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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  n.195 Lisboa  2010

 

Gabrielle Poeschl e Jean Viaud (coords.), Images de la mondialisation. Construction sociale d’une representation, Rennes, Presses Universitaires de Rennes, 202 páginas.

 

José Alberto Vasconcelos Simões

FCSH, Universidade Nova de Lisboa

 

Seja com propósitos académicos, ideológicos ou informativos, temo-nos deparado, nas últimas décadas, com a proliferação de obras sobre as mais variadas dimensões da globalização ou, como denominam os autores francófonos, mundialização. O livro de que damos conta — Images de la mondialisation, organizado por Gabrielle Poeschl e Jean Viaud — constitui um contributo para esse extenso debate, reunindo as comunicações apresentadas num colóquio internacional realizado em Brest em Novembro de 2005.

As imagens da mundialização aqui reunidas referem-se tanto a concepções de especialistas de diferentes áreas (sobretudo da psicologia social, mas igualmente da economia e do direito) como a representações sociais do cidadão comum sobre a globalização. Trata-se, neste último caso, de interpretações e análises de especialistas sobre as representações que a globalização tem suscitado junto desse mesmo cidadão comum, sublinhando desta forma uma das dimensões cruciais do processo em curso: a reflexividade. Com efeito, a possibilidade de concretizar diferentes formas de mobilidade e de gerar os mais variados tipos de fluxos é acompanhada pela percepção dessa possibilidade, constituindo esta, em última análise, uma parte integrante da própria globalização. Como nota Jean Viaud, “a partir do momento em que a questão da mundialização é deslocada do universo da investigação para o senso comum, a única questão […] é a de saber como o senso comum concebe a mundialização e de que modo o faz” (p. 120). E qual a especificidade do senso comum? “O senso comum”, continua, “procede criando representações, quer dizer, reconstrói o saber que lhe é acessível e que recebe ou procura, transformando-o num saber sui generis, nem decalcado do discurso dos especialistas ou cientistas, nem produto adulterado desses mesmos discursos” (p. 120).

O livro encontra-se dividido em três partes. Nas duas primeiras partes procura-se definir e enquadrar teoricamente a globalização, na terceira parte apresentam-se casos empíricos em torno das representações sociais que a mesma suscita.

Das primeiras aproximações ao tema (“Autour de la mondialistion”) a incursões teóricas mais específicas (“Mondialisation: quelques perspectives”), ensaia-se, nas duas primeiras partes da obra, uma discussão sistemática do processo de globalização. Apesar da intenção de enquadrar genericamente o tema, as abordagens apresentadas seguem uma perspectiva centrada predominantemente nas consequências económicas da globalização. Com efeito, mal-grado a prevalência, no conjunto da obra, de autores da área da psicologia social, as perspectivas teóricas discutidas na segunda parte são, sobretudo, provenientes da economia, mesmo que alguns autores as enquadrem num debate amplo e não ignorem outras dimensões (v., por exemplo, capítulo 3). Será apenas na terceira parte, centrada na análise dos resultados empíricos da investigação internacional de que o colóquio dá conta, que a perspectiva psicológica se torna manifesta.

A primeira parte inicia-se com a digressão de Michèle Bompard-Porte em torno dos vocábulos “mundialização” e “globalização”, traçando uma genealogia difusa de cada um dos termos, cuja ambiguidade nos coloca perante os seus próprios limites conceptuais. Mais do que resolver os problemas que levanta, pretende enunciá-los.

O segundo capítulo examina a relação entre o carácter universal da declaração dos direitos humanos e a sua apropriação comunitária em diferentes contextos sócio-históricos. O que daqui perpassa é, justamente, a tensão entre o carácter singular, particularizado, dos direitos humanos sob forma “comunitária”, associados a identidades colectivas marcadas pela pertença a grupos culturais, religiosos, linguísticos ou nacionais, e o carácter universal e abstracto da declaração dos direitos humanos, que por essa mesma razão transcende essas formas de pertença.

O capítulo 3 dá-nos conta das transformações operadas na esfera económica. Mais especificamente, Hélène Blanc descreve a forma como as relações económicas deixaram de se estabelecer a nível internacional para passarem a erigir-se a nível mundial. A modificação semântica introduz igualmente alterações substantivas: no primeiro caso estaríamos perante a alçada dos estados-nações envolvidos nas trocas comerciais e financeiras; no segundo caso, os primeiros teriam perdido a sua proeminência. O exame crítico das teorias da globalização económica serve, sobretudo, para apontar os seus limites, assentes numa concepção (neo)liberal e aparentemente irreversível dos processos económicos em curso.

Léon e Sauvin desenvolvem igualmente, ao longo do capítulo 4, uma discussão teórica em torno das limitações apresentadas tanto pelas teorias económicas que enfatizam as vantagens do estado neoliberal como pelas teorias que advogam a necessidade de preservar as especificidades económicas locais. Como referem, se, por um lado, o sistema económico global produz homogeneidade (ao nível de normas e convenções), cria, por outro lado, desordem e heterogeneidade.

O capítulo 5 foge à regra dos restantes capítulos desta parte por propor um exame que se situa entre o teórico e o empírico. Anne Choquet discute o modo como as leis nacionais são, de certo modo, contornadas pelas regras de funcionamento de organizações transnacionais, como no caso da FIFA, onde a naturalização dos jogadores subverte as regras do direito nacional.

A terceira parte abre com o capítulo de David Leiser sobre as representações da globalização por parte dos habitantes de Israel. As tensões entre o global e o local, aqui representado pelo estado de Israel, são evidentes a diferentes níveis, revelando a ambivalência dos discursos, que tanto enaltecem os aspectos positivos do processo como apontam vários aspectos negativos em diferentes áreas temáticas.

A partir do capítulo 7 e até ao final da obra os textos apresentados versam uma temática unificadora: dão conta de aspectos específicos dos resultados provenientes do mesmo estudo realizado em cinco países (Brasil, França, México, Portugal e Tunísia). Na verdade, os vários capítulos referem-se a duas recolhas, uma realizada em 2003, outra em 2005, que correspondem a duas fases distintas do mesmo estudo. A amostra obtida é composta por “estudantes” e por “activos” e elaborada de forma intencional em 6 cidades (Aix-en-Provence, Brest, Goiás, México, Porto e Tunes). Cada capítulo tanto pode ser lido de forma autónoma como complementar, na medida em que parte da mesma base empírica e partilha um enquadramento teórico semelhante, embora enfatize aspectos particulares dos dados recolhidos, recorrendo a técnicas de análise e enfoques um pouco distintos.

Jean-Claude Abric introduz o estudo, no capítulo 7, começando por sublinhar a filiação teórica de uma abordagem psicossociológica da globalização que, como nota, pretende debruçar-se não sobre a opinião dos especialistas, mas sobre o senso comum. O estudo propriamente dito será apresentado nos capítulos subsequentes.

Gabrielle Poeschl (capítulo 8) pretende identificar os factores que se encontram na origem das variações das representações sobre a mundialização. Para esse efeito, parte de diferentes níveis de ancoragem das representações, articulando a forma como estas são modeladas pela inserção social dos indivíduos, as variações interindividuais e as variações representacionais que se devem à forma como os indivíduos representam as relações entre grupos ou categorias sociais. O recurso à técnica dos clusters revelou-se interessante, embora se encontre comprometido, até certo ponto, pelo modo como a amostra foi seleccionada.

A proposta de Jean Viaud (capítulo 9) parece situar-se entre a reivindicação do contributo pioneiro da psicologia social de Moscovici e a perspectiva mais “sociológica” de Doise, atribuindo particular atenção, neste último caso, à relação entre as representações sociais forjadas pelo senso comum e a inserção social dos indivíduos. Para além de uma leitura geral, o autor fornece-nos uma análise temática da forma como os discursos evocam a globalização. Por um lado, identificando as classes temáticas através das quais é possível organizar os discursos. Por outro lado, relacionando essas classes com as posições dos indivíduos.

Segundo Dorra Ben Alaya (capítulo 10), as representações parecem variar de acordo com o nível de conhecimento e a sua difusão através dos grupos sociais, tributária da educação, do contexto económico e dos meios de informação disponíveis. A autora defende, seguindo a proposta de Guimelli, que qualquer representação é uma estrutura hierarquizada, constituída por um “sistema central” e por um “sistema periférico”. Apresenta um conjunto de índices através dos quais se propõe medir a estabilidade quer do conteúdo, quer da estrutura de uma representação.

Guimelli e Abric (capítulo 11) abordam, por um lado, a implicação dos indivíduos na construção de uma representação social e, por outro lado, a sua organização interna. Pretendem identificar o laço (subjectivo) que liga o sujeito a uma determinada representação social, considerando três dimensões de implicação: identificação pessoal, valorização do objecto e possibilidade de acção. A análise factorial das componentes principais utilizada traduz justamente as anteriores dimensões.

No último capítulo, Ribeiro e Poeschl concentram-se unicamente na amostra relativa a Portugal a partir do estudo realizado em 2005. O questionário de base é o mesmo, embora tenham acrescentado questões relativas à “crença num mundo justo”. Pretendem perceber qual o impacto da crença num mundo justo na representação sobre a mundialização.

Faltará, porventura, uma reflexão teórica integrada sobre as várias perspectivas abordadas ao longo dos diferentes capítulos. Talvez esta ausência seja notória por os capítulos enquadradores do livro estarem a cargo de autores provenientes de áreas de alguma forma “deslocadas” (direito, economia) e não da área que motivou a discussão e o material empírico recolhido (psicologia social). Em todo o caso, não só é possível encontrar algumas discussões com um alcance mais geral nos capítulos provenientes de áreas não psicológicas, como os capítulos que apresentam de forma sistemática diferentes dimensões empíricas do estudo realizado acabam por enquadrar teoricamente, cada um à sua maneira, o tema. Feito o balanço geral, a presente obra constitui um contributo importante para o amplo debate sobre a globalização, sobretudo pelo material empírico analisado e por privilegiar (e debruçar-se sobre) o senso comum enquanto matéria-prima e pretexto para pensar a configuração do processo de globalização ou, para sermos fiéis aos próprios autores, mundialização.

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