1.Introduction
No Brasil a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade de ensino que atua com sujeitos que não puderam frequentar a escola na idade prevista pela legislação, por motivos diversos, tais como ter que trabalhar para garantir a sua sobrevivência.
Pensando a história, é válido lembrar que a educação passou por inúmeras reformas educacionais, de modo que a formação dos estudantes para o exercício da cidadania precisou ser reavaliada em diferentes momentos. Na contemporaneidade, esse movimento ocorreu mais uma vez, visto que adentramos na chamada Era Digital (Bates, 2016), intensificada com a pandemia da Covid-19. Com a nova realidade que se apresentou nesse contexto, sofremos mudanças significativas no nosso modo de ser e estar no mundo, principalmente naquilo que diz respeito à organização do trabalho, ao uso das tecnologias e às políticas públicas educacionais.
Nesse sentido, no campo educacional, a forma de ensino/aprendizagem demandou novas práticas, diferindo das que eram usadas até o final do século passado. Para tanto, considerou-se, no âmbito educacional, a inclusão de fatores sociais, digitais, culturais, políticos e econômicos condizentes com a realidade do estudante. Cabe ressaltar que no que concerne à questão digital, atualmente, o país possui documentos referenciais no ensino dos conteúdos de computação na Educação Básica, a saber: Diretrizes para Ensino de Computação na Educação Básica (Sociedade Brasileira de Computação, 2019) e o Currículo de Referência em Tecnologia e Computação (Centro de Inovação para a Educação Brasileira, 2020), que estabelecem diretrizes, organização e inclusão de assuntos relacionados à tecnologia e computação para o ensino brasileiro.
Na pauta das políticas e do direito à educação, houve uma série de normativas para a formação de professores, e a operacionalização curricular nas escolas, acelerando os processos de precarização do trabalho docente e conferindo até 80% (Brasil, 2021) da oferta na modalidade a distância. Diante do exposto, objetivamos debater e questionar a Formação Inicial e Continuada dos docentes que atuam na EJA, contemplando a importância da literatura e das tecnologias digitais em ambientes alfabetizadores. Assim, consideramos válido identificar as formas de inserção de obras literárias, como acesso aos bens culturais nacionais, nas práticas de formação de futuros professores. Em nossos ateliês formativos, assim como nas ações extensionistas em ambiente digital, usamos diferentes recursos para potencializar a mediação da aprendizagem, dentre os quais a literatura, que tem funcionado como objeto de análise para a formação docente.
Neste trabalho, articulamos quatro pesquisas desenvolvidas em contextos presenciais e virtuais, pois entendemos que, mesmo após a pandemia, o uso da internet tem sido vital para a disseminação das nossas atividades, uma vez que facilita o acesso a todos e permite um longo alcance em nível mundial. Deste modo as pesquisas que compõem esse trabalho envolvem as seguintes ações: )a primeira pesquisa propõe a discussão curricular e a literatura como instrumento e objeto de análise da pesquisa qualitativa no âmbito universitário; a segunda, investiga a relevância da poesia e dos estudos bakthianos na formação de professores e estudantes da EJA; a terceira, identifica as aproximações entre as obras literárias e o perfil dos jovens e adultos brasileiros, e a quarta pesquisa articula a discussão das novas tecnologias digitais no ensino da literatura para a EJA, pois entendemos o uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC’s), na Educação de Jovens e Adultos, como necessária, além de ser um direito. As pesquisas em questão dialogam entre si quando articulam a EJA, o trabalho com a formação de leitores e as dimensões interativas com as tecnologias.
O artigo está subdividido em três partes. A primeira ressalta o crescimento da literatura nacional e o universo do trabalho com poesias em sala de aula como um dos principais recursos metodológicos utilizados pelos professores durante e após a pandemia. A segunda, destaca o percurso metodológico de nossas pesquisas, ancorado na abordagem qualitativa a partir da análise detalhada dos fenômenos percebidos durante os cursos de formação continuada de professores em alguns municípios da região Leste Fluminense do Estado do Rio de Janeiro.
2.A literatura nacional e o trabalho com poesias como recurso metodológico
A análise das atividades de ensino, pesquisa e extensão que desenvolvemos buscam pensar aproximações da literatura clássica com a contemporânea brasileira, considerando experiências estéticas dialógicas (Bakhtin, 2003) que se articulem em torno da natureza narrativa da espécie humana, produzindo e compartilhando entre si histórias fantásticas ou ainda com base nos cotidianos vividos, pois a literatura nasce na vida, sendo essencial aos seres humanos (Candido, 2011). A opção por esse caminho metodológico se pauta em pesquisas (Compagnon, 2001; Eco, 2003; Cereja 2005; Cagneti, 2013) que, crítica e recorrentemente, versam sobre a natureza do trabalho pedagógico com a leitura literária desenvolvido na Educação Básica brasileira. Esses estudos desvelam que a estrutura curricular raramente favorece a composição de um trabalho pedagógico que ofereça a literatura como uma experiência estética, por meio da qual o aluno não apenas reconheça e valorize o texto e contexto da obra, mas perceba a importância do exercício metodológico de produzir leituras contrastivas.
A leitura contrastiva forma a base metodológica dos estudos de Cagneti (2013, p. 31), e é entendida como: “[...] muito mais do que apenas contrapor textos, vislumbrando as influências da época com seus respectivos pensamentos estéticos, ela oportuniza ao leitor a possibilidade de, criticamente, inserir-se em diferentes contextos, revelando seus próprios conceitos éticos e estéticos”. Defendemos em diálogo com Foucambert (1994) que esse trabalho de leitura contrastiva ajuda a produzir leitores que tenham uma experiência de alfabetização que transcende o ato de decodificação, tornando-se sujeitos leiturizados, ou seja, capazes de pensar sobre o texto que leem, produzindo, criticamente, outros textos orais e escritos. Os leitores leiturizados tomam um texto literário para pensar concepções de si e de mundo, nunca para fechá-la, porque a literatura é uma porta que nos convida a abrir outras.
Contudo, estudos revelam que o trabalho com a literatura nas escolas brasileiras é muitas vezes estéril, no sentido desse movimento contrastivo, que interliga obras lidas às subjetividades dos leitores.
O que observamos historicamente construído é um trabalho literário em que textos são utilizados de forma dessecada para compreender questões da estrutura gramatical da língua, com o objetivo de compor provas ou ainda para a produção de universalização de leituras, desconsiderando, assim, a possibilidade de trabalhar a literatura para pensar o cotidiano, os contextos históricos e políticos em que vivemos. Um problema presente no Brasil, mas também em outros países, como podemos perceber nos estudos de Todorov (2009), mais especificamente em sua obra A literatura em perigo, em que faz uma análise do trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas francesas, é o uso da literatura para explicação de questões gramaticais e também para apresentar obras de forma generalizada, objetivando a preparação dos estudantes para provas internas e externas ao sistema escolar, partindo da concepção de interpretações simplistas e universalistas dos enredos narrativos.
Essa forma de trabalhar pedagogicamente a literatura na escola, nos convoca a pensar questões sobre a formação de professores. Cabe uma reflexão acerca das experiências que vêm sendo simplesmente reproduzidas. E acreditamos que para a arquitetura de uma outra perspectiva precisamos pensar pesquisas interventivas (Passos & Barros, 2009), que atuem na Formação Inicial nas diferentes licenciaturas, e nas escolas em diálogo com os sujeitos (docentes, crianças, jovens e adultos) que dinamizam a Educação Básica.
Ao pensar as ações formativas e interventivas de nossas atividades de ensino, pesquisa e extensão, dialogamos com as seguintes questões epistemológicas e metodológicas: a) entendemos linguagem a partir dos pressupostos de Bakhtin (2003), como algo vivo, uma produção social coletiva em que seus sentidos vão se ressignificando e se potencializando pela ação dos sujeitos; b) concebemos alfabetização a partir dos estudos de Soares (2003), ou seja, em diálogo com as práticas sociais. Logo, a alfabetização deve acontecer por meio de práticas de leitura e escrita atrelados ao cotidiano do sujeito, produzindo-se a partir do uso social da língua; c) nosso trabalho considera importante pensar sobre a prática de letramento literário em diálogo com Cosson (2006), pois é por meio dela que sujeitos, alfabetizados ou não, podem interagir com a linguagem escrita, materializada pela literatura, vivenciando suas dimensões culturais e estéticas. Através do letramento literário as leituras extrapolam o próprio texto, pois em interação com a literatura transitamos entre o real e o imaginário, ressignificando nossas concepções de mundo; d) pensamos mediação literária em diálogo com as contribuições de Corsino (2014), uma vez que entendemos que o estudo do texto a partir do empréstimo de nossa voz, de interpretações e provocações aos sujeitos que estão compartilhando da leitura em voz alta, oferecendo aos educandos uma experiência diferenciada de vivência estética; e) dinamizamos ações em diálogo com a proposta metodológica de performance poética, defendida por Queiroz (2014), em que a poesia é esteticamente experienciada a partir da modulação vocal planejada pelo mediador, com o objetivo de reunir elementos que agreguem sentidos no texto. A autora chama, ainda, a atenção para as movimentações corporais enquanto acontece a mediação literária ou poética, pois estas também afetam a produção de sentidos daquilo que se está lendo.
Compreendemos a poesia como a literatura por excelência, pois, se ela é a arte da palavra como revelam os estudos de Bakhtin (2003), a materialidade da poesia é genuinamente artesanal, pelo fato de ela se desafiar a dizer muito com pouco, deixando intencionalmente pontos interpretativos abertos para que a subjetividade do leitor possa atuar, e por possuir estéticas gráficas e sonoras diversas, que ganham vida nas diversas roupagens de sua materialização. Assim, são alguns exemplos de sua mobilidade estética: trova (poema autônomo de quatro versos em redondilha maior), soneto (poema de forma fixa, composto por quatro estrofes em que as duas primeiras são constituídas por quatro versos, cada uma, os quartetos, e as duas últimas, de três versos), haicais (poesia japonesa que possui três versos), cordel (conhecida no Brasil como poesia de folheto; é um gênero literário popular escrito frequentemente em versos, na forma rimada, com origem em relatos orais), poesia concreta (há um brincar gráfico no papel, que formam mensagens que se conectam e se complexificam com as palavras; busca a superação do verso como unidade rítmico-formal) etc. A poesia cresce, na produção de subjetividade, quando a leitura ou a declamação são estudadas e planejadas, qualificando sua entonação. Para Volóchínov (2013, p. 82), “na entonação a palavra se relaciona diretamente com a vida e o falante se relaciona com os ouvintes, sendo ela social por excelência”. Assim, vimos apostando em ações formativas e processos metodológicos de pesquisa que atravessem a mediação literária e poética com professores, crianças, jovens e adultos em contextos escolares e não escolares.
3.Da metodologia
Quando falamos em abordagem qualitativa de pesquisa, referimo-nos a um conjunto de fundamentos teórico-metodológicos que envolve, eventualmente, diferentes referências epistemológicas (Severino 2013, p. 92). Nesse sentido, a variedade de fontes utilizadas e os percursos metodológicos e teóricos traçados, possibilitam avançar para além dos dados quantitativos, refletindo sobre o universo de significações que as entrevistas e percepções da Formação Continuada com professores da Educação Básica nos possibilitaram.
A análise dos dados é vista em seu caráter complementar, e ao destacarmos as narrativas de 40 professores e futuros professores, visamos ultrapassar a função meramente descritiva da pesquisa qualitativa, diferenciando as práticas pedagógicas em sua potencialidade social e criativa. Percebemos as narrativas para além de seus aspectos aparentes, considerando como elas se relacionam com outros objetos sociais. Assim, ao reafirmarmos a abordagem qualitativa como paradigma da pesquisa, destacamos a nossa preocupação com as interpretações dos fenômenos sociais, na forma como são compreendidos, explanados e especificados, por meio dos dados referentes a organicidade da Educação de Jovens e Adultos no Estado do Rio de Janeiro, Brasil (Santos Filho, 1995).
No que se refere à metodologia utilizada no projeto, trabalhamos com a investigação a partir da pesquisa-intervenção, pois entendemos que não se trata de uma proposta de mão única, conduzida essencialmente por quem inicia ou ainda negocia a sua proposição. Ao contrário, entendemos que todas e todos que estão implicados por suas práticas são cocondutores de suas propostas iniciais e, consequentemente, do que se desdobra delas, possibilitando que a pesquisa ganhe vida própria no campo em que se dinamiza.
Em termos de estruturação teórica, elegemos como fontes da pesquisa os seguintes documentos: legislações, ações, programas de formação continuada, editais e cursos de extensão divulgados em sites oficiais e redes sociais de unidades de educação em nível superior, com destaque para a região Leste Fluminense do Estado do Rio de Janeiro.
Na análise dos primeiros resultados sistematizamos, encontramos, ainda que provisoriamente, as pistas sobre a materialização da literatura, da poesia e da tecnologia digital como principais meios utilizados pelos professores para enfrentar os desafios do cotidiano escolar. Nesse sentido, expusemos elementos comparativos entre as ações realizadas, a categorização dessas grandes áreas e sua interrelação com a transformação do currículo prescrito e da prática pedagógica ocorrida nas escolas e na Universidade.
Priorizamos as experiências compartilhadas que dialogam com o pressuposto epistemológico de Antonio Candido (2011), que defende que a literatura seja parte dos direitos humanos, pois somos feitos de narrativas, daquelas que escolhemos para falar de nós, das que outros escolhem para dizer quem somos e das que nascem como narrativa daquilo que fazemos dessas duas. Os resultados dessas investigações qualitativas a partir de narrativas, permitem que realizemos a problematização e análise das práticas de Formação Inicial e Continuada de professores, bem como nos autoriza a colaborar com os processos didático-pedagógicos das práticas docentes, a fim de garantir o direito à educação. É importante destacar que foi possível identificar que as tecnologias têm ampliado o contato com a literatura, embora saibamos da necessidade da criação de políticas públicas para a democratização do uso de recursos digitais. Os aparatos tecnológicos tornam o acesso e o contato com a literatura viável a muitos, constatação essa que a alguns anos não seria possível, em função do alto custo desses recursos.
A análise da pesquisa ultrapassa a simples aparência do fenômeno, de modo que buscou identificar como os professores percebem a importância do trabalho com a literatura nacional. Nesse princípio operacional, analisamos o conteúdo dos documentos e das narrativas, com vistas a alcançar “nível mais profundo, ultrapassando os sentidos manifestos do material” (Minayo, 1992, 308).
Compartilhamos que nossos exercícios de análise se fizeram a partir de alguns de nossos contextos de investigação: a) técnicas metodológicas em grupos de estudos - gratuitos e abertos não apenas para docentes, mas também para a comunidade em geral - que fazem uso da troca de diálogos por meio do compartilhamento de produções contemporâneas e de clássicos da literatura, além de produções cinematográficas brasileiras, buscando entender e discutir as conjunturas sociais, culturais e políticas atuais, e as de produções dessas obras, bem como nossos pressupostos epistemológicos; b) oferta de atividades de mediação literária em contextos virtuais, presenciais e híbridos, usando como recurso as redes sociais; compreendemos a potência e o alcance desses recursos, e a possibilidade de acesso para além da comunidade acadêmica. A partir dessas experiências foi possível identificar os desafios que cercam esses caminhos, como a ausência de políticas públicas de democratização e alfabetização digital no Brasil ; c) troca de experiências entre os discentes, os futuros docentes da EJA e os profissionais que já atuam nessa área, com a intencionalidade de mapear quais têm sido os desafios enfrentados por cada um dos lados.
4.Dos resultados
Apostando em diferentes estratégias para os nossos ateliês formativos, algumas ações para além dos cursos de Formação Inicial e Continuada, desenvolvidos com docentes e discentes da Educação Básica e do Ensino Superior as seguintes ações presenciais e virtuais: oficinas de escrita criativa e de experimentações estéticas literárias; rodas de leituras poéticas e literárias; cine debates; diálogos com movimentos culturais, que dinamizam ações em torno da palavra escrita e falada; produção de conteúdos nas redes sociais de nossos grupos de pesquisa como, por exemplo, resenhas críticas, indicação de leitura, apresentação de autores da literatura nacional e da literatura marginal, uma vez que muitos nacionais não ocupam os espaços curriculares das escolas, por não terem conseguido conquistar os cânones da literatura, sendo, muitas vezes, política e historicamente impedidos de ocupar lugares consagrados da literatura, como, por exemplo, a Academia Brasileira de Letras, mesmo sendo autores lidos em seus tempo, como aconteceu recentemente com Conceição Evaristo.
Neste primeiro semestre de 2023, observamos diferentes processos de sensibilização proporcionados pelo trabalho com a literatura. Estudantes e futuros professores da Universidade afirmaram em uma roda de conversa: “todas as vezes que nas aulas interagimos com a poesia, a partir desses exercício de coleitura performático, temos uma experiência estética de leitura diferenciada, pois quando reproduzimos gestos e vocalizes emprestados pela professora aos poemas, parece que estamos dentro do texto e seus sentidos mudam” (Sic).
Em uma atividade de mediação literária em uma praça pública, onde compartilhávamos a história de Scieska (1993), A verdadeira história dos três porquinhos, em que o Lobo Mau explica que não bateu na casa dos Três Porquinhos com a intenção de devorá-los, mas que ele estava apenas pedindo uma xícara de açúcar emprestada, ao ouvir essa narrativa em forma de reconto do clássico infantil, um avô pouco familiarizado com os livros, que sempre acompanhava suas netas em nossas atividades de leitura e contação de histórias, resolve participar da roda de leitura. Ele fala conosco, apontando e olhando para dois meninos que estavam fazendo guarda no morro, que fica atrás de nosso Campus Universitário: “Olha, acredito que tem muitos lobos nesse mundo, pode ser que alguns deles de fato sejam obrigados a ser mau. Ali no Morro do Feijão, aqueles meninos que trabalham pro tráfico, eu vi crescer na comunidade, eles não são maus e ponto. Talvez, eles também não conseguiram emprestado uma xícara de açúcar" (Sic.). Ou seja, as experiências de mediação poética mostram, a partir do contato com a poesia e com a literatura, microrrevoluções acontecendo, empoderando sujeitos por meio da prática da leitura contrastiva (Cagneti, 2013) que potencializa a leitura de si e do mundo, por meio do contato com os referidos gêneros discursivos.
A partir da transcrição e análise das narrativas de 40 professores da Educação Básica em cursos de Formação Continuada oferecidos pela Universidade, e tendo como questão norteadora o trabalho desenvolvido com estudantes da EJA, pudemos visualizar a ênfase em uma prática que privilegia o perfil dos educandos e que permite um conhecimento que se propõe a ser percebido no cotidiano. Para isso, fazem uso de filmes, livros e poesias nacionais como mecanismo de internalização do conhecimento.
A utilização desses materiais, na visão dos professores, possibilita uma prática pedagógica de respeito às diferenças dos educandos e de seus saberes, assegurando que estejam no centro do processo educacional. O conhecimento próximo a realidade dos discentes, volta-se a outros olhares e debates. Essa forma de assimilação de saberes pressupõe um movimento da vida em si, que os considera cidadãos, pessoas que pertencem a grupos, com histórias e experiências próprias.
Dos dados investigados, aproximadamente 63% dos professores utiliza-se da literatura como via metodológica principal para o ensino da leitura e da escrita, sendo 42,5% àqueles que fazem uso da literatura nacional; 25% dos entrevistados afirmam que a tecnologia viabilizou os processos educativos sendo um recurso essencial na hora da preparação de suas aulas, já outros 37% recorrerem a poesia como principal meio de exercício da escrita criativa para a aprendizagem de estudantes jovens e adultos.
Ressaltando a análise de um dos educadores a respeito do trabalho pedagógico, este afirma que esse tipo de prática deve “contribuir para a formação da cidadania plena, e não apenas para ‘adiantar quem está atrasado’, como pensa e verbaliza uma maioria, ou ainda ser uma mera etapa aligeirada para conseguir um diploma sem sentido”. (Sic.). O foco no recebimento de um diploma perde o significado quando o educar passa apenas pelo ato de documentar alguém que cumpriu etapas sem, no entanto, tornar o indivíduo capaz de se perceber para além do resultado objetivo de se formar. Fato esse, demonstrado na pesquisa pelo índice elevado de evasão após progressão automática dos alunos na Pandemia. Como resultado, houve, em 2021, uma queda de 7,7% das matrículas de EJA em todo o país (Censo Escolar, 2021). É importante destacar que o Brasil possui um índice de 11 milhões de analfabetos (Brasil, 2019) . Em parte, essa queda é resultado da ausência de formação de professores, uma vez que 85% dos professores recorreu a utilização do whatsapp, via mensagem de áudio, como principal meio de aprendizagem na vigência da Pandemia de Covid 19 e, apenas, 25% fez uso das plataformas digitais visando atender às novas demandas por meio de um planejamento coletivo.
O conhecimento e os saberes implicam em muito mais que a oferta de um estudo formal institucionalizado e ações pontuais em momentos de crise. Em distintas respostas dos profissionais está muito presente a ideia de atendermos às diferenças apresentadas. E como fazer isso em uma sala de aula com um público tão diverso, de diferentes necessidades? Sabemos que na prática o educador muitas vezes não tem tempo ou condições materiais para operacionalizar um atendimento tão personalizado. O que propomos nesta reflexão não é uma aula ou uma avaliação para cada aluno, no entanto, acreditamos em uma proposta que atenda a todos a partir de um desenho universal de atividades e avaliações ou de diferentes propostas de fácil adaptação.
Percebemos que experiências do cotidiano despertam no educando o sentimento de busca do conhecimento quando a vivência possui algum sentido ou relação com o que é ensinado em sala de aula. Devemos pensar, por exemplo, na importância e no papel dos movimentos sociais e das experiências de vida, uma vez que estes reforçam a sensação de pertencimento e de sujeitos detentores de conhecimento, repletos de historicidade e de capacidade crítica.
5.Considerações Finais
No tocante ao acesso e a disponibilidade da literatura como direito humano (Candido, 2011). Realizamos essas ações com o objetivo de contribuir com a formação de professores e estudantes para que avancem para uma concepção de leitor leiturizado (Foucambert, 1994), ou seja, de sujeito que lê mobilizando questões críticas, sendo de algum modo um coautor ou mesmo um novo autor, movido pela subjetividade produzida pelo ato de ler.
A análise das narrativas dos professores indica que a maioria dos profissionais que comparecem nos cursos de Formação Continuada para EJA, identifica a importância de práticas pedagógicas que contemplem o respeito às diferenças quanto aos educandos e seus saberes. Salientamos que a continuidade das ações e estudos desta pesquisa contribuirão para as estratégias formativas dos profissionais que atuam ou ainda atuarão nesta modalidade de ensino. A pesquisa demonstrou que, embora as tecnologias façam parte do cotidiano da maioria das pessoas, há um obscurecimento quanto ao entendimento do próprio conceito de tecnologia quanto aos “antigos” e novos recursos pedagógicos da Era Digital. Sabemos que educadores se desenvolvem profissionalmente ao longo de suas trajetórias tanto como sujeitos quanto como profissionais, a partir de conceitos e saberes dos quais se apropriam. No entanto, cabe ressaltar a importância das instituições que formam professores e sua preocupação com a qualidade do ensino que oferecem ao conceder licenças para o exercício da profissão, de modo que diferentes estratégias formativas possam ser levadas em consideração.
Antes que novos professores atuem no mercado de trabalho, propostas de formação como as de Residência Pedagógica apresentadas por Fontoura (2017) deveriam ser incorporadas aos quadros de formação, de modo a implicar diretamente na qualidade do ensino oferecido à população que procura as escolas públicas, ainda que isso não elimine outros espaços para os quais os professores também prestam seu serviço.
Entendemos, ainda, que pensar a respeito das questões que envolvem o fazer profissional e seus resultados, demanda dos educadores a compreensão para as desigualdades sociais existentes. Os educandos e suas particularidades devem ser mais bem analisados enquanto grupos que foram desfavorecidos em relação aos aspectos socioculturais que a escola valoriza.