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Revista Portuguesa Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço

versão On-line ISSN 2184-6499

Rev Port ORL vol.62 no.1 Lisboa mar. 2024  Epub 31-Mar-2024

https://doi.org/10.34631/sporl.2092 

Artigo Original

Radiocirurgia robótica no tratamento de paragangliomas do osso temporal: experiência de um centro e revisão da literatura

Robotic Radiosurgery for temporal bone paragangliomas: single-center experience and review of the literature

1 Serviço de Radioterapia do Hospital de Braga, Portugal

2 Serviço de Radioterapia Júlio Teixeira SA, Instituto CUF, Porto, Portugal


Resumo

Objetivo:

Reportar a experiência de um centro no tratamento de paragangliomas do osso temporal com radiocirurgia robótica.

Desenho do Estudo:

Análise retrospetiva unicêntrica

Material e Métodos:

Entre 2017 e 2021, 8 doentes com paragangliomas do osso temporal receberam tratamento com Cyberknife no Serviço de Radioterapia do Instituto CUF Porto.

Resultados:

Metade dos doentes apresentavam recidiva tumoral após cirurgia +/- embolização. O tempo de seguimento médio foi de 33 meses. Relativamente à resposta clínica, 4 doentes melhoraram dos sintomas pré-radiocirurgia, 2 mantiveram-se assintomáticos e 2 apresentaram estabilidade neurológica. Todos os tumores revelaram regressão (n=5) ou estabilidade dimensional (n=3) - seguimento com ressonância magnética (RM), com um controlo local de 100%. Não foi reportada toxicidade aguda grau ≥3 ou tardia.

Conclusões:

Na presente análise, a radiocirurgia robótica parece demonstrar ser uma abordagem terapêutica útil na gestão dos paragangliomas do osso temporal, quer nas recidivas após cirurgia e/ou embolização, quer como tratamento radical único.

Palavras-chave: Paraganglioma; Cyberknife; Radiocirurgia

Abstract

Objective:

To report the experience of a single center in the treatment of temporal bone paragangliomas with Robotic Radiosurgery.

Study Design:

Single-center retrospective analysis

Material and Methods:

Between 2017 and 2021, 8 patients with temporal bone paragangliomas were treated with Cyberknife in the Department of Radiation Oncology of Instituto CUF Porto.

Results:

Half of the patients were diagnosed with recurrent tumors after surgery +/- embolization. The median follow-up was 33 months. Regarding clinical outcomes, 4 patients showed improvement in pre-radiosurgery symptoms, 2 remained symptom-free and 2 demonstrated neurological stability. All tumors revealed regression (n=5) or stable dimension (n=3) during follow-up MRI, with local control of 100%. There was no grade ≥3 or late toxicities.

Conclusion:

Robotic Radiosurgery seems to be a helpful therapeutic approach in the management of temporal bone paragangliomas, either after surgery and/or embolization recurrences or as a single and radical treatment.

Keywords: Paraganglioma; Cyberknife; Radiosurgery

Introdução

Os paragangliomas (PGs), também conhecidos como quemodectomas ou tumores glómicos, são tumores neuroendócrinos hipervasculares, com origem em paragânglios simpáticos ou parassimpáticos.1-3 Na cabeça e pescoço, os tumores do corpo carotídeo são o tipo mais comum, seguindo-se os jugulares, os timpânicos, e menos frequentemente, os vagais. (3,4

Estas lesões são raras, contabilizando <0,5% de todos os tumores da cabeça e pescoço.4 Estima-se que a incidência anual seja de 0,7 por 100 000 pessoas. (5 Os PGs tipicamente surgem entre os 50 e 60 anos de idade e afetam 3 a 6 vezes mais mulheres do que homens.5 A maioria tem um comportamento benigno e um padrão de crescimento lento, com uma taxa de crescimento anual mediana de aproximadamente 1 a 2 mm. (6 Dependendo da sua localização, tamanho e atividade hormonal, podem causar vários sintomas, desde acufenos pulsáteis, cefaleia, hipoacúsia, vertigem e paralisia de nervos cranianos inferiores em tumores jugulares, até taquicardia e alterações da pressão arterial em PGs secretores de catecolaminas. (7

Durante muitas décadas, a resseção cirúrgica foi considerada o tratamento de eleição desta patologia, exceto em doentes idosos ou naqueles com PGs bilaterais. (8,9 No entanto, a resseção macroscópica total era frequentemente dificultada pela proximidade destas lesões a estruturas neurovasculares. (4,10 Atualmente, as opções terapêuticas incluem a resseção cirúrgica, embolização endovascular, radioterapia (RT) externa convencional, radiocirurgia estereotáxica (SRS) ou a combinação destas modalidades. (11,12

A SRS surgiu recentemente como uma opção de tratamento menos invasiva. Vários estudos demonstraram uma mortalidade e morbilidade inferiores à cirurgia, assim como uma elevada taxa de controlo local. (8,10 Existem vários equipamentos disponíveis para a realização de SRS, incluindo a Gamma Knife (Elekta AB, Estocolmo, Suécia), a Cyberknife (Accuray Inc., Sunnyvale, Califórnia, EUA) e a SRS com base em aceleradores lineares. (13 Contudo, os estudos acerca dos resultados com Cyberknife são escassos. (12

O objetivo principal deste estudo foi avaliar retrospetivamente a resposta clínica, controlo tumoral local, e a toxicidade associada à SRS, em doentes com PGs do osso temporal tratados com Cyberknife, no Departamento de Radioncologia Júlio Teixeira SA, Instituto CUF, Porto. Posteriormente foi realizada uma revisão da literatura relativamente ao tratamento desta patologia com SRS.

Material e Métodos

Entre agosto de 2017 e julho de 2021, 8 doentes com PGs do osso temporal foram tratados com SRS com Cyberknife, na nossa instituição.

Para este estudo foram recolhidas informações referentes à história médica, tratamentos prévios e dados do seguimento, presentes no processo clínico dos doentes. Nas consultas de seguimento, os doentes foram avaliados quanto à sintomatologia, efeitos adversos e resposta ao tratamento através do exame objetivo e da ressonância magnética (RM) de seguimento. A resposta clínica teve por base o exame objetivo e a sintomatologia apresentada pelo doente durante o seguimento. O controlo tumoral local dependeu da avaliação das imagens de RM de seguimento de acordo com os critérios RECIST. Assim, a resposta tumoral foi definida da seguinte forma: resposta completa, desaparecimento da lesão; resposta parcial, redução ≥30% do diâmetro tumoral; progressão local, aumento ≥20% do diâmetro tumoral; doença estável, inexistência de critérios para resposta completa, resposta parcial ou progressão local. (14 O controlo local foi definido como a inexistência de progressão da doença. As toxicidades foram classificadas com base na escala CTCAE versão 5.0.

Todos os doentes efetuaram uma TC de planeamento com cortes finos (1mm) e uma RM de planeamento com contraste ponderada em T1 e T2, ambas com máscara facial termoplástica. Posteriormente foi feita a fusão da TC com a RM de planeamento, e o volume de tratamento foi delineado de acordo com os achados imagiológicos e com a adição de uma margem de 2 a 5mm.

Todos os doentes receberam tratamento com SRS através do sistema Cyberknife®M6™, utilizando fotões de 6MV.

O tempo de seguimento foi calculado como o tempo entre a última fração de tratamento e a última consulta de seguimento.

Foi também efetuada uma pesquisa online através da base de dados PubMed utilizando várias combinações com as seguintes palavras-chave: “paraganglioma”, “chemodectoma”, “glomus jugulare”, “cyberknife radiosurgery”, “radiation therapy” e “radiosurgery”. Os artigos incluídos na revisão da literatura foram aqueles com menos de 10 anos de publicação, cujo texto completo estava disponível em inglês e que descreviam resultados de doentes com PGs tratados com SRS.

Resultados

As caraterísticas dos doentes e os parâmetros do tratamento estão descritos na Tabela 1. A figura 1 ilustra o plano de tratamento do doente identificado com o número 4 na Tabela 1.

Seis (75%) mulheres e 2 (25%) homens, com idades compreendidas entre 27 e os 79 anos (idade mediana 47 anos) foram analisados neste estudo. Sete (87,5%) doentes apresentavam PGs jugulares e 1 (12,5%) PG timpânico. Todos os doentes tinham apenas 1 lesão. Os sintomas mais frequentes foram hipoacúsia de condução (3 doentes), seguido de cefaleia (2 doentes) e disfonia (2 doentes). Outros sintomas reportados foram acufeno pulsátil (1 doente), contratura escapular esquerda (1 doente), paralisia da corda vocal esquerda (1 doente) e disfagia (1 doente). Metade dos doentes apresentavam recidivas tumorais após cirurgia +/- embolização.

A prescrição de dose variou entre 12Gy e 25Gy (dose mediana 25Gy), em 1 a 5 frações de tratamento (mediana 5 frações). As isodoses de prescrição variaram entre 71% e 89% (mediana 82,9%). O volume de tratamento mediano foi de 6,9cc (intervalo 0,84 - 39,21cc). O tempo mediano total de tratamento foi de 5 dias (intervalo 1 - 5 dias).

Tabela 1 Caraterísticas dos doentes e parâmetros de tratamento 

Nº do doente Idade Género Lateralidade Tratamento(s) prévio(s) Volume tumoral (cc) Dose total (Gy) Dose/Fração (Gy) Linha de isodose (%)
1 47 Masculino Direito Cir. + Emb.* 11,23 25 5 89
2 27 Feminino Esquerdo Cir. + Emb.* 39,21 21 7 71
3 79 Feminino Esquerdo Nenhum 3,32 25 5 85,3
4 45 Feminino Esquerdo Nenhum 6,34 25 5 81,8
5 30 Feminino Esquerdo Cirurgia 17,27 24 8 80
6 79 Feminino Direito Cirurgia 0,84 12 12 79
7 35 Feminino Direito Nenhum 7,14 25 5 85
8 57 Masculino Direito Nenhum 6,65 25 5 84

*Cirurgia + Embolização

Figura 1 Plano de tratamento com Cyberknife do doente número 4 

O tempo de seguimento mediano foi de 33 meses (intervalo 14 - 62 meses).

Relativamente à resposta clínica, 4 (50%) doentes mostraram uma melhoria dos sintomas pré-SRS, 2 (25%) mantiveram-se assintomáticos, e 2 (25%) demonstraram estabilidade neurológica. Nenhum doente apresentou agravamento da sintomatologia pré-existente.

Todos os tumores apresentaram regressão (n=5) ou estabilidade dimensional (n=3) na RM de seguimento, com uma taxa de controlo local de 100%.

O tratamento foi bem tolerado por todos os doentes. Os efeitos adversos agudos relacionados com a RT incluíram náuseas grau ≤2 (3 doentes), vómitos grau 2 (1 doente) e cefaleias grau ≤2 (3 doentes). Estes sintomas foram facilmente resolvidos através de tratamentos médicos conservadores. Metade dos doentes não apresentaram quaisquer efeitos secundários agudos. Nenhum doente desenvolveu défices neurológicos de novo. Não foi observada toxicidade grau 3 ou 4, e não foram reportados efeitos adversos tardios. As caraterísticas clínicas pré e pós-tratamento estão sumarizadas na Tabela 2.

Tabela 2 Caraterísticas clínicas pré e pós-tratamento 

Nº do doente Sintomas pré-tratamento Sintomas pós-tratamento Resposta tumoral Tempo de seguimento (meses)
1 Assintomático Assintomático Regressão 62
2 Disfonia, contratura escapular, disfagia Melhoria da disfagia Estável 61
3 Hipoacúsia de condução, cefaleia Sem alterações Regressão 14
4 Disfonia, paralisia da corda vocal Sem alterações Estável 14
5 Assintomático Assintomático Estável 47
6 Acufeno pulsátil, hipoacúsia de condução Melhoria do acufeno e da hipoacúsia Regressão 16
7 Cefaleia Melhoria da cefaleia Regressão 40
8 Hipoacúsia de condução Melhoria da hipoacúsia Regressão 25

Discussão

Este estudo retrospetivo, com um tempo de seguimento mediano de 33 meses, apresenta o resultado de 8 doentes com PGs timpanojugulares tratados com Cyberknife. Metade destes casos consistiam em recidivas tumorais após cirurgia +/- embolização. Com uma dose total mediana de 25Gy, a taxa de controlo tumoral foi de 100% e uma melhoria da sintomatologia foi obtida em 50% dos doentes. As complicações associadas ao tratamento foram de baixo grau e facilmente resolvidas através de medidas conservadoras.

Os nossos achados estão de acordo com o primeiro estudo retrospetivo multicêntrico, com 101 doentes, acerca do tratamento de PGs timpanojugulares com radiocirurgia robótica, que demonstrou um controlo local de 99% e uma melhoria sintomática em 56% dos doentes, com um tempo de seguimento mediano de 35 meses. Também a maioria das complicações nesta análise foram de baixo grau, variando desde náuseas, vertigens, cefaleias até défices neurológicos cranianos transitórios, sendo a taxa de complicações de 7%. 7

Uma análise retrospetiva mais recente, que incluiu 29 doentes com PGs da cabeça e pescoço tratados com Cyberknife, obteve um controlo local de 97% e 45% de melhoria sintomática. Neste estudo, 55% dos casos foram submetidos a procedimentos prévios. Em termos de toxicidade, 1 doente apresentou radionecrose cerebelar assintomática e outro doente desenvolveu paralisia do nervo facial permanente (House-Brackmann grau II). (12

Outras metanálises investigaram o papel da SRS nos PGs da cabeça e do pescoço. Contudo, estas incluíram um número limitado de estudos acerca da radiocirurgia robótica. (4,10

Uma revisão sistemática e metanálise de Vera Ong et al. com 23 estudos (18 com Gamma Knife, 4 com LINAC, 1 com LINAC e Cyberknife) revelou um controlo tumoral de 95% e uma melhoria sintomática em 47% dos doentes com PGs jugulotimpânicos tratados com SRS. (10

Outra metanálise com 37 artigos e 1117 doentes, em que a maioria recebeu tratamento com Gamma Knife (61%) e apenas 14,6% receberam Cyberknife ou LINAC, demonstrou um controlo local de 94,2% e uma melhoria clínica do status neurológico em 48,7% dos casos, com um tempo de seguimento mediano de 44 meses. Além disso, não existiram diferenças estatisticamente significativas em termos de controlo local dependendo da técnica de SRS usada. No entanto, a Gamma Knife associou-se a défices neurológicos transitórios ou permanentes em 4,9% dos doentes, LINAC em 1,1%, e apenas 0,5% dos doentes desenvolveram complicações após tratamento com Cyberknife.4

Embora vários estudos demonstrem claramente a eficácia da SRS/RT no tratamento dos PGs da cabeça e pescoço, ainda persistem dúvidas quanto à melhor estratégia terapêutica neste âmbito: cirurgia (com ou sem embolização prévia) ou RT (SRS ou RT convencional). (15

Apesar das dificuldades técnicas e elevadas taxas de morbilidade, a cirurgia, quando possível, pode oferecer uma resseção completa do tumor. Por outro lado, a SRS apresenta elevado controlo local e baixa taxa de morbilidade, mas a incidência de recidiva do tumor a longo prazo (após 10-20 anos) permanece desconhecida.(16) De acordo com estes dados, vários autores têm sugerido a SRS como tratamento primário destes tumores.17

Controlo local e de sintomas

Alguns estudos compararam a eficácia clínica e radiológica da cirurgia com a SRS/RT. Numa revisão sistemática, a SRS/RT primária apresentou uma probabilidade 78% superior de alcançar o controlo local do tumor em comparação com a cirurgia isolada (OR: 0,22: IC 95%: 0,09 - 0,57; p=0,02). Nessa análise, a taxa de controlo local foi de 81,3% para a cirurgia e 94,1% para a SRS/RT. (4

Outra metanálise recente investigou o tratamento de PGs timpanojugulares complexos (classificação Fisch C e D). Em 852 doentes de 19 estudos, a taxa de controlo tumoral com SRS foi 96,3% (IC 95%: 93,4% - 99,2%) e com resseção cirúrgica total foi 83% (IC 95%: 76,8% - 89,3%).5

Também uma revisão da literatura de Suárez et al. com 69 estudos (1084 doentes tratados cirurgicamente e 254 tratados com SRS) mostrou que o controlo local após a cirurgia foi superior ao observado após a RT ou SRS (89,6% vs 83,7%), mas o risco de morbilidade após a cirurgia foi superior (11% vs 26%).6,8

Similarmente, Gottfried et al. conduziram uma revisão da literatura que comparou a cirurgia com a SRS no tratamento de PGs timpanojugulares, e encontraram uma taxa de controlo cirúrgico de 92,1% e uma taxa de controlo tumoral com SRS de 97,8%.10

Complicações

Em contraste com a cirurgia, a SRS tem um menor risco de complicações, sobretudo em termos de lesões neurológicas. (7

A elevada morbilidade associada à resseção deve-se à proximidade de estruturas nervosas e natureza hipervascular dos PGs. (3 Assim, a complicação major associada à cirurgia é a lesão dos pares cranianos. (1 Uma revisão sistemática de Fatima et al. mostrou que a cirurgia (total ou subtotal) se associou ao dobro da morbilidade (défices neurológicos transitórios ou permanentes) comparativamente à SRS/RT primária (RR: 2,08; IC 95%: 1,05-4,15; p=0,04). (4

A maioria dos estudos acerca da SRS relata uma taxa de complicações inferior a 10%.7 Uma revisão sistemática mostrou que após este tratamento, os défices neurológicos transitórios incluíram cefaleias, náuseas, vómitos, espasmos hemifaciais e parésia do XII par em 5,8% dos doentes, enquanto 2,1% desenvolveram défices permanentes. O tratamento com Cyberknife associou-se a uma menor probabilidade de défices transitórios (0,9%) ou permanentes (0,1%).4 Também Galland-Girodet et al. avaliaram a qualidade de vida de 30 doentes com PGs da cabeça e pescoço de acordo com a modalidade terapêutica efetuada (cirurgia/embolização +/- RT). Os doentes submetidos apenas a RT apresentaram melhores pontuações na fala, audição e trimus.7

Por outro lado, a taxa de complicações associada a uma resseção macroscópica total é de 54-60%, sendo que esta parece variar de acordo com o tamanho do tumor, a localização, e o tipo de resseção. (3,4 Gottfried et al. descreveram complicações como fístulas de líquido cefalorraquídeo (8,3%), aspiração (5,5%), infeção/isquémia da ferida (5,5%) em doentes com PGs timpanojugulares tratados com cirurgia. (10 Também Al-Mefty et al. identificaram 14% de fístulas de líquido cefalorraquídeo e 18% de infeções otológicas em PGs timpanojugulares operados. (10 Suárez et al. reportaram complicações major, tais como fístulas de líquido cefalorraquídeo, aspirações, infeções, meningites, acidentes vasculares cerebrais, e morte em 28% dos casos cirúrgicos. (7

Seleção terapêutica

A seleção da abordagem terapêutica deve ter em conta a localização, tamanho e crescimento tumoral, assim como a idade, sintomas, comorbilidades médicas, preferências do doente, morbilidade prevista do tratamento e tratamentos prévios. (3,6,17

Tipicamente, a cirurgia é considerada em jovens, PGs jugulares localizados em áreas associadas a baixo risco cirúrgico, tumores do corpo carotídeo com pequenas a médias dimensões (<5cm e classe Shamblin I ou II), tumores secretores, tumores com crescimento rápido, ou naqueles com risco de progressão maligna. (3 Os doentes com PGs de grandes dimensões ou com défices neurológicos dos pares cranianos inferiores podem ser candidatos a resseção total ou subtotal. (3,5 Contudo, embora a resseção subtotal possa prevenir défices neurológicos induzidos pelo tratamento, esta tem sido associada a baixa taxa de controlo local, aumento da morbilidade do tratamento e alta taxa de terapêuticas de salvação. (3,6

Historicamente, a RT era reservada para doentes com contraindicações à cirurgia, após resseção subtotal ou em casos de recidiva tumoral após resseção inicial. 2,4 Porém, considerando o crescimento lento e prognóstico favorável dos PGs jugulotimpânicos de estadio inicial, estudos prévios sugeriram estender o uso da SRS a doentes mais jovens e a candidatos cirúrgicos. Isto abriu o potencial para a SRS ser considerada tratamento de eleição em PGs jugulotimpânicos <3cm de diâmetro. (10

Sukwoo Hong et al. desenvolveram um algoritmo de tratamento para os PGs da cabeça e pescoço, em que recomendam uma abordagem com base na presença de sintomas e na produção hormonal. Se o doente for assintomático pode ser feito um seguimento clínico-imagiológico. Em casos de PGs funcionais, em doentes sintomáticos, recomendam exérese cirúrgica seguida de SRS hipofracionada. Em PGs não funcionais sintomáticos, consideram a SRS hipofracionada como o melhor tratamento primário para controlo sintomático. (12

Dharnipragada et al., também propuseram um algoritmo de tratamento para PGs timpanojugulares, com base na classificação anatómica Fisch e noutras variáveis. PGs Fisch A ou B recomendam a resseção cirúrgica total. Em PGs Fisch C ou D, sem efeito de massa, com elevado risco cirúrgico ou em doentes sem neuropatias cranianas inferiores pré-existentes, sugerem a SRS. (5 Em PGs Fisch A ou B, com efeito de massa e risco cirúrgico pode ser considerada a resseção subtotal seguida de SRS. (5

Tabela 3 Classificação de Fisch modificada para paragangliomas do osso temporal 

Classificação Descrição
Tipo A (glomus timpânico) Limitado ao mesotímpano
Tipo B (glomus hipotimpânico) Limitado à área timpanomastoideia sem erosão do bulbo jugular
Tipo C Invasão do compartimento infralabiríntico
C1-C4 Invasão crescente do canal carotídeo
Tipo D Extensão intracraniana
De1-De2 Deslocamento da dura de De1 (<2cm) a De2 (>2cm)
Di1-Di3 Extensão intradural de <2cm (Di1), >2cm (Di2), ou invasão intracraniana irressecável (Di3)
Tipo Ve, Vi Invasão da artéria vertebral extradural (Ve) ou artéria vertebral intradural (Vi)

Limitações

As limitações deste estudo incluem a sua natureza retrospetiva e amostra limitada, o que também está relacionado com a raridade desta patologia e disponibilidade da Cyberknife nos centros oncológicos do nosso país. São necessários mais estudos multicêntricos, prospetivos, que comparem não só a SRS com a cirurgia, mas também as diversas técnicas e fracionamentos de SRS.

Conclusão

A SRS com Cyberknife parece ser uma abordagem terapêutica útil na gestão dos PGs do osso temporal, quer nas recidivas após cirurgia +/- embolização, quer como tratamento radical único. Apesar do complexo planeamento da RT nestes tumores, sobretudo devido à sua localização, a SRS tem demonstrado elevadas taxas de controlo local e baixa toxicidade. É necessário um maior tempo de seguimento, assim como um número de doentes superior para confirmar estes resultados favoráveis.

Conflito de Interesses

Os autores declaram que não têm qualquer conflito de interesse relativo a este artigo.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram que seguiram os protocolos do seu trabalho na publicação dos dados de pacientes.

Proteção de pessoas e animais

Os autores declaram que os procedimentos seguidos estão de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos diretores da Comissão para Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

Política de privacidade, consentimento informado e Autorização do Comité de Ética

Os autores declaram que têm o consentimento por escrito para o uso de fotografias dos pacientes neste artigo.

Financiamento

Este trabalho não recebeu qualquer contribuição, financiamento ou bolsa de estudos.

Disponibilidade dos Dados científicos

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Recebido: 13 de Outubro de 2023; Aceito: 04 de Dezembro de 2023

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