1. Introdução
A escolha desse tema recaiu sobre uma inquietação que surgiu a partir da procura por periódicos científicos com fator de impacto no campo do Serviço Social. O fator de impacto considera o número de citações tendo em conta o tamanho da revista (Pinto & Andrade, 1999) e é por si só um critério de qualidade, pois para que um artigo seja publicado é feito um rigoroso processo de avaliação cega por arbitragem científica (Bordons & Zulueta, 1999).
Ao ler alguns artigos no referido campo, percebemos que havia problemas claramente metodológicos, o que aumentou a nossa inquietação. Sem nenhum intuito de fazer comparações, apenas para contextualizar a argumentação que seguirá, procuramos informações sobre os campos disciplinares da Gestão e do Serviço Social, pois os mesmos apresentam percursos temporais semelhantes.
Os primeiros cursos de Serviço Social no Brasil e em Portugal foram abertos em 1935 e 1936, respetivamente. Em relação aos cursos de Administração/Gestão os mesmos surgiram, no Brasil, em 1954 e, em Portugal, em 1973. Quanto ao número de periódicos científicos brasileiros, na área da Administração, há cerca de 250 (SCI&ORG - Ciência e Organizações, 2017) e na área de Ciências Sociais, tem-se 34 (Portal de Periódicos Eletrônicos da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais ANPOCS, 2020).
Como o ensaio proposto deveria ser escrito a partir da análise de artigos, procuramos identificar o número de periódicos científicos em ambos os campos disciplinares, usando fontes brasileiras e em língua portuguesa, pois mesmo não vindo ao encontro do estudo, devemos combater o “colonialismo epistêmico” para nos afastar do modelo de saber universal que acaba por nos manter na subalternidade (Ibarra-Colado, 2006).
Diante desse cenário, esse ensaio tem como objetivo argumentar, a partir da análise de seis artigos escolhidos pelos títulos, alguns dilemas que surgiram em relação ao objeto de estudo do Serviço Social, ao método científico utilizado e aos obstáculos epistemológicos com os quais os mesmos se defrontam.
É importante salientar que um ensaio se caracteriza como uma exposição lógica e reflexiva fundamentada na argumentação e interpretação pessoal (Severino, 2000), não apresentando o padrão clássico de um artigo científico (objetivos, revisão de literatura, método, discussão, considerações finais).
O tema não será explorado de maneira exaustiva, até porque o número de artigos analisados não fornece dados suficientes para uma análise profunda, sendo que muito provavelmente existem outras causas além do objeto, do método e dos obstáculos epistemológicos na construção da cientificidade do Serviço Social.
Espera-se, com essa argumentação, promover e impulsionar uma evolução dos métodos e técnicas no campo do Serviço Social, permitindo um desenvolvimento da pesquisa baseada em critérios objetivos.
2. Breves Reflexões sobre as Ciências Sociais
A ciência, tal como a conhecemos hoje, surgiu com Galileu e a partir do método por ele proposto: observação, experimentação e regularidade matemática de ocorrência do fenômeno (Solis, 1990), o que fortaleceu o método dedutivo com suas técnicas quantitativas, concedendo-lhe o status de mais científico que os outros. Transformou-se em “tecnociência, e progressivamente se introduziu no coração das universidades, das sociedades, das empresas, dos Estados...” (Morin, 2000, p. 9).
Chegou ao século XIX excluindo as teorias morais e sociais do movimento científico propriamente dito, relegando-as ao isolamento (Comte, 1978). Para colocar as ciências sociais em um patamar científico, Comte (1978) propôs a utilização do mesmo método para qualquer campo científico e dividiu a filosofia positivista em cinco ciências fundamentais: astronomia, física, química, fisiologia e física social.
É possível que a tendência ao isomorfismo com as ciências exatas tenha induzido a essa incômoda denominação de física social e levado Durkheim (2002) a propor que os fatos sociais devessem ser tratados como coisas, para que fosse alcançado o patamar científico. A partir de então, teve início, nas ciências sociais, a utilização do método positivista em detrimento dos métodos compreensivos e interpretativistas, o que limitou o saber de “[...] tudo o que é da ordem das significações, das intencionalidades, das finalidades, dos valores, em suma, tudo o que constitui a face interna da ação” (Ladrière, 1977, p. 10).
O positivismo, com sua ênfase na quantificação, somente começou a ser fortemente contestado nas ciências humanas e sociais no século XX (Alves-Mazzotti & Gewandsznajder, 2001). Atingido duramente por Kuhn, com a publicação, em 1962, do livro A estrutura das revoluções cientificas, o positivismo sofreu também forte ataque, com a publicação de Contra o Método, por Feyerabend, em 1975. Seus pilares começaram então a perder parte da força até então dominante.
Ainda antes, entre 1920 e 1930, nos Estados Unidos, a Escola de Chicago, deu ênfase à investigação qualitativa para investigar a vida de grupos urbanos, o trabalho de campo, o estudo dos costumes e dos hábitos de outras sociedades ou culturas, passando a ser utilizada nas ciências sociais e comportamentais como a educação, a história, a ciência política, os negócios, a medicina, a enfermagem, a assistência social e as comunicações (Denzin & Lincoln, 2006).
As contestações em relação ao positivismo e sua ênfase na quantificação não abalaram, em nenhum momento, a importância da aplicação do método científico. Qualquer que fosse o objeto de estudo, o método seria sempre soberano, o que diferenciava a investigação eram as técnicas de abordagem ao fenômeno.
A metodologia, para Becker (1994) deve ser assunto de todos os cientistas sociais que investigam e ensinam. As ciências sociais devem evidenciar a relação próxima entre teoria, metodologia e prática da pesquisa, a não ser que se pretenda cair num terreno árido e no “isolamento irracional, sob a estéril dominação do espírito teológico-metafísico” (Comte, 1978, p. 65).
As teorias científicas devem ser derivadas de maneira rigorosa da obtenção dos dados da experiência adquiridos por observação e experimento. A ciência é baseada no que podemos ver, ouvir, tocar etc. opiniões ou preferências pessoais e suposições especulativas não podem ter lugar na ciência (Chalmers, 1993).
De acordo com Kuhn (2005), a “ciência normal” necessita de um arcabouço metodológico e teórico para que os problemas sejam resolvidos consensualmente, embora, no campo das ciências sociais, não seja desejável um consenso entre os investigadores, dado que o conhecimento é socialmente construído, o que não implica na perda do caráter científico, que seus métodos não devam ser empíricos e nem que procure ser “livre de valores” (Berger & Luckmann, 1985).
3. O Objeto de Estudo do Serviço Social
Foi a partir da Revolução Industrial que o capitalismo emergiu como o modo de produção dominante e trouxe “inúmeras mudanças na sociedade e na vida do trabalhador inglês [...] é por isso que a Inglaterra é também o país clássico para o desenvolvimento do principal resultado dessa revolução: o proletariado” (Engels, 2010, p. 45), acentuando as desigualdades sociais e econômicas que existiram desde sempre no modo de vida da humanidade, ou seja, “a exploração de uma parcela da sociedade por outra é um fato comum a todos os séculos passados” (Marx & Engels, 2008, p. 43).
Mas, a Revolução Industrial não foi um episódio com um princípio e um fim. Não tem sentido perguntar quando se ‘completou’ (Hobsbawm, 2010, p.38), então as desigualdades sociais e econômicas desencadeadas também se tornaram uma norma e permanecem acentuadas na atualidade, com os pobres cada vez mais pobres. Pode-se considerar que “o mecanismo social da sociedade burguesa era profundamente cruel, injusto e desumano” (Hobsbawm, 2010, p. 332).
Foi possivelmente esse empobrecimento gradual do proletariado que desencadeou a chamada questão social, pois houve a conscientização da exploração e a classe dominante procurou formas de manter a situação sob seu controle. Foram criadas as políticas sociais com o propósito de controlar os mais desfavorecidos, controle esse que possibilitou a reprodução da desigualdade. Parafraseando Lampedusa (2014), parece que as mudanças advindas das novas políticas sociais foram feitas para que tudo continuasse na mesma.
Fontoura (1959, p. 113) conceitua o Serviço Social como “o conjunto de técnicas que tem por objeto reajustar a personalidade humana, no sentido de seu pleno desenvolvimento físico, intelectual, moral e social, com o fim de tornar o homem mais feliz e proporcionar maior bem-estar à comunidade”. Já aí se pode observar a ausência da palavra método, tendo o Serviço Social apenas um conjunto de técnicas.
As definições sobre o assunto foram se aprimorando ao longo do tempo, mas a questão social é uma constante em relação ao objeto de estudo.
A questão social é definida como “o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que têm uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos se mantém privada, monopolizada por uma parte da sociedade” (Iamamoto,1999, p. 27).
A expressão questão social é eivada de subjetividade e, para tornar-se compreensível é preciso subdividi-la em suas objetivações ou expressões, a saber, pobreza, desemprego, analfabetismo, fome, favelização, violência, enfim, exclusão e vulnerabilidade social. São visíveis estas e muitas outras manifestações da questão social.
Tavares (2007, p. 113) afirma que apresentar “a questão social como resultante da contradição entre capital-trabalho é uma unanimidade discursiva que a realidade não comprova”. Os resultados de uma pesquisa de Ferreira (2010, apud Closs, 2015, p.263) com seis assistentes sociais mostraram que “[...] as assistentes sociais pesquisadas fazem uso da dimensão teórico-metodológica de modo frágil e inconsistente, há heterogeneidade de conceções acerca da questão social, possuem dificuldade de compreendê-la a partir de sua gênese comum (conflito capital-trabalho) e de sua dimensão contraditória (desigualdade-resistência). As entrevistadas têm um entendimento reducionista economicista da questão social, já que esta é reduzida à pobreza, o que impossibilita a apreensão do objeto profissional em sua totalidade. As profissionais recorrem às técnicas de intervenção de modo fragmentado da teoria e se apropriam do objeto institucional como se ele fosse o próprio objeto profissional. Além disso, reduzem o instrumental de trabalho aos instrumentos utilizados em suas intervenções” (Ferreira, 2010, p. 216, apud Closs, 2015, p. 263), o que corrobora o pensamento de Tavares (2007).
A sociedade vem passando por profundas transformações e alguns autores apontam para o surgimento de uma “nova questão social”, embora outros considerem que a questão continua a mesma, só que reconfigurada (Heindrich, 2006).
Ter como objeto a questão social ou a nova questão social passa a ser um obstáculo epistemológico, dada à dificuldade de compreensão do que seja a mesma (Ferreira, 2010) e dada à confusão quanto aos próprios sujeitos que formam a comunidade a ser estudada, os socialmente marginalizados, que corresponderiam ao proletariado na luta de classes concebida por Marx.
Para Marx e Engels (2010, p. 64) a luta de classes “não se trata de modificar a propriedade privada, mas de aniquilá-la, não se trata de camuflar as contradições de classe, mas de abolir as classes, não se trata de melhorar a sociedade vigente, mas de fundar uma nova”, com o aniquilamento da sociedade capitalista. Ou seja, a questão social não deve visar a luta de classes, porque o resultado da mesma não destruiria o tripé capital, trabalho e Estado, pois “a dominação do capital sobre o trabalho é de caráter fundamentalmente econômico, não político” (Mészáros, 2000, p. 576, grifo do autor). E o capitalismo sofre mutações e adaptações, pois é, “por natureza, uma forma ou método de transformação econômica e não tem caráter estacionário” (Schumpeter, 1961, p. 105).
Além disso, as lutas de classes e o marxismo são ideológicos e visões ideológicas legitimam, justificam, defendem ou mantém a ordem social (Löwi, 2003), o que vem copiando a ordem vigente, onde se procura manter os marginalizados sociais sob estrito controle e vigilância, reproduzindo a desigualdade por mecanismos institucionais. É necessária uma rutura no objeto e uma mudança para uma visão social utópica, que é crítica e subversiva e aponta para uma realidade ainda não existente (Löwi, 2003).
4. O Método da Pesquisa no Serviço Social
Por princípios éticos, foram omitidos os dados de identificação dos autores, os títulos dos artigos e os periódicos em que estão publicados. Na Figura 1, abaixo, estão os dados com os graus acadêmicos das autoras e seus países de origem.
Fonte: Dados da Pesquisa
Foram priorizados artigos em língua portuguesa, pois muitos dos artigos em língua inglesa não apontam para uma ideia original, apenas são escritos nessa língua pela pressão da Academia por internacionalização da ciência, levando ao que Ortiz (2008) chama de “provincianismo global”.
Apesar de tratarem sobre metodologia, nenhum dos artigos faz referência ao método de trabalho utilizado. São textos essencialmente descritivos, meramente didáticos, apesar de seis autoras serem doutoradas, uma doutoranda e apenas uma com mestrado em Serviço Social. A graduação/licenciatura de cinco dos autores é em Serviço Social e três não informam.
O artigo mais preocupante, em termos metodológicos, é o Artigo 5, que tem a finalidade de problematizar a relação necessária entre o método marxiano de investigação e o enfoque misto ou quanti-qualitativo. Pretende refletir sobre esse método enfatizando especialmente a relação entre quantidade e qualidade.
O método marxiano, depreende-se pelo texto, talvez seja o método utilizado por Marx para explicar a realidade e suas contradições no livro O Capital. Como nunca se encontrou um livro sobre metodologia do trabalho científico escrito por Karl Marx, a autora propõe explicar o tal método marxiano por meio de Lefebvre e de Hobsbawm. Tais autores são estudiosos da obra de Marx, não de quaisquer métodos por ele propostos.
Mas a autora insiste em tornar o texto confuso, informando que “a expressão do real se manifesta e se constitui por elementos quantitativos e qualitativos, particulares e universais, intrinsecamente relacionados”. Temos ainda que “em relação ao processo de conhecimento, o método marxiano pode ser caracterizado como dedutivo-indutivo”. Podemos considerar tal caracterização como um desafio a incomensurabilidade proposta por Kuhn (2005), na qual não se misturam padrões científicos e definições, diferentes em cada um dos métodos dedutivo e indutivo, pois ambos apresentam paradigmas que se opõem e não que se complementam. Como podemos passar das teorias aos fatos (dedução) e dos fatos à teoria (indução) simultaneamente?
A autora demonstra total desconhecimento das técnicas de coleta de dados, informando que um questionário com questões fechadas pode ter preocupação com aspetos qualitativos. Se existe algum consenso entre os investigadores que utilizam a abordagem qualitativa é que são basicamente três as técnicas de coleta de dados em pesquisa qualitativa: entrevista semi-estruturada, observação e análise documental (Bogdan & Biklen, 1994; Merriam, 1998; Richardson, 1999, Patton, 2002; Flick, 2004; Denzin & Lincoln, 2006; Minayo, 2007; Valles, 2007; Olabuénaga, 2012). Até mesmo Quivy e Campenhoudt (2005), autores com forte inclinação para abordagens quantitativas, excluem o questionário por inquérito da abordagem qualitativa.
Causa ainda maior incómodo a autora indicar que o aporte de variáveis quantitativas de natureza demográfica, como o número de alunos, as taxas de reprovação, entre outros dados, caracterizem o tipo de estudo como misto (quantitativo-qualitativo). Utilizar tabelas e dados estatísticos simplesmente descritivos não tipificam a pesquisa como quantitativa...
A autora prossegue afirmando que não se admite, em pesquisa social, a existência de métodos mistos. Quem não admite? Que autores dão respaldo a tal afirmação? São mais comuns do que a autora imagina as investigações em Ciências Sociais que utilizam uma abordagem quali-quantitativa.
O texto do Artigo 6 inicia com o elogio a um periódico que propôs um desafio a comunidade científica do Serviço Social a uma reflexão sobre a produção do conhecimento na pesquisa em Serviço Social. A seguir, a autora considera uma situação-armadilha a preponderância do debate sobre o método da pesquisa, atribuindo caráter secundário ao objeto e aos resultados e à direção social do conhecimento. Como o debate sobre o método pode ser uma situação-armadilha? Como se estuda o objeto, como se chega aos resultados e a qualquer direção sem a correta aplicação do método?
Na sequência, ou por desconhecimento do assunto ou por má-fé, autora escreve uma informação incompleta e errada: “Nesse contexto, a valoração da física protagonizada por Alan Sokal, físico da Universidade de Nova York, na ‘guerra das ciências, categorizou as ciências sociais como embustes metodológicos, jogos de palavras que através de raciocínios dedutivos forjariam pseudoconhecimentos ou pseudociências”. Importa salientar que Alan Sokal não consta nas referências bibliográficas do artigo.
A título de esclarecimento, Alan Sokal publicou em 1996, na revista de estudos culturais Social Text, o artigo “Transgredindo as fronteiras: em direção a uma hermenêutica transformativa da gravitação quântica”.
O artigo era propositalmente uma fraude, deliberadamente absurdo e sem qualquer nexo e desencadeou a chamada “guerra das ciências”. Após esse episódio, é publicado em 1997, por Sokal e Bricmont, o livro Imposturas Intelectuais.
Sokal e Bricmont fazem uma clara “crítica aos filósofos e cientistas sociais “pós-modernos” franceses, genericamente acusados do uso incorreto de teorias e conceitos das ciências físico-naturais” (Santos, 2008, p. 10). Alan Sokal não caracterizou em nenhum momento as ciências sociais como embustes metodológicos, foram criticados os cientistas pós-modernos como Lacan, Kristeva, Irigaray, Baudrillard, Deleuze e Guattari.
Encontramos também que “todo conhecimento é perene até que um novo conhecimento demonstre sua falência”. Essa ideia da autora possivelmente apoia-se na afirmação de que “o cientista não pode ter a ilusão de ter a posse da verdade irrefutável”. (Popper, 1972, p. 308), ou seja, “o crescimento do conhecimento implica substituição de teorias científicas por outras melhores ou mais satisfatórias” (Popper, 1982, p. 241). Ou até mesmo porque “as ciências sociais não podem estabelecer leis universais porque os fenômenos sociais são historicamente condicionados e culturalmente determinados” (Santos, 1988, p. 53).
O texto segue com alguns dados sobre linhas de pesquisa e projetos apoiados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), ou seja, são apresentadas apenas informações técnicas.
No artigo 4 temos que “a busca por referências teóricas apresenta o grande paradigma para os graduandos, mestrandos e doutorandos em Serviço Social preocupados com suas monografias, dissertações e teses”. Chama a essa situação “crise de paradigma”.
Mesmo Masterman (1970) apontando que Kuhn definiu a palavra paradigma de pelo menos 21 maneiras diferentes, em nenhuma delas se aproxima à conotação dada pelo autor. Na comunidade científica, regida pela ciência normal, o paradigma é referência obrigatória e hegemônica dentro de uma área de conhecimento (Kuhn, 2005).
Outra inconsistência, de menor monta, é a autora colocar “Marx apud Lukács, 1979, p.26)”, como se houvesse algum tipo de dificuldade em localizar alguma obra de Marx. O texto segue apresentando uma breve reflexão inteiramente didática sobre a dialética desde a Grécia antiga.
Os artigos 1, 2 e 3 não apresentam inconsistências metodológicas, mas os artigos 1 e 2 trazem alguns pontos interessantes. Estão bem escritos, mas não acrescentam contribuição ao acervo de conhecimento do Serviço Social. As informações neles contidas podem ser encontradas em qualquer livro sobre o assunto, ou seja, são artigos apenas didáticos.
O artigo 1 aponta que, em uma “análise das monografias de fim de curso da escola de Lisboa, os problemas sociais emergentes e as metodologias de intervenção em Serviço Social ainda não eram evidentes” (Ferreira, 2009).
Traz também informações importantes em relação às unidades curriculares de Serviço Social, ministradas por professores de outras áreas das ciências sociais. A interdisciplinaridade é um ponto significativo a considerar, desde que os profissionais tenham as competências necessárias para a área de estudo em questão.
As autoras defendem o pressuposto de que, se o Serviço Social não se reinventar nas vertentes axiológica, teórica, metodológica e prática pode ter seu fim como profissão e, consequentemente, como campo científico.
O artigo 2 traz uma citação sobre o Serviço Social de Netto (1999, p.102): “enquanto profissão, não dispõe de uma teoria própria, nem é uma ciência: isto não impede, entretanto, que seus profissionais realizem pesquisas, investigações etc. e produzam conhecimentos de natureza teórica, inseridos no âmbito das ciências sociais e humanas”.
A autora do artigo aponta que “embora não tendo atingido o patamar de “ciência”, o Serviço Social conseguiu se constituir como uma área de produção de conhecimento, inserida na grande área de Ciências Sociais Aplicadas (assim é identificada nas agências de fomento como CNPq, Capes e Fapesp), isto é, constrói conhecimento científico”.
Não é suficiente, como já perceberam as autoras do artigo 1. Se a área não alcançar o status de ciência, não se justificam cursos de graduação, mestrado e doutorado. O Serviço Social passará apenas a ser uma área técnica e é isso que, como investigadores, não podemos deixar acontecer.
5. Argumentações Finais
Em um ensaio teórico científico, o que se pretende é refletir sobre um tema, daí ser diferente da forma convencional de um artigo científico. Nossa orientação está não na busca de respostas, mas nas questões que podem levar a uma reflexão profunda do leitor, visto que os dados são insuficientes para apresentar conclusões. O ensaio “obriga a pensar a coisa, desde o primeiro passo, em tantos níveis distintos quantos nela existem, sendo assim um corretivo daquela rígida primitividade, que sempre se associa à ratio corrente” (Adorno, 1986, p. 179). Assim, não vamos nos ater a uma conclusão formal e sim a argumentações finais, onde diferentes autores darão consistência à nossa argumentação.
Em Ciências Sociais não é desejável construir produtos acabados e nem verdades definitivas, devemos “cultivar um processo de criatividade marcado pelo diálogo consciente com a realidade social” (Demo, 1995, p. 14), pois “não existe conhecimento científico acima ou fora da realidade” (Minayo, 2007, p.19).
O conjunto da tradição teórica das ciências sociais mantem ligações estreitas com o campo doxológico, que consiste no “campo do saber não sistematizado, da linguagem e das evidências da prática cotidiana [...]” (Bruyne, Herman & Schoutheete, 1977, p. 33), mas a prática científica começa somente após a rutura com o senso comum (Santos, 1989). Assim, uma das grandes dificuldades nesse campo é o “obstáculo epistemológico”, tendo em vista que o objeto de estudo do Serviço Social está perigosamente próximo ao senso comum, a vida prática é permeada pelo senso comum.
Para superar esse obstáculo, é necessária constante “vigilância epistemológica”, que consiste em identificar opiniões previamente construídas, combater o instinto conservativo e o narcisismo intelectual, além de procurar sempre manter o esforço de racionalidade (Bachelard, 1996).
De acordo com Santos (1989, p. 31), “o senso comum, o conhecimento vulgar, a sociologia espontânea, a experiência imediata, tudo isso são opiniões, formas de conhecimento falso com que é preciso romper para que se torne possível o conhecimento científico, racional e válido”.
Assim, a ciência se constrói contra o senso comum (Santos, 1989), sua atividade é questionar o senso comum (Popper, 1999) e o trabalho do cientista social é olhar a realidade com uma visão crítica, pois pesquisa é procurar, indagar e questionar o mundo que rodeia o pesquisador (Bourdieu, 1989).
Em relação à construção do conhecimento científico nas ciências sociais, Bruyne et al (1977) apontam que existem dois caminhos: um deles nasce nas ciências da natureza e prioriza a ‘objetivação’ do social, o que pode empobrecer o que se deseja conhecer. O outro nasce de uma abordagem ‘compreensiva’ e busca analisar o ‘objeto em seu núcleo, mas arrisca-se a perder a ideia de ciência. É entre esses dois caminhos que o campo do Serviço Social deve procurar novas trilhas para a construção do conhecimento na área. Essas trilhas devem ser construídas sobre o método, “meio pelo qual se alcança o conhecimento, uma vez que proporciona nunca tomar o falso por verdadeiro, uma vez que as regras sejam seguidas [...]” (Descartes, 1979, p. 80).
Um dos aspetos da vigilância epistemológica bachelardiana é combater o instinto conservativo. O instinto conservativo opta sempre pelo que “confirma seu saber àquilo que o contradiz, gosta mais de respostas do que de perguntas” (Bachelard, 1996, p. 19) e, “se não há perguntas, não pode haver conhecimento científico” (Bachelard, 1996, p. 18).
É possível que no campo do Serviço Social esteja havendo um predomínio do instinto conservativo em relação ao método marxiano, o que pode estar travando o seu desenvolvimento como ciência. Para combater o instinto conservativo, é preciso “colocar a cultura científica em estado de mobilização permanente, para substituir o saber fechado e estático por um conhecimento aberto e dinâmico, dialetizar todas as variáveis experimentais, oferecer enfim à razão razões para evoluir” (Bachelard, 1996, p. 24).