INTRODUÇÃO
A construção do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva (EFMA), na região do Alentejo (Sul Portugal), possibilitou o aumento da área regada e a intensificação das culturas de regadio, alterando práticas agrícolas, e promovendo o aumento das áreas de culturas como o olival, o amendoal e a vinha. O desenvolvimento do regadio nesta região tem sido visto na perspetiva dos benefícios que presta, permitindo a diversificação das culturas, a expansão e intensificação agrícola, e a melhoria da economia da região. Esta mudança do uso do solo foi acompanhada pela intensificação de utilização de fatores de produção.
Esta nova realidade do sector agrícola no Alentejo, torna a avaliação da qualidade dos solos, um processo imprescindível para a sustentabilidade do agroecossistema agrário. O desenvolvimento de abordagens de avaliação, integradoras de linhas de evidência química e biológica possibilita uma melhor análise da saúde dos solos agrícolas, permitindo uma gestão mais direccionada e específica. A linha de evidência química para além dos parâmetros agronómicos deve contemplar a análise de substâncias potencialmente tóxicas para o ecossistema como pesticidas e metais. A linha de evidência biológia pode ser desenvolvida com recurso a parâmetros ecotoxicológicos permitindo analisar o efeito das práticas agrícolas em organismos de vários níveis tróficos (Martins et al., 2021).
Assim, o objetivo deste trabalho foi a utilização de uma abordagem integradora (linha de evidência química e biológica) na avaliação de qualidade de solos de parcelas de girassol regado na zona de influência do EFMA.
MATERIAL E MÉTODOS
Local de estudo
O estudo foi desenvolvido no subsistema Ardila, aproveitamento hidroagrícola Brinches-Enxoé (EFMA), em 2 explorações monitorizadas no âmbito do GO FitoFarmGest, regadas por center-pivot, com áreas cultivadas de 14 ha e 15 ha. As amostras de solos foram recolhidas em duas fases distintas do ciclo vegetativo da planta, no período de março/abril (T1) e setembro/outubro (T2) de 2018.
No que diz respeito aos solos analisados estes são predominantemente cambissolos calcários e vertissolos crómicos, no caso da parcela do GR1 e vertissolos pélicos e calcários no caso do GR2 (Tomaz et al., 2021).
Girassol 1 | Girassol 2 | |
Sementeira | 18-04-2018 | 27-04-2018 |
Fertilização | Fundo abril: 20-17-0 (200 kg/ha) Cobertura maio: 3L/ha de 10%N e 2L/ha de 11%B; julho: 2 aplicações (170 L/ha e 120 L/ha) de 27% N; 8%P e 5%S | Fundo abril: 10-20-6 (200 kg/ha) Cobertura maio: 2 aplicações (150 L/ha cada) de 27 %N e 5%S maio: aplicação foliar Boro (1L/ha) |
Monda e tratamento inseticida | abril: pendimetalina (4L/ha) e Deltametrina (0,125 L/ha) | abril: Pendimetalina (4L/ha) |
Dotação de rega (m3/ha) | 2517 | 4606 |
Colheita | 27-08-2018 (3470 kg/ha) | 18-09-2018 (4156 kg/ha) |
Metodologia
Realizou-se a recolha de amostras compostas de solo por cada 5 ha, que foram obtidas a partir da mistura de sub-amostras recolhidas em pontos marcados aleatoriamente, em ziguezague (Varennes, 2003).
Após recolha dos solos estes foram secos ao ar e, posteriormente crivados com malha de 2mm. Os parâmetros agronómicos foram analisados na fração fina após crivagem. Para a análise dos pesticidas, os solos foram congelados e posteriormente liofilizados. Os ensaios ecotoxicológicos foram determinados nos eluatos dos solos: 50 g de solo com 500 ml de água ultra-pura a agitar durante 24h. Após o tempo de agitação a mistura é flltrada e o eluato armazenado a -18ºC até realização dos ensaios.
Os parâmetros agronómicos determinados foram: pH, condutividade elétrica (CE; H2O, 1:2 m/v); matéria orgânica (MO; %; Walkley-Black) e fósforo extraível (mg P2O5/kg; Egner-Rhiem).
Foram pesquisados 44 pesticidas, pertencentes a vários grupos segundo o protocolo descrito por Köck-Schulmeyer et al. (2013).
A avaliação ecotoxicológica foi desenvolvida com o intuito de analisar a função de retenção do solo, permitindo compreender os efeitos da fração biodisponível sobre os ecossistemas, e o seu potencial impacto em águas superficiais e subterrâneas:
(i) Inibição da bioluminiscência com a bactéria V. fisheri (ISO 11348-2:1998);
(ii) Ensaio de inibição do crescimento com a microalga P. subcapitata (ISO 8692:2012);
(iii) Ensaio de alimentação com o crustáceo D. magna.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O pH dos solos é ligeiramente alcalino (GR1: 8,4-8,3; GR2: 8,3-7,9), característicos de solos calcários (Quadro 2), com baixos teores de MO, e valores de CE, que permitiram classificar estes solos como não salinos (<400 µS/cm; segundo Varennes, 2003). No que respeita aos macronutrientes os solos são naturalmente pobres em fósforo disponível para as plantas, o que é revertido com a frequente adubação das culturas. Os solos apresentaram concentrações altas a muito altas altas destes macronutrientes em ambas as parcelas (GR1: 249-221 mg/kg de P2O5; GR2: 125-144 mg/kg de P2O5) (INIAP, 2006). A CE e o fósforo extraível assimilável (P2O5) são aqueles que apresentam maiores variações entre as duas parcelas de girassol, não ocorrendo diferenças significativas entre T1 e T2.
Quadro 2 - Parâmetros agronómicos das parcelas em estudo. Os valores apresentados são a média das amostras compostas recolhidas em cada parcela (média±desvio padrão; n=3)
Dos 44 pesticidas analisados 6 foram quantificados nos solos das parcelas de girassol (GR1: 3; GR2: 6; Figura 1). O nº e concentração total de pesticidas foi superior no GR2, destacando-se a presença de clotianidina um inseticida (neonicotinóide de 2ª geração) (7,39 ng/g) e de terbutrina um herbicida (triazina) (3,33 ng/g), ambos já não utilizados em Portugal (terbutrina desde dezembro 2003; clotianidina desde dezembro 2018; dados da DGV - 2020).
Os resultados ecotoxicológicos com a microalga verde P. subcapitata evidenciaram que todas as amostras induziram um decréscimo de crescimento, sendo este mais acentuado em T2 (Figura 2). Estes resultados podem estar correlacionados com os quantitativos de herbicidas quantificados em cada parcela.
O ensaio com D. magna evidenciou uma inibição significativa da alimentação do crustáceo quando exposto às amostras de ambas as parcelas (Figura 3). Esta inibição foi mais acentuada no final do ciclo vegetativo da planta (T2).
CONCLUSÕES
Este trabalho permitiu integrar a linha de evidência química e biológica (avaliação ecotoxicológica), na avaliação da qualidade de solo agrícola, como forma de contribuir para uma abordagem mais integrada, permitindo uma melhoria das ações de gestão no âmbito da sustentabilidade dos agroecossitemas. Os resultados agronómicos evidenciaram os valores de pH de solo ligeiramente desajustados às necessidades da cultura de girassol que tem como pH favorável para o seu desenvolvimento 6,0 e 7,5. Os baixos teores de MO podem promover o aumento da fertilização mineral, com o intuito da compensação do azoto no solo. Os resultados do fósforo extraível indicam adubação superior às necessidades da cultura, mais evidente em GR1. A avaliação de pesticidas no solo indicou a presença de substâncias toxicidade elevada e que deixaram de ser utilizadas, em Portugal, há mais de 4 anos.
A avaliação ecotoxicológica mostrou que se devem utilizar parâmetros subletais na avaliação de solos agrícolas. Os resultados indicaram que a função retenção dos solos pode estar comprometida a médio-longo prazo, o que pode levar a um decréscimo de biodiversidade.