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Revista de Ciências Agrárias
versão impressa ISSN 0871-018X
Rev. de Ciências Agrárias vol.42 no.4 Lisboa dez. 2019
https://doi.org/10.19084/rca.18776
ARTIGO
Hidrólise enzimática na fabricação de melado de cana-de-açúcar
Enzymatic hydrolysis in sugarcane syrup artisanal processing
João Expedito Emídio1, Marta Regina Verruma-Bernardi1, Mariana Altenhofen da Silva1, Marta Helena Fillet Spoto2 & Maria Teresa Mendes Ribeiro Borges1,*
1 Universidade Federal de São Carlos/Centro de Ciências Agrárias C.P.153, 13600-970 - Araras-SP, Brasil
2 Universidade de São Paulo - USP Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" - ESALQ, Brasil
(*E-mail: mtmrborg@ufscar.br, verruma@ufscar.br)
RESUMO
O objetivo do estudo foi avaliar o processo de hidrólise da sacarose pela ação de enzimas presentes em leveduras de panificação (Saccharomyces cerevisiae)em solução de açúcar VHP e caldo de cana-de-açúcar. Também foi avaliado a produção e caracterização de melado de cana-de-açúcar com inversão parcial da sacarose por adição de leveduras de panificação nas condições selecionadas. Verificou-se que é possível hidrolisar parcialmente a sacarose do caldo de cana-de-açúcar pela ação de enzimas presentes no fermento de panificação, e que o melado fabricado desta forma atende às especificações sendo inclusive preferido entre os consumidores. Os resultados obtidos indicaram uma solução viável e de baixo custo para a produção de melados com teor de açúcares redutores em torno de 30% (com adição de 0,010% de fermento biológico seco instantâneo - FBSI), garantindo assim melhor estabilidade em relação à cristalização da sacarose.
Palavras-chave: melado de cana-de-açúcar; fermento de panificação; hidrólise enzimática.
ABSTRACT
The aim of the study was to evaluate the process of sucrose hydrolysis by the action of enzymes present in bakers yeast (Saccharomyces cerevisiae)in a solution of VHP sugar and sugarcane juice. The production and characterization of sugarcane syrups with partial sucrose inversion by the addition of bakers yeasts on the selected conditions was also evaluated. It was verified that the sucrose from sugarcane juice was partially hydrolyzed by the action of enzymes present in the bakers yeast, and that the syrups produced in this way meet the specifications, being even preferred among consumers. The results obtained indicated a viable and low-cost solution to produce sugarcane syrups with reducing sugar content around 30% (by the addition of 0.010% of instant dry yeast), thus guaranteeing a better stability in relation to sucrose crystallization.
Keywords: sugarcane syrup; bakers yeast; enzymatic hydrolysis.
INTRODUÇÃO
A cana-de-açúcar tem grande importância socioeconômica para o Brasil, uma vez que o país é o maior produtor mundial desta cultura seguido pela Índia e China e cada tonelada tem um potencial energético equivalente ao de 1,2 barris de petróleo (Brasil, 2013).De acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB, 2017), estima-se que na safra 2017/2018 a produção de cana-de-açúcar no país deve chegar a 635,6 milhões de toneladas.
Pequenos produtores rurais usam a cana-de-açúcar como matéria-prima para produzir rapadura, melado, açúcar mascavado e cachaça, que são produtos de boa aceitação no mercado consumidor e de importância econômica em várias regiões brasileiras pelo seu valor energético e nutricional (Delgado e Delgado, 1999).
O melado é empregado na alimentação humana de diversas maneiras, puro ou em misturas com vários tipos de queijo, ralado ou em pedaços; diversos tipos de farinha, biscoitos, bolos ou ainda servido com inhame ou mandioca (Pinto e Coelho, 1983).
O consumo do melado destina-se a pessoas com hábitos alimentares baseados na minimização ou eliminação de aditivos químicos agregados e em produtos que não tenham sido submetidos a rigorosos processamentos industriais (Mendonça et al., 2000).
Para os pequenos produtores rurais, a produção do melado é uma fonte lucrativa no beneficiamento da cana, visto que seu processo envolve equipamentos simples e em pequeno número, podendo ser usada mão-de-obra familiar (Delgado e Delgado, 1999).
No processo de produção do melado, é importante garantir um teor de açúcares redutores acima de 30% em solução para evitar a recristalização da sacarose no produto final. Esta exigência tecnológica deve-se às diferenças nas características químicas das moléculas de açúcar, as quais apresentam diferentes graus de hidratação. Quanto maior o grau de hidratação menor a tendência em formar cristais e, portanto, maior a colaboração no bloqueio da cristalização da sacarose (Kotwal e Shankar, 2009). O grau de hidratação da sacarose é inferior ao dos açúcares redutores (glicose e frutose), por isso a necessidade de altos teores de açúcares redutores no melado.
Para garantir uma alta concentração de açúcares redutores é necessário hidrolisar parte da sacarose presente no caldo. A hidrólise da sacarose gera uma mistura equimolar de glicose e frutose, comercialmente chamada de açúcar invertido. O açúcar invertido é mais doce que a sacarose e mais fácil de ser incorporado em preparações alimentícias visto que este não apresenta problemas de cristalização em soluções concentradas. A inversão da sacarose pode ser obtida por hidrólise ácida ou pelo uso da enzima invertase (E.C.3.2.1.26, β-Dfructofuranosidase) ou exoinulinase (EC 3.2.1.80). O processo enzimático é mais interessante uma vez que evita o escurecimento e os efeitos tóxicos do hidroximetilfurfural (HMF) presente na inversão ácida devido as altas temperaturas e baixo pH. A levedura mesófila Saccharomyces cerevisiae é a principal fonte da enzima para a produção comercial do açúcar invertido. A invertase periplasmática da levedura é uma glicoproteína com atividade ótima em pH 4.55.0 e temperatura de 5560°C (Andjelković et al., 2010; Martínez et al., 2014). O uso de enzimas purificadas é mais eficiente, uma vez que, as reações são específicas e praticamente não geram subprodutos indesejáveis. No entanto, além do custo elevado, estas são de difícil manuseio e não estão facilmente disponíveis no mercado.
O objetivo deste trabalho foi avaliar o processo de hidrólise da sacarose pela ação de enzimas presentes em leveduras de panificação (Saccharomyces cerevisiae) em solução de açúcar VHP (Very High Polarization) e caldo de cana-de-açúcar, bem como a produção e caracterização de melado de cana-de-açúcar com inversão parcial da sacarose por adição de leveduras de panificação nas condições selecionadas.
MATERIAL E MÉTODOS
Material
Para o estudo preliminar da hidrólise da sacarose utilizou-se soluções de açúcar cristal VHP (Very High Polarization) e fermento biológico seco instantâneo (FBSI) adquirido no comércio local (Fermix, Dona Benta®). Para os ensaios com caldo de cana-de-açúcar foi utilizado caldo obtido no Campus da Universidade Federal de São Carlos - Centro de Ciências Agrárias, Araras, SP, da variedade RB855453 (julho de 2015).
Após a seleção da condição adequada para a hidrólise do caldo de cana de açúcar com FBSI, os melados foram produzidos utilizando-se caldo de cana obtidos no Campus da Universidade Federal de São Carlos - Centro de Ciências Agrárias, Araras, SP em três lotes: 1º lote (março de 2015, variedade RB966928); 2º lote (maio de 2015, variedade RB855156); 3º lote (julho de 2015, variedade RB855453). Todos os demais reagentes utilizados foram de grau analítico.
Para a obtenção do caldo de cana-de-açúcar, os colmos foram triturados por máquina desintegradora e prensados a 250 kg/cm2 para obtenção do caldo bruto. A quantidade de caldo extraído foi cerca de 60 kg por lote, posteriormente congelado e armazenado à temperatura de -18 °C até sua utilização.
Estudo da concentração de levedura na hidrólise da sacarose em soluções de açúcar VHP e caldos de cana
Estudou-se o efeito da concentração de levedura nas características físico-químicas e grau de inversão da sacarose de soluções aquosas de açúcar cristal (VHP) 19% m/v. Após a preparação das soluções de açúcar, estas foram aquecidas à temperatura de 55°C em banho termostático, seguida da adição de suspensão do FBSI (10% m/v) na quantidade adequada para se obter as concentrações finais desejadas (0,005, 0,010, 0,015 e 0,020%) e o sistema foi mantido na mesma temperatura pelo tempo de 30 minutos.
Para os ensaios com caldo de cana, procedeu-se ao descongelamento à temperatura ambiente, homogeneização e aquecimento à temperatura de 55 ºC e seguiu-se o mesmo procedimento descrito acima para as soluções de açúcar. Os parâmetros selecionados foram então utilizados para a produção de melados e suas características físico-químicas e sensoriais foram comparadas às do melado sem adição de levedura.
Produção de melado
Os caldos de cana sem e com inoculação de 0,010% m/v de fermento (FBSI) foram aquecidos a 55 ºC, e mantidos por 30 minutos nesta temperatura. Em seguida, os caldos foram aquecidos à temperatura de 105 ºC até se obter uma concentração de sólidos totais de aproximadamente 80 ºBrix (consistência de melado), resfriados a 80 ºC e envasados em frascos de vidro de boca larga, com capacidade de 500 mL. Os frascos foram acondicionados à temperatura ambiente para posterior caracterização físico-química e sensorial.
Análises físico-químicas
As soluções de açúcar, caldos e melados foram caracterizados de acordo com o teor de sólidos solúveis totais (TSS), pH, teor de açúcares redutores (A.R.), e açúcares redutores totais (A.R.T.) (ICUMSA, 2011). O grau de inversão da sacarose (G.I.S) foi obtido pela equação citada por Silva et al. (2013), considerando a pureza média de um caldo de cana de 85% (Rein, 2012).
A atividade de água (aw) foi realizada em medidor Testo 650 (Testo, Lenzkirch, Alemanha). A cor instrumental dos melados foi avaliada utilizando-se um colorímetro Color Meter-Minolta 200b de 8 mm de diâmetro. Registaram-se mudanças na coloração, brilho e saturação das cores através do valor L* (Luminosidade), que varia do negro (L = 0) ao branco (L = 100); do valor a*, que caracteriza coloração na região do vermelho (+a*) ao verde (-a*); e do valor b*, que indica coloração no intervalo do amarelo (+b*) ao azul (-b*). Os valores do hue e croma também foram calculados. O aparelho foi previamente calibrado em superfície branca de acordo com a Comissão Internacional de Iluminação (CIE 1976 L, a*, b* CIELAB) (Minolta, 1994).
Análise sensorial de ordenação de diferença e preferência dos melados
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Seres Humanos da UFSCar, parecer no 721.724. Os testes sensoriais foram realizados no Laboratório de Análise Sensorial, em cabines individuais. As quatro amostras de melados foram apresentadas a 43 avaliadores não treinados em copos plásticos descartáveis de 50 mL, codificados, contendo 20mL de melado. Foi utilizado o teste de ordenação(ABNT, 1994) de diferença em relação à cor (clara escura); brilho (menos brilho mais brilho); aroma melado (fraco forte); aroma fermento (pouco aroma de fermento muito aroma de fermento); gosto doce (menos doce mais doce); gosto ácido (menos ácido mais ácido); viscosidade (menos viscoso mais viscoso). Também foi realizado teste de ordenação de preferência (gostei menos gostei mais).
Análise estatística
Os resultados das análises físico-químicas foram submetidos à análise de variância (ANOVA) e Teste de Tukey para determinar diferenças significativas (p<0,05) entre as médias, utilizando-se o Software Statistica V.5.5 (StatSoft Inc., EUA). Para a análise estatística dos dados dos testes de ordenação utilizou-se o teste de Friedman de acordo com Newell e MacFarlane (1987) para verificar se há ou não diferença significativa a 5% de probabilidade entre amostras.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Análises físico-químicas das soluções de açúcar cristal e caldo de cana-de-açúcar
A caracterização físico-química e os valores do grau de inversão das soluções de açúcar VHP e caldo de cana-de-açúcar submetidos a hidrólise da sacarose com diferentes concentrações de FBSI, temperatura de 55°C e 30 minutos estão apresentados no Quadro 1. Observou-se que, tanto para a solução de açúcar quanto para o caldo, um grau de inversão superior a 25% (que garante um teor de A.R. superior a 25% na solução concentrada), foi obtido em concentrações de FBSI acima de 0,010%.
Os parâmetros em que se obteve um grau de inversão acima de 25%, ou seja, concentração de FBSI 0,010% m/v, temperatura de 55ºC e 30 minutos, foram selecionados para a produção do melado.
A concentração de fermento de 0,005% promoveu um grau de inversão de 23,82%, ou seja, inferior ao desejado e a concentração 0,015% apresentou grau de inversão de 50,52%.
Os valores de TSS e pH do caldo não foram significativamente influenciados pela adição da suspensão de fermento. Isso é esperado, uma vez que, por serem realizadas em condições brandas de temperatura e pH e serem altamente específicas, as reações enzimáticas apresentam poucas reações colaterais e assim formação de substâncias indesejadas que alteram o pH ou o teor de sólidos em solução (Coultate, 2004; Ferreira et al., 2013).
De acordo com os resultados (Quadro 1) observou-se que a concentração de A.R. e o G.I.S. aumentaram como o aumento da concentração de fermento adicionado à solução de açúcar e ao caldo. Uma regressão linear dos dados permite afirmar que estes parâmetros são diretamente proporcionais à concentração de fermento (coeficientes de determinação de 0,97 e 0,99 para A.R. e de 0,99 e 0,99 para G.I.S. na solução de açúcar e no caldo, respectivamente). Isto pode ser explicado pelo facto de que ao aumentar a concentração de fermento, o qual contem a enzima invertase em sua constituição, ocorre aumento da hidrólise da sacarose.
O teor de A.R.T. permaneceu constante em todas as concentrações de fermento estudadas, confirmando que, apesar de ter ocorrido a hidrólise da sacarose do caldo proporcionalmente à concentração de fermento, não houve perda de açúcar no sistema.
Verificou-se um pequeno grau de inversão da sacarose (7,4%) no caldo de cana não tratado, devido à presença de enzimas naturalmente presentes no caldo de cana. O caldo de cana possui em sua constituição natural grande variedade de enzimas, dentre as quais a invertase, sobretudo nas leveduras da espécie Saccharomyces cerevisiae naturalmente presente (Novaki et al., 2010). A invertase também está presente em outros vegetais, em invertebrados, vertebrados, algas verdes, bactérias e fungos em suas diversas isoformas (diferentes formas da mesma proteína), com diferentes propriedades bioquímicas e localização subcelular (invertase neutra, invertase ácida vacuolar, invertase ácida da parede celular e apoplastos), cuja função é hidrolisar a sacarose em glicose e frutose (Leite et al., 2011).
Além disso, o caldo de cana ao ser exposto ao ambiente durante a moagem é contaminado com leveduras selvagens, que contribuem para a hidrólise da sacarose mesmo que este não tenha sido inoculado intencionalmente (Delgado e Delgado, 1999).
Produção do melado
Os resultados das caracterizações físico-químicas dos melados produzidos com caldo de cana-de-açúcar (3° Lote, RB855453), com e sem adição de FBSI estão apresentados no Quadro 2. Os melados produzidos com caldo de cana-de-açúcar sem e com adição de FBSI apresentaram pH naturalmente ácido (5,0). A enzima invertase responsável pela hidrólise, tem seu pH ótimo de atividade no intervalo de pH 4,5 a 5,0, não sendo necessário realizar a correção do pH dos caldos para obtenção dos melados (Quadro 2). Este pH se deve a presença de ácidos orgânicos naturais do caldo, que propiciam um meio favorável à inversão da sacarose e que se concentram com a evaporação, proporcionando ao produto final, juntamente com a atividade de água (aw) de 0,75, uma contribuição para a sua estabilidade, dificultando o crescimento de bactérias patogênicas e alterações de cor que comprometem seu aspecto visual durante o prazo de validade (Franco e Landgraf, 1996).
Os resultados de A.R. são estatisticamente diferentes, demonstrando que houve hidrólise proporcional à concentração de fermento e que a concentração de 0,010% proporcionou um produto final com A.R. de 27,5%, sendo próximo ao valor esperado (30%).
Melados de cana-de-açúcar com altas concentrações de sacarose tendem a sofrer recristalização, o que afeta a qualidade global do produto final. Desta forma, torna-se importante a manutenção dos teores de açúcares redutores em torno de 30% visando impedir o processo de recristalização da sacarose (Delgado e Delgado, 1999).
Os parâmetros obtidos na determinação da cor instrumental dos melados produzidos com caldo de cana-de-açúcar (3° Lote, variedade RB855453), sem e com adição de FBSI, assim como o resultado da cor obtido para os melados produzidos com caldo de cana-de-açúcar do 1° lote (variedade RB966928) e 2º lote (variedade RB855156) com adição de FSBI estão apresentados no Quadro 3.
Na determinação da cor, o parâmetro L* indica a luminosidade e refere-se à capacidade do objeto em refletir ou transmitir luz, variando numa escala de zero a 100. Quanto maior o valor de L*, mais claro é o objeto. O parâmetro a* refere-se à contribuição das cores verde (-)/vermelho(+) e o parâmetro b* às cores azul(-) / amarelo(+). Os valores de L* variaram de 21,5 a 24,6 e a amostra 2 foi considerada a mais clara, enquanto a amostra 4 destacou-se como a mais escura. Entre as amostras 1 e 3 não ocorreu diferença significativa de cor. Pelos valores de hue e croma, observou-se que as amostras 1 a 3 se apresentaram na região mais amarelada e com colorações mais puras e vívidas, enquanto que a amostra 4 se apresentou na região mais avermelhada e coloração menos pura, situada na região do cinza.
Os resultados da cor instrumental obtidos para os melados 1 e 4, os quais foram produzidos a partir do caldo de cana proveniente do 3° lote sem e com adição de fermento, respectivamente, demonstram que a hidrólise do caldo devido a ação do fermento influenciou significativamente a cor do melado, tornando-o mais escuro e avermelhado. Esta tendência pode ser explicada pelo maior teor de açúcares redutores no melado com adição de fermento, tornando o produto mais propenso a reações de escurecimento não-enzimático, como a reação de Maillard.
Os melados 2 e 3, produzidos a partir do caldo de cana do 1° e do 2° lotes, respectivamente, não diferiram significativamente em relação à cor instrumental, indicando que as variedades de cana do 1° e do 2° lote eram semelhantes. Comparando-se os melados 2, 3 e 4, todos obtidos a partir de caldo de cana tratados com a mesma concentração de fermento, porém de lotes diferentes, é possível observar que o caldo do 3° lote era mais escuro em relação aos demais lotes. Esses resultados sugerem que a variedade da cana é importante na avaliação da cor do melado.
Análise sensorial
Os resultados da análise sensorial dos melados produzidos utilizando-se caldos de cana provenientes dos diferentes lotes, sem e com adição de fermento estão mostrados no Quadro 4. Observou-se que, para o atributo cor, as médias obtidas se correlacionam com os resultados obtidos pela análise instrumental da cor dos melados.
A cor é um atributo importante da aparência, pois é percebida no primeiro contato do consumidor com o produto e pode fornecer informações sobre seu processamento. É um parâmetro de qualidade que agrega valor. Verificou-se que os melados 2 e 3 são os que apresentam cor mais clara, seguido do melado 1 e do 4 com coloração mais escura (Quadro 4).
Quanto ao brilho verificou-se que a amostra C apresentou maior somatória, porem sem diferença para a amostra C, ambas apresentaram também cor mais escura. Quanto ao aroma de melado e fermento verificou-se que não houve diferença significativa entre as amostras. Conclui-se que apesar do caldo ser inoculado com uma suspensão de fermento de panificação (FBSI) os melados derivados desse caldo não apresentaram aroma residual de fermento.
Para o gosto doce, as amostras 1 e 2 apresentaram a menor e a maior somatória respectivamente, porém os três tratamentos com fermento FBSI não apresentaram diferença quanto ao gosto doce. Este resultado é coerente, uma vez que, comparado com o Melado 1 (obtido do caldo sem hidrólise da sacarose), os melados que sofreram hidrólise da sacarose pela adição de fermento no caldo (melados 2, 3 e 4) apresentam uma maior concentração de frutose, a qual apresenta um grau de doçura relativa maior que 1 (que corresponde a sacarose).
As amostras 2, 3 e 4 (melados com tratamento) apresentaram-se semelhantes quanto ao gosto ácido, corroborado pelo facto de apresentarem semelhança nos valores de pH (Quadro 2). O facto das reações enzimáticas serem específicas e não provocarem reações secundárias colaterais (Kotwal e Shankar, 2009), torna o processo proposto neste estudo mais interessante do que, por exemplo, a produção de melado com inversão ácida, uma vez que este resultaria em um produto com pH em torno de 3.
A viscosidade está relacionada com a concentração de sólidos solúveis (ºBrix), e é definida como a resistência ao escoamento apresentada pelo melado. Não se observou variação sensorial na viscosidade das amostras, o que era de se esperar uma vez que as concentrações de sólidos solúveis totais no melado foram estatisticamente iguais (Quadro 2).
Quanto à preferência, os melados obtidos com hidrólise proporcionada pela adição do fermento (melados 2, 3 e 4) não apresentaram diferença significativa entre si e foram mais preferidos em relação ao melado sem fermento (melado 1). É interessante notar que, de maneira geral, os avaliadores apresentaram preferência pelos melados mais escuros e mais doces, ou seja, a adição do fermento, para promover a hidrólise parcial do caldo de cana-de-açúcar, interferiu positivamente na preferência do consumidor.
CONCLUSÃO
O estudo mostrou que é possível hidrolisar parcialmente a sacarose do caldo de cana-de-açúcar pela ação de enzimas presentes no fermento de panificação, nas condições do ensaio, e que o melado fabricado desta forma atende às especificações sendo inclusive preferido entre os consumidores. Os resultados obtidos indicam uma solução viável e de baixo custo para a produção de melados com teor de açúcares redutores em torno de 30% (com adição de 0,010% de FBSI), garantindo assim melhor estabilidade em relação à cristalização da sacarose, normalmente associada a um aspecto negativo da qualidade do produto.
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Recebido/received: 2018.06.28
Aceite/accepted: 2019.10.25