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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231versão On-line ISSN 1646-6020

Aná. Psicológica vol.34 no.4 Lisboa dez. 2016

https://doi.org/10.14417/ap.1102 

A multidimensionalidade da adaptação escolar na pré-adolescência

Helena Isabel Monteiro Menezes1, M. S. Lemos1, L. P. Rodrigues2

1Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

2Instituto Politécnico de Viana do Castelo

Correspondência

 

RESUMO

A presente investigação procura fomentar a reflexão e a compreensão do fenómeno da adaptação escolar. Partindo da exploração da literatura e de um conjunto de pressupostos teóricos de ordem desenvolvimental e ecológica, foi concetualmente delineado e testado um modelo multidimensional de adaptação escolar na pré-adolescência. O modelo examina principalmente dimensões sociais, mas também a dimensão académica e o nível socioeconómico familiar, propondo uma visão integrada da adaptação escolar. O estudo empírico desenvolveu-se junto de 706 estudantes pré-adolescentes e avaliou as perceções do próprio estudante e as perceções dos professores e pares acerca da competência social dos estudantes. O teste empírico ao Modelo de Adaptação Escolar evidencia um ajustamento global razoável, suportando as associações preconizadas entre as componentes da competência social e entre estas componentes sociais e a realização académica e o nível socioeconómico e cultural da família. Estes resultados sublinham a necessidade de considerar múltiplas facetas na avaliação e promoção da adaptação escolar, reconhecendo-se que esta engloba especialmente conexões entre a competência social e realização académica do estudante. Estes resultados serão ainda alvo de reflexão e discussão, sendo extraídas implicações para a investigação, teoria e intervenção.

Palavras-chave: Adaptação escolar, Pré-adolescência, Competência social, Realização académica, Validação de modelos.

 

ABSTRACT

This research aims to promote understanding and reflection about school adjustment. In order to achieve this purpose, and based on the literature and on a set of theoretical assumptions, from ecological and developmental perspectives, it was outlined and empirically tested a multidimensional model of school adjustment in early adolescence. This model especially examines social dimensions, but also the academic achievement and the family socioeconomic status, by proposing an integrated view of school adjustment. The empirical study developed in 706 students from 5th and 6th grades and assessed the student’s self-perceptions and the perceptions of teachers and peers about student’s social competence. The empirical test of the School Adjustment Model shows a reasonable global fit, supporting the defined associations among the components of the social competence, and between these social components and academic achievement and family socioeconomic and cultural status. These results highlight the need to consider multiple facets in the assessment and promotion of school adjustment, recognising mainly connections between the social competence and academic achievement of the student. These results are also a target of reflection and discussion, with implications for research, theory and intervention.

Key words: School adjustment, Early adolescence, Social competence, Academic achievement, Models validation.

 

O fenómeno da adaptação escolar reveste-se de uma elevada importância e requer uma compreensão mais aprofundada dos vários fatores em jogo (e.g., Buhs & Ladd, 2001; Juvonen & Wentzel, 1996; Ladd, 1989; Wentzel, 2003). O sucesso da adaptação escolar representa uma das tarefas centrais do desenvolvimento infanto-juvenil, uma fonte de bem-estar atual e prenuncia implicações desenvolvimentais positivas para o futuro do estudante (Juvonen, 2006; Juvonen & Wentzel, 1996; Ladd, 1990; Rubin, Bukowski, & Parker, 2006; Wentzel, 2003). Por sua vez o fracasso na adaptação escolar concorre para a subrealização académica, isolamento social, depressão, delinquência, abuso de substâncias e outros comportamentos de risco (Kupersmidt & Coie, 1990; Ladd, 2006; Parker & Asher, 1987; Parker, Rubin, Price, & DeRosier, 1995; Roeser, Eccles, & Sameroff, 2000; Wentzel, 2009). Estas dificuldades de adaptação apresentam um efeito cumulativo, surgindo muitas vezes precocemente na vida escolar do estudante e, por motivos psicossociais, tendem a persistir e a acarretar custos para o estudante e para a sociedade.

Genericamente entende-se por adaptação escolar o sucesso do reportório comportamental do estudante face às tarefas e exigências do contexto escolar. Já em 1978, Schaefer e Edgerton consideram o desempenho académico e o comportamento social do estudante como componentes da adaptação escolar. Presentemente estas duas componentes – a competência social e a competência académica – são consideradas como aspetos centrais da adaptação escolar. Mais recentemente a motivação do estudante para participar e executar as tarefas escolares na sala de aula e para colaborar e cooperar tem sido também valorizada e vários autores (e.g., Berndt & Keefe, 1995; Chen et al., 2004; Perry & Weinstein, 1998; Wentzel, 2003) concebem a adaptação escolar como multifacetada, incluindo as vertentes social, académica, motivacional e comportamental.

Uma linha de concetualização na literatura da adaptação escolar contempla aspetos de natureza intrapsicológica tais como a autoestima e as vertentes intrínseca e extrínseca da motivação (Harter, 1996), e a compreensão do estudante face às regras implícitas da conduta social (perspetiva atribucional da adaptação escolar de Juvonen, 1996). Outras abordagens concebem a adaptação escolar mais como um fenómeno de natureza psicossocial. Por exemplo Birch e Ladd (1996) discutem a influência das relações com os pares e professores como forças promotoras dos comportamentos social e académico do estudante e Hymel, Comfort, Schonert-Reichl e McDougall (1996) analisam o papel dos relacionamentos com os pares no abandono escolar, considerando este fenómeno expressivo de inadaptação do estudante.

Wentzel (2003, 2005, 2008, 2009) enfatiza a natureza social da adaptação escolar, concebendo-a em termos de competências sociais facilitadoras da realização académica. Nesta ótica a adaptação escolar organiza um compósito de objetivos sociais, competência comportamental e relações interpessoais positivas. A autora descreve a adaptação escolar em termos de comportamento pró-social e socialmente responsável, ilustrando percursos através dos quais a competência social contribui para a realização académica, e o modo como as relações interpessoais com os pares e professores motivam o comportamento socialmente desejável.

Assim, a literatura oferece uma panóplia de conceções de adaptação escolar, com distintos aspetos contemplados nos estudos empíricos, sendo a investigação importante por direito próprio e diversa, organizando-se principalmente pela interdependência da motivação e realização nos domínios social e académico.

Orientada pela premissa de que as vivências do estudante no contexto escolar promovem não só a competência académica, mas também a competência social, com repercussões na adaptação escolar (Ryan & Shim, 2008; Wentzel, 2003, 2005, 2009), será apresentada seguidamente a investigação relativa às conexões entre as componentes da competência social – relações interpessoais com os pares, comportamento social, autoperceções de competência e objetivos sociais – e entre estas e a realização académica do estudante.

A componente relações interpessoais com os pares é a mais investigada pela literatura na área da competência social. A aceitação do estudante pelo seu grupo de pares promove a adaptação escolar (Juvonen, 2006; Juvonen & Wentzel, 1996; Ladd, 1990), facilitando os resultados académicos (Chen, Chang, & He, 2003), o grau de envolvimento com a escola e os comportamentos adequados neste contexto (Juvonen, 2006) e a adaptação social e emocional do estudante à escola (Wentzel, 2009). Mais especificamente a aceitação pelo grupo de pares relaciona-se positivamente com a competência académica (Gresham & Elliott, 1990; Lemos & Meneses, 2002; Vaughn & Hogan, 1990; Wentzel, 2005, 2009; Wentzel & Asher, 1995), participação em sala de aula (Ladd, Kochenderfer, & Coleman, 1997), notas escolares (Wentzel & Caldwell, 1997), quociente intelectual (QI; Wentzel, 1991b), desempenho na matemática, leitura e linguagem (Ladd, 2003), comportamento pró-social (Wentzel, 1998) e autoestima (Harter, 1996) do estudante.

No estudo das relações entre pares, vários investigadores (e.g., Bukowski & Hoza, 1989; Parker & Asher, 1987, 1993; Rubin, Bukowski, & Laursen, 2009; Rubin et al., 2006; Wentzel, 2005) distinguem a aceitação social pelo grupo de pares das relações de amizade. A perceção unilateral do grupo refere-se ao grau de aceitação social, determinando o estatuto social de cada um dos membros do grupo, enquanto as relações de amizade revelam reciprocidade e laços afetivos entre dois membros. Contudo ambas as formas de relacionamento entre pares configuram o processo de adaptação escolar (Ladd et al., 1997; Parker & Asher, 1993).

Usufruir de relações de amizade – pautadas por confiança, intimidade e cuidado – na escola contribui para a adaptação ao contexto escolar (Berndt, 1999; Berndt & Keefe, 1995, 1996), nomeadamente associando-se à adaptação social e emocional do estudante (Nelson & DeBacker, 2008) às aspirações académicas e rendimento escolar do estudante (Wentzel, 2005; Wentzel & Caldwell, 1997), e conectando os sucessos socioemocionais e académicos (Buhs & Ladd, 2001; Ladd, 1990). Os estudantes pré-adolescentes sem amigos na escola exibem níveis inferiores de comportamento pró-social, de bem-estar emocional e de realização académica (Wentzel, Barry, & Caldwell, 2004), comparativamente aos colegas com amigos.

Outro indicador fundamental da adaptação à escola é a adequação ou ajustamento comportamental do estudante a este contexto (Ladd & Burgess, 2001). A visão de Gresham e Elliott (1990) assume que o estudante com comportamento adequado à escola exibe habilidades sociais – cooperação, assertividade e autocontrolo – e não tem problemas de comportamento externalizados, internalizados e hiperatividade. O comportamento agressivo prediz, em parte, dificuldades externali zadas do comportamento (Ladd, 2003, 2006), enquanto os comportamentos ansioso-depressivo e ansioso--solitário predizem problemas internalizados de comportamento (Gazelle & Ladd, 2003). Um vasto conjunto de pesquisas (e.g., Elias & Haynes, 2008; Elliott & Gresham, 2007; Gresham & Elliott, 1990; Lemos & Meneses, 2002; Meneses, 2000, 2011; Sugai, Horner, & Gresham, 2002; Vaughn & Hogan, 1990, 1994) comprova a existência de forte relações entre défices de habilidades sociais, problemas de comportamento e subrealização académica, com evidente impacto no processo de adaptação escolar.

A motivação energiza o comportamento social e o comportamento académico do estudante (Ford & Smith, 2009). Não são apenas as competências comportamentais mais explícitas ou objetivas do estudante que condicionam os níveis de competência social e de realização académica, mas também as perceções pessoais de competência, com implicações pertinentes no processo de adaptação escolar. O sucesso na adaptação escolar requer o desenvolvimento de autoperceções de competência positivas, de autonomia e de identidade pessoal (Grolnick, Kurowski, & Gurland, 1999). As perceções pessoais de competência positivas do estudante promovem a adaptação social e académica (Harter, 1996, 1999), particularmente na aceitação social dos pares, liderança do grupo, realização académica e bem-estar emocional.

A literatura assinala uma relação complexa, por clarificar, entre as autoperceções de competência e a realização académica do estudante. Surgem resultados contraditórios (Eccles, Wigfield, & Schiefele, 1998; Gresham & Elliott, 1990; Vaughn & Haager, 1994; Vaughn, Haager, Hogan, & Kouzekanani, 1992; Vaughn & Hogan, 1990, 1994; Wigfield & Eccles, 2002) na deteção de diferenças entre os distintos níveis de realização académica e as autoperceções de competência. Este facto provavelmente explica-se pela presença de múltiplas variáveis nesta relação (Meneses, 2000): concetualização e domínios das autoperceções de competência avaliados, idade do estudante, efeitos da comparação social, presença de problemas de comportamento e de dificuldades relacionais.

Para além do impacto das perceções pessoais de competência do estudante na competência social e realização académica, os objetivos sociais desempenham um papel decisivo nos sucessos social e académico do estudante. Os objetivos constituem representações cognitivas do alvo que o estudante pretende atingir, proporcionando energia, regulação e direção ao comportamento (Ames, 1992; Ford, 1992; Pintrich, 2000; Wentzel, 2002). Na escola o estudante persegue quer objetivos académicos quer objetivos sociais (Dweck, 1996; Lemos, 2005; Urdan & Maehr, 1995; Wentzel, 2002, 2004, 2006; Wentzel & Wigfield, 1998).

Um crescente número de investigações (e.g., Anderman, 1999; Blumenfeld, 1992; Dowson, McInerney, & Nelson, 2006; Dweck, 1996; Kiefer & Ryan, 2008; Ryan & Shim, 2006, 2008; Urdan & Maehr, 1995; Wentzel, 1993, 1996a, 2002) tem vindo a considerar e a mostrar que a escola e a sala de aula constituem contextos primordiais para pesquisar a motivação social do estudante. No domínio da motivação em educação, os objetivos sociais são frequentemente considerados variáveis sociocognitivas subjacentes à competência social e à adaptação escolar, cuja análise é fundamental para a compreensão da competência social, aprendizagem, sucesso académico e adaptação escolar do estudante (Eccles & Wigfield, 2002; Ford & Smith, 2009; Juvonen & Wentzel, 1996; Kiefer & Ryan, 2008; Wentzel, 1991a, 1993, 1996a, 2003, 2004, 2005; Wentzel & Looney, 2007). É fundamental considerar a perspetiva de Wentzel (e.g., 1994, 1996a,b, 2002, 2003) que explicita relações entre a prossecução de objetivos sociais e vários indicadores da adaptação escolar: realização académica, relações com os pares, empenho na sala de aula, participação cooperativa nas atividades letivas e adesão comportamental às regras e expectativas sociais da sala de aula.

O sucesso adaptativo ao contexto escolar resulta não apenas de competências sociais e académicas inerentes ao estudante, mas constitui um fenómeno complexo influenciado por diversos fatores consequentes às experiências construídas no primeiro contexto de desenvolvi mento: a família. O nível socioeconómico e cultural (NSEC) da família do estudante é uma das variáveis que interfere no desenvolvimento da competência social e na realização académica do estudante. Não é indiferente nem insignificante pertencer a uma família com um NSEC baixo, médio ou elevado. Vários estudos mostram que o NSEC familiar participa na determinação das práticas e estilos educativos parentais (Cruz, 2005; Hoff, Laursen, & Tardif, 2002; Ladd & Pettit, 2002) e a capacidade económica dos pais estabelece diversos níveis de funcionamento socioemocional, estado de saúde, capacidades cognitivas e sucesso académico (Leyendecker, Harwood, Comparini, & Yalçinkaya, 2005; Magnuson & Duncan, 2002). As habilitações literárias dos pais, em particular o nível de conhecimentos dos pais, intervêm na promoção da competência académica dos filhos (Cox, 1990; Mattanah, Pratt, Cowan, & Cowan, 2005) e no grau de envolvimento parental na escola (Lareau, 1996), sendo geralmente inferior em pais oriundos de meios socio económicos mais desfavorecidos, com implicações na realização académica dos filhos. Resumindo: o NSEC da família condiciona as experiências no contexto familiar e os processos que nele ocorrem, com impacto na qualidade da competência social e na realização académica do estudante.

De modo a responder às solicitações patentes na literatura “there is a need to construct more comprehensive models of school adjustment” (Ladd, 1989, p. 278), na presente investigação foi edificado um modelo concetual de adaptação escolar integrativo de distintas competências em interação (Buhs & Ladd, 2001) e estruturando enfoques teóricos na definição operacional da adaptação escolar, cuja necessidade é sublinhada por Wentzel (2003, p. 251) “theoretically based models of school adjustment are not well developed”.

O Modelo de Adaptação Escolar (M.A.E.), considerando a pertinência de um enquadramento teórico desenvolvimental e ecológico, é especificamente dirigido a estudantes pré-adolescentes do 2º ciclo do ensino básico. No plano desenvolvimental, na pré-adolescência ocorrem mudanças físicas, cognitivas, sociais e emocionais que constituem oportunidades para o crescimento psicoló gico, mas que também potenciam a vulnerabilidade. No plano escolar, a pré-adolescência abrange a transição de ciclo e a vivência do 2º ciclo do ensino básico. Esta transição escolar desafia o estu dante e solicita competências de integração social, coping flexível e adaptação a um novo contexto escolar (Wentzel & Looney, 2007); trata-se de um processo de adaptação a uma diferente e vasta realidade, com novos e múltiplos colegas, professores, disciplinas, métodos de aprendizagem e de avaliação, e com variadas regras e normas prescritas para o comportamento social e académico do estudante.

É importante compreender o período desenvolvimental da pré-adolescência, frequentemente menos averiguado pela investigação, mas no qual tem sido descrita uma tendência para diminuir a adaptação social e académica (Ryan & Shim, 2008). Na pré-adolescência o estudante atribui mais importância aos pares (Wentzel, 2005; Youniss & Smollar, 1989), torna-se mais independente diante da influência do professor (Eccles & Midgley, 1989), cumpre menos regras de sala de aula (Wentzel, 1999), e podem surgir problemas de comportamento antissocial, agressão proactiva, agressão relacional e bullying (Dishion & Piehler, 2009), com particular relevância na adaptação escolar.

Com base nas considerações e pretensões referidas foi desenvolvido o M.A.E., multidimensional e interativo, exposto na Figura 1.

 

 

A Figura 1 esquematiza as relações entre as dimensões social, académica e familiar da adaptação escolar. Sobressai neste modelo a elevada representação da dimensão competência social, definida pelas conexões entre as componentes da competência social: competência interpessoal com os pares, competência comportamental, competência percebida e objetivos sociais. A competência interpessoal resulta da perceção dos pares quanto ao número de nomeações positivas e de nomeações negativas, e na observação das relações de amizade. A competência comportamental é avaliada pelo professor e resulta da exibição de habilidades sociais e da ausência de problemas de comportamento. A competência percebida infere-se pela autoavaliação do estudante nos domínios aceitação social, competência académica, comportamental e autoestima global. Os objetivos sociais configuram a perceção pessoal do estudante na prossecução de objetivos pró-sociais e de responsabilidade social. A realização académica do estudante é avaliada pelo professor nos parâmetros: desempenho académico, desempenho e aptidão na língua portuguesa e na matemática e funcionamento intelectual. A determinação do nível socioeconómico e cultural (NSEC) da família do estudante constituiu o indicador familiar do M.A.E.

O objetivo geral da presente investigação centrou-se na construção e validação do modelo multidimensional da Adaptação Escolar dirigido a estudantes pré-adolescentes, assente em pressupostos teóricos oriundos de modelos e investigações consideradas pertinentes, numa ótica multidimensional e interativa das dimensões da adaptação escolar. Mais especificamente examinaram-se conexões entre as componentes da competência social e a realização académica. Para além disso, incluiu-se também um indicador NSEC familiar. Foram delineados os seguintes objetivos específicos: (1) Averiguar as relações entre as quatro componentes da competência social (competência interpessoal com pares, competência comportamental, competência percebida e objetivos sociais), procurando contribuir para a avaliação desta dimensão social; (2) Analisar as relações entre as componentes da competência social e a realização académica, pretendendo esclarecer as conexões entre as dimensões social e académica da adaptação escolar; (3) Validar o M.A.E., examinando o nível global de ajustamento e as relações dinâmicas entre as várias dimensões do modelo.

 

Método

 

Participantes

A definição da amostra resultou de 33 turmas, com 17 professores do 5º ano de escolaridade e 16 professores diretores de turma do 6º ano de escolaridade. A amostra é constituída por 706 estudantes do 5º (N=337;47,7%) e 6º (N=369;52,3%) anos de escolaridade, procedentes de instituições escolares públicas e privadas, das regiões norte e centro de Portugal. A distribuição da variável género é praticamente equitativa, sendo 50,6% do género masculino e 49,4% do feminino. As idades variam entre os 10,25 e os 15,25 anos, sendo o valor médio de 11,54. Foram identificadas quatro categorias de NSEC das famílias dos estudantes: médio-alto (16,6%), médio (18,8%), médio-baixo (33%) e baixo (31%); sobressaindo o facto de dois terços da amostra pertencer a um NSEC familiar médio-baixo e baixo. Note-se que os restantes 0,6% dos estudantes estão em instituições.

 

Instrumentos

 

O Método Nominal (Coie, Dodge, & Coppotelli, 1982) foi utilizado para avaliar a competência interpessoal com os pares. O procedimento de recolha de dados resulta do inquérito, a cada estudante da turma, a duas questões: “Quais são os três colegas da turma de quem gostas mais?” (nomeações com valência positiva) e “Quais são os três colegas da turma de quem gostas menos?” (nomeações com valência negativa). Obtêm-se assim o número de nomeações positivas e o número de nomeações negativas atribuídas pelos pares. A avaliação das relações de amizade decorre do número de nomeações recíprocas. Após a recolha das três nomeações positivas para cada estudante da turma, cruzam-se estas nomeações de modo a descobrir aquelas que são recíprocas; o número de nomeações recíprocas varia entre zero e três. O nível de aceitação social é calculado através do somatório das nomeações positivas mais nomeações recíprocas, menos nomeações negativas.

 

Social Skills Rating System (SSRS; Gresham & Elliott, 1990) – versão Portuguesa para professores (Lemos & Meneses, 2002) do 1º ao 6º ano de escolaridade. Este instrumento avalia as Habilidades Sociais, os Problemas de Comportamento e a Realização Académica.

 

A Escala Habilidades Sociais é constituída por 29 itens distribuídos pelas subescalas Cooperação, Assertividade e Autocontrolo. O professor realiza a cotação de cada item numa gradação de 0 a 2 pontos. O zero significa que o estudante nunca exibe o comportamento representativo da habilidade social; o 1 indica que o estudante apresenta algumas vezes esse comportamento; e, a cotação 2 assinala que o comportamento ocorre muitas vezes. A cotação máxima é de 58 pontos. No processo de adaptação da escala à população Portuguesa (Lemos & Meneses, 2002), foram calculados os coeficientes de consistência interna alpha de Cronbach (α), registando um valor α=.93 para o total da escala, valor semelhante ao da escala original (α=.94); os valores de α nas subescalas: Cooperação α=.91, Assertividade α=.86 e Autocontrolo α=.90.

 

A Escala Problemas de Comportamento contém dezoito itens distribuídos por três domínios do comportamento problemático: Externalizado, Internalizado e Hiperatividade. O professor assinala a frequência percebida dos comportamentos no estudante, numa cotação máxima de 36 pontos. Os itens desta escala descrevem comportamentos desajustados, sendo desejável um baixo resultado. Foram calculados os seguintes valores alpha de Cronbach nas subescalas: comportamento Externalizado α=.92, comportamento Internalizado α=.83 e Hiperatividade α=.87; para o total da escala α=.91, valor ligeiramente superior ao da escala original (α=.88).

 

A Escala Realização Académica, sem subescalas, é formada por seis itens. O professor avalia o comportamento académico e de aprendizagem do estudante, o desempenho académico global, a aptidão e desempenho na Língua Portuguesa e na Matemática, e o funcionamento intelectual, comparando-o com os colegas da sala de aula e com os conteúdos programáticos. A cotação de cada item varia entre 1 e 5: o valor de cotação 1 indica um desempenho muito baixo e o de cotação 5 corresponde a um desempenho muito elevado. A cotação mínima da escala é de seis pontos e máxima de trinta pontos. O valor α=.96 desta escala é francamente positivo e análogo ao da escala original (α=.95).

 

O Perfil de Auto perceção para Crianças (PAC) avalia a competência percebida. Este instrumento é a adaptação portuguesa (Castro, Monteiro, Sá, & Rebelo, 1992) do “The Self-Perception Profile for Children” de Susan Harter (1985), nas subescalas Aceitação Social, Comportamento e Competência Académica. Segundo os autores desta adaptação, o PAC replica a estrutura fatorial proposta por Harter (1985) e as subescalas desta versão do instrumento contêm apenas quatro itens por subescala.AAutoestima Global dos estudantes foi avaliada pela adaptação de Sá (1997). Os valores da análise fatorial e da validade de constructo são satisfatórios, tal como na versão original, continuando a incluir seis itens nesta subescala. Foi analisada na nossa amostra a consistência interna destas subescalas, tendo sido encontrados os seguintes valores de alpha de Cronbach (α): Aceitação Social α=.55, Comportamento α=.70, Competência Académica α=.76, e Autoestima Global α=.81. A cotação de cada item varia entre um e quatro pontos. O valor em cada subescala corresponde à média dos itens que a constituem. Um valor elevado nas subescalas reflete uma perceção positiva de competência pessoal.

 

A Escala de Objetivos Sociais (Meneses & Lemos, 2006) é a versão Portuguesa da Social Goals Scale de Wentzel (1993). Esta versão inclui dez itens, entre os quais cinco descrevem os Objetivos Pró-Sociais e os outros cinco os Objetivos de Responsabilidade Social. Baseando-se na própria perceção, o estudante cota a frequência de cada comportamento numa gradação de cinco pontos: Nunca; Poucas Vezes; Às Vezes; Muitas Vezes; Sempre. Esta versão da escala apresenta os seguintes valores alpha de Cronbach: α=.85 para o total da escala e α=.82 e α=.83 nas subescalas Objetivos Pró-Sociais e Objetivos de Responsabilidade Social, respetivamente. Wentzel (e.g., 1993, 1998) não aponta valores alpha de Cronbach para o total da escala, contudo apresenta valores de alpha entre .73 e .84 para os Objetivos Pró-Sociais e entre .74 a .81 para os Objetivos de Responsabilidade Social.

 

O NSE da família foi calculado com base na profissão e nível de escolaridade do pai ou da mãe. A classificação do NSEC da família de cada sujeito efetuou-se com base na grelha da Esomar (European Society for Opinion and Marketing Research), adaptada à população Portuguesa pela Consulmark. Esta grelha consiste numa tabela de dupla entrada cruzando a profissão (categorizada em 9 níveis) e o nível de escolaridade do pai ou da mãe (categorizado em 8 níveis). A interseção de ambos os dados define a categoria de NSEC (em cinco níveis=alto, médio-alto, médio, médio-baixo, baixo).

 

Procedimentos de recolha de dados

Entregou-se um pedido de autorização e de consentimento informado por escrito aos diretores das escolas acompanhado por uma síntese do projeto de investigação, objetivos e procedimentos a utilizar na instituição. Após autorização dos encarregados de educação, dos professores e das escolas, marcou-se um encontro com os diretores das escolas para acerto de detalhes e horários de todo o processo. A administração dos instrumentos realizou-se intencionalmente no 3º período do ano letivo, porque nesta fase do ano os professores e estudantes já se conheçam muito bem, devido às numerosas vivências relacionais entre si.

Foi um propósito constante manter a uniformidade na metodologia de recolha de dados, nas salas de aula e com os professores. Os estudantes completaram os instrumentos num tempo letivo de 90 minutos tendo sido previamente relembrado o carácter voluntário e a confidencialidade. Foram fornecidas informações de preenchimento dos questionários, sublinhando a inexistência de respostas certas ou erradas. Todas as instruções, exemplos de itens e itens foram lidos em voz alta dando tempo entre os itens para a resposta. O procedimento de recolha de dados junto dos professores-diretores de turma, que responderam ao Social Skills Rating System para todos os estudantes da turma, obedeceu às seguintes orientações: esclarecer sucintamente os objetivos da investigação; assegurar a confidencialidade das respostas; apresentar as instruções das três escalas a preencher; mostrar disponibilidade para esclarecer eventuais dúvidas na interpretação dos itens; Também foi solicitado aos professores que enviassem aos encarregados de educação, via educando, a ficha com os dados relativos às profissões e habilitações literárias dos pais.

 

Procedimentos de análise de dados

Foi realizado o estudo descritivo das variáveis e o estudo das correlações entre as variáveis. Para efeitos de análise de dados do Método Nominal, foi tida em consideração a variável turma e assim o número de nomeações positivas, negativas e recíprocas foram transformadas em notas Z. Estas análises (Pestana & Gageiro, 2005) foram efetivadas com o software estatístico SPSS. Uma vez que cada professor avaliou a competência social e a realização académica de múltiplos alunos, calculou-se a correlação intra-classe para as escalas do Social Skills Rating System. Os valores das correlações intra-classe relativos a 33 turmas, com uma média de 24 alunos foram extremamente baixos (0,157 e 0,147, respetivamente) pelo que não se justifica ter em consideração a hierarquia dos dados nas análises. Depois, o modelo concetual delineado foi alvo de teste empírico, com a análise por equações estruturais (Bentler, 1995). A validação deste modelo foi aferida pelos índices de ajustamento: Normed Fit Index (NFI), Comparative Fit Index (CFI) e Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA); o valor da magnitude dos coeficientes item-fator (loadings) e o valor da variância explicada para cada variável (R2) foram utilizados para a exclusão de alguns itens que se mostraram redundantes ou inadequados. Foram ainda aceites as sugestões oferecidas pelo programa EQS a propósito da especificação dos erros correlacionados relativos aos itens no mesmo fator.

 

Resultados

 

Resultados correlacionais

O Quadro 1 apresenta os valores dos coeficientes de correlação entre variáveis da competência social, realização académica e NSEC da família.

 

 

Da observação do Quadro 1 sobressai o facto de a maioria dos valores dos coeficientes de correlação ser estatisticamente significativa e de a direção, positiva ou negativa, destas relações confirmar a concetualização preconizada pelo M.A.E. Mais especificamente, os resultados correlacionais confirmam as inter-relações nas componentes da competência social: quanto mais nomeações positivas atribuídas pelos pares, menor o número de nomeações negativas, mais elevada a perceção dos professores quanto às habilidades sociais e inferior quanto aos problemas de comportamento, e mais positivas as perceções de competência percebida e de objetivos sociais do estudante. Sobressai o valor elevado de correlação negativa (-.78) entre as habilidades sociais e os problemas de comportamento.

A realização académica relaciona-se significativamente com todas as variáveis sociais. De acordo com as conexões preconizadas, esta variável académica relaciona-se negativamente com os problemas de comportamento e com o número de nomeações negativas recebidas dos pares, e de forma positiva, por ordem decrescente, com as demais variáveis sociais: competência percebida académica, habilidades sociais, objetivos sociais, nomeações positivas, competência percebida comportamental, nomeações recíprocas, autoestima global e, por último, competência percebida de aceitação social. Destaca-se o valor de correlação forte e positivo (.65) entre a competência percebida académica do estudante e a realização académica atribuída pelo professor.

Os valores de correlação entre o NSEC da família e as demais variáveis são significativos, com a exceção da relação entre o número de nomeações negativas e o NSEC da família. Contudo a magnitude dos valores de correlação entre as variáveis sociais e o NSEC da família é fraca, sendo o valor mais elevado o da relação com a competência percebida académica. O valor de correlação entre o NSEC da família e a realização académica do estudante é moderado.

Estes resultados correlacionais suportam a presença de relações entre as componentes da competência social, entre estas componentes e a realização académica e com o NSEC da família, permitindo apoiar o recurso à análise por equações estruturais no teste empírico ao M.A.E.

 

Validação do Modelo Multidimensional de Adaptação Escolar

A Figura 2 expõe os resultados da versão final do M.A.E. Este modelo apresenta seis fatores inter-relacionados, com um ajustamento global aceitável (MacCallum, Browne, & Sugawara, 1996): χ²=699.23; p=.000; NFI=.94; CFI=.95; RMSEA=.08. Note-se que foram incluídos na especificação do modelo alguns erros correlacionados entre os itens.

 

 

Do exame à Figura 2 observa-se que, tal como foram delineados, neste modelo aparecem seis fatores – objetivos sociais, competência percebida, competência comportamental, competência interpessoal com os pares, realização académica e NSEC da família. Os valores de loadings são significativos e variam entre .43 e .95, embora com contribuições diferenciadas. Os valores de correlação entre os fatores variam entre .11 e .70.

 

Discussão dos resultados

Esta investigação alcançou o propósito da validação do M.A.E., proposto para estudantes pré-adolescentes, contribuindo com a conceção de um modelo de adaptação escolar, integrador e interativo das dimensões social, académica e familiar. A conceção do M.A.E. emergiu de diversas circunstâncias assinaladas na literatura, nomeadamente o facto de os modelos de adaptação escolar estarem pouco desenvolvidos (e.g., Ladd, 1989; Wentzel, 2003), da elevada variedade de definições, fundamentalmente da necessidade de uma conceção compreensiva da adaptação escolar mais integrativa das competências do estudante cujo enfoque teórico responda à necessidade de construir modelos com uma orientação desenvolvimental e ecológica, integrativos das exigências e mudanças desenvolvimentais e contextuais. O interesse em pesquisar a pré-adolescência deveu-se ao facto deste período do desenvolvimento ser menos abordado pela investigação e de o estudante estar a vivenciar transformações desenvolvimentais inerentes à transição para a adolescência e próprias da transição escolar para o 2º ciclo do ensino básico. Esta transição e vivência no 2º ciclo implicam transformações no próprio estudante num contexto escolar que também se alterou. Esta investigação responde ainda à carência, acentuada por Wentzel e Looney (2007), de testar empiricamente modelos teóricos relevantes para o contexto escolar.

Em resposta ao primeiro objetivo – averiguar as relações entre as quatro componentes da competência social (competência interpessoal com os pares, competência comportamental, competência percebida e objetivos sociais), procurando contribuir para a avaliação desta dimensão social – os resultados correlacionais confirmam as relações estabelecidas entre as componentes da competência social. Estes resultados convergem com os da literatura (e.g., Gresham & Elliott, 1990; Lemos & Meneses, 2002; Rubin et al., 2009; Rubin et al., 2006; Vaughn & Hogan, 1990; Wentzel, 2008, 2009) que sustentam a multidimensionalidade interativa da competência social em contexto escolar. Um estudo anterior (Meneses, 2000) testou o modelo de competência social de Vaughn e Hogan (1990), em crianças e pré-adolescentes estudantes Portugueses, e os resultados do presente estudo confirmaram na globalidade as principais relações estabelecidas entre as dimensões do modelo: quanto mais habilidades sociais, menos são os problemas de comportamento, maior é o número de nomeações positivas atribuídas pelos pares, e as perceções pessoais de competência – nos domínios da aceitação social, comportamento e autoestima global – são mais elevadas.

O valor de correlação negativo e elevado entre habilidades sociais e problemas de comportamento confirma a literatura que conecta os défices de habilidades sociais aos problemas de comportamento nos estudantes (Elias & Haynes, 2008; Gresham & Elliott, 1990; Lemos & Meneses, 2002; Meneses, 2000; Sugai, Horner, & Gresham, 2002; Vaughn & Hogan, 1990, 1994). Sem dúvida que no contexto escolar os professores constituem uma poderosa fonte de informação consistente (Gresham, 2011; Gresham & Elliott, 1990; Gresham, Noell, & Elliott, 1996) na avaliação da conduta social e académica do estudante.

Quanto ao segundo objetivo desta investigação – analisar as relações entre as componentes da competência social e a realização académica – observa-se que a realização académica relaciona-se de forma significativa e esperada com as variáveis sociais, associando-se negativamente aos problemas de comportamento e ao número de nomeações negativas, e de forma positiva com as demais variáveis sociais: nomeações positivas; nomeações recíprocas; competência percebida nos domínios da aceitação social, competência académica, comportamento e autoestima global; objetivos sociais; e, nível socioeconómico e cultural da família. Mais especificamente, estes resultados atribuem consistência à literatura que tem sugerido uma relação positiva entre as habilidades sociais e a realização académica (e.g., Elias & Haynes, 2008; Gresham & Elliott, 1990; Lemos & Meneses, 2002; Vaughn & Hogan, 1990), a coocorrência de problemas de comportamento e subrealização académica (e.g., Gresham & Elliott, 1990; Lemos & Meneses, 2002; Lopes, Rutherford, Cruz, Mathur, & Quinn, 2006; Meneses, 2011; Merrell, 1991; Sugai et al., 2002; Vaughn & Hogan, 1990), e entre os objetivos sociais e a realização académica (e.g., Eccles & Wigfield, 2002; Kiefer & Ryan, 2008; Wentzel, 1991b, 2005; Wentzel & Wigfield, 1998). O valor de correlação francamente positivo entre a competência percebida académica do estudante e o nível de realização académico atribuído pelo professor, ressalta uma convergência entre a perceção pessoal do estudante pré-adolescente e a perceção do professor.

Os resultados correlacionais entre o NSEC da família e as demais variáveis confirmam as relações previstas, em consonância com estudos que sustentam relações entre o NSEC da família e o sucesso social e principalmente com a realização académica do estudante (e.g., Cox, 1990; Hoff et al., 2002; Lareau, 1996; Lopes et al., 2006; Mattanah et al., 2005), evidenciando que um NSEC mais desfavorecido parece duplamente penalizador na adaptação escolar do estudante, ao potenciar problemas sociais e académicos e dificultar a competência nesses domínios.

Concluindo, os resultados correlacionais permitiram responder aos dois primeiros objetivos desta investigação, confirmando conexões entre as quatro componentes da competência social e entre estas componentes e a realização académica.

O teste empírico por equações estruturais do M.A.E. suporta uma conceção multidimensional e interativa da adaptação escolar. Sobressai a competência comportamental como a componente da competência social com valores especialmente elevados. Este resultado sugere, tal como a literatura (e.g., Gresham & Elliott, 1990; Ladd, 2003, 2006; Lemos & Meneses, 2002; Merrell, 1991; Sugai et al., 2002; Vaughn & Hogan, 1990) tem ressaltado, a elevada importância do comportamento adequado ou ajustado do estudante na determinação dos outros aspetos da competência social no contexto escolar. Sobressai também a forte relação entre os fatores objetivos sociais e competência percebida, sugerindo mesmo a possibilidade de aglutinar no mesmo fator estas duas componentes, que poder-se-ia denominar de cognição social. Notam-se valores de correlação moderados a fracos entre o NSEC familiar e os demais fatores, em particular com a competência interpessoal com os pares e a perceção que o professor possui acerca do comportamento do aluno, uma vez que estes dois fatores aparecem pouco associadas ao NSEC da família do estudante. Esta situação pode alertar para o facto de a dimensão familiar do MAE ser avaliada a partir de variáveis relativamente distais, constituindo uma das limitações a superar.

Foram excluídas do M.A.E. inicial as variáveis sociais assertividade e problemas de comportamento internalizados do fator competência comportamental e a aceitação social do fator competência percebida. Possíveis razões concetuais e empíricas para a exclusão destas variáveis sociais deverão ser estudadas e compreendidas em futuras investigações. Da leitura dos enunciados dos itens da subescala Assertividade, extrai-se a ideia de que na nossa cultura estes itens são alvo de uma interpretação distinta, sendo menos consistentes. Similarmente, Pedro (2005) assinala a mesma possibilidade de justificação relativamente à subescala assertividade, na versão Portuguesa do Social Skills Rating System para estudantes; contudo esta explicação é especulativa necessitando de esclarecimento adicional. No que respeita à exclusão dos problemas de comportamento internalizados – caracterizados por indicadores de ansiedade, tristeza, isolamento e depressão – poder-se-á descobrir uma provável justificação na natureza mais intrapessoal e implícita destas dificuldades comportamentais e o decorrente fraco reconhecimento e subvalorização pelos professores (Prior, 1996), dada a ausência de comportamentos perturbadores no funcionamento das atividades letivas. O motivo para a exclusão da aceitação social do fator competência percebida provavelmente advém da baixa consistência interna desta subescala.

Os resultados correlacionais e o teste empírico ao M.A.E. sustentam outro propósito da presente investigação, a inclusão da análise dos objetivos sociais neste modelo, sistematicamente menos averiguada. Foi adotada a concetualização de Wentzel (e.g., 1993, 1994, 1996a,b, 2003, 2005, 2008), que preconiza a prossecução de objetivos pró-sociais e de responsabilidade social por parte do estudante como elementos fundamentais da adaptação escolar. A prossecução de objetivos sociais relaciona-se claramente com a competência percebida, o comportamento adequado, os relacionamentos e com a realização académica do estudante. Este facto valida a afirmação de Dweck (1996, p. 181) segundo a qual “... a análise dos objetivos constitui um caminho produtivo para compreender o funcionamento académico e social” do estudante.

Em resumo: os resultados indicam um ajustamento global aceitável do M.A.E., sugerindo a consideração de múltiplas dimensões da adaptação escolar: social, académica e familiar. Os resultados sugerem que o perfil de um estudante competente e bem adaptado ao 2º ciclo do ensino básico estrutura relações positivas com os pares (é aceite no grupo pares e tem amigos), comportamentos adequados em sala de aula; autoperceções positivas de competência, orientação para objetivos sociais, sucesso académico e um background familiar elevado. Os resultados obtidos contribuem para consolidar uma conceção multifacetada da adaptação escolar, tal como preconizada por diversos autores (Berndt & Keefe, 1995; Juvonen & Wentzel, 1996; Ladd, 1990, 2006; Perry & Weinstein, 1998; Schaefer & Edgerton, 1978; Wentzel, 2003, 2004).

A dimensão NSEC da família aparece relativamente bem integrada na estrutura do M.A.E. e associa-se, tal como indica a literatura (Cruz, 2005; Hoff et al., 2002; Magnuson & Duncan, 2002; Rubin et al., 2006), todavia não de forma uniforme, a resultados sociais e académicos do estudante. A presente investigação concorreu especialmente para evidenciar a conexão entre os domínios social e académico na adaptação escolar. Estas constatações apoiam outras pesquisas (e.g., Berndt & Keefe, 1996; Gresham & Elliott, 1990; Juvonen & Wentzel, 1996; Lemos & Meneses, 2002; Rubin et al., 2006; Urdan & Maehr, 1995; Vaughn & Hogan, 1990; Wentzel, 1991a,b, 2005, 2009) que apontam o estudante com sucesso académico como socialmente competente, já que distintas componentes da competência social – aceitação dos pares, relações de amizade, comportamento social em sala de aula, perceções pessoais de competência e objetivos sociais – estão associadas à competência académica. Efetivamente, o sucesso da adaptação ao meio escolar parece suceder da competência social e da competência académica do estudante.

 

Conclusões e direções futuras

Os resultados evidenciaram uma estreita relação entre as variadas facetas da adaptação escolar preconizadas neste estudo, incluindo quer o ajustamento social do estudante quer o sucesso escolar. Os resultados corroboram assim a pertinência da conceção multidimensional do M.A.E. delineado, comprovando associações entre várias componentes da competência social e destas com a realização académica do estudante (e.g., Berndt & Keefe, 1995; Juvonen, & Wentzel, 1996; Ladd & Burgess, 2001; Ladd & Troop-Gordon, 2003; Lemos & Meneses, 2002; Meneses, 2011; Perry & Weinstein, 1998; Wentzel, 2003, 2004). Mais especificamente os resultados deste estudo acentuam a forte componente social da adaptação escolar, indo ao encontro da premissa de que o sucesso escolar resulta da promoção de fatores subjacentes à adaptação social na escola (Ryan & Shim, 2008; Wentzel, 2003, 2005, 2009).

Do ponto de vista metodológico, esta investigação utilizou procedimentos de recolha e de análise de dados que lhe conferem uma especial validade, em particular a constituição de uma amostra diversificada de estudantes pré-adolescentes; a administração de instrumentos de avaliação adaptados à população portuguesa e à faixa etária da pré-adolescência; a avaliação multi-informante, com o recurso às perceções dos próprios estudantes, pares e professores, não se cingindo apenas a medidas de autorrelato; a opção por uma análise por equações estruturais; a distinção entre a aceitação pelos pares e as relações de amizade.

O estudo apresenta algumas limitações que deverão ser consideradas na interpretação dos seus resultados. Apesar de estes resultados suportarem o modelo interativo entre as várias dimensões consideradas, não foi avaliada a existência de uma medida global de adaptação escolar. Análises futuras poderão recorrer a análises confirmatórias com fatores de primeira e de segunda ordem, que poderão incluir relações hierárquicas entre as dimensões da adaptação escolar, procurando elucidar a contribuição de cada uma e de consolidar a concetualização de adaptação escolar. Será ainda importante, em pesquisas posteriores, replicar este modelo junto de amostras representativas e de outras idades e analisar eventuais especificidades.

Os contributos de uma investigação também se descobrem nas pistas que esta proporciona para futuras pesquisas. Será igualmente interessante em futuros estudos avaliar a qualidade das relações de amizade (Rubin et al., 2006), contemplando não apenas o número de amigos, mas também a identidade do amigo e a qualidade da relação de amizade (Wentzel, 2005). Um outro aspeto essencial a contemplar, no plano relacional, é a relação professor-estudante; de facto, a investigação (e.g., Wentzel, 1996b, 1998; Wentzel & Looney, 2007) tem mostrado associações significativas entre aspetos do relacionamento professor-estudante e a adaptação social e académica do estudante. Será igualmente importante dar uma maior atenção, em estudos subsequentes, ao papel do NSEC da família na adaptação escolar, eventualmente sendo analisada como variável de controlo na adaptação escolar.

Resumindo: esta investigação respondeu aos objetivos delineados ao constituir uma tentativa para o progresso na concetualização da adaptação escolar mediante a construção do modelo compreensivo, certamente mais complexo e próximo da realidade, observando-se a natureza multifacetada e interativa de dimensões sociais, académicas e familiares da adaptação escolar na pré-adolescência. O reconhecimento da relevância da competência social e da realização académica positiva para o sucesso da adaptação escolar, coloca aos profissionais da educação e aos investigadores do domínio do desenvolvimento humano e da educação o desafio da elaboração, implementação, e avaliação de programas de intervenção nesta área da adaptação escolar.

 

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CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Helena Isabel Monteiro Menezes, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, R. Alfredo Allen 535, 4200-135 Porto, Portugal. E-mail: himmenezes@gmail.com

 

Submissão: 07/07/2015 Aceitação: 25/05/2016

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