1.Introdução
A gravidez adolescente é um período de imensas transformações, conquistas, choros, medos e apresenta-se como uma experiência singular para as meninas-mães. É um estádio assinalado no tempo, e acarreta consigo alterações físicas que induzem, psicologicamente e socialmente a vivências muito singulares, que parecem durar muito mais do que seria de desejar, até se concretizar o projeto de ser mãe. Não obstante, esta fase possibilita empreender cognitivamente papéis e funções maternas permitindo que o projeto de maternidade se continue a construir e a consolidar de forma progressiva. Fase que vai permitir a incorporação existencial de um filho na identidade da mãe.
O suporte social, a comunicação das emoções e as relações no seio da família, expressam-se com singular particularidade mediante a ocorrência de uma gravidez em idade precoce. Diremos que em grande número, nas adolescentes em análise, o suporte social fez-se esperar, no entanto, sem ser encontrado. Esperavam, com grande desejo, sentimentos como o aconchego, a afeição, o amor e a proteção das famílias, que nunca chegaram a ter. Falharam o cuidar, o olhar, o abrigar e o proteger, a muitas das nossas Beatrizes, Carolinas, Carlotas, Joanas... A partir destes cenários de ausências, de dor e falta de comunicação constroem-se histórias que ouvimos na primeira pessoa (Carvalho, 2013).
Neste projeto, o apoio dado pelo namorado, revelou-se uma notável influência da adaptação das mães adolescentes à gravidez. Aparece, assim, como fulcral o envolvimento sistemático do pai do bebé com os desafios da parentalidade, surgindo como um dos elementos dinamizadores da adaptação da adolescente à gravidez (Carvalho, 2010).
A investigação empírica e literária frisa o papel do suporte social na adaptação integral da adolescente face a este episódio. Contudo, importa sublinhar que encontrámos um mundo onde o suporte emocional e social revelaram ser um aspeto restritivo na adaptação das jovens à maternidade, existindo situações de interação conflituosa familiar (em alguns dos casos estudados) (Carvalho, 2010).
Da leitura das inúmeras narrativas de experiência (70 narrativas): “(...) sobressai que uma maternidade na adolescência implica uma entrada precoce no mundo dos adultos, projectando estas mães e estes pais para novas descobertas, novas responsabilidades, novos desafios, novos contextos de interacção e de actuação, que não são característicos da sua faixa etária” (Carvalho, 2013: 7).
Este tema é bem ilustrado no romance, que alguém me queira cinco minutos (Plaza, 2001). Este foi escrito a partir dos pontos de vista individuais e complementares de duas adolescentes confrontadas com situações conflituosas:
“Sim estou grávida. Certifiquei-me duas vezes, porque da primeira não queria acreditar. Nunca me tinha acontecido (...).
Primeiro comprei o Predictor (tive de ir sozinha) e fiz o teste em casa. Deu positivo. Fiquei aterrada, mas julguei que me enganara; nunca fui boa em química. Voltei à farmácia (...). Tinha de ir buscar o resultado passadas duas horas. Foram duas horas que não consigo descrever: não existem. (...).
Rasguei o envelope e li POSITIVO. Positivo significava que estava grávida.
Nessa altura fiquei tão aturdida que não entendia nada (...).
A gravidez é uma coisa terrível. (...) A gravidez para mim era uma coisa "de mães", e basta. Nem sequer quando os rapazes começaram a sair comigo parei para pensar nisso.
Não era inocente, era ingénua (...).
Além do mais, para ter um filho é preciso ter um pai, um trabalho ... não sei, uma família e ... desejá-lo.
E eu não tenho idade para nada, e não tenho vontade de ser mãe.
Antes pelo contrário. E vou ter um filho. Que horror! ” (Plaza, 2001; 96-100).
Muitas adolescentes já passaram por este tipo de experiência, sentindo provavelmente os mesmos sustos, os mesmos pânicos, os mesmos medos, os mesmos desesperos, tendo as mesmas dúvidas, os mesmos desassossegos e partilhando a mesma esperança: não passou de um susto, só acontece aos outros ou felizmente houve um erro! Foi apenas um susto! Daqui surge-nos a questão que, nos parece tão primordial: porque é tão complicado ser-se jovem, ser-se adolescente e estar grávida?
Por detrás de nomes como Carolina, Beatriz.... estão histórias de adolescentes verdadeiras. Engravidaram sem planear a sua gravidez. Desvendam-se a história de adolescentes, numa linguagem intercalada de sombras e luz, de silêncio e riso, de medo e esperança, de culpa e perdão. Contam-nos histórias de amor, prementes, dolorosas, nas quais se lê a solidão, o isolamento, a falta de amor, de aconchego e de afeto. No entanto, poderiam ser protegidas pelo poder indubitável da brandura, da dedicação, da comunicação das emoções, mas igualmente pela força de laços sociais e pela descoberta de afabilidades (Carvalho, 2013).
Refira-se que, apenas no século XVI começamos a ver que a grávida começa a ser olhada com maior atenção, inclusive pelos médicos. Nos inícios do século XVII, estar grávida deixou de ser um pecado para ser visto como o desejo dos cônjuges. Não obstante, continuara a ser uma questão de mulheres, ficando o homem fora dos assuntos da gravidez e da parturiente.
Chegados ao século XIX, a moda trouxe a visão de um corpo com cintas pequenas e o uso de corpetes. Frise-se que será somente no século XX que, com a presença do feminismo e do ato de tratar com medicamentos, que a gravidez se tornara um estado protegido, desde que desejado (Thébaud, 1995).
Coloque-se uma questão que nos parece aqui interessante: se a gravidez não foi planeada e a maternidade não foi desejada, porque aconteceu prematuramente, que consequências podem advir daí? Lembramos que o modelo familiar prevalecente na sociedade portuguesa é o da reprodução dentro de um casamento. A gravidez e a maternidade precoces afastam-se do modelo neomalthusiano que é predominante atualmente no contexto da União Europeia, levando a que uma gravidez adolescente seja encarada como um problema na sociedade (Carvalho, 2010).
Apontemos que a gravidez e a maternidade em idades precoces possam ser consideradas como fenómenos que têm acompanhado a humanidade, não obstante, só há muito pouco tempo, alcançaram o realce que as converteu em problemas sociais, justamente quando as taxas de fecundidade começaram a diminuir.
Até aos anos 70, a gravidez e a maternidade na adolescência não eram reconhecidas como problemas públicos, recebendo pequena atenção a nível científico e político. Denote-se que é mormente a partir da década de oitenta que, apesar da prevalência dos casos de grávidas adolescentes ter decrescido, começa a percepção do problema que se tornou mais concernente - esta tendência veio acompanhar a diminuição tendencial do número de nascimentos no total da população a partir dos anos 60. A percepção da maternidade precoce assume-se assim como problema social e exige uma resposta por parte dos governos. As mães adolescentes passam a ser consideradas um grupo de intervenção prioritária.
Atualmente, sabe-se que são problemáticas as consequências da maternidade adolescente, especialmente até aos 16 anos de idade, pois está associada a uma gravidez de risco e, consequentemente, estas meninas estão expostas a fatores, também de risco. Foquemos que as meninas-mães, com idades inferiores a 20 anos, podem ter os bebés precocemente e, grave ainda são as situações em que estes bebés podem incorrer (baixo peso à nascença...). A este respeito, salienta Strecht (2005: 17): “Não é difícil imaginar que as mães adolescentes constituem num maior risco para os bebés, dada a imaturidade emocional de muitas, a falta de amparo familiar e social de tantas, e até o próprio facto de estes bebés serem muitas vezes gerados debaixo de complicadas projecções negativas. Faltaria dizer que esta é a realidade da maternidade na adolescência (...).”
O surgimento de uma gravidez precoce pode acarretar uma falta de suporte a nível psicossocial que poderá dificultar a relação da adolescente com os pais e até com a jovem, pois relembremos que nesta fase da adolescência, existe todo um projeto de vida no qual a gravidez precoce não está incluída. Daqui pode advir o medo da perca do namorado, da ausência dos/as amigos/as e, similarmente da família, conjugados com a dificuldade em conseguir encontrar um “porto seguro” onde possa comunicar os seus receios perante a sua nova situação. Situação para a qual não está preparada. (Carvalho, 2013). A vida das meninas-mães e dos seus bebés apresentam-se peculiares, pois também se inserem num momento peculiar, e podem daqui advir situações em que a escola é abandonada. A gravidez na adolescência impõe-se, pois, como um problema contemporâneo e marcante a nível nacional: “ (...) todos os anos engravidam cerca de 40000 adolescentes, das quais metade aborta, voluntária ou espontaneamente” (J. de Almeida, 2003: 229). A prevenção do fenómeno abordado é uma das metas principais da Educação Sexual.
O tema dos riscos associados à maternidade em adolescentes tem vindo a tornar-se um dos objetos principais dos estudos e intervenções de especialistas neste domínio. Segundo J. de Almeida (2003: 241), “[a]o analisar as repercussões da maternidade em adolescentes, deverão ser considerados vários aspectos principais: as repercussões gerais na jovem grávida, as repercussões especificamente obstétricas, e as repercussões no feto, no recém-nascido e depois na criança em idade pré-escolar e na idade escolar.”
Após a década de 60, surgiu uma larga literatura subordinada ao tema, estando porém longe de ser consensual a avaliação dos riscos envolvidos na gravidez e maternidade adolescente. Estudos hodiernos demonstram que adolescentes com boa assistência pré-natal poderão não apresentar as complicações anteriormente referidas. Numa revisão da literatura científica, concluímos que distintos autores encontraram um prognóstico obstétrico favorável na gravidez em adolescentes, exceção feita para uma maior incidência de partos-prematuros, avaliada pelo critério ponderal do recém-nascido (J. de Almeida, 2004). Segundo o mesmo autor, (2003: 247), “ [o] reverso da medalha surgiu nos trabalhos em que se comprovou relação entre os baixos níveis socioeconómico e assistencial e as complicações obstétricas na grávida adolescente, assim como a doença no seu filho.”
Os fatores que correlacionam a idade da adolescência com um prognóstico reservado permanecem invisíveis, não obstante os problemas específicos destas meninas sejam de índole social, económica e/ou psicológica. Ainda segundo J. de Almeida (2003), as consequências negativas da gravidez adolescente associam-se, possivelmente, mais ao nível social e económico do que à própria adolescência em si. Afirmação que foi corroborada pela American Academy of Pediatrics, através da sua Comissão para a Adolescência. Segundo esta organização, é pertinente observar que, os filhos das jovens mães são mormente mais pequeninos e constata-se uma taxa de mortalidade neonatal mais elevada nestes casos. Isto justifica-se pelo facto de, em muitos casos, a situação social e económica das adolescentes se agravar devido às dificuldades derivadas da primeira gravidez.
2.Metodologia
Valorizamos nesta investigação a observação empírica e a comunicação constante entre as teorias preestabelecidas e divulgadas pelos, mas média e pelos vários saberes relacionados com o tema, e o diálogo com os testemunhos que recolhemos no terreno. Refira-se que não conseguimos iniciar este estudo a partir de um olhar imparcial e não contagiado pelas teorias preestabelecidas. Estas foram interpretadas, por nós (investigadores) como um recurso de sensibilização no terreno. A teoria que está por detrás desta investigação é: a teoria fundamentada (grounded theory - Anselm Strauss, 1990).
Esta investigação iniciou-se com uma interrogação crítica sobre os modos como a gravidez e a maternidade em idades precoces têm sido estudadas enquanto fenómeno social. Muitas das explicações e exposições difundidas pela comunicação social, tendem a debater o problema sem ter em conta as narrativas de experiências e as perspetivas das adolescentes grávidas, bem como as dos jovens pais.
Pretendia-se realizar um estudo comparativo, que permitisse estudar o fenómeno da gravidez adolescente em contextos sociais, económicos, culturais e geográficos dissemelhantes.
O que não nos foi possível devido as limitações de acesso às meninas grávidas. Facto que não nos possibilitou abranger as jovens grávidas de todas as classes sociais e, igualmente, não nos possibilitou uma investigação onde conseguíssemos incluir todas as partes geográficas do país (Carvalho, 2010).
Definição da nossa preocupação com o padrão das nossas entrevistadas: adolescentes grávidas com idades entre os 13 e 19 anos (até ao parto). Pretendiam-se gestantes com 12 ou mais semanas de gravidez. Obtivemos, assim, um total de 70 narrativas de vida. De salientar, que dados os constrangimentos que tivemos de enfrentar, não tivemos a pretensão de elaborar um estudo cuja a amostra fosse representativa da população portuguesa, no seu sentido estatístico. Saliente-se que se delimitou o estudo a algumas regiões do país e apenas aos Hospitais Públicos. Começamos por analisar os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), ao dispor no início da nossa investigação. O que nos possibilitou apurar as regiões de Portugal onde a gravidez adolescente se fazia sentir com mais incidência. Foram assim selecionados 11 Hospitais pertencentes aos distritos que compreendem Vila Real e Braga.
A compreensão das narrativas de vida de jovens vindas de uma diversidade de contextos geográficos, sociais e económicos distintos eram o nosso propósito. Foram entrevistadas nas Consultas Externas dos Serviços de Obstetrícia e Ginecologia.
Dado o objetivo peculiar da investigação, quisemos utilizar uma metodologia de carácter qualitativo, pois segundo, a nossa perspectiva de investigadores, seria mais importante o compreender e o interpretar o diálogo das adolescentes face a uma gravidez prematura. Procuramos assim, focar a dificuldade e a dissemelhança do fenómeno da gravidez e da maternidade/paternidade, a partir da experimentação dos seus atores. Apontemos que a análise dos significados copiosos da experimentação da gravidez em jovens está para além das relações e pressões sobre um corpo fecundo e as elocuções estratificadas e/ou imaginadas. Relembre-se que situações de disparidade social têm impacção nas subjetividades e determinações sobre as relações amorosas e sobre a sexualidade. Colocamos a voz dos atores no centro da nossa investigação o que nos ajudou a interpretar e compreender as suas vivências. Não ficamos presos à sua rotulagem enquanto problema social. Tentamos entender as conjunturas e as significações em volta da gravidez e da maternidade adolescente, num fragmento característico da sociedade portuguesa, e as suas consequências em termos dos percursos biográficos destas adolescentes, mas também foi nosso interesse analisar as suas inferências ao nível do seio familiar (Carvalho, 2010).
Ao selecionar as jovens que iríamos entrevistar, houve a preocupação de o fazer com o propósito de estudar diferentes conceitos e diferentes relações, a título exemplificativo, poderemos assinalar a relação entre a sexualidade, a gravidez e a maternidade e paternidade adolescente. Particularmente, houve um interesse em analisar a maneira como essas relações se realizavam tendo em conta as trajetórias e experiências de vida distintas.
Recorremos a entrevistas que analisamos como narrativas de experiência. Preocupou-nos, construir um “lugar” para que as nossas meninas grávidas pudessem desabafar e falar utilizando as suas próprias palavras, descrever a sua experiência única, singular e, igualmente, tão semelhante a outras meninas-mães em que a situação era a mesma. Não quisemos construir um saber com pretensões à universalização. Procuramos antes perceber e descobrir as consonâncias e as singularidades das experiências de um conjunto de jovens adolescentes e, que estavam grávidas. Cada menina contou-nos a sua história única, autêntica, inconfundível, com o seu significado e sentido que, sendo compartilhável, está correlacionada com experiências situadas na junção de uma trajetória social e de um processo a que chamaremos de construção da subjetividade. Narrativas que apresentam, conjuntamente, semelhanças e divergências. Impulsionam recursos retóricos comuns e padrões que, extensivamente, podemos classificar em várias categorias (Carvalho, 2010).
Apelamos aqui ao autor Foucault (1994: 16) no contexto do que Ele considerou ser uma história do pensamento:
“Definir as condições nas quais o ser humano ́problematiza ́ aquilo que é. Aquilo que faz e o mundo no qual vive.” Essas artes da existência correspondem a “[p]ráticas reflectidas e voluntárias através das quais os homens não apenas se fixam em regras de conduta, mas também procuram transformar-se a eles próprios, modificar-se no seu singular e fazer da sua vida uma obra que integra certos valores estéticos e responde a certos critérios de estilo” (Foucault, 1994: 17). O objetivo peculiar é o de “[s]aber em que medida o trabalho de pensar a sua própria história pode libertar o pensamento daquilo que ele pensa, silenciosamente, e permite-lhe pensar de modo diferente.” (Foucault, 1994: 15).
Utilizaram-se as narrativas de vida enquanto instrumento de análise que, nos permitisse o desbloqueio do pensamento das meninas, ainda, que soubessem que a arte de viver é mais do que a arte de pensar. Efetivamente, cada menina com a sua história pessoal, familiar e social, não deixa de ser artesã da sua vida. Foquemos que a oposição do objetivo e do subjetivo dá lugar à consideração das narrativas de experiência como técnicas de articulação de trajetórias e de experiências que representam os indivíduos da vida social. Tendo por base o pensamento de Boaventura de Sousa Santos (1987), procuramos considerar que a vivência da realidade social é contruída a partir de racionalidades plurais, cuja exteriorização se verifica, através de símbolos e de representações, resultantes da sua ligação a práticas sociais em contextos específicos com as suas particularidades singulares.
Investigações realizadas apontam que, em consequência de uma gravidez adolescente e não planeada, metade das adolescentes acaba a sua relação amorosa. Este estudo, como já referido anteriormente, não se baseia numa amostra estatisticamente representativa, no entanto, a nossa análise da realidade indica que estes resultados devem ser revistos, visto as meninas grávidas, à data das entrevistas, ainda continuarem com o seu namorado.
Ouvimos histórias difíceis, por vezes incompreensíveis. Trajetórias de vida convergentes são “pintadas” pela singularidade de cada percurso. Analisar, compreender e interpretar essas narrativas de vida, levou-nos a um estudo pormenorizado, atravessado pela preocupação entre a atenção às características semelhantes das narrativas e a singularidade de narrativas biográficas particulares.
Cada grávida falou-nos da sua vivência, baseada na sua experiência pessoal e única, nos seus receios, nos seus medos, nos seus desejos e aspirações, assim como na especulação da gravidez e à posterior confirmação e na adaptação à sua nova situação de ser mãe. Estas meninas procuravam na condição de ser mãe, particularmente, um estatuto social e uma nova família.
As meninas entrevistadas disseram-nos que não recorreram a métodos contracetivos ou fizeram-no de uma forma que não permitiu a sua utilização acertada (Carvalho, 2013).
Cada narrativa de experiência foi vista, “olhada”, analisada e estudada em pormenor. Elaboramos um esboço prévio de categorização construído a partir das respostas às perguntas e, fizemos a leitura através de uma análise de conteúdo. Esta operação de categorização realizada sobre a voz das protagonistas (jovens adolescentes grávidas) permitiu-nos dar ênfase a afirmações, que à primeira vista nos pareciam insignificantes, e à posterior, essas afirmações passaram pelo crivo de uma interpelação crítica, isto proporcionou-nos um outro entendimento do conteúdo das nossas narrativas. Construímos uma nova perspetiva sobre a vivência de uma gravidez não planeada, numa idade muito precoce, pensamos mais adequada à sua compreensão e à sua profundidade.
Construímos uma grelha de análise que incluía os discursos convergentes e dissonantes reconhecidos para cada categoria assinalada.
“Optámos por conservar o vocabulário dos actores de modo a maximizar a proximidade entre as categorias dos intervenientes e as categorias analíticas. Nesta análise, interessou-nos a forma como os sujeitos interpretam as suas vivências, o que só poderia ser alcançado a partir de um trabalho minucioso sobre o discurso dos próprios sujeitos. A coerência ou consistência desse discurso é uma construção ex post facto, que se constitui através do próprio acto de narração e/ou da interpretação oferecida pelo investigador” (Carvalho, 2013: 137).
3.Considerações Finais
Da leitura das múltiplas narrativas de experiência sobressai que uma gravidez na adolescência implica uma entrada precoce no mundo dos adultos, projetando estas futuras mães e estes futuros pais para medos, receios, novas descobertas, novas responsabilidades, novos desafios, novos contextos de interação e de atuação... (Carvalho, 2010).
São muitas as adolescentes que passaram por experiências muito próximas, com o mesmo medo, o mesmo pânico, pelas mesmas dúvidas, perante a descoberta da gravidez e, que partilharam, num primeiro instante, a mesma esperança: não passou de um susto, só acontece aos outros ou felizmente houve um engano. Engravidam sem querer, e são confrontadas com a exigência de assumir um papel novo, que as assusta.
Importante será apontar, que independentemente de a gravidez ser ou não planeada e/ou desejada: “As implicações, em termos sociais, duma gravidez adolescente que tem como desfecho a maternidade revelam-se, fundamentalmente, através da fragilidade e vulnerabilidade, biológica, psicológica e social, da mãe adolescente face à adaptação ao novo papel/função social; as respostas a essa fragilidade e vulnerabilidade passam pela família, pelo sistema de saúde e por outras instituições de apoio social “ (Carvalho, 2013: 39).
Descobrimos histórias de jovens que iriam ser mães por acaso e que não tinham, salvo raras exceções, o suporte familiar. Um mundo de narrativas onde encontrámos uma privação afetiva, uma quebra ou inexistência de laços, íntimos e relacionais e sucessivas rupturas nos laços familiares, aquilo a que Strecht (2000) chamaria de vazio relacional. As narrativas de muitas das adolescentes são histórias de relações que se fizeram e desfizeram, de silêncios, embaraços ou indiferenças perante as suas dificuldades e expectativas.
A educação dos afetos aparece como um sugestivo modelo de pedagogia da confiança, ou, nas palavras de Saint-Éxupery, le besoin d ́être apprivoisé, a necessidade que sentimos enquanto seres humanos de sermos seduzidos pelos outros. Estes adolescentes vivem no meio de encruzilhadas e incoerências, o que lhes dificulta o desenvolvimento de uma sexualidade amadurecida. A comunicação das emoções seria fulcral para as mães adolescentes que falaram connosco.