1. Introdução
A pandemia resultante do vírus SARS-CoV-2 alterou profundamente as dinâmicas sociais. Desde inícios do último ano (2020), fomos forçados a ficar em casa, em confinamento obrigatório, por períodos longos1 e a mudar drasticamente os nossos hábitos de convívio social. A nível educativo, as aulas presenciais foram substituídas pelo regime a distância, com recurso a plataformas tecnológicas variadas, com componentes de comunicação síncrona e assíncrona. De um modelo em que a dinâmica pedagógica se alicerçava na relação presencial interpessoal passámos para um modelo de contacto a distância, em que cada um, docente e estudante, a partir da sua casa procura prosseguir o percurso de ensino-aprendizagem.
Ao nível da investigação científica, particularmente a de natureza social, também, novos desafios foram colocados decorrentes do distanciamento físico e social obrigatórios que passaram a impedir recolhas de dados presenciais e forçaram ajustamentos significativos nos desenhos iniciais de investigação.
O Ensino a Distância (EaD) e a Investigação a Distância (IaD), ou eminentemente online, são processos que, sendo expressão da situação atual, impõem desafios novos a quem os tem de desenvolver, ainda para mais, porque foram assumidos, abruptamente, num contexto de “emergência” e de única alternativa. Mas, sendo a solução possível, até que ponto está a ser eficaz? Quais os principais aspetos positivos e negativos da experiência desenvolvida? De que forma a situação pandémica, e a experiência de IaD, está a afetar os percursos de investigação social em curso? Estas são algumas das questões que orientaram o estudo efetuado com um conjunto de estudantes em formação pós-graduada numa Instituição de Ensino Superior (IES) portuguesa. Procurámos, através de um estudo exploratório de perfil qualitativo, explorar e compreender, na ótica dos estudantes, os efeitos induzidos pelas experiências vivenciadas, em contexto pandémico, de EaD e de investigação social, na aprendizagem e no desenvolvimento dos seus projetos de pesquisa.
2. EaD e IaD: Características e Desafios no Contexto Atual
Apesar da consistente evolução e diversificação do EaD registada nos últimos anos, a massificação do seu uso só agora se verificou por necessidade imperiosa e para permitir a continuação das atividades de ensino-aprendizagem, em contexto pandémico.
O EaD tem pressupostos pedagógicos específicos que implicam uma consistente e planeada articulação entre objetivos de aprendizagem, opções didáticas e recursos tecnológicos. O regime de EaD obriga a um coerente planeamento e domínio de estratégias pedagógicas e de promoção de aprendizagem em ambiente tecnológico de forma a estimular a atenção, a motivação e a participação dos estudantes (Moore, Dickson-Deane, & Galyen, 2011).
O que se está a passar (e passou), no entanto, na grande maioria dos casos é a simples aplicação online, via plataformas de comunicação, do inicialmente pensado para o modelo presencial (Cabero Almenara & Valencia-Ortiz, 2020; Mineiro & Lagarto, 2020).
As práticas constatadas demonstram, também, a questionabilidade da assunção de que todos têm competências suficientes para fazer uso da tecnologia; tal é particularmente verdade ao nível da sua incorporação e exploração educativa.
Em termos pedagógicos, o que se conseguiu garantir não foi além do denominado ensino não presencial de emergência (Hodges, Moore, Lockee, Trust, & Bond, 2020; Mineiro & Lagarto, 2020) que teve influência nas dinâmicas de ensino-aprendizagem, e expôs, ainda mais, a influência que os distintos (e desigualitários) contextos individuais e sociais partilhados pelos estudantes têm na sua capacidade, motivação e disponibilidade para aprender (Katz, Jordan & Ognyanova, 2021).
No caso da investigação social, o recurso a ferramentas para a operacionalização da recolha e/ou análise de dados a distância é algo que ganhou aplicabilidade e crescente utilização nas últimas décadas. O que é verdadeiramente novo e mais exigente, na atualidade, é o fato do uso dessas ferramentas ter passado de complementar a única opção disponível, dada a impossibilidade de realizar presencialmente as observações. Emergem novos desafios sobre os formatos de observação e as formas de a realizar, bem como, sobre questões éticas e/ou de respeito pela proteção dos dados pessoais (Barroga & Matanguihan, 2020). Há novos recursos que diversificam as oportunidades e as técnicas de recolha de dados, mas, que, também, exigem maior capacidade de ponderação entre potencialidades e os seus respetivos fins.
Face às ferramentas tecnológicas atualmente disponíveis, nem a exequibilidade, nem a cientificidade das pesquisas estão postas em causa (exceção, talvez feita, aos estudos etnográficos com fortes componentes de observação participante e direta incorporadas e/ou pesquisas que envolvam a recolha de dados em contextos onde o acesso à internet é difícil ou mesmo impossível), na medida em que há alternativas para a recolha de dados com suporte online, no entanto, há que saber adaptar os desenhos metodológicos face ao novo contexto (Kara & Khoo, 2020).
Quer a nível pedagógico, quer ao nível da investigação social, este “novo normal” induziu, também, desafios positivos ao estimular a criatividade no uso das ferramentas de comunicação e de observação direta e indireta, síncrona e assíncrona atualmente disponíveis. Temos ao dispor uma multiplicidade de recursos que permitem estimular a aprendizagem interativa, implementar comunidades de prática e de reflexão (Basak, Wotto & Bélanger, 2016), dinamizar mais facilmente entrevistas individuais e/ou de grupo, tornar mais atrativa a resposta a questionários, agilizar a análise e a revisão partilhada a distância de resultados preliminares de investigação (Nind, Coverdale & Meckin, 2021) e, até, garantir a observação de detalhes físicos de uma rua, estando em casa, a quilómetros de distância2.
Em contexto societal tão distinto e único, como é que as novas (e forçadas) dinâmicas de EaD e de IaD estão a ser experienciadas? É essa a resposta que procurámos obter junto de um grupo de estudantes que viveu durante o último ano e vive, ainda, atualmente essas experiências pela primeira vez.
3. Metodologia
3.1 Objetivo do Estudo e Questões Orientadoras
O estudo realizado teve como objetivo central: compreender os efeitos induzidos pelas experiências vivenciadas, em contexto pandémico, de EaD e de investigação social, na aprendizagem e de desenvolvimento projetos de pesquisa, tendo por base a opinião de uma amostra intencionalmente selecionada de estudantes em formação pós-graduada numa IES portuguesa.
Assumiram-se como questões orientadoras do estudo, as seguintes:
QO1: Quais os principais aspetos positivos e negativos que os estudantes associam à experiência EaD vivenciada?
QO2: Qual a avaliação feita pelos estudantes sobre o efeito da experiência EaD na motivação para estudar?
QO3: Qual a avaliação feita pelos estudantes sobre o efeito da experiência EaD na aprendizagem?
QO4: Qual a avaliação feita pelos estudantes sobre o efeito da situação pandémica no percurso de investigação?
QO5: Quais os principais aspetos positivos e negativos, impostos pela situação pandémica, nos percursos de investigação, na opinião dos estudantes?
Foi desenvolvido um desenho metodológico de natureza exploratória de perfil qualitativo baseado na recolha, análise e interpretação das categorias estruturantes da opinião tida pelos estudantes sobre os principais efeitos sentidos nos seus percursos de aprendizagem e de investigação social devido à alteração forçada nos modelos de ensino e de pesquisa. Estes estudantes passaram pela experiência dupla, ao longo do ano de 2020, de alteração do modelo de aulas presenciais para o modelo a distância, entre março e junho, e depois, a partir de setembro, pela obrigatoriedade de adaptar os seus projetos de investigação, no âmbito das suas dissertações, para um formato de IaD.
3.2 Procedimentos e Instrumentos de Recolha de Dados
As opiniões dos estudantes foram recolhidas em dois momentos temporais distintos. A suscitação das narrativas relativas à forma como avaliam os efeitos do EaD foi feita em junho de 2020, aquando do final do segundo semestre de aulas3. A opinião sobre a experiência de IaD foi partilhada em fevereiro de 2021, cinco meses decorridos desde o início dos trabalhos de investigação social.
Para a recolha da opinião sobre a experiência de EaD foi aplicado um questionário online constituído por cinco questões. As perguntas foram alvo de um processo de validação prévio por uma especialista em métodos e técnicas de investigação social ao que acresceu o de verificação da fiabilidade e de consistência interna da escala de Likert aplicada em duas questões.
As duas primeiras perguntas, relativas aos aspetos positivos e negativos que os estudantes atribuem à experiência de EaD, e a quinta questão, de justificação da avaliação global feita sobre o efeito do EaD na aprendizagem, são de natureza aberta. A terceira e a quarta questões, de avaliação do efeito do EaD na motivação para estudar e na aprendizagem, foram estruturadas de acordo com a escala de opinião de Likert de 5 pontos, sendo que 1 é representativo de efeito muito negativo a 5 de efeito muito positivo. A fiabilidade das duas escalas foi comprovada via alfa de Cronbach (0,896; 0,946 respetivamente).
A opinião sobre o efeito da alteração forçada do percurso de investigação devido à pandemia, foi recolhida via online junto de um subgrupo dos estudantes inquiridos na primeira fase.
Estes estudantes foram selecionados por terem iniciado os seus processos de pesquisa em setembro de 2020 e por estarem mais próximos das autoras desta investigação facilitando, assim, a partilha mais espontânea de pontos de vista e sentimentos. A opinião foi dada em resposta a três questões de natureza aberta, a saber:
Como a pandemia afetou o seu percurso de investigação?
Quais os principais aspetos positivos induzidos pela situação pandémica nos percursos de investigação?
Quais os principais aspetos negativos induzidos pela situação pandémica nos percursos de investigação?
Nos dois momentos de recolha de dados foram cumpridas as regras éticas e de proteção de dados em vigor, tendo todos os inquiridos aceite participar mediante consentimento informado.
3.3 Participantes do Estudo
O primeiro instrumento de recolha de dados foi aplicado a um grupo de 24 estudantes a frequentar o 2º semestre do 1º ano de um curso de mestrado. A taxa de retorno foi de 100%.
No segundo momento de recolha de dados participou um subconjunto do grupo inicial de estudantes, ao total oito, selecionados intencionalmente porque:
Tendo prosseguido para o 2º ano do curso, foram os primeiros a iniciar os percursos de investigação (em setembro de 2020) possuindo, assim, o maior tempo de experiência de IaD possível;
O estudo é exploratório e de recolha de primeiras evidências sobre a problemática. Os dados apurados são apenas válidos para o grupo de participantes em análise. Adicionalmente:
Foi assegurado total anonimato aos participantes não sendo possível identificar o(a) respetivo(a) emissor(a) das opiniões partilhadas sobre a experiência de EaD;
Na fase de recolha de dados sobre a experiência de IaD, o foco esteve exclusivamente na forma como cada um(a) do(a)s estudantes está a vivenciar o seu percurso de investigação. A partilha feita, por não envolver aspetos de “avaliação objetiva ou subjetiva” da relação mantida com as investigadoras, não foi influenciada negativamente por esse fato. Considera-se, adicionalmente, que o prévio conhecimento tido facilitou a espontaneidade e a riqueza das narrativas partilhadas na medida em que foram recolhidas por investigadoras que são conhecedoras da fase processual em que se encontram na formação pós-graduada.
3.4 Técnicas de Análise de Dados
Através do primeiro instrumento de recolha de dados foram obtidos dados de natureza qualitativa e quantitativa. Nas três questões, de natureza aberta, foram recolhidas, em cada, 24 respostas ou unidades sintáticas que formam o corpus que foi alvo de análise de conteúdo. Face aos objetivos do estudo optou-se pelo desenvolvimento de uma análise categorial temática que permitiu identificar as categorias estruturantes da opinião tida pelos estudantes dos principais aspetos positivos, negativos e efeitos na aprendizagem que associam à experiência de EaD. Prévio à identificação das categorias de significado emergentes, foi feita, com recurso ao software T-LAB uma análise exploratória do corpus extraindo as primeiras ideias ou palavras-chave mais repetidas. Foi adicionalmente feita uma análise de coocorrências, através da verificação da “Associação de palavras”. As categorias temáticas emergiram através da agregação e interpretação em subconjuntos das partes extraídas das unidades sintáticas com significante comum.
O processo de tematização surgiu como forma de “arrumar” um conjunto de ideias similares e repetidas que ajudam a interpretar um dado fenómeno (Saldana, 2009). A categorização descritiva de palavras (unidades de análise) foi realizada com base na tematização dos dados.
Para a análise das respostas obtidas nas três questões abertas relativas à opinião tida sobre os efeitos da situação pandémica nos percursos de investigação social foram repetidos os procedimentos.
No que respeita aos dados de natureza quantitativa (obtidos nas duas questões em escala de opinião) constantes no instrumento de recolha da avaliação feita da experiência de EaD, foi desenvolvida uma análise através de estatística descritiva.
4. A Opinião dos Estudantes de uma IES Portuguesa sobre os Efeitos do EaD na Aprendizagem e da Alteração Forçada dos Processos de Investigação Social
4.1 A Opinião sobre os Efeitos do EaD, em Tempos de COVID19, na Aprendizagem e na Motivação para Estudar
Tendo em conta a experiência vivenciada de EaD, durante o segundo semestre letivo de 2019/2020, foi solicitado aos inquiridos que identificassem os seus principais aspetos positivos e negativos.
Em relação aos aspetos positivos da experiência são associadas como principais palavras/lemas: a) tempo; b) conforto; c) casa; d) deslocação; e) gravação; f) família; j) repetição (Tabela 1).
Legenda: Item=palavras/lemas; OCC=número de repetições.
Fonte: T-LAB Plus 2020, questionário aplicado em junho 2020.
Associado à palavra-chave “Tempo” os inquiridos associam como “principais ideias” (Figura 1):
Não ter de fazer “deslocações”, ganhando-se tempo para a “família”, para o estudo da “matéria” e para ter mais foco na “aprendizagem”. Para além disso é mais “confortável”, beneficiando, em parte, o “conhecimento” adquirido. Também são associados à “característica” Tempo - a “autonomia” (que há que saber gerir melhor) e “internet” (já que a experiência de EaD assenta no uso essencial desse recurso).
Em relação aos aspetos negativos da experiência de EaD destacam:
É baseado em maior/excessivo volume de trabalho para desenvolver:
E3: “Existe uma maior carga de trabalho no ensino à distância.”
É baseado em maior/excessivo volume de aulas teóricas/só expositivas:
E24: “No ensino à distância, as aulas são mais exaustivas, mais teóricas.”
Induz pior interação/relação com o professor:
E18: “Contacto com os professores é apenas feito via internet.”
Induz pior interação/relação com os colegas:
E2: “A dinâmica da relação entre alunos, colegas é muito prejudicada.”
Prejudica a dinâmica relacional da turma:
E20: “A inexistência de contacto entre professor e alunos.”
É mais cansativo do ponto de vista físico e emocional:
E14: “(…) o ensino à distância é mais cansativo, porque passamos horas em frente ao computador e não é saudável.”
Dificulta a comunicação na turma/participação nas aulas:
E6: “No ensino presencial a partilha e troca de ideias é mais intensa e intuitiva.”
É um método muito influenciado/dependente da qualidade da internet:
E5: “(…) existem alunos e até professores que não têm as mesmas possibilidades de acesso à computadores ou à Internet, o que é um problema.”
No que respeita à opinião tida sobre o efeito do EaD na motivação para estudar (Figura 2): 44,4% avalia como tendo tido um efeito “negativo a muito negativo”.
É ao nível do efeito na aprendizagem que a avaliação dos estudantes é mais negativa; para 59,3% a experiência de EaD teve um efeito negativo a muito negativo (48,4% e 10,9%, respetivamente) (Figura 3).
Para justificar a opinião, e de acordo com a análise de conteúdo categorial temática efetuada, destacam-se como principais efeitos (Figura 4):
Menor atenção/menor concentração;
Maior desinteresse;
Comunicação mais difícil com o professor;
Contacto/interação mais difícil com os professores;
Contacto/interação mais difícil com os colegas/turma;
Maior dificuldade para tirar dúvidas;
Menor motivação;
Aumento exponencial do volume de trabalhos a desenvolver;
Maior dificuldade na realização dos trabalhos de grupo;
Compreensão mais difícil da matéria;
Maior cansaço físico e emocional pelo formato expositivo/teórico das aulas.
4.2 A Opinião sobre os Efeitos da Pandemia COVID19 nos Processos de Investigação Social
A situação pandémica implicou a introdução de modificações nos planos de pesquisa inicialmente equacionados pelos estudantes. Todos os estudantes estão a desenvolver formação pós-graduada na área das ciências sociais e o desenho de investigação, que passaria por recolha direta e presencial de dados, teve de ser adaptado. As entrevistas exploratórias passaram a ser desenvolvidas em formato online, as observações diretas e presenciais em contexto tiveram de ser reajustadas e a imediatidade, típica da recolha de dados com as pessoas nos seus próprios contextos, perdeu-se.
Adicionalmente, os contactos com colegas e com os orientadores passam-se a fazer à distância, nomeadamente por videoconferência. Novas dúvidas emergem relacionadas com a proteção de dados dos entrevistados online e/ou com o domínio das ferramentas tecnológicas de comunicação a distância. Passam-se muitas mais horas ao computador que têm de ser combinadas com a vida profissional, dado o teletrabalho, e a vida familiar. O cansaço da denominada “televida” começa a emergir; já são muitos meses e dias de confinamento, mais ou menos limitadores, em que se torna cada mais difícil manter o foco e encontrar alternativas para não perder, totalmente, a motivação. Esta é uma síntese da avaliação feita pelos estudantes sobre: como a pandemia afetou o seu percurso de investigação. As palavras-chave mais repetidas nas respostas dadas constam na nuvem de palavras apresentada na Figura 5.
Fonte: Identificação das palavras mais repetidas efetuada através do T-LAB2020 e nuvem de palavras construída através de Worldclouds, recolha de dados efetuada em fevereiro de 2021.
A opinião de que a pandemia tem tido um efeito negativo no processo de investigação é assumido por seis dos oito estudantes envolvidos no estudo. Entre os efeitos mais negativos destacam-se:
A impossibilidade de realizar o processo de investigação num ambiente natural e não condicionado pelo medo do contacto físico;
E1: “A pandemia afetou a investigação, em primeiro lugar pelo fato de estamos condicionados/confinados em relação a restrições de contacto entre pessoas e não ser possível um contacto mais próximo com as instituições e os seus representares.”
O receio de que o efeito da pandemia nas dinâmicas societais possa alterar, artificialmente, os resultados da investigação;
E6: “O que estou a estudar é um problema cuja opinião atual das pessoas em muito foi alterado pela pandemia. Antes da pandemia atrair pessoas para o território e como o fazer era a solução que todos procuravam. E agora? As pessoas têm receio dos que aparecem de novo. Será que vão continuar a pensar da mesma forma?”
O facto de tudo ter de ser feito através do computador e/ou online, o que exige novas competências;
E4: “Tudo é feito online. Temos que dominar o ZOOM, o Teams, o Skype, os procedimentos de gravação, o google forms, a pesquisa na net e as plataformas de pesquisa, enfim… a investigação social passou a ser tudo em formato eletrónico o que exige mais competências e mais tempo de aprendizagem.”
O cansaço físico e emocional pela obrigatoriedade da “televida”;
E8: “A “televida” baralha-me os espaços mentais, “atafulha-me” a mesma gaveta de um rol de tarefas, obviamente a necessitarem de divisórias, de tão distintas entre elas. E dificulta-me, sobretudo, o prazer da reflexão, da progressão de uma ideia que abraço.”
A acrescida dificuldade de compatibilização da vida familiar e profissional com o trabalho académico;
E3: “A situação atual, em muito tem influenciado e até condicionado a minha investigação, o facto de ter uma criança menor em casa a assistir às aulas na modalidade de ensino à distância acaba por ocupar muito do meu tempo. Também tenho sentido muita dificuldade em gestão do tempo e em encontrar o foco.”
O cansaço emocional resultante da gestão dos efeitos da situação pandémica;
E1: “E também por não conseguir ficar indiferente aos meus sentimentos, perante a pandemia.”
A falta de contacto mais próximo com os colegas de turma, porque todos estão envolvidos na gestão emocional da situação
E3: “Sinto a falta das conversas de turma, mas as que tínhamos no primeiro semestre, tudo foi mudado com as aulas a distância. Faz-nos falta falarmos uns com os outros para tirar dúvidas. Mas, agora, mesmo que falemos já não é com a mesma coisa todos estão muito fartos disto.”
Entre os efeitos positivos, são destacados:
Maior facilidade na realização das entrevistas pela não necessidade de deslocações;
E2: “Ganhei tempo em algumas entrevistas porque não implicou que me deslocasse.”
Maior investimento nas pesquisas online devido ao confinamento obrigatório;
E4: “Já que passamos mais tempo envolvidos com as tarefas, não saímos temos também mais tempo ao computador vamos aproveitando para fazer mais pesquisas. Até é bom.”
Alargamento do tempo de realização das dissertações.
E8: “Foi-nos dado um tempo adicional, pouco, mas até é uma pequena consequência positiva.”
5. Análise e Discussão dos Resultados
Globalmente, os participantes fazem uma avaliação não positiva da experiência de EaD e de IaD; identificam mais aspetos negativos do que positivos.
Ao detalhar a experiência de EaD tida assumem não terem gostado, particularmente, da falta de dinâmica relacional presencial com colegas e professores e do facto de a formação online induzir maior distração, menor foco e até menor motivação para a aprendizagem. Entre os aspetos perturbadores também são destacados, por um lado, o facto de ser uma modalidade de ensino-aprendizagem muito dependente da qualidade da internet e dos recursos informáticos e, por outro lado, ser mais cansativo por exigir muitas horas de trabalho em frente ao computador. A maioria dos estudantes assume que a experiência prejudicou a sua aprendizagem, com influência negativa na motivação para estudar.
Os resultados apurados divergem dos obtidos nas múltiplas investigações que comprovam as mais valias da educação a distância para o sucesso da aprendizagem e para o aumento do interesse e da motivação do estudante (Arkorful & Abaidoo, 2015; Pearson, Singelmann, Ryan Striker, Vazquez & Swarts, 2020) mas vão ao encontro do diagnóstico efetuado sobre como a experiência tida de ensino-aprendizagem a distância, desenvolvida nos períodos de confinamento teve, também, efeitos negativos, com destaque para o deficit de aprendizagens (Engzella, Freya & Verhagen, 2021). No caso concreto do grupo de estudantes em estudo, fica por explorar as razões específicas que ajudam a explicar a valoração negativa feita pelos mesmos da experiência tida. Resulta do modelo de ensino desenvolvido? É influenciado pelo perfil e/ou contexto individual/familiar de aprendizagem do(a) estudante? e/ou do método pedagógico desenvolvido pelo(s) docente(s)? São dúvidas que ficam, por explorar, em investigação futura.
No que respeita aos efeitos induzidos pela situação pandémica nos processos de investigação social, a opinião partilhada pelos estudantes vai ao encontro das dúvidas que a comunidade científica, em geral, e em, particular, a das ciências sociais, tem vivenciado no último ano. Como garantir o cumprimento dos objetivos de investigação num contexto social tão modificado? O recurso a técnicas e ferramentas tecnológicas alternativas que permitam a recolha de dados a distância tem sido a opção escolhida e muito tem crescido o interesse e a produção científica sobre como tal pode ser dinamizado (Nind, Coverdade & Meckin, 2021; Gardner, 2020).
Mas para além das dúvidas ao nível do método e das técnicas, outras questões emergem como as identificadas pelos inquiridos neste estudo, e que subjazem da dificuldade acrescida em garantir a motivação e o foco para a dúvida metódica em contexto de insegurança e cansaço como o que resulta da atual situação pandémica.
O atual contexto é muito desafiante, se por um lado, pode ser (e já o está a ser) muito rico e propício para o desenvolvimento de investigações que capturam os seus efeitos sociais, nas mais variadas dimensões, por outro lado, coloca desafios adicionais relacionados com a capacidade emocional para gerir as dúvidas do eu, enquanto pessoa com família, com amigos e com receios e do eu-investigador com um percurso de investigação social em curso numa altura em que a distância social é obrigatória.
6. Conclusões
Os resultados apurados sobre os efeitos induzidos pela pandemia nos percursos de aprendizagem e de investigação social constituem uma primeira aproximação exploratória ao tema. As evidências obtidas, junto de um conjunto de estudantes, selecionado intencionalmente, a frequentar formação pós-graduada numa IES portuguesa, permitem, no entanto, que possam ser identificados alguns eixos estruturantes das experiências vivenciadas.
As categorias analíticas, que emergem da análise de conteúdo efetuada às respostas dadas pelos estudantes, tipificam a existência de um estado de espírito predominante, e transversal no tempo, de que a mudança (quer no modelo de ensino, quer no processo de investigação) criou: desconforto, alguma desmotivação, falta de foco, dificuldade acrescida na compatibilização da vida familiar com a vida académica e exigiu maiores competências no domínio das ferramentas tecnológicas que passaram a ser imprescindíveis quer para as aulas, quer para a realização do percurso de investigação.
O perfil qualitativo do estudo efetuado permitiu explorar a multidimensionalidade das apreciações feitas. As questões colocadas deram margem aos inquiridos para expressarem, com toda a liberdade, os seus sentimentos o que, combinado com a interpretação das duas questões colocadas em escala de opinião, permitiu enriquecer a significância dos resultados apurados.
No entanto, trata-se, apenas de um estudo exploratório baseado em dois momentos de recolha de dados. Para a ampliação e consolidação das primeiras evidências extraídas importará continuar a acompanhar estes estudantes de forma a verificar e analisar como a sua opinião e os seus atos evoluem ao longo do tempo. Fará sentido aplicar outras técnicas de recolha de dados como: entrevistas de grupo, fotografia reflexiva, diários pessoais reflexivos, entre outras, que permitam acompanhar a evolução das suas opiniões e sentimentos. A investigação qualitativa robustece-se no adequado e complementar recurso de técnicas de recolha e análise que ajudem a desocultar e a interpretar a significância objetiva e subjetiva das ações, das opiniões e dos sentimentos partilhados. Adicionalmente, importará explorar as adicionais questões de investigação que emergiram no domínio da forma e da eficácia do EaD e no da qualidade e formatos de investigação em contexto pandémico.
A atual situação introduziu e vai deixar um legado de profundos desafios societais. Entre esses desafios contam-se os que procurámos explorar preliminarmente neste estudo: de que forma o EaD, que fomos obrigados a desenvolver como única alternativa, é eficaz? De que forma afeta positiva e/ou negativamente a aprendizagem? Como os processos de investigação social foram/são afetados pelo contexto pandémico? Como estão a reagir os estudantes em processo de investigação social ao desafio de realização das suas pesquisas num contexto societal com novos modos de relação social e individual?
Eis algumas das questões para as quais importa continuar a explorar e procurar novas e mais robustas propostas de resposta.