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Revista Portuguesa de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0870-9025

Rev. Port. Sau. Pub. vol.34 no.3 Lisboa out. 2016

https://doi.org/10.1016/j.rpsp.2016.06.006 

ARTIGO ORIGINAL

 

Fatores associados às fases de comportamento alimentar de usuários dos restaurantes populares em Belo Horizonte/MG‐Brasil

Factors associated with phases of feeding behavior in users of popular restaurants in Belo Horizonte/MG, Brazil

 

Isabel Cristina Bento a, Jullyane Hott Filgueiras a, Mery Natali Silva Abreu b, Simone Cardoso Lisboa Pereira c, Maria Flávia Gazzinelli b

a Programa de Pós‐graduação em Educação em Saúde e Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

b Departamento de Enfermagem Aplicada, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

c Departamento de Nutrição, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

Associaram‐se as fases de mudança de comportamento alimentar de usuários de restaurantes populares aos aspectos: sociodemográfico, estado nutricional e hábito alimentar. Elaborou‐se um estudo descritivo analítico, conduzido com 1.656 usuários de restaurantes populares de Belo Horizonte‐MG. Coletaram‐se dados sociodemográficos. Os estádios e fases de mudança do comportamento alimentar foram apurados por meio de questionários estruturados. Os fatores associados à fase de ação foram: mulheres, classes econômicas A e B, ensino superior, excesso de peso e bons hábitos alimentares. À fase de pré‐ação associaram‐se: homens, classes econômicas D e E, ensino fundamental, sem excesso de peso e hábito alimentar regular. Encontrou‐se associação entre as variáveis estudadas.

Palavras‐chave: Restaurantes. Estádios de mudança. Hábitos alimentares. Promoção da saúde.

 

ABSTRACT

Phases of change in feeding behavior of users of popular restaurants were associated to: sociodemographic aspects, nutritional status and dietary habits. An analytical descriptive study was conducted with 1656 users of popular restaurants in Belo Horizonte‐MG. Sociodemographic data, stages and phases of dietary change were assessed through structured questionnaires. The associated action phase factors were: women, economic classes A and B, higher education, overweight and good eating habits. To the pre‐action phase the association was: men, economic classes D and E, elementary education, not overweight, and regular eating habits. An association between the studied variables was observed.

Keywords: Restaurants. Stages of change. Food habits. Health promotion.

 

Introdução

O Brasil tem sido palco de mudanças nos modos de vida das populações, especialmente no padrão de consumo alimentar, acompanhando uma tendência mundial3. Mundialmente tem‐se observado o crescimento do número de pessoas que realizam suas refeições fora do domicílio, comprometendo a qualidade nutricional da principal refeição diária, ao substituí‐la por alimentos ultraprocessados e de consumo rápido e/ou ricos em carboidratos, açúcares, gorduras, sódio, e praticamente isentos de fibras alimentares, conferindo‐lhes alta densidade energética1,2.

Em face desse cenário, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), por meio do Programa Restaurante Popular, vem criando uma rede de proteção alimentar em áreas de grande circulação de pessoas que realizam refeições fora do domicílio3. Esse programa tem como objetivo apoiar a implantação e a modernização de restaurantes populares geridos pelo setor público municipal e estadual, visando a ampliação de oferta de refeições saudáveis e a preços acessíveis, reduzindo, assim, o número de pessoas em situação de vulnerabilidade nutricional. Ademais, o programa preconiza que os restaurantes populares funcionem como espaços multiuso para o desenvolvimento de diversas atividades, tais como a educação alimentar3.

No contexto dessa educação, destaca‐se a importância de um comportamento alimentar saudável, ou seja, adequado sob o ponto de vista qualitativo e quantitativo, e variado, oferecendo de forma equilibrada todos os nutrientes necessários para cada fase do curso da vida, contribuindo para a prevenção de doenças e agravos não‐transmissíveis (DANT) e a promoção da saúde3,4. Uma alimentação segura, sob o aspecto sanitário e tecnológico (organismos geneticamente modificados), e disponível, garantindo acesso físico e financeiro à mesma, além de atrativa e em conformidade com a cultura alimentar destes usuários5.

No entanto, a adoção de uma refeição saudável envolve mudanças no comportamento alimentar, o qual se traduz em procedimentos relacionados às práticas alimentares de grupos humanos associados aos aspectos subjetivos individuais e coletivos, culturais e sociodemográficos4,6.

O comportamento alimentar é complexo, multifacetado e envolve uma gama de fatores; para modificá‐lo é preciso entender a relação entre os elementos que o influenciam e seus determinantes. Sabe‐se que estes não agem isoladamente, mas sim dentro de uma cadeia complexa com relações conjuntas de uns sobre os outros. Há os fatores sociodemográficos bem como os determinantes comportamentais, psicossociais (representações sociais) e sociocognitivos (como a motivação, a autopercepção, a autoconfiança e a expectativa com os resultados), os quais contribuem para definir o perfil nutricional de um indivíduo, trazendo repercussões importantes ao seu estado de saúde4.

Para compreender o comportamento alimentar dos indivíduos, atualmente, tem‐se utilizado o modelo transteórico, também chamado de modelo de estágios de mudança de comportamento, importante instrumento para subsidiar as intervenções no estilo de vida das populações7,8. Esse modelo sugere que, embora as pessoas percebam que precisam realizar mudanças em seus comportamentos, elas as fazem em estágios ao invés de realizarem de forma abrupta7,8.

Estudos no campo da alimentação têm demonstrado uma estreita relação entre o consumo alimentar e os estágios de mudança desejada, caracterizada por um incremento no consumo de frutas e hortaliças9–11 e redução no consumo de gorduras7,9, em indivíduos que se encontram nos estágios de ação e manutenção, relativamente aos estágios iniciais. Nitzke et al.12 avaliaram a efetividade de uma intervenção educacional baseada no modelo transteórico, comparada a um controle, para o aumento do consumo de frutas e vegetais, em 2.024 adultos jovens. Os participantes do grupo que receberam intervenção apresentaram maior progressão para os estágios de ação e manutenção (66%) que o grupo controle (55%).

Com base no exposto, o presente trabalho teve por objetivo traçar o perfil sociocognitivo, associando as fases de mudança de comportamento alimentar aos aspectos sociodemográficos e nutricionais dos usuários dos restaurantes e refeitórios populares de Belo Horizonte/Minas Gerais (MG), Brasil. Conhecendo estes elementos é possível planejar uma intervenção de educação alimentar direcionada para grupos de usuários desses estabelecimentos.

 

Métodos

Estudo transversal descritivo e de caráter analítico realizado com frequentadores dos restaurantes populares do município de Belo Horizonte/MG, Brasil. Trata‐se de um eixo do projeto de pesquisa «Prevalência domiciliar de segurança/insegurança alimentar dos usuários dos restaurantes populares de Belo Horizonte/MG».

Estes restaurantes fazem parte de uma política pública de inclusão social, que atende a uma expressiva parcela da população, ofertando 14 mil refeições/dia. Esses estabelecimentos estão localizados em áreas centrais da cidade, próximas a locais de transporte de massa ou em áreas periféricas com grande aglomeração da população em situação de risco social e nutricional. Atualmente, existem e estão em funcionamento em Belo Horizonte: Restaurante Popular Herbert de Souza (RPI), Restaurante Popular Josué de Castro (RPII), Restaurante Popular Maria Regina Nabuco (RPIII), Restaurante Popular Dom Mauro Bastos (RPIV) e Refeitório Popular da Câmara Municipal João Bosco Murta Lages (RPV).

Os dados foram coletados no período de setembro de 2009 a fevereiro de 2011. Para isso capacitou‐se uma equipe composta de 15 acadêmicas dos Cursos de Graduação em Nutrição, em sua maioria, e de Gestão de Serviços de Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para aplicar o protocolo de coleta de dados e realizar as aferições antropométricas em todas as unidades, seguindo os critérios da amostragem por cotas13.

Para se estabelecer o tamanho da amostra foi necessário medir o fluxo semanal, tendo em vista que não existe cadastro dos frequentadores dos restaurantes populares, apenas o número de refeições vendidas diariamente. A partir destes valores, calculou‐se a amostra de usuários de cada estabelecimento13:

A amostra apurada de adultos usuários dos restaurantes populares de Belo Horizonte nos estabelecimentos RPI, RPII, RPIII, RPIV e RPV foi de 372, 370, 260, 331 e 280, respectivamente, perfazendo uma amostra total de 1.613 usuários por dia.

Além do cálculo amostral, foi definido que a coleta das informações seria realizada por cotas, respeitando a distribuição por sexo e grupo etário dos usuários e por refeições realizadas em cada estabelecimento. Essa alternativa foi adotada uma vez que não seria possível realizar um sorteio aleatório dos entrevistados13.

Durante a espera para abertura e durante o funcionamento dos estabelecimentos, os usuários foram convidados a participar de uma entrevista face a face e em seguida de uma avaliação antropométrica.

 

Variável dependente

Os estágios de mudança de comportamento foram avaliados por meio de entrevistas com os sujeitos. Para tal, utilizou‐se questionário proposto por Ling e Horwath10, cuja adaptação foi realizada por Zaccarelli14, para identificar estágios de mudança para adoção de hábitos alimentares saudáveis.

Este questionário é composto por perguntas que permitem verificar os seguintes estágios: 1) pré‐contemplação em que o indivíduo ainda não considerou fazer uma mudança em seu comportamento; 2) contemplação em que o indivíduo identifica o problema de comportamento e começa a considerar uma possibilidade de mudança, mas ainda não está comprometido a fazer uma mudança; 3) preparação em que o indivíduo pretende alterar o seu comportamento dentro de 30 dias; 4) ação em que o indivíduo coloca em prática seus planos de mudança e altera o seu comportamento, suas experiências ou seu ambiente de modo a superar as barreiras antes percebidas; e 5) manutenção em que os indivíduos trabalham para consolidar a mudança e os ganhos obtidos durante a ação, prevenindo recaídas que são o retorno a estágios anteriores, retomando hábitos não desejáveis9.

Esses estágios, para fins deste estudo, foram agrupados em 2 fases: pré‐ação, que corresponde aos estágios de pré‐contemplação, contemplação, preparação, em que se trabalha a conscientização do indivíduo sobre a necessidade das mudanças9; e a fase de ação, que corresponde aos estágios de ação e manutenção, em que se trabalha o desenvolvimento da autoconfiança e do autocontrole do indivíduo, possibilitando‐lhe perceber sua capacidade em manter o comportamento desejado, uma vez que este indivíduo já sabe enfrentar os diferentes desafios para a mudança de seus hábitos alimentares9.

A classificação denominada recaída não será analisada neste estudo, por não ser um estágio de mudança de comportamento e, portanto, não fazer parte de uma das fases: pré‐ação e ação. Isto, pois o algoritmo empregado, nesta etapa do projeto, não oferece a possibilidade de reclassificação desses sujeitos em recaída. Este grupo fará parte de estudos futuros, com aplicação de outros instrumentos de análise de mudança do comportamento alimentar associados à análise de consumo.

 

Variáveis independentes

Os fatores sociodemográficos foram obtidos por meio de um questionário semiestruturado previamente testado. Foram incluídos participantes adultos e idosos de ambos os sexos. Os participantes foram classificados segundo ocupação: «Não trabalha» (não trabalha, estudante e aposentado/pensionista) e «Trabalha» (trabalhador formal, autônomo). Para classificação socioeconômica, adotou‐se o Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB)15: A1 (renda familiar bruta de R$ 11.480,00), A2 (renda familiar bruta de R$ 8.295,00), B1 (renda familiar bruta de R$ 4.754,00), B2 (renda familiar bruta de R$ 2.656,00), C1 (renda familiar bruta de R$ 1.459,00), C2 (renda familiar bruta de R$ 962,00), D (renda familiar bruta de R$ 680,00), E (renda familiar bruta de R$ 415,00). Neste estudo as classes econômicas foram agrupadas em: A e B, C, D e E. Classificou‐se também os usuários quanto ao «Situação conjugal»: 1) sem parceiro(a) (nunca casou, viúvo, divorciado, separado) e 2) com parceiro(a) (casado/morando junto); e Escolaridade: 1) «Até o ensino fundamental» (saber ler, fundamental primeiro e segundo ciclo); 2) «Ensino médio» (completo e incompleto); 3) «Ensino Superior» (completo e incompleto e pós‐graduação).

Para medida do peso, utilizou‐se uma balança digital Plenna® com capacidade para 150 Kg e precisão de 100 g. E para a estatura utilizou‐se um estadiômetro Alturexata® com intervalo 0‐1,80 m e precisão de 1 mm. Aferiram‐se, com o mínimo de roupas e sem sapatos, estas medidas 2 vezes, calculando‐se a média aritmética por pessoa.

A avaliação antropométrica do estado nutricional foi realizada por meio do cálculo do índice de massa corporal (IMC) como a razão do peso em quilogramas pelo quadrado da estatura em metros (kg/m2). O diagnóstico nutricional foi feito como preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)16 para adultos (≥ 20 e < 60 anos de idade) que tem como classificação: «baixo peso» (IMC menor que 18,5 Kg/m2), «eutrofia» (IMC entre 18,5‐24,9 Kg/m2), «sobrepeso» (IMC entre 25‐29,9 Kg/m2) e obesidade (IMC maior ou igual a 30 Kg/m2). Utilizou‐se a classificação segundo Lipschitz17 para idosos (≥ 60 anos de idade): «baixo peso» (IMC menor que 22,00 /m2), «eutrofia» (IMC entre 22,00‐27,00 Kg/m2), «sobrepeso» (IMC maior que 27,00 Kg/m2). Posteriormente, as variáveis «baixo peso» e «eutrofia» foram agrupadas e recodificadas como «sem excesso de peso» e as variáveis «sobrepeso» e «obesidade», também foram agrupadas e recodificadas como «com excesso de peso».

O hábito alimentar foi verificado por meio de um questionário elaborado pelo Ministério da Saúde‐ Brasil18, baseado no Guia Alimentar para a População Brasileira19. Este instrumento avalia as porções do grupo das frutas, hortaliças e cereais, carne, leguminosas e leite, alimentos ricos em gorduras e açúcares; tipo de gordura utilizada para o preparo; consumo de gordura saturada e colesterol, e sal de adição; número de refeições; ingestão de água e de bebidas alcoólicas; o uso de informações nutricionais dos rótulos de alimentos como orientação para alimentação saudável; e prática de atividade física. Cada resposta do questionário recebe uma pontuação, sendo 10 questões com valores por resposta que variam de 0‐3 e 8 questões com variação de 0‐4 (pontuação máxima = 62 pontos).

Tendo como base os escores obtidos pelas respostas do questionário acima descrito, o hábito alimentar dos sujeitos avaliados foi classificado em 3 categorias (avaliação global)18. Para o presente estudo, essas categorias foram nomeadas como: 1) hábito alimentar «Ruim» (escore até 28 pontos), em que o indivíduo precisa tornar sua alimentação e estilo de vida mais saudáveis; 2) hábito alimentar «Regular» (escore de 29‐42 pontos), o indivíduo deve ficar atento quanto à sua alimentação e à prática de atividade física; 3) hábito alimentar «Bom» (escore de 43 pontos ou mais) – o indivíduo apresenta um modo de vida saudável (alimentação saudável e pratica atividade física).

 

Análise estatística

Utilizou‐se o programa Epi‐data versão 3.1 para montagem do banco de dados e os softwares Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 19.0 for Windows e Data Analysis and Statistical Software (STATA) 10.0 para análise dos dados. Na análise estatística foram realizados estudos descritivos com construção de tabelas de distribuição de frequências. Na análise univariada, para verificar os fatores associados à fase de ação utilizou‐se o teste qui‐quadrado de Pearson. Na análise multivariada utilizou‐se o modelo de Poisson com variâncias robustas para estimação da medida de risco razão de prevalência. A utilização desse modelo justifica‐se pelo delineamento do estudo (transversal) e pela alta prevalência do desfecho em estudo (fases de mudança de comportamento)20. Para entrada das variáveis no modelo considerou‐se um valor‐p menor que 0,20 na análise univariada. Realizou‐se modelagem do tipo backward, com retirada das variáveis do modelo uma a uma conforme o valor‐p. Para permanência no modelo final considerou‐se um nível de significância de 5% (p < 0,05). Estimou‐se a razão de prevalência com respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%) para todas as variáveis explicativas analisadas, tanto na análise univariada, quanto após o ajuste na análise multivariada. O ajuste do modelo foi validado por meio da estatística Deviance.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, sob o protocolo de número 143/09.

 

Resultados

Observando‐se os resultados da tabela 1, obteve‐se uma amostra de 1.656 indivíduos, a maioria do sexo masculino (71,0%), com média de idade de 42,34 (± 16,70) anos, com predominância de usuários com idade economicamente ativa (18‐30 anos) e madura (31‐49 anos), o que corroborou com a ocupação, com maior prevalência de usuários que trabalham; e predominância da classe econômica C, tendo flutuações maiores entre os estabelecimentos no que concerne às classes econômicas extremas (A e B; e D e E); e prevalência de usuários com estado referido como «sem parceiros».

 

 

Em relação à escolaridade (tabela 1), nota‐se maior proporção de usuários dos restaurantes populares com ensino médio. No entanto, observou‐se em apenas um dos restaurantes uma maior prevalência dos usuários com ensino fundamental.

No que se refere à avaliação antropométrica do estado nutricional, observa‐se maior prevalência de indivíduos sem excesso de peso (classificação IMC «baixo peso» mais «eutrofia») em todos os locais estudados (p = 0,061). No entanto, a prevalência de excesso de peso nos usuários (classificação IMC «sobrepeso» mais «obesidade»), de um modo geral, foi elevada. Observa‐se que no RPV esta prevalência chegou a quase metade dos usuários avaliados (tabela 1).

Quanto ao hábito alimentar, houve predominância daquele classificado como «regular» na avaliação dos usuários de todos os estabelecimentos (p = 0,337), o que indica que os mesmos não adotam uma alimentação considerada adequada. No entanto, observou‐se uma maior proporção de usuários com um hábito alimentar «bom», em comparação àqueles classificados como «ruim» (tabela 1).

De acordo com os resultados apresentados na tabela 2, em todos os estabelecimentos verificou‐se que os estágios mais prevalentes foram pré‐contemplação e manutenção. Porém, observou‐se diferenças quanto às frequências de usuários nos diferentes estágios entre os estabelecimentos (p = 0,003).

 

 

Ainda na tabela 2, ao agrupar os usuários em fases de mudança de comportamento alimentar, verificou‐se uma maior frequência deles na fase de ação (52,9%), que engloba os estágios de ação e manutenção, em comparação ao estágio de pré‐ação (47,1%), que engloba os estágios de pré‐contemplação, contemplação e preparação.

Porém, ao comparar as referidas fases dos usuários, por estabelecimento, verificou‐se que houve diferença estatisticamente significativa (p = 0,001). Nos restaurantes RPI e RPIII houve maior prevalência de usuários classificados na fase de pré‐ação. Já nos restaurantes RPII, RPIV e refeitório RPV houve maior prevalência de usuários classificados na fase de ação.

Na análise univariada, buscando os fatores sociodemográficos e nutricionais associados às fases de mudança de comportamento do modelo transteórico, observou‐se associação significativa (p < 0,05) e maior prevalência da fase de ação para os entrevistados do sexo feminino, que trabalham, das classes sociais A e B, com escolaridade superior, com excesso de peso e hábito alimentar bom (tabela 3).

 

 

Os resultados da análise multivariada, obtidos pelo modelo final da regressão de Poisson, são apresentados na tabela 4. Nesse modelo final as seguintes variáveis apresentaram‐se associadas à fase de pré‐ação para mudança do comportamento alimentar, com significância estatística observada menor ou igual a 5%: ser do sexo masculino (RP = 1,48; IC95% 1,23‐1,79); pertencer às classes econômicas D e E (RP = 1,25; IC95%: 1,00‐1,57); possuir o ensino fundamental (RP = 1,55; IC95%: 1,21‐2,00); não apresentarem excesso de peso (RP = 1,43; IC95% 1,33‐2,28); referirem possuir hábito alimentar «regular» (RP = 2,55; IC95% 1,87‐3,46).

 

 

Os fatores que se mostraram associados à fase de ação foram: ser do sexo feminino (RP = 1,30; IC 95% 1,17‐1,44); pertencer às classes econômicas A e B (RP = 1,21; IC95% 0,94‐1,33); possuir o ensino superior (RP = 1,44; IC95% 0,20‐1,71); apresentarem excesso de peso (RP = 1,28; IC95% 0,16‐1,43); e relatarem possuir hábito alimentar «bom» (RP = 2,20; IC95% 1,55‐3,12).

 

Discussão

O presente estudo identificou o perfil psicossocial associando‐o a aspectos sociodemográficos e nutricionais dos usuários dos restaurantes populares de Belo Horizonte/MG, Brasil. A importância da análise e da associação dos fatores encontrados decorre, sobretudo, da possibilidade de se planejar uma intervenção no campo da educação alimentar cujas estratégias de promoção da alimentação saudável estejam direcionadas para cada perfil identificado nestes estabelecimentos20.

Verificou‐se que o perfil sociodemográfico dos usuários dos restaurantes populares vão ao encontro do perfil do público‐alvo almejado pelo Programa Restaurante Popular21, bem como ao perfil encontrado nos estudos de Gobato, Panigassi e Villalba22 e Gonçalves, Campos e Sarti23, que são trabalhadores em idade economicamente ativa e de classe econômica baixa.

Quanto às fases de mudança de comportamento do modelo transteórico, observou‐se que uma maior proporção de usuários dos restaurantes populares concentra‐se na fase de ação, sendo a maioria no estágio de manutenção. Este resultado pode‐se dever ao fato destes usuários terem alterado e/ou terem mantido um seu comportamento para uma alimentação saudável há mais de 6 meses8,20. Uma segunda hipótese seria o fato de estes usuários terem uma preocupação em se alimentar de forma saudável.

Gobato et al., Panigassi e Villalba22, em estudo com usuários de um restaurante popular, verificaram que esse público manifesta a preocupação das pessoas em consumirem alimentos. Ademais, destacam que a assiduidade a esses restaurantes revela não somente a busca por refeições balanceadas e saudáveis bem como para alocar a renda na compra de outros bens, uma vez que os restaurantes servem refeições a preços acessíveis. Deste modo eles cumprem com o seu papel social na medida em que a população pode ter acesso a alimentos saudáveis.

Uma terceira hipótese é o fato da alimentação destes usuários ter sido modificada após começarem a frequentar o restaurante popular. O estudo de Araújo, Almeida e Bastos24 cujo objetivo foi averiguar aspectos alimentares e nutricionais dos usuários do «Restaurante Popular Mesa do Povo», situado em Fortaleza (CE), Brasil, verificou que a frequência do restaurante popular pode contribuir para uma melhora dos hábitos alimentares da população que o utiliza. Este fato evidencia a importância desses restaurantes na promoção da segurança alimentar e nutricional de seus usuários.

No que concerne aos aspectos nutricionais, tanto a avaliação antropométrica do estado nutricional, quanto a avaliação da qualidade da dieta (hábito alimentar) se associaram positivamente às fases de mudança de comportamento alimentar para alimentação saudável.

Quanto ao aspecto antropométrico, estudo realizado no Brasil encontrou menor prevalência de sobrepeso e obesidade para os homens com menor renda domiciliar e o inverso para as mulheres1. Esses achados corroboram, em parte, o presente estudo, no que se refere ao grupo em pré‐ação, pois neste, prioritariamente, os homens apresentaram peso adequado. Em contraponto, o grupo em ação, majoritariamente, revelou excesso de peso entre as mulheres de classes econômicas mais elevadas.

Algumas das razões apontadas para a relação direta entre nível econômico e excesso de peso nos homens se referem à proteção natural contra a enfermidade que seria encontrada entre os estratos sociais menos favorecidos em face da escassa disponibilidade de alimentos e do perfil de intensa atividade física que seriam característicos dos mesmos25.

Por outro lado, o excesso de peso verificado na fase de ação pode sugerir que essas mulheres têm realizado mudanças na sua alimentação, no sentido de perderem peso, e podem ter migrado de um estado de obesidade para o de sobrepeso. Entretanto, tal hipótese não pode ser testada neste estudo, uma vez que não foi verificado o peso prévio da população, apenas o atual. Ademais, como o comportamento em questão é mais genérico (alimentação saudável), tende‐se a ter maior número de indivíduos em manutenção do que em comportamentos mais específicos26, como efetivamente observado nesse estudo.

No que concerne à qualidade da dieta, alguns estudos demonstram que a escolaridade pode influenciar sobre uma dieta mais saudável, já que pessoas com maior educação possuem mais acesso a informação e a alimentos com maior qualidade27, o que vai ao encontro dos resultados deste estudo.

Ao comparar a avaliação da qualidade da dieta com os estágios de mudança de comportamento alimentar para alimentação saudável, verificou‐se que a maioria dos indivíduos em pré‐ação deveriam ficar atentos à sua alimentação, hábito alimentar regular.

Por sua vez, a alimentação considerada saudável foi mais prevalente entre os indivíduos em ação, corroborando as características dos próprios estágios de ação e manutenção7.

Quantos aos aspectos sociodemográficos, observou‐se que o gênero, a escolaridade e a classe econômica estiverm estiveram positivamente associados ao perfil de comportamento alimentar dos participantes. Segundo Souza et al.28 e Castro Junior29, a escolaridade e a renda familiar estão associadas aos padrões de consumo e às mudanças no comportamento alimentar dos sujeitos. Ressalta‐se que, embora observadas as distintas classes econômicas na população estudada, predominou a classe econômica C em todos os estabelecimentos e as classes D e E, no geral, foram similares às prevalências de A e B. Portanto, os restaurantes atendem, prioritariamente, o público de baixa renda, o que vai ao encontro do objetivo principal do programa3.

Na fase de pré‐ação predominaram homens de classe econômica baixa, com ensino fundamental. Já na fase de ação, predominaram mulheres de classe econômica alta, com ensino superior. A escolaridade e a renda influenciam no comportamento alimentar30, refletindo nos estágios de mudança. Os homens e indivíduos de baixa escolaridade apresentaram maior probabilidade de serem classificados na fase de pré‐ação, enquanto as mulheres e indivíduos de nível educacional superior apresentaram maior probabilidade de serem classificados na fase de ação31,32.

Uma limitação vivenciada por este estudo foi que a classificação nos estágios de mudança de comportamento alimentar foi baseada nas respostas individuais, ou seja, conforme autorrelatos, subjetivos e espontâneos, para a questão proposta, o que pode gerar um viés entre a percepção do indivíduo e o seu comportamento alimentar real8. Nesse sentido, uma abordagem holística é imprescindível para enfrentar o desafio de motivar os indivíduos para a adoção de uma alimentação saudável. A ampliação do conhecimento sobre os inúmeros determinantes do comportamento alimentar, incluindo os subjetivos, é importante para superar o desafio de transformar informações científicas de nutrição em mudanças reais das práticas alimentares.

Ainda em relação à classificação dos estágios de mudança de comportamento alimentar, nota‐se no algoritmo empregado a limitação de não possibilitar a reclassificação dos sujeitos em recaída. Pretende‐se, em estudos futuros, analisar o comportamento deste grupo, pois a recaída no processo de mudança de comportamento pode ocorrer em qualquer estágio ou fase, pode ou não ser seguido por uma interrupção do processo de mudança de comportamento e pode caracterizar‐se como retorno ao comportamento de risco8–12.

Outra limitação é a escassez de estudos em restaurantes populares, assim como a utilização do modelo transteórico com usuários desses estabelecimentos, para comparações. Além disto, o fato de ser um estudo transversal, não torna possível afirmar a causa do desfecho das associações encontradas, pois as exposições e o desfecho foram avaliadas em um mesmo momento, e assim os resultados devem ser interpretados com cautela.

Considera‐se como ponto positivo deste estudo as análises uni e multivariadas para comparação dos fatores sociodemográficos e nutricionais associados às fases de mudança de comportamento alimentar entre os usuários dos restaurantes e refeitório populares de Belo Horizonte‐MG.

 

Considerações finais

O presente estudo demonstrou que existe associação entre as fases de mudança de comportamento alimentar e os aspectos sociodemográficos (gênero, escolaridade e classe econômica) e os aspectos nutricionais.

Este estudo contribuiu para melhor entendimento entre os fatores que se associam às fases de mudança de comportamento alimentar dos usuários dos restaurantes populares de Belo Horizonte/MG, Brasil. Estes achados contribuirão para subsidiar ações educativas voltadas para a promoção de uma alimentação mais saudável nestes estabelecimentos. Defende‐se aqui que o estudo do comportamento alimentar é um importante elemento para o sucesso de intervenções educativas alimentares e nutricionais e que as metodologias que possibilitem maior aprofundamento sobre os determinantes desses comportamentos são fundamentais para a garantia de impacto nas ações de promoção a hábitos alimentares saudáveis.

 

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Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

Recebido 27 de Setembro de 2014
Aceito 27 de Junho de 2016

 

Autor para correspondência:

evmepia@gmail.com