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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.229 Lisboa dez. 2018

https://doi.org/10.31447/as00032573.2018229.05 

ARTIGOS

O que fazer face à crise? Representações sociais da disposição para agir

What to do in the face of crisis? Social representations of the willingness to take action.

Joaquim Pires Valentim*, Gabrielle Poeschl**, Teresa Forte***

* Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra. Rua do Colégio Novo - 3000-115 Coimbra, Portugal. jpvalentim@fpce.uc.pt

** Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto, Rua Alfredo Allen - 4200-135 Porto, Portugal. gpoeschl@fpce.up.pt

*** Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra, Rua do Colégio Novo - 3000-115 Coimbra, Portugal.


 

RESUMO

Adotando o quadro teórico das representações sociais, analisam-se as variações e a ancoragem da disposição para agir face às medidas de austeridade no âmbito da recente crise económica, com base nas respostas de 453 participantes portugueses a um questionário. Os resultados mostram três tipos de posições: nada fazer, resistência económica e participação cívica. A discussão centra-se na constatação de que as diferenças entre a intenção de agir e não agir se encontram associadas a variáveis ideológico-políticas (atribuição de responsabilidade pela crise, representações da União Europeia e posição política) ou pessoais (sentimentos), mas não à situação económica dos participantes, o que poderá dever-se ao facto de se tratar de uma amostra composta apenas por estudantes.

Palavras-chave: representações sociais; psicologia social da crise; disposição para agir; reações à austeridade.


 

ABSTRACT

Drawing on representations theory and the responses to a questionnaire from 453 Portuguese participants, we analyzed the variations and anchoring of the willingness to act against the austerity measures in the context of the recent economic crisis. The results reveal three main positions: doing nothing, economic resistance, and civic participation. The discussion is focused on the finding that the differences between the inclination for action or lack thereof are associated with ideological-political variables (attribution of responsibility for the crisis, representations of the European Union and political orientation), and personal variables (feelings), but not with respondents’ economic situation, which may be due to the fact that our sample is composed exclusively of students.

Keywords: social representations; social psychology of the crisis; willingness to act; reactions to austerity.


 

Introdução

A crise em Portugal provocou modificações profundas na sociedade portuguesa, sobretudo a partir da aprovação do pedido de assistência financeira em maio de 2011 num acordo consagrado no Memorando de Entendimento entre o Governo de Portugal e a troika - Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional. Este programa implicou a adoção de um plano de austeridade severo que foi aplicado intensivamente pelo governo de coligação de direita eleito em junho de 2011, após a queda do governo socialista. Mas não começaram aí as políticas de austeridade. Tendo como antecedente mais imediato a crise financeira de 2008, elas iniciaram-se ainda em 2010 com as sucessivas versões do Programa de Estabilidade e Crescimento, ainda durante a vigência do governo socialista (Costa e Caldas, 2013).

Alguns indicadores dão bem conta das profundas mudanças socioeconómicas que, em tão pouco tempo, ocorreram na sociedade portuguesa.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (2014a), o total da população empregada em idade ativa (dos 15 aos 64 anos) passou de cerca de 5,2 milhões em 2008 - o início da crise financeira mundial - para 4,5 milhões em 2013. Apenas entre o 2.º trimestre de 2010 e o 1.º trimestre de 2013, registou-se um aumento de 60% no número total de desempregados e de 107% no número de jovens desempregados entre os 21 e os 24 anos (Costa e Caldas, 2013). Como dizem estes autores (Costa e Caldas, 2013, p. 102), “os números do desemprego só não são ainda mais avassaladores porque em 2011, segundo o INE, emigraram (…) mais de 100 mil pessoas (…) e em 2012 mais de 120 mil (…). Para encontrar números semelhantes a estes é preciso recuar quase cinquenta anos ao pico da emigração da década de 1960”.

Em paralelo, verificaram-se aumentos do Imposto de Valor Acrescentado, dos preços da água, saúde e energia, a par com uma redução das prestações sociais, em especial, uma redução da elegibilidade (Hespanha, Ferreira e Pacheco, 2013) e da taxa de cobertura das prestações sociais de desemprego, que caiu de cerca de 60 % (março de 2010) para 40 % (março de 2013) (Costa e Caldas, 2013, com base nas Estatísticas da Segurança Social).

Em 2013, 19.5 % da população portuguesa encontrava-se em risco de pobreza e/ou exclusão social (face aos 18.7 % em 2012). Em simultâneo, as desigualdades de rendimento (índice de Gini) aumentaram em 2011, 2012 e 2013 (INE 2014b; Costa e Caldas, 2013, com base nos dados do Eurostat; Hespanha, Ferreira e Pacheco, 2013).

Embora escassos e parcelares, julgamos que estes indicadores, por si só, permitem uma apreensão genérica do panorama sombrio e da magnitude das transformações sociais e económicas que decorreram na sociedade portuguesa.

A falta de participação portuguesa

Ora, neste cenário, um dos aspetos que, desde o início desta crise, foi assinalado nas considerações sobre a sociedade portuguesa foi a falta de ação face à crise, ou até mesmo a resignação e o conformismo dos cidadãos portugueses (cf., por exemplo, Público, 03-12-2010). No senso comum e nalguns discursos mediáticos e políticos, esta falta de envolvimento em ações coletivas contra a crise esteve na origem de uma leitura dupla. Por um lado, a falta de ação foi vista como sabedoria, senão mesmo uma expiação, ou punição moral, decorrente da culpa por um excesso que se traduziu no “viver acima das suas possibilidades” (cf., por exemplo, Jornal de Notícias, 06-05-2011). Havendo que pagar esse preço, não se justificariam ações de protesto. Essa “sabedoria” poderá até estar subjacente à crença segundo a qual medidas de proteção financeira individual são mais eficazes do que a resistência política ou económica às medidas governamentais e do que a violência (Poeschl et al., 2017). Por outro lado, a falta de ação foi vista com uma certa incompreensão ou até desencanto face ao que podia ser feito, e não foi feito para combater e evitar as dificuldades decorrentes das políticas de austeridade adotadas, em especial o aumento da pobreza, o agravamento das desigualdades sociais e a erosão do Estado providência.

Esta leitura dual é, obviamente, esquemática e talvez até demasiado simplificadora. Ainda que a mobilização em Portugal tenha sido mais esporádica e com desenvolvimentos institucionais distintos dos que houve na Grécia (com o “Syriza”) ou na Espanha (com o “Podemos”), nesse período não deixaram de se registar muitas e, em certos casos, muito participadas ações de protesto. Os efeitos destas ações nem sempre podem ser considerados nulos em termos de eficácia (designadamente aquando do recuo das propostas governamentais sobre a Taxa Social Única, na sequência das manifestações em 15 de setembro de 2012). A par das ações de partidos políticos, sindicatos e centrais sindicais - cuja importância, por vezes, tem sido subestimada (Accornero e Pinto, 2015) -, verificou-se o nascimento de “novos novos” movimentos sociais como o “Que se lixe a Troika”, a APRE (Associação de Pensionistas, Reformados e Aposentados), o FERVE (Fartas/os d’Estes Recibos Verdes) e de outros que também se mobilizaram ativamente contra as políticas de austeridade e as suas consequências (Lima e Artiles, 2014; Soeiro, 2014). Estanque, Costa e Sequeiro (2013) defendem que, depois da centralidade das questões pós-materiais dos novos movimentos sociais dos anos 60 (Touraine, 2005; Wieviorka, 2002), estamos agora perante “um retorno das preocupações materialistas, particularmente relacionadas com o trabalho e o emprego, que passam para o topo dos temas e da causa da indignação das pessoas” (p. 33). A este respeito, é de reter o argumento de Inglehart (1981) e Inglehart e Abramson (1994), segundo o qual após a passagem para valores mais pós-materialistas, fruto do crescimento económico continuado, será de esperar um retorno a valores mais materialistas em épocas de recessão.

Todavia, mesmo admitindo que aquela leitura dualista do senso comum não traduz a complexidade das formas de ação coletiva que se desenvolveram em Portugal desde o início do programa de intervenção da troika, e que até assistimos durante esse período ao despertar de uma nova consciência cívica por parte de muitos cidadãos em Portugal, julgamos que não é difícil constatar a generalizada descrição da situação na sociedade portuguesa como de baixa participação em ações coletivas face à crise.

A este respeito parece-nos elucidativa a comparação que, de uma forma ou de outra, recorrentemente tem sido feita com a situação na Grécia. É nesses termos que, não raramente, é colocada a questão da (suposta ou real) baixa participação dos cidadãos portugueses em ações face à crise e, em especial, a ausência de protestos violentos face à progressiva dureza das medidas de austeridade. A ideia de que isso se deve a fatores de ordem cultural, aos “brandos costumes” enraizados na sociedade portuguesa ou ao “carácter português”, é amiúde invocada como um impedimento à revolta, naquilo que seria uma prova da sabedoria de um povo que não embarca nesse tipo de ações, ao contrário do que fazem, por exemplo, os cidadãos gregos. Este contraste poderá não ser alheio a uma estratégia coletiva de criatividade social, no sentido de Tajfel, que se caracteriza pela mudança de exogrupo que serve de termo de comparação, de forma a favorecer o endogrupo (Tajfel e Turner, 2001 [1979]; Valentim, 2008). No caso, a mudança passaria de grupos nacionais do Centro e do Norte da Europa como termo de referência, como acontecia outrora com a descrição de Portugal como o “bom aluno europeu”, para um outro grupo nacional (os gregos) cuja comparação traria benefícios em termos de identidade social aos portugueses. Que esta procura de diferenciação não traduz um pensamento homogéneo, mostra-o bem a expansão das diferentes expressões dos protestos que, a partir de fevereiro de 2012, decorreram sob o lema “somos todos gregos”.

Mas aquele distanciamento em relação à Grécia, com supostos ganhos identitários, não se inscreve numa tábua rasa sociológica. De facto, este não é um elemento novo em termos de dados empíricos disponíveis. Já há mais de uma década Cabral (2000, p. 156), com base nos dados nacionais do inquérito International Social Survey Programme-97, assinalava “os débeis níveis de exercício de cidadania política encontrados” em Portugal. Também no European Social Survey a baixa participação cívica aparece como uma das marcas diferenciadoras da sociedade portuguesa. E é de assinalar que, mesmo no interior do grupo dos países com baixa participação, Portugal não se enquadra no subgrupo dos que apresentam baixa participação associativa e voluntária, a par com uma elevada participação política, onde se incluem Chipre, Espanha, Grécia e Itália. De facto, nessa matéria, “Portugal encontra-se fora do cluster que agrega os países do Sul da Europa para integrar um outro cluster que inclui a Roménia, a Eslováquia, a Polónia e Malta, em que é geral o baixo nível de todos os tipos de participação com exceção da participação religiosa” (Hespanha, Ferreira e Pacheco, 2013, p. 239; Viegas, Teixeira e Amador, 2015).

É neste quadro genérico que o trabalho que apresentamos tem como finalidade estudar as representações sociais de cidadãos portugueses - mais especificamente de estudantes universitários portugueses - relativamente à intenção de agir face à crise.

A crise enquanto representação social

Do nosso ponto de vista, os estudos sobre a crise e sobre o que fazer face à crise, a par com abordagens de outras disciplinas e de outros paradigmas, ganham em ser também equacionados nas suas formas de expressão no pensamento quotidiano ou no senso comum em “sociedades pensantes” (Moscovici, 2001, p. 12), isto é, enquanto representações sociais (Moscovici, 1961, 1986, 2001).

Os discursos sobre a crise estiveram omnipresentes na televisão, na rádio, em jornais e blogues, e preencheram abundantemente os espaços de discussão organizados (debates, conferências, seminários) e as conversas informais entre colegas, familiares e amigos, constituindo-se como um caso paradigmático de representação social. Essa circulação de ideias foi marcada pela esmagadora ocupação do espaço informativo e de opinião por discursos científicos da economia que não são meramente descritivos, mas também explicativos das causas e prescritivos das ações que deveriam ser feitas, extravasando em muito a esfera económica.

Mas a adoção do paradigma das representações sociais no estudo da crise não se resume à aceção “particular” (Billig, 1988) das investigações em representações sociais que procuram estudar a passagem da ciência ao senso comum. De facto, esses efeitos da presença da crise na comunicação social não se limitam a uma disseminação no senso comum de uma série de conceitos provenientes da economia (ou de uma certa visão económica do mundo). Enquanto epistemologias do senso comum, caracterizadas por um critério de pragmatismo, as representações sociais da crise procuram conferir sentido à realidade e ser um “guia para a ação” (Abric, 2001b) permitindo, entre outras funções, orientar e legitimar comportamentos, bem como justificar relações entre grupos (Poeschl, 2003).

A isso acresce que, no caso desta crise, não se trata apenas da apreensão pelo senso comum de um conceito abstrato, mais ou menos distante ou neutro. A crise passou a fazer parte da vida das pessoas. Pensar sobre a crise, e sobre o que fazer, tornou-se quase uma constante do quotidiano, algo central na vida concreta das pessoas, cujas consequências elas sentiam diariamente e com as quais tinham de lidar. Daí decorre a quase impossibilidade de ficar alheio ou de ser indiferente ao pensamento sobre a crise, e a quase inevitabilidade de, mais cedo ou mais tarde, procurar diferentes explicações possíveis e se posicionar nesse campo de compreensão comum sobre o que é a crise e o que fazer face à crise. Ou seja, trata-se de um caso de elevado grau de proximidade ao objeto social (ou de menor “distância ao objeto”) cujo papel na estruturação de representações sociais tem vindo a ser demonstrado em diferentes domínios (Abric, 2001a; Miguel, Valentim e Carugati, 2012, 2016).

Parecendo-nos que se trata claramente de um terreno de eleição para o estudo de representações sociais, um ponto importante a ter em conta é que as pesquisas nesse domínio não se podem limitar a um mero registo ou inventariação de saberes comuns num determinado grupo social (Doise, Clémence e Lorenzi-Cioldi, 1992; Valentim, 2013, 2016), neste caso sobre a crise e as formas de lhe fazer face. De facto, as pesquisas sobre representações sociais devem estudar também as modulações desses saberes comuns “em função da sua imbricação específica num sistema de regulações simbólicas” (Doise, Cleménce e Lorenzi-Cioldi, 1992, p. 15).

O quadro teórico que seguimos aqui, adotado no âmbito de uma pesquisa conjunta feita na Grécia, França, Itália e Portugal sobre a análise psicossocial da crise económica e financeira (cf. o número especial da International Review of Social Psychology, 2017), baseia-se na abordagem que foi proposta por Doise e colaboradores (Doise, 1990, 1992; Doise, Cleménce e Lorenzi-Cioldi, 1992; Clémence, 2001, 2003). Esta abordagem assenta em três pressupostos ou etapas: (1) procura de um campo comum de significados, o que tem sido designado como o estudo da objetivação de uma representação social; (2) procura dos princípios organizadores da variação das posições individuais, na medida em que a existência de um campo comum ou “mapa mental” partilhado não implica que haja necessariamente um consenso ou entendimento homogéneo sobre o objeto em questão; (3) análise da ancoragem desses princípios organizadores noutras variáveis.

Assim, num outro trabalho (Poeschl, Valentim e Silva, 2015), apresentámos o estudo da objetivação das representações sociais da crise. Neste artigo, centrámo-nos no estudo dos princípios organizadores e da ancoragem das representações sociais das ações face à crise. Mais precisamente, procurámos explorar a existência de diferenças na disposição para agir associadas a três tipos de variáveis: ideológico-política, rendimento e pessoais. No primeiro caso, incluímos as interpretações que as pessoas fazem acerca dos fatores ou entidades responsáveis pela crise. Ou seja, partimos do princípio de que as causas que atribuem à crise podem ser um fator de diferenciação na intenção para agir face à crise. Por outro lado, na medida em que os debates sobre a União Europeia (ue) têm sido, desde o início, centrais nas discussões sobre a crise - nomeadamente o tipo de relações entre países e a solidariedade na ue - considerámos também, no conjunto de variáveis ideológico-políticas, as conceções das pessoas sobre a Europa, designadamente as suas conceções sobre as relações de Portugal com a ue e sobre aquilo que consideram ser uma justa distribuição dos recursos na ue. Por último, incluímos nesse conjunto de variáveis a posição política dos participantes, que se tem mostrado relevante quer em termos da perceção de eficácia das ações contra a crise (Poeschl et al., 2017), quer em termos de intenção em participar nessas ações (Mari et al., 2017). Quanto ao rendimento, no estudo de Chryssochoou, Papastamou e Prodromitis (2013) apareceu associado à intenção de agir, mas o mesmo não se verificou no estudo de Lemoine et al. (2016) e de Poeschl, Valentim e Silva (2015). Por isso, analisámos também aqui o papel das variáveis de rendimento, considerando quer o rendimento real, quer a perceção da sua perda pessoal no tempo (comparando com o passado recente) e em termos de comparação económica com os outros indivíduos da sociedade portuguesa. Por último, nas variáveis pessoais considerámos o papel que duas variáveis podem ter na diferenciação de disposições para agir face à crise: (1) a auto-identificação ao grupo que se encontra sob a dureza da crise, neste caso a identificação nacional; (2) os sentimentos dos indivíduos (Chryssochoou, Papastamou e Prodromitis 2013).

Procurámos responder a três questões:

(1) Quais as variações de tomadas de posição individual ou os princípios organizadores das posições individuais sobre a participação em ações face à crise? Ou seja, como se estruturam as perceções sobre as possíveis ações que as pessoas estão dispostas a fazer?

(2) Tendo em conta essas respostas, é possível agrupar as pessoas em função da intenção que expressam relativamente às ações face à crise? Se sim, como? Que tipologia se obtém?

(3) A que se encontram associadas essas diferentes disposições para agir? Caso seja possível classificar as disposições para agir contra a crise, a que se encontram associados esses tipos ou classes e como se distinguem entre si em relação a variáveis de ancoragem ligadas a dimensões político-ideológicas, de rendimento e pessoais.

METODOLOGIA

Participantes

Participaram neste estudo 453 estudantes da Universidade de Coimbra (54.3 %), da Universidade do Porto (38 %) e da Universidade Católica do Porto (6.4 %) (1.3 % não indicaram a instituição onde estudavam), com idades compreendidas entre os 17 e os 60 anos (m= 20.2 anos; dp= 4.64; mediana = 19), sendo 395 mulheres (87.2 %) e 58 homens (12.8 %). 2,0 % não indicaram o curso que frequentavam e os restantes frequentavam os cursos de Mestrado Integrado em Psicologia (63.8 %), Licenciatura em Ciências da Educação (22.1 %), Licenciatura da Escola das Artes da Universidade Católica do Porto (6.4 %), Licenciatura em Serviço Social (5.5 %), e Mestrado em Ciências da Educação (0.2 %).

Medidas e procedimento

Numa primeira fase, procedeu-se à tradução e retroversão do questionário original elaborado no âmbito da pesquisa internacional atrás referida (cf. o número especial da International Review of Social Psychology, 2017); parte deste questionário foi também usado por Chryssochoou, Papastamou e Prodromitis (2013), Poeschl, Valentim e Silva (2015) e por Poeschl et al. (2017). Os investigadores recolheram os dados, de forma coletiva, em sala de aula durante o mês de dezembro de 2011.

Apresentamos de seguida as variáveis que foram analisadas neste estudo.

Participação em ações face à crise - solicitou-se aos participantes que indicassem em que medida (1 = nada; 7 = muito) estariam dispostos a participar em cada uma de 32 ações contra as medidas implementadas no âmbito da crise (cf. Quadro 1 para a lista dos itens retidos).

 

 

 

Responsáveis pela crise em Portugal - os participantes indicaram até que ponto (1 = nada; 7 = muito) consideram diferentes entidades ou fatores como responsáveis pela crise em Portugal (cf. Quadro 3 para a lista dos itens).

 

 

Perceção das relações entre Portugal e a ue - pediu-se aos respondentes para selecionarem um ponto entre 1 e 8 para caracterizarem a relação entre Portugal e a ue em sete escalas bipolares (cf. Quadro 4 para a lista dos itens retidos na análise).

 

 

Conceções da justa distribuição dos recursos na ue - os participantes indicaram a sua opinião (1 = discordo totalmente; 7 = concordo totalmente) acerca da justa distribuição dos recursos na ue através de três itens relativos às três regras de justiça distributiva (equidade, igualdade e necessidade) consensualmente consideradas na psicologia social (Deutsch, 1985; Valentim e Helkama, 2011): “Proporcionalmente à contribuição de cada Estado-membro”; “De forma igual para todos os Estados-membros” e “De acordo com as necessidades de cada Estado-membro”.Comparação económica - os participantes avaliaram a sua situação económica (1 = muito pior; 7 = muito melhor) por meio de dois itens: em comparação com outras pessoas na sociedade portuguesa” e em “comparação com há um ano atrás”.

Identificação nacional - os respondentes indicaram o seu grau de identificação nacional (1 = nada; 7 = muito) através de seis itens (cf. Quadro 5 para a lista desses itens).

 

 

Sentimentos - os respondentes indicaram a frequência (1 = nunca; 7 = sempre) de diferentes sentimentos (12 itens; cf. Quadro 6) nas últimas quatro semanas, incluindo os sete itens da subescala “General Health Questionnaire” usados por Chryssochoou, Papastamou e Prodromitis (2013).

 

 

Orientação política - os participantes indicaram a sua orientação política numa escala de 1 a 10 (1 = esquerda; 10 = direita) com a possibilidade de responderem “não me posiciono nesta escala”.

Rendimento - os participantes indicaram, em euros, o rendimento bruto (ilíquido) mensal atual da sua família: “abaixo dos 485”, “486-777”, “778-1000”, “1001-1500”, “1501-2000”, “2001-4165” e “acima dos 4165”. Os valores destas categorias foram decididos tendo em conta que o valor do salário mínimo foi de 485 € a partir de 1 de janeiro de 2011 e que os cortes salariais introduzidos a 1 de janeiro do mesmo ano se efetuaram a partir dos 1500 € (3.5 %) com uma redução progressiva (de 3.8 % a 9.98 %) dos salários entre 2000 € e 4165 € e uma redução uniforme (10 %) a partir de 4200 €.

RESULTADOS

Disposição para participar em ações face à crise

Os 32 itens sobre a disponibilidade para participar em ações face à crise foram submetidos a uma análise fatorial em componentes principais com rotação varimax. A adoção do critério do valor próprio maior que um, que utilizaremos nas análises seguintes e que foi também seguido por Chryssochoou, Papastamou e Prodromitis (2013), revelou aqui vários problemas psicométricos, em especial itens com saturações elevadas (> .40) em mais de um fator e baixa consistência interna. A persistência deste tipo de problemas, mesmo retirando os itens em causa, levou-nos a optar por uma solução com três fatores: uma dimensão de participação cívica nas suas formas “clássicas” (fazer greve, participar em manifestações, partidos políticos ou sindicatos), outra de ação violenta e uma outra dimensão caracterizada por práticas de natureza mais individualista de proteção da segurança económica ou de resistência económica. Uma vez retirados os itens com saturação inferior a .50, a solução obtida com os três fatores, que, em conjunto, explicam 57.07 % da variância total (cf. Quadro 1), mostra-se clara em termos conceptuais e robusta em termos psicométricos: participação cívica (9 itens, α =  .91), práticas de violência (9 itens, α = .87) e resistência económica (6 itens, α = .82).

A primeira análise, meramente descritiva, sobre a disposição para participar em ações permite constatar os baixos valores médios na generalidade dos indicadores, sendo de assinalar o repúdio pelas expressões violentas dos protestos contra a crise e que “emigrar para um país próspero” é o único item com média de resposta acima do ponto médio da escala (4), sendo essa diferença estatisticamente significativa: t (452) = 5.45, p< .001.

Depois de agregar os itens agrupados pelos três fatores extraídos, verifica-se que as médias das três dimensões se encontram abaixo do ponto médio (4), sendo essas diferenças estatisticamente significativas: participação cívica: m = 3.12, dp= 1.61, t (452) = 11.63, p < .001; violência: m= 1.35, dp= .72, t (452) = 78.47, p< .001; resistência económica: m= 3.26, dp= 1.48, t (452) = 10.63, p < .001.

Observa-se também que, de forma geral, os respondentes são menos relutantes a adotar práticas de natureza mais individualista de resistência económica e a participar em ações de natureza cívica do que a participar em ações violentas, f (2,904) = 480.82, p < .001, ambas diferenças significativas de acordo com o teste lsd para comparações múltiplas, p < .001.

Posicionamentos

Para encontrar diferentes tipos de posicionamento relativamente à disposição para participar em ações face à crise, realizou-se uma análise de clusters não hierárquica (K-Means clusters) utilizando a média dos respondentes nas três dimensões obtidas. Foi retida uma solução com três grupos de participantes, cujos resultados constam do quadro 2.

Os três grupos distinguem-se claramente quanto às suas posições naquelas variáveis. Os indivíduos do grupo 1 caracterizam-se pela sua disposição para ações de resistência económica. É o grupo que apresenta a média mais elevada (estatisticamente superior à dos outros dois grupos) nessa variável, sendo este valor superior ao ponto médio da escala (4): t (111) = 13.18, p< .001. O grupo 2 é aquele que apresenta valores mais baixos em todas as dimensões e todos eles inferiores ao ponto médio da escala: t (223) = 42.41, p< .001 em participação cívica; t (223) = 132.58, p< .001 em violência e t (223) = 31.12, p< .001 em resistência económica. Ou seja, é composto fundamentalmente por indivíduos que não se mostram dispostos a qualquer tipo de ação face à crise, isto é, que têm intenção de nada fazer. O grupo 3 é o que apresenta o valor mais elevado (estatisticamente superior ao dos outros dois grupos) na disposição para a participação cívica, valor também estatisticamente superior ao ponto médio da escala: t (116) = 10.71, p < .001. Ou seja, em termos de disposição para agir face à crise, o grupo 1 caracteriza-se pelas práticas de resistência económica, o grupo 2 por nada pretender fazer e o grupo 3 pela participação cívica.

Numa leitura a posteriori dos clusters obtidos, é de assinalar a proximidade da tipologia que obtivemos com a conceptualização dos comportamentos de protesto usada por Wright, Taylor e Mogaddham (1990) assente em três tipos de distinção: (1) entre inação e ação; (2) entre ações que visam melhorar a condição pessoal (ação individual) e ações orientadas para a melhoria das condições do grupo (ação coletiva), distinção esta que se pode alicerçar na distinção de Tajfel entre estratégias individuais de mobilidade social e estratégias coletivas de mudança social (Tajfel e Turner, 2001[1979]; Valentim, 2008, p. 3) e, por fim, entre ações de acordo com o sistema social existente (ações normativas) e ações que violam as regras sociais (ações não normativas). Julgamos que não é difícil enquadrar os clusters obtidos nestas três distinções e que esse enquadramento indutivo (e não dedutivo) reforça a pertinência da solução empírica que adotámos.

Também os resultados da análise tipológica mostram a baixa intencionalidade de agir (cf. Quadro 2). Somando o número de indivíduos nos dois clusters que manifestam disposição para alguma forma de ação (q1 e q3) esse número (n = 229) é apenas ligeiramente superior ao daqueles que não se mostram dispostos a fazer alguma coisa (n= 224). O que é tanto mais assinalável quanto um dos clusters, valorizando a ação (resistência económica), quase se resume a estratégias individualistas de proteção dos bens.

Variáveis de ancoragem: construção de indicadores

Responsáveis pela crise em portugal

Foi realizada uma análise fatorial em componentes principais (rotação varimax) com as respostas aos 21 itens relativos às entidades responsáveis pela crise. Foram extraídos quatro fatores (Quadro 3) com valor próprio maior que um que explicam 51.87% da variância: pessoas (8 itens, α = .82), grandes nações e globalização (4 itens, α = .77), organizações financeiras e neoliberalismo (5 itens, α = .73) e governos portugueses e corrupção (4 itens, α = .66).

Tendo em conta os resultados obtidos em cada item, constata-se uma clara recusa em atribuir aos trabalhadores a responsabilidade pela crise (o item com média mais baixa: m = 3.17) e, por contraste, o valor particularmente elevado atribuído à corrupção (m = 6.40). Depois de agregar os itens agrupados pelos quatro fatores extraídos verifica-se que a dimensão “pessoas” obteve um valor (m = 4.10) próximo do ponto médio da escala (4), e que todas as outras dimensões se encontram acima deste ponto médio, sendo essas diferenças estatisticamente significativas: grandes nações e globalização: m = 4.95, dp = 1.06, t (452) = 19.12, p < .001; organizações financeiras e neoliberalismo: m = 5.28, dp = .83, t (452) = 32.91, p < .001; governos portugueses e corrupção: m = 5.84, dp = .87, t (452) = 45.08, p< .001.

Uma comparação das médias obtidas nas quatro dimensões indica que os respondentes atribuem a responsabilidade da crise mais aos governos portugueses e à corrupção do que às organizações financeiras e ao neoliberalismo, e mais às nações poderosas e à globalização do que às pessoas, f (3,1356) = 433.36, p < .001, todas as diferenças significativamente diferentes segundo o teste lsd para comparações múltiplas, p < .001.

Perceção das relações entre portugal e a união europeia

Após ter sido retirado o par de itens “Submissão-Dominação” dadas as ambiguidades que suscitou nos participantes, a análise fatorial em componentes principais (rotação varimax) sobre as respostas aos itens relativos à perceção das relações entre Portugal e a ue extraiu dois fatores com valor próprio maior que um, que explicam 58.70% da variância total Quadro 4). O primeiro fator agrupa os itens relativos a relações negativas (4 itens, α = .73), e o segundo a relações positivas (2 itens, α = .43).

O item com valor mais elevado é “desconfiança” e o valor mais baixo é atribuído à relação de igualdade, o que evidencia uma perceção clara da existência de relações assimétricas entre Portugal e a ue. Tendo sido construídas duas escalas a partir dos itens agrupados pelos fatores, constata-se que os respondentes percecionam as relações entre Portugal e a ue como mais negativas (m = 4.53, dp= 1.18) do que positivas (m= 4.01, dp= 1.25), t (452) = 5.96, p < .001 encontrando-se a média desta última dimensão significativamente abaixo do ponto médio da escala (4.5): t (452) = 8.40, p < .001.

Conceções da justa distribuição dos recursos na ue

Os três itens sobre a justa distribuição dos recursos na ue obtiveram uma avaliação significativamente diferente, f (2, 904) = 99.79, p < .001, todas as médias significativamente diferentes segundo o teste lsd para comparações múltiplas, p < .001. Os respondentes consideraram que os recursos devem ser distribuídos “de acordo com as necessidades de cada Estado-membro” (m =5.11, dp = 1.52) mais do que “proporcionalmente à contribuição de cada Estado-membro” (m = 4.27, dp = 1.64), estando as duas médias acima do ponto neutro da escala (4), respetivamente, t (452) = 15.51, p< .001 e t (452) = 3.49, p = .001. Por outro lado, os respondentes discordaram ligeiramente que os recursos da ue sejam distribuídos “de forma igual para todos os Estados-membros” (m = 3.52, dp = 1.92), encontrando-se esta média abaixo do ponto neutro da escala, t (452) = 5.28, p< .001. A média elevada obtida nas respostas à possibilidade da ue distribuir os recursos de acordo com as necessidades de cada Estado-membro evidencia a aspiração dos respondentes em encontrar um espírito de solidariedade dentro da ue.

Avaliação comparativa da situação económica pessoal

Quando compararam a sua situação económica atual com outras pessoas na sociedade portuguesa, os respondentes forneceram uma descrição relativamente neutra (m = 3.99, dp = 1.06), ou seja, globalmente, nem melhor, nem pior. Contudo, quando compararam a sua situação económica atual com aquela de há um ano atrás, as respostas refletiram uma deterioração da sua situação económica (m = 3.11, dp = 1.21), sendo esta última média significativamente inferior ao ponto médio da escala, t (452) = 15.58, p< .001. Ou seja, houve uma nítida perceção de que a crise afetou negativamente a situação económica dos cidadãos.

Identificação nacional

Foi realizada uma análise fatorial em componentes principais (rotação varimax) sobre as respostas aos seis itens relativos à identificação nacional. Foram extraídos dois fatores com valor próprio superior a um (Quadro 5) que explicam 72.11 % da variância total, e apontam para a identificação ao país (4 itens, α = .83) e a identificação aos valores dos outros portugueses (2 itens, α = .77).

Após a agregação dos itens nos fatores obtidos, verifica-se que os respondentes manifestam uma forte identificação ao país (m = 5.21, dp = 1.27), que não se acompanha de uma tão forte identificação aos valores dos outros portugueses (m = 4.11, dp = 1.23). Apenas a identificação ao país é superior ao ponto médio da escala (4), t (452) = 20.40, p< .001, e a diferença entre as médias das duas dimensões é significativa, t (452) = 18.18, p < .001. Ou seja, a identificação ao país não é acompanhada da perceção de um acordo com a forma de pensar dos seus concidadãos.

Sentimentos

A análise fatorial em componentes principais com rotação varimax dos 12 itens sobre sentimentos apresentados aos respondentes (Quadro 6) extraiu três fatores com valor próprio superior a um e que explicam 71.04% da variância total: depressão (6 itens, α = .90), tristeza (4 itens, α = .79), e serenidade (2 itens, α = .78).

Depois de agregar os itens agrupados pela análise, observa-se que, de forma geral e ao contrário ao que se podia esperar, as respostas sobre os sentimentos durante a crise indicam alguma serenidade (m = 4.13, dp = 1.42) e não tristeza (m = 3.11, dp = 1.27) ou depressão (m = 1.68, dp = 1.05), sendo as médias das respostas a estes dois estados emocionais significativamente inferiores ao ponto médi o da escala (4), respetivamente, t (452) = 14.86, p < .001 e t (452) = 7.12, p < .001. Pode-se notar, ainda, que estes sentimentos tiveram uma intensidade significativamente diferente, f (2, 904) = 401.91, p< .001, todas as médias distinguem-se significativamente entre si segundo o teste lsd para comparações múltiplas, p < .001.

Rendimento

Tendo em conta o número de respondentes em cada uma das categorias de rendimento, as sete categorias iniciais foram reduzidas a cinco, agregando as categorias “486 €-777 €” e “778€-1000 €” numa só (486 €-1000 €) e as categorias “2001 €-4165 €” e “acima dos 4165 €” em “superior a 2001 €”.

Orientação política

Em termos de orientação política 23.1 % (n= 105) dos participantes declararam-se de esquerda, 39.8 % (n= 180) do centro e 17.2 % (n= 78) de direita. 18.3% (n= 83) não se posicionaram nesta escala e 1.5% (n = 7) não responderam à questão. Por outras palavras, globalmente, os respondentes posicionam-se ligeiramente à esquerda do ponto médio (5.5): m= 5.13, dp= 1.87, mediana: 5.

Ancoragem da disposição para agir

De seguida, procurámos saber em que se diferenciam os respondentes agrupados nos três tipos de posicionamento sobre a participação em ações face à crise. Ou seja, procurámos identificar a que se encontram associados os três tipos de posição identificados anteriormente, tendo em conta as variáveis de ancoragem que selecionámos (Quadro 7).

 

 

No que respeita às variáveis de ancoragem ligadas à perceção da crise económica, constata-se que os respondentes que nada querem fazer culpam menos as grandes nações e a globalização, tal como as organizações financeiras e o neoliberalismo, do que os participantes dispostos a participar em ações cívicas. Também culpam menos que todos os outros respondentes os governos portugueses e a corrupção pela crise em Portugal. Os respondentes que nada querem fazer percecionam as relações entre Portugal e a ue menos negativas do que os respondentes que pertencem aos dois outros clusters e mais positivas do que os respondentes dispostos a participar em ações de resistência económica. Eles também se distinguem dos participantes dos outros dois clusters por discordarem mais de uma distribuição igualitária dos recursos da ue. Os respondentes que nada querem fazer aparecem assim como os menos severos na avaliação dos fatores e entidades intervenientes na crise económica e, a este respeito, nada diferencia fundamentalmente a interpretação que fazem da crise os respondentes que se dizem dispostos a agir.

Aqueles que nada querem fazer posicionam-se, politicamente, mais à direita do que os outros. Sendo o governo português, na altura, formado por uma coligação de partidos de direita, a orientação política poderá explicar a menor severidade destes participantes na sua análise da crise e contribuir para as suas intenções comportamentais algo passivas.

Os três clusters não se diferenciam em termos das variáveis ligadas às condições económicas reais e à sua perceção (rendimento e comparações económicas).

No que respeita às disposições mais pessoais, constata-se que os respondentes dispostos a resistir economicamente se identificam menos ao país do que os respondentes que nada querem fazer. O que é compreensível, na medida em que na resistência económica estão em jogo ações individuais que podem comprometer o futuro económico coletivo de um país. Esses participantes (resistência económica) sentiram também mais depressão e tristeza e menos serenidade do que os outros.

DISCUSSÃO/CONCLUSÃO

A fraca disposição para participar em ações face à crise é um dos primeiros pontos a salientar nos nossos resultados. Parecem ir claramente no sentido dos dados do Eurostat, que colocam Portugal afastado dos outros países do Mediterrâneo neste domínio e dos estudos sociológicos que realçam o desinteresse dos portugueses pela participação e ação coletiva (e. g. Cabral, 2000; Hespanha, Ferreira e Pacheco, 2013; Lobo, Ferreira e Rowald, 2015; Viegas, Teixeira e Amador, 2015).

Poderíamos esperar uma maior disposição para agir face à crise por parte de uma amostra de estudantes universitários tendo em conta quer a tradição sociológica de contestação estudantil, quer as novas formas de protesto (Accornero e Pinto, 2015; Estanque, Costa e Sequeiro, 2013), quer ainda dados recentes que mostram um aumento do protesto entre 2008 e 2012, i.e., depois do início da crise (Viegas, Teixeira e Amador, 2015; cf. também Fernandes e Pereira, 2015) e, principalmente, porque os mais jovens e com mais instrução formal se encontram entre os que mais protestam (Lima e Artiles, 2014).

Essa constatação não nos deve fazer esquecer que um ponto crucial nos estudos sobre representações sociais é que não se podem reduzir à inventariação de um consenso sobre um objeto social ou à procura de tendências centrais num conjunto de dados (Doise, 1990; Doise, Clémence e Lorenzi-Cioldi, 1992; Valentim, 2013, 2016), neste caso, a baixa intenção de agir face à crise. Foi o que procurámos fazer neste estudo, em que a análise das variações nas posições interindividuais permitiu, de facto, identificar diferentes posições em relação às principais formas de ação que os indivíduos estão dispostos a adotar. Podem favorecer mais ou menos as formas de participação cívica, as de proteção económica ou a não atuação.

Ora, tendo em conta essa variabilidade de posições, verifica-se que, entre os dados gerais de baixa disposição para agir, cerca de ¼ dos participantes manifestam uma disposição para agir em termos de expressões clássicas de participação cívica, que não se podem traduzir numa instrumentalidade direta na resolução dos seus problemas, ou reduzir a um interesse individualista imediato. Ou seja, de acordo com essa leitura, estaríamos longe de um cenário de apatia e indiferença generalizada. No momento em que recolhemos os dados (dezembro de 2011), antes dos efeitos das políticas de austeridade se fazerem sentir ainda mais fortemente no rendimento disponível das famílias, identifica-se claramente esta posição que consiste numa disposição para fazer algo que não redunda em benefícios materiais e individuais imediatos, que não passa pela violência, e se enquadra nas formas tradicionais, “nobres”, de cidadania democrática. Numa análise recente sobre a mobilização anti-austeridade em Portugal entre 2010 e 2013, Accornero e Pinto (2015) também concluem dizendo que “não vemos uma resposta de “brandos costumes”, quiescente, à austeridade” (p. 507).

No entanto, não escamoteando a existência de grande mobilização em determinados períodos históricos (Accornero e Pinto, 2015), do nosso ponto de vista, essa leitura deverá ser equacionada, quer no quadro dos baixos valores médios obtidos em cada uma das formas de participação, quer no dos trabalhos já mencionados que, de forma consistente, têm vindo a dar conta da baixa participação cívica em Portugal. Esta interpretação precisa ainda de ser corroborada por outros estudos que permitam pontos de referência e de comparação mais sólidos, designadamente com outros países também fortemente afetados pela crise económica. Ora, se tivermos em conta os dados do recente estudo de Mari et al. (2017), obtidos com o mesmo questionário que usámos aqui, este tipo de resultados não parece ser tão marcadamente distintivo da amostra portuguesa. De facto, embora nalguns casos com valores superiores aos que obtivemos, também aí, se constata, no geral, uma baixa disposição para agir face à crise, quer na amostra grega, quer na amostra italiana (que não são compostas apenas por estudantes).

Ao procurarmos dar conta das razões das diferentes posições face à participação em ações contra a crise, os resultados mostram que as diferenças entre as posições agir e não agir se situam numa classe de variáveis ideológico-política (interpretação da crise, representações da Europa e posição política) e não no rendimento real ou na perceção da sua perda. Ou seja, a disposição para agir não se encontra associada à situação económica das pessoas, mas sim à leitura ideológico-política que as pessoas fazem da situação, ou às suas posições político-ideológicas.

Estes resultados vão no mesmo sentido dos que apresentámos num outro local (Poeschl, Valentim e Silva, 2015) em que, com outro tipo de análise, também se verifica que “os grupos com diferentes rendimentos familiares não variam na sua (falta de) disposição para agir em resposta às medidas de austeridade” (p. 9). Contudo, o conjunto destes dados contrasta com os que foram obtidos por Chryssochoou, Papastamou e Prodromitis (2013) na Grécia, num estudo realizado com uma outra amostra (em que os estudantes são uma minoria), e onde se constata que o rendimento e a vulnerabilidade percebida se encontram associados à disposição para agir. O rendimento aparece aí associado às formas usuais de participação (semelhantes às que designámos aqui por participação cívica) e a perceção de vulnerabilidade às formas de ação mais radicais.

Tendo em conta o contraste entre resultados obtidos com duas amostras diferentes (estudantes em Portugal e população geral na Grécia) uma das interpretações possíveis é que os dados que obtivemos aqui se devem ao facto de se tratar de uma amostra de estudantes. Para estes estudantes, na altura em que a recolha de dados foi feita - antes ainda de algumas medidas mais duras de austeridade -, a dimensão rendimento (real e perceção da sua perda) pode ter sido menos premente que uma dimensão mais ideológica. Ou seja, haveria aqui um menor grau de proximidade ao objeto (Abric, 2001a; Miguel, Valentim, Carugati, 2012, 2016) da parte dos participantes no nosso estudo. Todavia, essa interpretação deverá ser temperada pelos resultados similares, no que respeita ao rendimento, obtidos no trabalho recente de Lemoine et al. (2016). Num estudo feito em França, com uma amostra que não é composta apenas por estudantes e usando outras medidas, aqueles autores também não encontraram efeitos do rendimento na disposição para agir.

Em síntese, em relação à questão do papel do rendimento e da perceção da perda económica na disposição para agir, o nosso estudo evidencia especificidades e divergências entre resultados obtidos em diferentes países e com amostras de características diferentes, mas não permite esclarecer as razões que podem explicar essas diferenças.

Quanto às diferenças específicas que caracterizam a disposição para adotar formas de resistência económica, elas encontram-se nas variáveis de natureza mais pessoal que são os sentimentos. De facto, de acordo com os nossos resultados, essas formas de ação individualista parecem ser acionadas menos pela razão e mais pelos sentimentos negativos originados pela crise.

Por último, devemos assinalar uma das implicações, para pesquisas futuras, da leitura que fizemos dos resultados em termos de posição social dos participantes neste estudo. Daqui não decorre apenas a necessária comparação com outras amostras que não incluam apenas estudantes, seja com participantes portugueses com outras características sociodemográficas, seja com participantes de outros países afetados pela crise, como é o caso dos estudos que referimos de Chryssochoou, Papastamou e Prodromitis s(2013), Lemoine et al. (2016) e Mari et al. (2017). Uma das consequências dessa interpretação com base no papel decisivo que as diferentes inserções sociais têm nas representações sociais é a necessidade de considerar as possíveis consequências que o agravamento da crise e da dureza das condições de vida podem ter na transformação das representações sobre a crise. Ou seja, estudos que tenham em conta outros momentos de evolução da crise em Portugal permitiriam uma compreensão mais clara das diferentes posições e ancoragens das representações da crise económica.

 

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Recebido a 29-02-2017.

Aceite para publicação a 03-10-2017.

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