalgia e hipoacusia de condução esquerdas. O quadro clínico foi interpretado como uma otite média aguda complicada com paralisia facial com base na história, exame objetivo e achados imagiológicos de urgência. Por persistência das queixas, após uma semana, foi submetido a uma timpanomastoidectomia exploradora que confirmou o diagnóstico de schwannoma do nervo facial. Durante o procedimento foi efetuada uma ressecção subtotal da lesão, que se traduziu numa melhoria clínica e audiológica pós-operatória. Após resseção subtotal, optou-se por vigilância clínica e avaliação imagiológica regulares do resíduo tumoral.

Palavras-chave: Schwannoma; nervo facial; paralisia facial periférica

Abstract

Facial nerve schwannoma is a benign neoplasm originating from the Schwann cells of the facial nerve. It represents approximately 5% of facial paralysis cases and should be included in the differential diagnosis of peripheral facial paralysis. This neoplasm most frequently affects the tympanic and mastoid segments of the facial nerve. Therapeutic options include surgery, stereotactic radiosurgery or ’wait and scan’.

We describe the case of a patient with an acute peripheral facial palsy, otalgia and left conduction hearing loss, that was interpreted as an acute otitis media complicated with facial paralysis based on the history, physical examination and imaging findings. Due to persistence the patient was submitted to an exploratory tympanomastoidectomy which confirmed the diagnosis of facial nerve schwannoma. During the procedure, a subtotal resection of the lesion was performed, which resulted in postoperative clinical and audiological improvement. After subtotal resection, we opted for regular observation and imaging evaluation of the tumor residue.

Keywords: Schwannoma; Facial nerve; Peripheral facial paralysis

Introdução

A paralisia facial periférica (PFP) pode ser de etiologia idiopática (designada por primária ou paralisia de Bell) ou pode ser secundária a uma causa identificável. A etiologia idiopática é a mais comum, tratando-se de um diagnóstico de exclusão. Apenas cerca de ¼ dos casos são de etiologia secundária. As causas mais prevalentes de PFP incluem infeções virais (vírus Herpes Simplex, vírus Epstein-Barr, citomegalovírus…), traumatismo (fratura do osso temporal p.ex.), iatrogenia cirúrgica, infeções locais e neoplasias1. Em quadros agudos, o diagnóstico diferencial entre etiologia infeciosa e neoplasia pode não ser fácil apenas com base na história clínica, exame objetivo e tomografia computadorizada2.

Dentro das neoplasias do nervo facial, o schwannoma (SNF) é a mais comum, correspondendo a 5% das paralisias faciais3. No SNF a PFP pode ser súbita, intermitente ou progressiva. Pode também causar hipoacusia em cerca de 50 % dos casos, de condução ou neurossensorial. Outros sintomas possíveis incluem a otalgia e vertigem. Esta neoplasia atinge mais frequentemente os segmentos timpânico e mastoideu do nervo facial4.

Neste trabalho, apresentamos um doente com um quadro inicial de PFP, hipoacusia e otalgia que mimetizava uma otite média aguda complicada com PFP, mas que intra-operatoriamente veio a revelar a presença de um SNF do ouvido médio, o qual foi ressecado de forma subtotal com melhoria subsequente da função facial e dos limiares auditivos.

Caso clínico

Doente de 49 anos, sexo masculino, leucodérmico, sem antecedentes patológicos de relevo, que recorre ao serviço de urgência de Otorrinolaringologia (ORL) do Hospital Pedro Hispano (HPH) por quadro de parésia facial esquerda, precedido de otalgia intensa e hipoacusia ipsilateral com dois dias de evolução, sem outras queixas associadas, nomeadamente febre ou otorreia. O exame objetivo revelou uma parésia facial esquerda, grau IV de House-Brackmann (HB). A otoscopia esquerda mostrou opacificação e hiperémia de toda a membrana timpânica, sem abaulamento timpânico e sem evidência de lesões vesiculares no canal auditivo externo e concha ou outras alterações à observação. A acumetria mostrou uma prova de Rinne negativa à esquerda, com a prova de Weber a lateralizar para a esquerda.

O estudo audiológico realizado no serviço de urgência (SU) mostrou uma surdez de condução esquerda nas frequências extremas, de grau severo a profundo acima dos 4000 Hz (fig.1).

Face à suspeita de otite média aguda não supurada complicada com paralisia facial periférica, foi efetuada, no SU, miringocentese esquerda verificando-se drenagem espontânea de conteúdo seromucoso.

Figura 1 Audiogramas tonais e limiares vocais do doente. Ambos foram realizados pela mesma audiologista no mesmo laboratório de audiologia. 

Após o procedimento foi efetuada tomografia computorizada (TC) de ouvidos (fig. 2) no SU que mostrou um preenchimento da mastoide e cavidade timpânica esquerdas, que envolvia a cadeia ossicular, sem provocar qualquer erosão. Canal de Falópio sem alterações evidentes.

Figura 2 TC de ouvidos, A - Corte coronal, B - Corte axial: preenchimento da mastoide e cavidade timpânica esquerdas, que envolve a cadeia ossicular, sem provocar erosão. 

O doente teve alta do SU medicado com antibioterapia e corticoterapia oral e terapêutica tópica no ouvido esquerdo com ofloxacina e dexametasona, tendo sido sugerido encerramento do olho esquerdo com penso oftálmico no período noturno e aplicação diária de lágrima artificial.

O doente foi reavaliado 1 semana após o início do quadro, não evidenciando sinais de melhoria clínica, apresentando persistência da otalgia esquerda e ausência de melhoria da parésia facial (grau IV HB). A otoscopia mostrava tecido de granulação a emergir na incisão da miringotomia. Na ausência de melhoria com miringocentese associada a terapêutica médica, decidiu-se internamento para timpanomastoidectomia exploradora (fig. 3).

Figura 3 Timpanomastoidectomia exploradora. B - Peça operatória. 

O doente foi submetido a cirurgia 1 semana depois do início do quadro, sob anestesia geral com intubação ototraqueal. Foi utilizada uma via retroauricular. Durante o procedimento constatou-se preenchimento do ático, aditus ad antrum e antro mastoideu com tecido neoformativo de consistência mole, não pediculado, com pouca granulação envolvente. Foi efetuada remoção do tecido do antro mastoideu e da região lateral à cadeia ossicular, junto à membrana timpânica, cadeia esta que se encontrava íntegra e móvel. Foi enviada amostra do tecido neoformativo (fig. 3) que envolvia o nervo facial na sua porção horizontal para estudo anátomo-patológico.

Após o procedimento, o doente apresentou melhoria do grau de PFP, passando de um grau IV para um grau III de HB (fig.4), melhorando também os limiares auditivos (fig.5)

Figura 4 Parésia esquerda grau III HB pós-operatória. 

Figura 5 Audiogramas tonais e limiares vocais do doente no pós-operatório. Ambos foram realizados pela mesma audiologista no mesmo laboratório de audiologia. 

O exame histológico da peça operatória revelou um schwannoma do nervo facial. O estudo imunocitoquímico mostrou positividade forte e difusa para S100 e negatividade para CD34 e EMA.

A ressonância magnética (RM) de ouvido pós-operatória mostrou áreas de captação linear residual na região do segmento horizontal do nervo facial esquerdo e porção mastoideia, compatível com resíduo de schwannoma do nervo facial (fig. 6)

Figura 6 RM cerebral e de ouvidos (T1, SE) - corte axial: área de captação linear na região do segmento horizontal do nervo facial esquerdo e porção mastoideia (seta). 

Face à melhoria clínica, quer a nível da função facial como auditiva, optou-se por uma atitude expectante com observação e avaliação imagiológica (RM) regulares do resíduo tumoral (a cada seis meses no primeiro ano).

Após um ano, o doente apresentou um ouvido médio esquerdo arejado, sem queixas auditivas e com uma PFP esquerda sobreponível (grau III HB). Fez RM que não documentou crescimento da lesão.

Discussão

O schwannoma do nervo facial é uma neoplasia benigna rara com origem nas células de Schwann do nervo facial, apresentando geralmente um crescimento lento. Pode surgir ao longo de todo o trajeto do nervo, desde o tronco cerebral até à glândula parótida, fazendo diagnóstico diferencial com outras causas de PFP, nomeadamente hemangioma do nervo facial, schwannoma do nervo vestibular, otite média aguda complicada, otite média crónica colesteatomatosa, paragangliomas, carcinoma adenóide quístico e neoplasias da glândula parótida. A clínica não é patognomónica e depende do tamanho e da localização da lesão5 (tab. 1).

Tabela 1 Localização SNF e manifestações clínicas. Adaptado de Cruz et al5

Localização Manifestações clínicas
Ângulo pontocerebeloso e canal auditivo interno Hipoacusia neurossensorial e acufeno
Segmento labiríntico PFP progressiva e hipoacusia neurossensorial
Segmento timpânico PFP progressiva, plenitude aural e hipoacusia de condução
Segmento mastoideu PFP progressiva e hipoacusia de condução
Periféricos (após o forámen estilomastoideu) Massa parotídea associada a PFP lentamente progressiva

No nosso caso clínico, o doente apresentou um quadro agudo, não progressivo, de PFP, associado a hipoacusia de condução e otalgia. Dada esta apresentação aguda e achados inflamatórios à otoscopia suspeitou-se inicialmente de uma OMA complicada com PFP e não de uma lesão neoformativa, o que explica a cirurgia de urgência e a não realização de RMN pré-operatória.

A imagiologia é fundamental na avaliação das caraterísticas e localização da lesão. A RM com gadolínio é o exame complementar de diagnóstico mais sensível, devendo ser complementada pela TC, que permite uma melhor avaliação do atingimento ósseo (erosão do canal do facial) (6. Achados consistentes com SNF incluem um alargamento do canal do facial na TC e uma lesão com hipersinal em T2 na RM6. A conjugação da clínica com os achados imagiológicos pode aumentar o grau de suspeição. No caso apresentado apenas foi realizada TC de ouvidos no SU, o que limitou a investigação do quadro clínico.

As opções terapêuticas do SNF incluem a cirurgia, a radioterapia ou a vigilância clínico-imagiológica7 e é um tema alvo de controvérsia. Em termos cirúrgicos, podem ser consideradas a descompressão do nervo facial, a ressecção total ou sub-total da lesão. A via de abordagem (fossa média, translabiríntica, transmastoideia ou parotídea) deve ser eleita em função da localização tumoral, extensão da lesão, nível de audição e experiência do cirurgião8 (tab. 2).

Tabela 2 Vias de abordagem preferencial com base nas caraterísticas clínicas e lesão. Adaptado de McMonagle et al8

Via de abordagem preferencial Características clínicas e lesão
Fossa média Lesões intracanalares e bom nível de audição
Trans-labiríntica Lesões no canal auditivo interno e perda auditiva
Trans-mastoideia Lesões do segmento timpânico ou mastoideu do nervo facial

A ressecção total da lesão implica na grande maioria das vezes o compromisso da função do nervo facial, estando preconizada a sua reconstrução. Várias técnicas de reconstrução do nervo facial podem ser utilizadas: anastomose topo a topo, enxerto nervoso ou anastomose entre o nervo hipoglosso e o facial9. A interposição de um enxerto nervoso autológo é a técnica mais frequentemente utilizada, com a interposição de nervos sensitivos, como o nervo grande auricular ou o nervo sural do membro inferior. A não resolução da PFP, inclusivamente com eventual agravamento funcional, o agravamento da hipoacusia e a formação de fístula de LCR são complicações cirúrgicas possíveis numa ressecção total do SNF.

A ressecção subtotal tem sido uma opção cirúrgica crescente nos últimos 20 anos7. Em contraposição à total, permite uma maior preservação da integridade e consequente função do nervo facial. Os estudos atuais são insuficientes para avaliar os resultados a longo prazo após ressecção subtotal, porém mostram que os SNF estabilizam e geralmente não voltam a crescer: após resseção subtotal apenas 1 em cada 6 volta a crescer, segundo um estudo recente9. Alguns autores7 referem que a resseção subtotal ab initio pode ser equacionada em doentes com boa função pré-operatória (≤ grau III HB).

O melhor momento para cirurgia é uma questão controversa. Alguns autores7 defendem a resseção total e reconstrução do nervo facial apenas se à apresentação existir uma PFP ( grau IV de HB, sugerindo uma atitude expectante até ser atingido esse grau de paralisia facial.

A radiocirurgia estereotáxica é outra opção terapêutica no tratamento do SNF. A maioria dos estudos sobre esta modalidade foram realizados em lesões pontocerebelosas, havendo pouca informação sobre a sua utilização em lesões intratemporais10. Resultados de uma meta-análise11 mostraram uma taxa de controlo tumoral de 93,3% dois anos após tratamento, no entanto, 12,8% dos casos apresentaram deterioração da função do nervo facial e 36,7% dos casos apresentaram agravamento da função auditiva. Em suma, esta modalidade terapêutica apresenta riscos importantes no tratamento de lesões intratemporais, não sendo considerada uma opção de primeira linha.

Um estudo12 recente comparou a taxa de crescimento de SNF de pequenas dimensões (< 10 mm) e de grandes dimensões (≥ 10 mm) após um período de acompanhamento de 6,4 anos. O crescimento foi observado em 72,7% dos pacientes com “lesão grande” e apenas 10% com “lesão pequena”. Deste modo, uma atitude expectante inicial parece ser consensual em SNF pequenos (<10 mm) e sem PFP, preconizando-se a monitorização da taxa de crescimento tumoral com observação e avaliação regular por RMN. Contudo, em doentes com SNF de dimensões ≥ 10 mm, os autores sugerem que a atitude expectante deverá ser reconsiderada, mesmo que mantenham um nervo facial funcionante.

Outros autores advogam uma atitude expectante inicial até que se observe uma PFP ≥ IV de HB, independentemente das dimensões da lesão tumoral, considerando que se trata de uma lesão benigna que apresenta geralmente um crescimento lento, frequentemente sem grau de PFP significativa.

As modalidades terapêuticas foram evoluindo ao longo do tempo e, por se tratar de uma neoplasia rara, não existem diretivas definidas sobre as melhores opões terapêuticas pelo que a terapêutica continua a ser alvo de controvérsia. Uma revisão sistemática7 recente propôs um algoritmo terapêutico que simplifica a abordagem terapêutica dos doentes com SNF intratemporal (fig. 7).

Figura 7 Algoritmo de abordagem terapêutica em doentes com SNF intratemporais. Adaptado de Kitama et al7

As estratégias são primeiro divididas de acordo com a presença/ausência de compressão do tronco cerebral:

- Se houver compressão do tronco cerebral ou se o tumor tiver um crescimento contínuo (avaliação anual por RM), está indicado tratamento cirúrgico com: 1) ressecção subtotal, se o grau de PFP for I-II de HB; 2) ressecação total, se o grau de PFP for III-VI.

- Se não houver compressão do tronco cerebral ou crescimento tumoral, sugere-se vigilância. No followup destes doentes, se ocorrer paralisia facial aguda, deve-se proceder à descompressão do nervo facial associada a corticoterapia.

No caso clínico apresentado, foi assumida inicialmente uma otite média aguda complicada com PFP, com base na história clínica, exame objetivo e achados na TC de urgência. Só após a abordagem cirúrgica com ressecção subtotal do tecido de granulação que envolvia o segmento horizontal e mastoideu do nervo facial, se obteve o diagnóstico final de schwannoma do nervo facial. Uma vez que se observou uma melhoria clínica pós-operatória, tanto do grau de PFP como dos limiares auditivos, e a lesão remanescente era de pequenas dimensões, optou-se por uma atitude expectante, com avaliação clínica e imagiológica regular por RMN. A radiocirurgia estereotáxica foi preterida, uma vez que apresenta risco importante de dano coclear e de agravamento da função do nervo facial em lesões intratemporais.

Conclusão

Os SNF intratemporais são lesões raras que normalmente cursam com parésia facial e perda auditiva. Um índice de suspeição elevado é importante, com base na clínica e imagiologia, para um diagnóstico e tratamento precoces. Nas lesões intra-temporais o tratamento é essencialmente cirúrgico ou expectante, uma vez que a radiocirurgia estereotáxica está associada a um importante risco de lesão facial e coclear.

Conflito de interesses

Os autores declaram que não têm qualquer conflito de interesse relativo a este artigo.

Protecção de pessoas e animais

Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram que seguiram os protocolos do seu trabalho na publicação dos dados de pacientes. Foi obtido consentimento verbal para registo fotográfico.

Financiamento

Este trabalho não recebeu qualquer contribuição, financiamento ou bolsa de estudos.

Disponibilidade dos dados científicos

Não existem conjuntos de dados disponíveis publicamente relacionados com este trabalho.

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Recebido: 13 de Julho de 2023; Aceito: 11 de Outubro de 2023

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