I. Introdução
A obtenção de concentrações populacionais sustentáveis desde a dimensão ambiental à dimensão socioeconómica é hoje unanimemente reconhecida como um dos principais desafios contemporâneos. Segundo as Nações Unidas (United Nations [UN], 2017), cerca de 53,9% da população mundial reside em cidades, esperando-se que em 2050 a percentagem ascenda aos 68,4%. Assim, os problemas ambientais tenderão a ganhar maior expressão, colocando desafios na promoção de cidades saudáveis e sustentáveis para as suas populações. Perante esta evidência, os habitantes e os utilizadores das cidades estão expostos a níveis de poluição elevados, a situações de stress recorrentes e a estímulos que podem condicionar o seu bem-estar. Fruto desta preocupação, as Nações Unidas publicam a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (UN, 2015), integrando 17 objetivos interconectados, entre os quais o objetivo 11 - Cidades e comunidades sustentáveis - que indica que até 2030 deve ser proporcionado acesso universal a espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis e verdes, particularmente para as mulheres e crianças, pessoas idosas e pessoas com deficiência.
A morfologia das cidades contemporâneas, e a forma como nelas a população vive, se move e consome, tem vindo a sofrer profundas alterações para que se torne possível dar resposta aos principais desafios socioambientais (Oliveira et al., 2020). Entre as múltiplas soluções apresentadas, o fomento de espaços verdes urbanos ganha especial relevo, nomeadamente pela contribuição, cientificamente comprovada, dos serviços dos ecossistemas na regeneração do espaço urbano (Food and Agriculture Organization of the United Nations [FAO-UN], 2019; Haines-Young & Potschin, 2018). De acordo com a Classificação Internacional Comum dos Serviços dos Ecossistemas (Haines-Young & Potschin, 2018), estes dividem-se em três categorias: provisão, regulação e manutenção e, ainda, culturais. Os serviços de provisão relacionam-se com todos os outputs provindos dos ecossistemas, e que podem ser bens nutricionais ou não nutricionais, energéticos, entre outros, tais como alimentos (Kazemi et al., 2018), matérias-primas, água e recursos para fins medicinais; os serviços de regulação e manutenção envolvem toda a mediação e moderação ambiental que afetam a saúde, a segurança e o conforto humano (Gunawardena et al., 2017; Mathey et al., 2011; Matos et al., 2019; Vieira et al., 2018). Por fim, os serviços culturais agregam as componentes não materiais dos efeitos dos espaços verdes na saúde física, mental e social dos indivíduos (Gao et al., 2019; Gidlow et al., 2016; Song et al., 2014; Vidal et al., 2020b). Acresce a estes fatores o importante contributo dos espaços verdes urbanos na mitigação dos impactos das alterações globais, ou seja, para além da dimensão climática (Mathey et al., 2011; World Health Organization [WHO], 2017).
A literatura da especialidade (Beenackers et al., 2018; Haines-Young & Potschin, 2010; Jennings & Bamkole, 2019; Mathey et al., 2011) tem revelado uma preocupação crescente com a necessidade de divulgar e explorar os múltiplos benefícios dos espaços verdes, especialmente numa sociedade marcada pelas rápidas mudanças das paisagens urbanas e pelo fluxo urbano que condiciona o bem-estar das populações. Contudo, também revela uma carência de estudos nacionais sobre a utilização de espaços verdes, nomeadamente sobre as expectativas dos seus utilizadores e a importância que lhes atribuem. Há, contudo, alguns trabalhos importantes a referir e que nortearam esta pesquisa, como o trabalho de Fonseca et al. (2010) que procurou conhecer as perceções dos utilizadores dos espaços verdes de Bragança e identificar padrões de frequência; o trabalho de Goméz et al. (2014) que teve como objetivos avaliar a frequência, o perfil e a motivação dos utilizadores dos espaços verdes de Coimbra e Salamanca; e, ainda, numa perspectiva comparada entre três cidades portuguesas (Évora, Lisboa e Porto), um estudo que analisou as preferências dos residentes em relação aos espaços verdes de cada cidade, identificando similaridades e diferenças entre as mesmas (Madureira et al., 2018). Mas o que estes estudos não exploram são as diferenças dentro da cidade, nomeadamente no que se refere à distribuição de espaços verdes e ao seu potencial, mais concretamente, à sua qualidade. É que as cidades não são um produto homogéneo. Enquanto construção social as cidades tendem a ser desiguais na distribuição de recursos, e os espaços verdes não serão, como alguns estudos indicam, exceção (Davis, 2014; Hoffimann et al., 2017; Łaszkiewicz et al., 2018; Mears et al., 2019; Ridgley et al., 2020; Vidal et al., 2020a, 2021). A relação entre as condições socioeconómicas e disponibilidade de espaços verdes urbanos, englobando a sua qualidade, foi identificada primeiramente em contextos anglo-saxónicos devido às origens do movimento de justiça ambiental (Holifield et al., 2009; Laurent, 2011). Contudo, estudos mais recentes realizados em contexto europeu têm procurado sublinhar a existência de desigualdades na distribuição de espaços verdes, acentuando que as cidades da Europa do Sul apresentam valores de disponibilidade de espaços verdes abaixo da média europeia, nomeadamente quando comparadas com cidades do norte da Europa (Kabisch et al., 2016; Ribeiro et al., 2017). Inevitavelmente se resvala para o conceito de Justiça Ambiental (Schlosberg, 2007), ou falta dela, em que se procura uma distribuição equitativa de benefícios ambientais. Assim, a provisão de espaços verdes deve ter por base o princípio da equidade, garantindo o acesso público para todos, independentemente da localização residencial, do nível socioeconómico, das condições físicas ou da etnia dos seus potenciais utilizadores (Vidal, Maia, Barros, et al., 2018; Vidal, Maia, Vilaça, et al., 2018).
Com base neste pressuposto o presente trabalho tem como objetivos conhecer os usos dos espaços verdes urbanos e a perceção dos seus utilizadores quanto à qualidade dos jardins e parques públicos da cidade do Porto. Assim, serão abordadas questões relacionadas com a forma como esses mesmos espaços estão a satisfazer as necessidades dos seus utilizadores, estabelecendo uma relação com a sua localização na cidade tendo em conta uma maior ou menor privação socioeconómica e ambiental. Por fim, procurar-se-á também conhecer a perceção dos utilizadores dos espaços verdes quanto aos serviços que estes podem prestar. Espera-se que os resultados apresentados sirvam de suporte a futuras intervenções nestes espaços.
II. Materiais e métodos
1. Seleção das áreas de estudo
A cidade do Porto conta com uma população de 215 945 habitantes (Pordata, 2019) e localiza-se no litoral norte português, fazendo parte da segunda maior área metropolitana do país. O último relatório produzido sobre a estrutura ecológica e biodiversidade da cidade (Farinha Marques et al., 2018), no âmbito da revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) do Porto em curso, identificou que a área total de espaços verdes urbanos na cidade corresponde a 13,0km2, cerca de 31,4% da área do concelho. Assim, existem 54,8m2 de espaço verde por habitante da cidade do Porto, superando o valor desejável para a estrutura verde urbana − 40m2/hab. - defendido por diversos autores (Magalhães, 1992; Tzoulas et al., 2007) e muito significativo, tendo em linha de conta outras cidades europeias (quadro I).
Contudo, o mesmo relatório (Farinha Marques et al., 2018) ressalta que, ao incluir unicamente espaços de uso público direto com função predominantemente recreativa - parques, jardins e praças arborizadas ou ajardinadas -, este valor diminui para 7,8m2/hab., um valor que está claramente abaixo do rácio definido pela Organização Mundial de saúde e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação de 9,0m2/hab. (Kuchelmeister, 1998). A importância socioecológica destes espaços em contexto urbano é reconhecida pelo próprio município na revisão do PDM, sendo espaços ordenados e caracterizados por predomínio de vegetação, com acesso direto ao público e principalmente utilizados para fins recreativos, representando 13,7% da proporção de espaços verdes urbanos da cidade (Farinha Marques et al., 2018).
Num outro estudo realizado na cidade do Porto (Farinha Marques et al., 2014) foram identificados 95 espaços verdes de acesso público: 74 parques e jardins e 21 praças ajardinadas. Uma vez que seria incomportável estudar todos estes espaços verdes de acesso público, procedeu-se à aplicação do Índice de Privação Socioeconómica e Ambiental (IPSA; Monteiro et al., 2013) dividindo a cidade em três clusters de privação - oscilando entre privação alta e baixa -, sendo selecionados vinte e cinco espaços verdes distribuídos pelos clusters (fig. 1).
A opção pela aplicação do IPSA assenta no facto do mesmo conjugar variáveis sociais, económicas e ambientais para medir a privação, com diferentes ponderações: altitude (5%), exposição solar (5%), declives (5%), edifícios construídos antes de 1960 (5%), taxa de desemprego (10%), habitações sobrelotadas (10%), população com mais de 64 anos de idade (10%), edifícios com necessidade de reparação (20%) e idosos em situação de isolamento (20%).
2. Construção do inquérito e definição da amostra
O inquérito por questionário, com 45 questões em que 90% são de resposta fechada, foi elaborado de modo a possibilitar a análise de três grandes dimensões: 1) uma primeira de questões relativas aos perfis de utilização dos espaços verdes e a uma avaliação de um espaço verde escolhido pelo inquirido (baseado no que utiliza com mais frequência); 2) uma segunda que procura conhecer as preferências na escolha de um espaço verde; e 3) uma terceira que se foca nas atitudes face ao ambiente e sobre o conhecimento sobre os serviços dos ecossistemas dos espaços verdes urbanos. Neste trabalho analisam-se alguns resultados das três dimensões, nomeadamente as que se referem aos usos e perfis de utilização, às avaliações do espaço verde que mais frequentam, às preferências na escolha de um espaço verde e às perceções acerca das potencialidades destes espaços na regeneração do ambiente urbano e dos serviços dos ecossistemas que estes podem prestar. Optou-se por uma amostragem por quotas ancorada nas características sociodemográficas dos residentes da Área Metropolitana do Porto (AMP), entendidos como potenciais utilizadores dos espaços verdes da cidade do Porto. O inquérito encontra-se em fase de aplicação e, numa primeira extrapolação, via online, foram obtidas 131 respostas válidas distribuídas pelos três clusters de privação baixa (n=56), média (n=44) e alta (n=31). Assumindo-se o carácter exploratório do estudo, que pretende sobretudo obter pistas orientadoras para futuras análises mais aprofundadas, o tamanho da amostra não é determinante segundo a literatura (Daniel, 2012).
3. Análise estatística
A análise estatística foi realizada com o programa IBM® SPSS® Statistics 25.0, calculando-se as frequências absolutas e relativas para as variáveis nominais categóricas e a média e o desvio-padrão para a variável ordinal contínua (idade). Nas situações de inferência estatística, utilizou-se o teste Qui-Quadrado para compreender se a posição geográfica do espaço verde influencia os níveis de satisfação dos seus utilizadores. Nas variáveis qualitativas ordinais (escalas), utilizou-se a mediana como medida de tendência central e aplicou-se o teste Kruskal-Wallis para a comparação da avaliação dos espaços verdes nos três clusters de privação. Em todos os testes foi utilizado um nível significância de p <0.05.
III. Resultados e discussão
1. Usos e perfis de utilização dos espaços verdes
Conforme referido, os inquéritos recolhidos até ao momento (n=131) não podem ser interpretados como representativos, pelo que os resultados e conclusões devem ser lidos neste quadro de investigação. De forma a efetuar um exercício de transparência relativamente à construção da amostra, apresenta-se no quadro II uma comparação entre a população residente na AMP em 2011 (relativa ao último Censo) e a amostra atual, segundo o sexo e o grupo etário, com a respetiva diferença percentual.
A amostra atual é reveladora de fragilidade no que se refere à representatividade face à população. Ainda que a diferença nas inquiridas e inquiridos seja significativa, a verdade é que tal como a população residente na AMP, predominam na amostra inquiridos do sexo feminino (68,7%). Além disso, sabe-se que a estrutura demográfica da sociedade portuguesa é, também ela, maioritariamente feminina, 52,7% (Pordata, 2018). Ao nível dos grupos etários, o mais urgente passa por inquirir utilizadores com mais de 50 anos de idade, preferencialmente com mais de 70, na medida em que são estas as maiores diferenças percentuais entre a população e a amostra.
Quanto à caracterização da amostra atual, apresentam-se os valores mais significativos: prevalecem indivíduos do sexo feminino (68,7%), com uma idade média de 42 anos, com formação académica (84,7%) e ativos no mercado de trabalho (81,7%). É de referir o elevado grau de habilitações literárias dos inquiridos, o que pode indiciar um enviesamento dos resultados, sendo por isso necessário rigor e cuidado na interpretação dos mesmos. No que se refere à tipologia de habitação (fig. 2), 43% dos utilizadores reside em habitação sem acesso a jardim ou com acesso a jardim privado (32%). Relativamente ao estado civil dos inquiridos (fig. 3), duas situações surgem como mais significativas: 39 % dos inquiridos são casados e 36% são solteiros; enquanto a maioria dos respondentes considera que o rendimento do seu agregado é razoável (52%) ou confortável (33%) (fig. 4).
Relativamente a estes dados, poder-se-ia equacionar que a utilização dos espaços verdes está associada a utilizadores que não possuem uma habitação com acesso jardim. Ainda que não seja totalmente descartada, e que deverá ser alvo de aprofundamento no estudo em curso, o trabalho de Fonseca e colaboradores (Fonseca et al., 2010), sobre os comportamentos dos utilizadores dos espaços verdes de Bragança, conclui que ter jardim em casa não é fator que invalide a frequência de espaços verdes.
A frequência dos espaços verdes ocorre geralmente com a família (43,5%) ou sozinho (22,1%), o que de certa forma vai de encontro aos estados civis com maior expressividade (casado ou solteiro). A deslocação para os espaços é realizada, maioritariamente, de carro (54%), uma vez que, em número dominante, os inquiridos residem a mais de 30 minutos a pé dos espaços verdes (58,3%) (fig. 5), frequentando-os independentemente da época do ano (87,8%), sendo a maioria residente na cidade do Porto (59,6%). O facto da maioria dos inquiridos residir a mais de 30 minutos do espaço verde que frequenta mais regularmente pode revelar, por um lado, insatisfação com os espaços verdes mais próximos da sua residência ou, por outro, a não existência de nenhum próximo. Outra possível explicação para a frequência de espaços verdes distantes da residência é a procura por espaços de média/grande dimensão, localizados maioritariamente na área externa da cidade. Espaços verdes mais pequenos localizados na área de residência talvez sejam mais frequentados pela faixa idosa da população (Vidal et al., 2021). Perante estes resultados, torna-se evidente a necessidade de aprofundar esta questão, aumentando a amostra com grupos etários mais velhos, uma vez que é nestes grupos que se identifica a diferença percentual mais acentuada entre a população e a amostra.
Relativamente às razões que subjazem a escolha do espaço verde que mais frequentam (fig. 6), os inquiridos indicam que a proximidade (17%) e o ambiente natural do espaço verde (17%) são os fatores mais determinantes, sendo também significativa a estética do espaço verde (15%). Por outro lado, menos peso tem o facto do espaço verde ser tranquilo (3%), a qualidade da zona envolvente (2%), o possuir memórias sobre o mesmo (3%), ter parque infantil (2%) ou a programação cultural existente (2%).
Entre as atividades mais realizadas nos espaços verdes, passear surge como a atividade com maior representatividade entre os utilizadores (26%), surgindo, de seguida, a atividade de relaxamento (14%) e a de conviver com familiares ou amigos (13%) (fig. 7). Estes resultados aproximam-se dos estudos realizados noutras cidades europeias, nomeadamente em Bragança (Fonseca et al., 2010), Amesterdão (Chiesura, 2004) e Bari (Sanesi & Chiarello, 2006). Contrariamente, conhecer pessoas, levar as crianças ao parque infantil, meditar ou fotografar surgem como as atividades menos realizadas (todas com apenas 1%), sendo corroboradas novamente pelo estudo de Fonseca e co-autores (Fonseca et al., 2010).
A este nível, importa destacar que as atividades relacionadas com o uso dos espaços verdes se relacionam principalmente com o passeio, relaxamento e convívio com familiares e amigos. Por outro lado, revela-se que os utilizadores dos espaços verdes não interpretam que um espaço verde urbano possa, por si só, ser considerado um parque infantil. Isto porque vários espaços verdes da cidade do Porto não têm parques infantis no sentido construtivo e “mobilado” do termo - veja-se o caso do Parque da Cidade e do Parque Oriental. A razão subjacente é que a natureza é (deveria ser) o maior parque de recreio e exploração do imaginário infantil, sem codificações ou formatações prévias (Ferret, 2020). Rebolar na relva, trepar às árvores, apanhar folhas e pedras são atividades que as crianças não fazem se tiverem baloiços e escorregas. Contudo, as populações urbanas estão cada vez mais afastadas destas práticas e pode, por isso, interpretar-se que quando vão ao parque não estão a levar as crianças ao “Parque Infantil” porque, na verdade, muitas vezes ele não existe no formato que conhecem.
2. Preferências na escolha de um espaço verde
As preferências dos utilizadores na escolha de um espaço verde são um importante indicador para o delineamento de estratégias de construção ou requalificação destes espaços para as autarquias. Assim sendo, questionaram-se os utilizadores dos espaços verdes da cidade do Porto, sempre tendo por base os jardins e parques públicos da cidade, quanto às suas preferências (quadro III).
Os resultados preliminares indicam que no topo das preferências dos utilizadores se encontram os indicadores de limpeza e manutenção (96,3%), tranquilidade (96,2%), sentimento de segurança (94,0%), existência de lugares com sombra (92,4%) e inexistência de odores ofensivos e de ruídos perturbadores (90,9%). Identifica-se que a maioria das preferências se baseia na manutenção e ambiência do espaço, para além dos elementos naturais, subentendidos pela preferência de existência de lugares com sombra (densidade do arvoredo). Estes resultados são confirmados pelo estudo de Madureira et al., (2018), que identifica como elementos mais valorizados pelos utilizadores dos espaços verdes na cidade do Porto a limpeza e manutenção, diversidade de espécies de plantas, existência de elementos de água, existência de bancos e tranquilidade do espaço. Também na Áustria, o estudo de Arnberger e Eder (2015) refere a limpeza com o elemento mais valorizado pelos utilizadores dos espaços verdes. Ainda que no presente estudo, com a amostra atual, não se tenha obtido percentagens acima dos 90% para os restantes indicadores identificados no estudo de Madureira et al., (2018), a verdade é que todos eles atingiram percentagens de importância também significativas (acima dos 80%). Os indicadores menos valorizados centram-se, essencialmente, na possibilidade do espaço verde ter muitos visitantes, estar inserido numa zona urbana e movimentada e possuir parque infantil (22,8%, 22,7% e 18,9%, respetivamente, consideram como não importante).
3. Avaliação dos espaços verdes pelos utilizadores
Procurou-se perceber se existe relação entre a avaliação dos espaços verdes feita pelos utilizadores e a integração dos espaços verdes nos três clusters de privação da cidade do Porto (quadro IV).
Identificou-se uma associação entre a localização dos espaços verdes, por cluster, e os respetivos graus de satisfação (χ 2 (8)= 44,908; V de Cramer=0,584; p <0,001). As avaliações referentes a “não satisfaz” e a “satisfaz pouco” aplicam-se na sua totalidade (100%) a espaços verdes localizados no cluster de alta privação socioeconómica e ambiental, o que demonstra um grau de insatisfação por parte dos seus utilizadores. Relação inversa é encontrada na avaliação de “satisfaz plenamente” que foi dada, na sua maioria (61,5 %), a espaços verdes localizados no cluster de baixa privação. Situação idêntica é observada em relação ao atributo qualidade (χ 2 (8)=16,375; V de Cramer=0,354; p <0,05), na medida em que a atribuição da avaliação de “má qualidade” refere-se a um espaço verde localizado no cluster de alta privação. Ainda assim, a avaliação de “qualidade insuficiente” é também, na sua maioria (80%), respeitante a espaços verdes localizados no mesmo cluster.
Ainda que o inquérito esteja em fase de aplicação e a amostra não seja representativa, estes resultados não deixam de espelhar já algumas pistas importantes sobre a insatisfação dos utilizadores de espaços verdes localizados em zonas de maior privação socioeconómica e ambiental da cidade. Ainda sobre esta relação, de forma recorrente, contextos mais difíceis têm estruturas físicas mais precárias, pois o nível de estima local para tais equipamentos é também mais baixa e os recursos financeiros são destinados a atuar sobre outros aspetos do social (desemprego, abandono escolar, delinquência juvenil, criminalidade, entre outros).
Partindo desta primeira análise, foi pedido aos inquiridos que avaliassem o espaço verde previamente selecionado por eles (como o que conhecem melhor e que utilizam com mais frequência), através de uma escala de Likert, segundo indicadores identificados na literatura (Hoffimann et al., 2017; Madureira et al., 2018) como os mais relevantes. Apresentam-se os resultados no quadro V.
Escala de avaliação:1 = Má a 5 = Muito boa; em negrito as diferenças estatisticamente significativas (p <0,05).
A comparação da avaliação dos espaços verdes entre os três clusters de privação revelou diferenças significativas (p <0,05), para quase todas as dimensões avaliadas. Nos espaços verdes localizados no cluster de baixa privação, identificam-se avaliações superiores face, principalmente, ao cluster de alta privação, nomeadamente ao nível da limpeza e manutenção, existência de espaços de lazer, segurança, tranquilidade, infraestruturas para a realização de atividades de desporto, acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida, e odores ofensivos e ruídos perturbadores. Estes resultados vão de encontro a estudos anteriores (Derkzen et al., 2017; Hoffimann et al., 2017; Vidal et al., 2021; Wolch et al., 2014) que suportam a evidência de uma distribuição não equitativa dos espaços verdes em termos de qualidade e de serviços que podem prestar à comunidade, ou seja, sugerindo que a zona onde o espaço verde se encontra influencia/condiciona a sua qualidade, e vice-versa. O estudo de Hoffimann e co-autores (2017) conclui que os espaços verdes em zonas residenciais de maior privação da cidade do Porto apresentaram significativamente mais preocupações de segurança, sinais de danos, falta de equipamentos para se desenvolver atividades de lazer, para além de possuírem significativamente menos comodidades, como assentos, sanitários, cafés, entre outros. As evidências científicas encontradas até ao momento dão conta de que os benefícios dos espaços verdes em contexto urbano podem ir além da questão de promoção de saúde física e mental, sendo importantes para o reforço da coesão social e de regeneração da zona envolvente, especialmente em zonas de maior privação socioeconómica (Abelt & McLafferty, 2017; Cronin-de-Chavez et al., 2019; Pope et al., 2018). A aposta em espaços verdes de maior dimensão e bem cuidados nas áreas adjacentes aos clusters de maior privação, favorecendo a mistura social, poderá ser uma solução.
4. Perceção dos utilizadores sobre os serviços dos ecossistemas
Com o objetivo de, e a título exploratório, conhecer a perceção dos utilizadores dos espaços verdes sobre os serviços dos ecossistemas, bem como o contributo dos mesmos na melhoria do ambiente da cidade e na mitigação dos impactos das alterações climáticas, apresentam-se os resultados no quadro VI. Estes resultados são preliminares, estando a sua análise condicionada a uma amostra que é, para já, altamente escolarizada (84,7% dos respondentes possui formação superior) o que pode, eventualmente, conduzir a uma maior sensibilidade e conhecimento sobre o potencial dos espaços verdes.
Observa-se um reconhecimento significativo dos utilizadores dos espaços verdes quanto ao papel que estes podem ter na melhoria da qualidade do ambiente nas cidades (99,2%). Situação similar ocorre na concordância de que estes espaços contribuem para a mitigação dos impactos das alterações climáticas (90,8%). No domínio dos serviços dos ecossistemas apresentados, verifica-se que mais de 70% dos respondentes (72,5 a 97,7%) reconhecem-nos. De entre os serviços apresentados, a “regulação da qualidade do ar” é reconhecida por 97,7% dos inquiridos, sendo igualmente considerado como o serviço mais importante (Mdn=4), sucedido por “permitir o contacto com a natureza” (96,9%), “tornar a zona envolvente mais agradável” (95,4%), “proporcionar atividades de educação ambiental” (93,9%), “promover o aumento de espécies de plantas” (93,1%) e de” zonas de sombra” (90,8%).
Os serviços com menor reconhecimento são: a possibilidade do “aumento da biodiversidade animal” (78,6%), a “realização de atividades de meditação e espiritualidade” (77,1%), a “regulação de eventos extremos como cheias e ondas de calor” (74,8%) e o “aumento do número de árvores de fruto” (72,5%). O serviço com menor importância atribuída é o de “proporcionar a realização de atividades de meditação e espiritualidade” (Mdn=3).
Grau de importância de 1 - Nada importante a 5 - Muito importante; Mdn = Mediana; P25 = Percentil 25; P75 - Percentil 75.
Ainda que estes resultados possam ser considerados, para já, satisfatórios quanto a uma sensibilidade para a importância dos espaços verdes, não deixam de revelar algum desconhecimento sobre os benefícios destes na regulação de cheias ou ondas de calor (Lagbas, 2019), fenómenos associados à emergência climática atual. A existência de árvores de fruto, que se assume como o serviço com menor reconhecimento por parte dos inquiridos, continua a ser um assunto que divide opiniões, seja a favor (Kazemi et al., 2018) ou contra (Patarkalashvili, 2017), sendo por isso necessário um maior aprofundamento sobre a temática.
IV. Conclusões e direções futuras
A interlocução entre a comunidade científica, os planeadores urbanos e os decisores de políticas públicas, especialmente à escala local, é essencial para que se prossiga com o desenvolvimento de ciência voltada para a melhoria do bem-estar das populações.
Com base neste pressuposto, o presente trabalho, ainda que em curso e de carácter exploratório, pretendeu apresentar e refletir sobre os resultados preliminares de um inquérito aplicado aos utilizadores dos espaços verdes urbanos da cidade do Porto, com os objetivos de conhecer os usos dos espaços verdes da cidade, as preferências dos seus utilizadores e a satisfação dos mesmos quanto aos espaços existentes.
Ainda que não sejam definitivos, os resultados encontrados até ao momento revelam várias evidências que importam apresentar: i) a utilização do espaço verde de proximidade, ainda que seja um critério motivador, não determina a escolha de um espaço verde. Por outro lado, quando existente, este espaço verde de proximidade pode não satisfazer os seus potenciais utilizadores; ii) os utilizadores são, frequentemente, casados ou solteiros, daí frequentando o espaço especialmente com a família ou sozinhos, independentemente da época do ano; iii) os utilizadores dos espaços verdes procuram tranquilidade, relaxamento e convívio, mas preferem que esses espaços sejam limpos e que possua lugares com sombra que permitam esse relaxamento e quietude; iv) os utilizadores não gostam de ruídos nem odores ofensivos e querem sentir-se seguros; v) não é muito importante o local onde o espaço verde se insere, nem se possui parque infantil; v) relativamente a clivagens entre a qualidade dos espaços verdes por cluster de privação socioeconómica e ambiental na cidade, identificam-se diferenças significativas que parecem dar conta de uma certa injustiça ambiental instalada e que é percecionada pelos seus utilizadores, ou seja, percecionam que em áreas da cidade em maior privação socioeconómica e ambiental os espaços verdes têm menor qualidade; vi) por fim, a perceção dos utilizadores sobre os serviços dos ecossistemas que os espaços verdes podem fornecer às cidades é bastante satisfatória e reveladora de um grau de conhecimento elevado que pode estar, em parte, relacionado com o facto de grande parte da amostra possuir ensino universitário.
Como foi referido no início, os resultados encontrados não podem ser generalizados nem inferidos para a população, sendo umas das principais limitações do mesmo. Assim, é fulcral que se alargue a aplicação de inquéritos aos utilizadores dos espaços verdes da cidade com o intuito de aumentar e diversificar a amostra tendo em consideração as características da população residente na AMP, especialmente grupos etários mais velhos. Outra limitação prende-se com robustez da análise estatística, ainda muito ancorada em testes descritivos que não tornam possível efetuar análises mais finas e robustas. Ao nível estatístico, é importante que no futuro, com uma amostra mais robusta e estabilizada, se realizem análises de regressão linear e análise de componentes principais como forma de conjugar e agregar indicadores, especialmente naqueles que se referem às preferências dos utilizadores dos espaços verdes. Como propostas para investigações futuras afigura-se importante a utilização de metodologias participativas, nomeadamente as que dizem respeito à auscultação da população sobre o que pensam e o que esperam de um espaço verde, algo que se torna difícil na aplicação de um inquérito por questionário e que tornaria incomportável a análise das suas respostas. Poderá também afigurar-se como interessante mapear o comportamento humano dos utilizadores dos espaços verdes, na expectativa de perceber como se relacionam com o espaço.
A maior expectativa deste trabalho é que no final do estudo os resultados possam servir para a definição de estratégias de atratividade dos espaços verdes da cidade, especialmente nos que possuem menor qualidade e se inserem em zonas de maior privação, contribuindo para cidades mais justas, equitativas, sustentáveis e promotoras de qualidade de vida das suas populações.