1. Introdução
Na busca de uma sociedade com menos violência, com mais justiça e segurança para todas as pessoas, é necessário que sejam realizadas intervenções educativas que abordem a temática da violência, sendo esta, uma situação multicausal, complexa, visível de modo especial nos horrores das guerras, nos conflitos em geral e nos assassinatos presentes ao longo da história da humanidade; e, invisível nas muitas negligências, abandonos, xingamentos em geral vivenciados, diariamente, por milhares de pessoas. Além disso, quanto maior a vulnerabilidade individual, social ou programática, maiores são os riscos para ocorrência da violência (Bauman & Donskis, 2014; Alves, Faria & Meirelles Junior, 2016; Ayres, et al., 2006).
Neste contexto, encontram-se as pessoas idosas, que fazem parte de um grupo mais vulnerável da sociedade, devido ao processo de envelhecimento e desgaste natural do corpo. Ademais, a violência contra a pessoa idosa tem sido definida pela ocorrência de uma ação única, repetida ou inapropriada que gere sofrimento ou dano a uma pessoa idosa (World Health Organization [WHO], 2002).
Em relação à incidência da violência contra a pessoa idosa, no Brasil, até meados de 2022, apenas no disque 100, que é um canal de comunicação nacional, voltado para denúncias relacionadas às transgressões dos direitos humanos, houve mais de 35 mil denúncias deste tipo de agravo na população idosa (Brasil, 2022).
Diante deste cenário, considerando as tendências pedagógicas atuais, o relatório da Unesco, o qual propõe os quatro pilares para a Educação ao longo da vida, a saber, aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser, tem como fundamento o investimento em estratégias educativas potentes e ativas voltadas para a prevenção da violência contra a pessoa idosa (Delors, 2010).
Segundo Marin et al. (2010), os métodos ativos de aprendizagem constituem-se em modalidades de ensino inovadoras no contexto da educação na área da saúde, pois buscam articular teoria e prática, por meio de aprendizagem significativa, e que proporcionam mudanças necessárias à implementação dos princípios do Sistema Único de Saúde- SUS, fortalecendo a construção de saberes de modo interdisciplinar.
Entre as diversas estratégias educacionais ativas disponíveis para abordar a temática em questão, optou-se por utilizar a gamificação como uma abordagem ativa e inovadora. A gamificação envolve a incorporação de elementos de jogos e técnicas de design de jogos em outros contextos, com o objetivo de explorar os elementos divertidos e envolventes encontrados em jogos e aplicá-los em atividades da vida real. Esta técnica é efetiva para aumentar tanto a motivação extrínseca quanto intrínseca dos participantes. A motivação extrínseca se refere ao desejo de realizar uma tarefa em busca de recompensas externas, como dinheiro, prêmios, reconhecimento social ou aprovação de outras pessoas (Busarello, 2016).
Na gamificação, os elementos de recompensa, como pontos, medalhas ou níveis, podem ser usados para aumentar a motivação extrínseca dos jogadores. Já a motivação intrínseca refere-se à motivação para realizar uma tarefa por causa do prazer, satisfação ou desafio que ela proporciona, independentemente de recompensas externas.
Os elementos de desafio, feedback e progresso podem ser usados para aumentá-la. É uma técnica cada vez mais utilizada para engajar usuários em diferentes contextos, desde o ensino de novas habilidades até a melhoria de processos de trabalho (Busarello, 2016).
Desse modo, este estudo teve a seguinte pergunta de pesquisa: “Quais as possibilidades de construção de jogos educativos, a partir da experiência de universitários de diferentes áreas do conhecimento, no processo de gamificação voltados para a prevenção de violência contra a pessoa idosa?
2. Objetivo
Relatar a experiência de um grupo de universitários de diferentes áreas do conhecimento no processo de gamificação voltados para a prevenção de violência contra a pessoa idosa.
3. Método
Trata-se de um estudo qualitativo, que utilizou como técnica de pesquisa o uso do relato de experiência.
A pesquisa qualitativa na área da saúde pode ser caracterizada como um campo bastante profícuo e satisfatório para a investigação de fenômenos interpretativos e de práticas materiais, auxiliando na compreensão dos significados atribuídos a cada sujeito ou participante da pesquisa, em relação a uma experiência vivida. Visto que, este tipo de investigação é um caminho adequado para o entendimento de como e por que determinada situação ocorre dentro de um determinado contexto (Denzin & Lincoln, 2018).
Dentre as diversas técnicas para a realização da pesquisa qualitativa, optou-se pelo relato de experiência, que é um tipo de produção de conhecimento, cuja característica principal é a exposição escrita de vivências, valorizando os sentidos construídos pelos atores envolvidos. Ao considerar o relato de experiência com potência para auxiliar na construção de conhecimentos, legitima-se que o registro por meio da escrita é uma relevante fonte de dados para a compreensão de diversas questões, acerca de vários assuntos subjetivos (Mussi et al., 2021).
Para a construção de um relato de experiência, Daltro e Faria (2019) elencam seis elementos essenciais, destacando que é preciso compreendê-lo como uma produção documental realizada a partir de narrativas; que sua construção envolve como autor pelo menos um dos participantes do contexto da experiência, o qual pode localizar a potencialidade da teorização da experiência para o avanço do conhecimento; a experiênia do autor deve produzir novas noções teóricas e evidenciar outros problemas e necessidades, sendo que para isso, recomenda-se a descrição clara do cenário, dos participantes, das práticas, dos processos, da dimensão temporal e relacional; que a descrição deve ser política e analítica, deixando claro o lugar de fala do autor e garantindo um diálogo entre os saberes científicos e os saberes inerentes à experiência em estudo; que o relato de experiência deve ser descrito em linguagem apropriada aos interessados no assunto, além disso, o texto deve garantir as proposições, o referencial teórico, a descrição do contexto, a discussão e as considerações finais; e que nos relatos de experiência deve-se evitar conclusões, visto que a ênfase deve ser dada nos resultados, nas lições apreendidas durante todo o processo, contudo, contradições e lacunas precisam ser evidenciadas.
Para sistematizar esta técnica de pesquisa qualitativa, utilizou-se o roteiro de sugestões propostas por Mussi et al. (2021), como documento norteador neste estudo, o mesmo está em consonância com os elementos propostos por Daltro e Faria (2019), descritos anteriormente. Mussi et al. (2021) propõe, didaticamente, a organização do relato de experiência considerando os seguintes tópicos: seção do artigo; os elementos da seção; pergunta facilitadora para descrição e tipos de categorias.
Em relação à organização metodológica, Mussi et al. (2021) descrevem o que é desejável conter nesta seção:
Desse modo, em relação ao período temporal, este relato de experiência abrange as atividades realizadas nos três primeiros meses do treinamento em gamificação: dezembro de 2022, janeiro e fevereiro de 2023.
O local de realização do estudo é um Município de médio porte, do Centro Oeste do Estado de São Paulo, com uma população estimada, no ano de 2017, em 235.234 habitantes. O referido Município conta com um grande complexo de Instituições de Ensino Superior (IES), tanto de caráter público como privado, as quais oferecem cursos em diferentes áreas do conhecimento. Para o presente estudo, foram incluídas quatro IES, sendo duas públicas e duas privadas, com vistas a contar com universitários dos cursos das áreas de saúde, exatas e humanas.
Quanto ao eixo da experiência, trata-se de um processo educativo fazendo uso da gamificação. Esta atividade ocorreu por meio de oficinas de trabalho, em encontros presenciais intercalados com momentos online. As atividades foram apoiadas por docentes e pesquisadores sobre o tema “Violência Contra e a Pessoa Idosa” e por um especialista em games.
Participaram desta atividade, estudantes dos Cursos de Enfermagem, Medicina, Direito, Terapia Ocupacional, Engenharia Civil, Psicologia e Pedagogia. Para a composição deste grupo foram realizados convites individuais com a colaboração de docentes e coordenadores dos cursos, tendo sido reunidos, aproximadamente, 40 universitários que participaram do processo de gamificação.
Inicialmente, para a operacionalização das oficinas de trabalho, os docentes envolvidos apresentaram dois temas estruturantes do processo educativo, a saber: a violência contra a pessoa idosa, e a gamificação, mediante aulas expositivas dialogadas. No segundo momento, os estudantes formaram grupos por afinidades para construir propostas que articulassem as duas temáticas. Estas propostas foram registradas em folhas de flipchart.
Para a coleta de dados deste relato de experiência, foram utilizados como instrumentos os registros escritos e audiogravados feitos pelos autores durante todas as etapas do processo.
Ressalta-se que este relato de experiência faz parte da quarta etapa de um projeto maior, intitulado: “A violência contra idoso: uma análise a partir do uso de instrumentos de rastreio na atenção primária à saúde e intervenção com universitários”, com aprovação no comitê de ética em pesquisa, sob parecer n. 5.144.186, e com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo- FAPESP. Nesta etapa, na qual está previsto o desenvolvimento de um processo educativo sobre a temática com jovens universitários utilizando-se de métodos ativos de aprendizagem.
No que tange ao processo de análise dos dados, considerou-se a Teoria de aprendizagem significativa, conforme proposto por David Ausubel (1963, 2000) para apreciar o modo como a gamificação pode auxiliar no processo de construção do conhecimento. Moreira (2011) explica que para Ausubel, a aprendizagem significativa é aquela que ocorre mediante a interação cognitiva do conhecimento prévio com um novo conhecimento, de modo não arbitrário e não linear.
Além disso, foram considerados os pressupostos teóricos e filosóficos de Zygmunt Bauman, para melhor compreensão e explicação do fenômeno da violência contra os idosos, bem como para articular esta problemática com a atual organização da sociedade. Segundo o grande filósofo e sociólogo citado, vivemos a era da modernidade líquida, e com evidências cada vez mais presentes de uma perda de sensibilidade dos indivíduos, consequente de uma cegueira moral e ética (Bauman & Donskis, 2014).
4. Resultados
Nessas atividades, as quais ocorreram de forma híbrida, participaram 40 estudantes de diferentes áreas do conhecimento. Todo esse movimento foi gravado em áudio e vídeo para análise e descrição. No primeiro encontro, foi realizada uma apresentação presencial oral sobre o tema “violência contra a pessoa idosa”, na qual foram abordados os conceitos mais relevantes, os aspectos epidemiológicos e resultados de estudos realizados no próprio Município, que evidenciam a problemática vivenciada por esta parcela da população (Plassa et al., 2018; Alarcon et al., 2019; Alarcon et al., 2021).
Na sequência, sobreveio uma exposição dialógica sobre os princípios e etapas da gamificação, tendo em vista a coalizão de ambas as temáticas - gamificação e violência contra a pessoa idosa.
Os encontros seguintes ocorreram de forma intercalada - online (via Meet) e presencial. A cada nova reunião, os grupos apresentam o trabalho desenvolvido e foi aberto um espaço de fala para que os demais participantes analisem e avaliem o trabalho que está sendo desenvolvido e, assim, estabelecendo discussões e reflexões que resultam em sugestões e críticas para o aprimoramento dos projetos. A partir desse processo de validação, as propostas de cada grupo vão sendo construídas e reconstruídas tanto no pequeno grupo como com todos os participantes da atividade. Sendo assim, o processo de construção e aperfeiçoamento das propostas de cada grupo envolve não só a aplicação de conhecimentos e habilidades do grupo, como também dos demais participantes, que - não raro - colaboram uns com os outros, de modo que novos contatos são estabelecidos e os saberes e percepções individuais são agregados num coletivo e todos têm autonomia e protagonismo acerca da construção de conhecimentos sobre o enfrentamento da violência contra a pessoa idosa.
Para a elaboração das propostas dos games, os estudantes participantes das atividades foram divididos em seis pequenos grupos, com vistas a fazer proposições. Estas foram apresentadas no grande grupo passando por reformulações sucessivas durante três encontros, sendo dois presenciais e um online. Na sequência, são apresentadas as propostas provenientes dos grupos, as quais ainda estão em construção e validação.
4.1 Projeto 01
O projeto 01, intitulado "Mood 60+", tem como público-alvo pessoas idosas, e seu objetivo é informá-las sobre o conceito de violência contra a pessoa idosa e suas classificações, além de abordar direitos, práticas de respeito e propiciar a criação de vínculos e redes de apoio aos idosos. Para tal objetivo, o projeto busca se valer de espaços de convivência já frequentados pela pessoa idosa, uma vez que sua intenção como projeto é a criação de vínculo. Desta forma, usam da estratégia de gamificação lúdica, como a musicalização, por meio de samba enredo, como também, jogos que criem a discussão entres os jogadores, por exemplo: Cartas na Mesa e Bingo.
Neste aspecto, do uso dos espaços de convivência, o grupo tem por preferência a utilização dos locais públicos, em pleno funcionamento, em destaque, o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), uma vez que oferece serviços de assistência social às pessoas em situação de vulnerabilidade.
O objetivo do CRAS é promover o fortalecimento da convivência comunitária e o desenvolvimento familiar, além de prevenir situações de risco social. Os serviços oferecidos pelo CRAS incluem orientação e encaminhamento para acesso a benefícios sociais, acompanhamento psicossocial, atividades socioeducativas, entre outros.
O CRAS é um importante instrumento de inclusão social e de promoção da cidadania, em total concordância ao mote do “Mood 60+”. Nesse sentido, o objetivo do projeto perpassa as atividades lúdicas, que baseadas nas estratégias e ferramentas da gamificação promovem reflexões, aprendizado e difusão de informações sobre a temática, de forma leve e divertida, mas sem perder a seriedade, a responsabilidade, a sensibilidade e a empatia que esse problema social e de saúde pública, de violência e de maus tratos contra a pessoa idosa, exige. Além disso, o projeto busca parcerias, como o citado CRAS e outras instituições que deem apoio a sua realização e expansão.
4.2 Projeto 02
No projeto 02, foi abordada a proposta voltada para o desenvolvimento de um jogo de cartas (estilo Detetive), que envolvesse as pessoas da área de abrangência das Unidades de Saúde da Família (USF) do município, no combate e prevenção à violência contra a pessoa idosa, bem como os profissionais de saúde, objetivando a divulgação de informações acerca dos temas. O jogo é análogo ao conhecido “Detetive”, no qual os participantes recebem, aleatoriamente, uma carta de personagem, por exemplo: pessoa idosa, agressor, profissional de saúde e polícia. O papel da pessoa idosa é de não ser pega pelo agressor (o que significa não ser pega por uma “piscadinha”). O objetivo do agressor é eliminar a pessoa idosa da partida (ao piscar para ela), sem ser denunciado pelo profissional de saúde ou pego pela polícia. O profissional de saúde e a polícia têm o objetivo de pegar o agressor, antes que ele elimine a pessoa idosa. Ao final da partida, os profissionais de saúde, que realizaram a atividade em conjunto com a comunidade, vão levantar pontos sobre a temática da violência contra a pessoa idosa: -o que é violência e quais seus diferentes tipos? -qual é o processo de denúncia? -quais os órgãos responsáveis? -qual é o papel do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), e do profissional de saúde e como ele pode ser um aliado para a vítima?
4.3 Projeto 03
Este projeto, intitulado “Prevenção e Atenção ao Cuidador” tem como público-alvo os futuros cuidadores de pessoas idosas, que, atualmente, podem ser filhos, netos ou outro familiar com vínculos afetivos com esses idosos.
Para elaborar este projeto, o grupo levantou algumas hipóteses para serem analisadas e discutidas: 1) Identificar os possíveis riscos à pessoa idosa, a partir de observações dos familiares que a rodeiam e cuidam dela; 2) Incentivar por meio de ferramentas oferecidas à população, os comportamentos apropriados para futuros cuidadores, a fim de que estejam aptos a exercer essa função; 3) Delimitar a faixa etária de futuros cuidadores (25-45 anos); 4) Construir ecomapa em conjunto com equipes de saúde da Atenção Primária e familiares; 5) Promover oficinas e rodas de conversa com possíveis bonificações, a fim de informar prováveis cuidadores. Dessa forma, o objetivo do projeto é identificar fragilidades e vulnerabilidades referentes aos cuidadores e futuros cuidadores de pessoas idosas para, em seguida, desenvolver estratégias e aplicar intervenções.
4.4 Projeto 04
O projeto “Super Neto” tem como público-alvo as crianças de 3 a 5 anos e seu principal objetivo é conscientizar e educar, por meio da diversão, sobre a violência contra a pessoa idosa e práticas de respeito a essa faixa etária. Para tanto, o grupo está desenvolvendo um aplicativo constituído por elementos de aspecto lúdico, baseado nessa temática. O aplicativo conta com perguntas e respostas usando recursos de áudio, ilustrações infantis e interações a partir de um storytelling de uma avó, uma mãe e uma neta, que exemplificam situações de violência contra a pessoa idosa de forma sutil e delicada para o público-alvo. Além de promover reflexões, neste público infantil, sobre quais comportamentos são ou não adequados com as pessoas idosas, segundo suas respostas ao longo do jogo. Dessa forma, o jogador infanto passaria a internalizar uma postura não violenta para com os idosos. Outro fator importante é a articulação entre várias mídias, como áudio e ilustrações, o que permite a acessibilidade entre os mais diversos públicos, ampliando as possibilidades do impacto social e da promoção da cidadania.
4.5 Projeto 05
Este projeto, intitulado "Conhecer para Prevenir" tem como proposta a elaboração de uma plataforma virtual, por exemplo um site, voltado para o público em geral. Esta plataforma, de caráter informativo e educativo, tem como objetivo fornecer orientações sobre a prevenção da violência contra a pessoa idosa, de forma a fornecer conscientização e subsídios para a prevenção da violência contra a mesma. Além disso, busca exercer a função de disseminar informações importantes dentro dessa temática. Para tanto, na abordagem da gamificação, a plataforma contará com quiz de perguntas e respostas e, a fim de estimular o engajamento, a bonificação com medalha ou selo virtual de ouro, prata ou bronze, de acordo com a participação de cada um.
4.6 Projeto 06
Este projeto é denominado “USF Amiga da Pessoa Idosa” e visa o combate à violência contra a pessoa idosa empregando estratégias de gamificação envolvendo as Unidades de Saúde da Família. Desse modo, objetiva-se metrificar, por meio de instrumentos de avaliação, a condição da saúde, da segurança e da qualidade de vida dos idosos presentes no raio de abrangência de cada USF. A partir disso, cria-se uma avaliação para apontar as Unidades de maior destaque frente aos indicadores, em consequência recebem como premiação um selo de “USF Amiga da Pessoa Idosa”, sendo entregue pela Faculdade de Medicina de Marília.
Portanto, como passo inicial, busca-se mobilizar os estudantes de Medicina e de Enfermagem a preencherem formulários, em atividades de Visitas Domiciliares aos idosos. Estes contêm os critérios da Avaliação Multidimensional da Pessoa Idosa na Atenção Básica (AMPI-AB), sendo um instrumento de avaliação das condições de saúde das pessoas idosas, com ênfase na capacidade funcional, para classificar as pessoas idosas, de acordo com o desempenho funcional, qualificar a demanda e orientar o planejamento e gestão do cuidado em saúde na Redes de Atenção à Saúde da Pessoa Idosa- RASPI. Posteriormente, com todos os formulários preenchidos, serão analisados e agregados todos os dados das USF participantes, a fim de construir um panorama geral sobre a saúde dos idosos de modo local, além de um cenário de vivência desses indivíduos.
Neste sentido, o projeto usa dos métodos de gamificação com o intuito de motivar os profissionais da saúde a aderirem à iniciativa, como também dar visibilidade e reconhecimento público aos desempenhos destes mesmos indivíduos. De outro modo, têm-se os estudantes como peça fundamental, uma vez que são por eles a construção de vínculo e a aferição das informações.
5. Discussão
A aprendizagem da violência contra a pessoa idosa, por meio da gamificação tem auxiliado os estudantes na formação de novos conhecimentos, acerca dessa temática, de modo significativo, pois favorece a articulação de subsunçores com novos conteúdos na busca de estratégias para a não banalização da violência contra a pessoa idosa.
Segundo Ausubel (1963, 2000), é possível aprender significativamente por meio dos subsunçores, quais são conceitos ou modelos previamente aprendidos na estrutura cognitiva. Esta, diz respeito ao modo como a mente humana aprende e armazena os conteúdos. De acordo com a teoria de aprendizagem significativa, a mente humana aprende por diferenciação progressiva e reorganização integrativa, isto é, inicialmente reconhece a diferença entre os novos conteúdos aprendidos, dos conhecimentos prévios armazenados na estrutura cognitiva e posteriormente os reorganiza e os integra.
Ressalta-se também que, a aprendizagem significativa é potencializada fazendo-se uso dos materiais utilizados para a aprendizagem, da linguagem e a predisposição do aprendiz. Além disso, esse processo é facilitado pelos métodos de ensino ativos, pois promovem não apenas a aprendizagem mecânica, por memorização, e sim, um ensino potencialmente significativo (Moreira, 2011).
Neste escopo, para elaborar e desenvolver os projetos embasados na gamificação e inseridas no contexto da violência contra a pessoa idosa, conforme apresentados anteriormente, foi necessária a busca ativa por informações e construção de conhecimento, além de reflexões acerca da viabilidade de aplicação das propostas, o que contempla os pressupostos da teoria de aprendizagem significativa. A gamificação aproximou os participantes do entendimento do contexto da temática da violência contra a pessoa idosa e lhes deu liberdade para explorar o processo de aprendizagem de forma individual e coletiva, por meio da construção de conhecimento significativo de modo colaborativo e em equipe.
O processo de gamificação para o trabalho da violência contra a pessoa idosa tem conseguido abarcar os três tipos de aprendizagem significativa, a saber: representacional, conceitual e proposicional (Moreira, 2011). O representacional por intermédio das apresentações de cada projeto; o conceitual, na construção dos significados e sentidos de cada ação; e o proposicional na finalidade do projeto, que é transformar realidades, prevenir e conscientizar a população acerca da violência contra a pessoa idosa.
A realização de uma atividade educativa voltada para a prevenção e conscientização sobre a violência contra a pessoa idosa é fundamental para o combate à banalização da violência, e na busca de uma sociedade menos desigual, mais justa, que tenha mais sensibilidade e dê mais visibilidade às questões éticas e morais que permeiam a humanidade. Em relação ao fenômeno da banalização da violência, Bauman e Donskis (2014) refletem que na modernidade as pessoas estão, muitas vezes, indiferentes aos acontecimentos ao seu redor, o que Bauman denomina de “adiaforização da conduta humana”, e desse modo, parando de reagir às situações de violência.
Experiências como estas são oportunidades para estimular as pessoas a reagirem em relação às situações de violência na sociedade moderna, bem como para o fortalecimento do espírito crítico. De acordo Zigmunt Bauman (2021), a atualidade é o período da modernidade líquida, ou seja, vivemos no tempo das relações líquidas ou fluidas, isto é, as relações modificam a sua forma com mais facilidade, e esse fenômeno tem sido mais rápido do que em qualquer outro tempo da história (Bauman, 2021).
A modernidade líquida é consequência das profundas mudanças nos relacionamentos sociais, econômicos e nos modos de produção capitalista.
A gamificação, durante a apresentação dos projetos, também estimulou o raciocínio e a análise crítica, uma vez que, durante as apresentações das propostas de cada grupo, os demais participantes tinham abertura para analisá-las e tecer sugestões e críticas construtivas. Desse modo, a gamificação favorece o desenvolvimento da capacidade de argumentação, de articulação e de comunicação clara, respeitosa e eficiente.
Neste contexto, foram propostos games para serem utilizados em diferentes cenários e contanto com diferentes atores, o que amplia a possibilidade de sensibilização da sociedade para um problema que envolve uma grande parcela de idosos e que causa intenso sofrimento.
Por fim, ressalta-se a importância do relato de experiência enquanto uma modalidade de pesquisa qualitativa, visto que resgata as memórias, tornando-as disponíveis para reflexões e, assim associando à esfera da vida intencional e tornando-a mais concreta e percebida.
Além disso, ao ser divulgada, permite novas reflexões, com possibilidades de orientar os atos e promover mudanças (Breton & Alves, 2021).
6. Considerações Finais
A experiência com a gamificação no combate à violência contra a pessoa idosa está sendo muito enriquecedora e mostra como essa técnica pode ser poderosa para conscientizar e engajar as pessoas em causas importantes.
Além do mais, a gamificação pode contribuir de forma significativa para a formação profissional dos participantes - estudantes de diferentes cursos. Isto porque a gamificação consiste na busca de soluções e resolutividade às questões e problemas fora do universo dos games e jogos, mas embasada nos mecanismos e princípios de construção de game. Desta maneira, para a formação profissional, a gamificação surge como um potente instrumento para estimular e favorecer o desenvolvimento da capacidade de elaborar soluções passíveis de aplicação e adaptação a diversos contextos.