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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018Xversão On-line ISSN 2183-041X

Rev. de Ciências Agrárias vol.45 no.4 Lisboa dez. 2022  Epub 01-Dez-2022

https://doi.org/10.19084/rca.28597 

Artigo

Distribuição da biomassa microbiana num solo de vinha na região dos Vinhos Verdes

Distribution of microbial biomass in a vineyard soil in the Vinhos Verdes region

Susana Mendes1  3 

Hugo Lopes3 

Isabel Valín1  3 

Simão Silva1  3 

Maria Marinho3 

Cláudio Araújo-Paredes2  3 

1 CISAS - Centro de Investigação e Desenvolvimento em Sistemas Agroalimentares e Sustentabilidade, Rua Escola Industrial e Comercial Nun’Álvares, 34, 4900-347, Viana do Castelo, Portugal

2 proMetheus, Unidade de Investigação & Desenvolvimento em Materiais, Energia e Ambiente para a Sustentabilidade, Rua Escola Industrial e Comercial Nun’Álvares, 34, 4900-347, Viana do Castelo, Portugal

3 Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Rua D. Mendo Afonso, 147 Refóios do Lima, 4990-706, Ponte de Lima, Portugal


Resumo

A compreensão da distribuição do carbono da biomassa microbiana (CBM) metabolicamente ativa nos solos vitícolas é fundamental para determinar o balanço de carbono em viticultura sustentável e para integrar estas determinações em análises de rotina que permitam avaliar o impacto de práticas de gestão sustentável do solo. O carbono da biomassa microbiana foi determinado em três datas correspondentes aos estados fenológicos de floração, bago de ervilha e maturação, na linha e na entre linha de uma vinha da casta Loureiro sujeita a diferentes estratégias de rega, e num solo natural considerado controlo. Neste trabalho foi possível observar diferenças entre o CBM de um solo vitícola e um solo natural. No solo vitícola, os maiores valores de biomassa microbiana foram registados na fase fenológica de bago de ervilha, coincidente com o início da rega. Em parte, registaram-se maiores valores de biomassa microbiana na linha que na entre-linha.

Palavras-chave: respiração do solo; respiração induzida pelo substrato; fluxo de carbono; biomassa microbiana metabolicamente ativa

Abstract

Understanding the carbon distribution of metabolically active microbial biomass (MCB) in viticultural soils is essential to determine the carbon balance in sustainable viticulture and to integrate these determinations into routine analyzes that allow assessing the impact of sustainable soil management practices. The microbial biomass carbon was determined on three dates corresponding to the phenological stages of flowering, pea berry and maturation, in and between rows of a Loureiro grapevine subject to different irrigation strategies, and in a natural soil considered as a control. In this work it was possible to observe differences between the MCB of a viticultural soil and a natural soil. In viticultural soil, the highest values of microbial biomass were recorded in the pea berry phenological phase, coinciding with the beginning of irrigation. In part, higher values of microbial biomass were recorded in the row than in the inter-row.

Keywords: soil respiration; substrate-induced respiration; carbon flux; metabolically active microbial biomass

INTRODUÇÃO

A respiração dos microrganismos heterotróficos, que decompõem o carbono orgânico do solo, contribui com uma fração substancial do fluxo de carbono para a atmosfera, e é muito influenciada pelas condições ambientais (Salazar-Villegas et al., 2016). A quantificação dos fluxos de CO2 nos solos agrícolas é fundamental e serve igualmente como um indicador de qualidade do solo, pois influência não apenas a fertilidade e estrutura dos solos agrícolas, mas também as funções dos ecossistemas.

Perante o atual cenário de alterações climáticas e dado a importância que a viticultura desempenha na região dos Vinhos Verdes, com 17188 ha de vinha declarada na campanha de 2020/2021, é fundamental compreender de que forma as condições ambientais e as alterações nos sistemas de produção tem impacto nos fluxos de carbono do solo para a atmosfera.

Consoante as condições ambientais são favoráveis ou não, os microrganismos alteram a sua atividade, o que lhes permite minimizar as taxas de metabolismo e respiração. No entanto, a maioria das abordagens atuais para quantificar a produção de CO2 pelos microrganismos do solo, relacionam as respostas à biomassa total do solo e não diferenciam microrganismos em ativos não ativos. Assim, neste trabalho, pretendeu-se estudar a distribuição do carbono da biomassa microbiana ativa do solo (CBM) numa vinha na região dos Vinhos Verdes, entre a floração e a maturação, sob diferentes estratégias de rega.

MATERIAL E MÉTODOS

O presente trabalho decorreu numa vinha comercial de Vitis vinifera, da casta ‘Loureiro’, numa parcela com cerca de 5,5 hectares, localizada na freguesia de Calvelo, Ponte de Lima, integrando-se na sub-região do Lima, da Região Demarcada dos Vinhos Verdes (41°40’32.16” N; 8º32’06.21” W, altitude 175 m). A vinha foi plantada em 2001, com um compasso de 3,0 m x 2,0 m. A vinha é orientada norte-sul e a forma de condução é o cordão simples ascendente. A rega é efetuada através de um sistema de rega localizado (gota a gota), com o tubo 40 cm acima do solo e emissores autocompensantes de 4 L h-1. A cobertura do solo é constituída por espécies espontâneas na entrelinha e na linha é efetuada a aplicação de herbicida. A monitorização do teor de humidade no solo, ao longo do ciclo vegetativo, foi realizada com a sonda portátil Diviner 2000® em oito tubos de acesso por tratamento, previamente instalados.

Como parte de outro trabalho (Silva et al., 2021), foram considerados três tratamentos de rega, rega total (RT) em que se aplicou 100% da ETc, rega deficitária (RD) onde se aplicou 50% ETc e sem rega (SR). Nas modalidades de RC e RD a rega foi efetuada quando a humidade volumétrica do solo atingiu 70% da capacidade de campo. A rega teve início no dia 29 de junho e terminou no dia 11 de agosto. Na RC aplicaram-se 94 mm em 10 momentos de rega e na modalidade de rega deficitária aplicaram-se 32 mm em seis momentos de rega.

Em três datas do ciclo cultural da vinha, 22 de maio (D1), 1 de julho (D2) e 10 de setembro (D3), correspondentes às fases fenológicas de floração, bago de ervilha e maturação (Baggiolini et al., 1993), recolheram-se amostras de solo à profundidade de 0-20 cm, em cada estratégia de rega na linha (L) e na entre-linha (EL). Para cada estratégia de rega foram consideradas três repetições separadas na parcela. Na D2 e D3 colheu-se também uma amostra testemunha (T) numa área de floresta autóctone, que distava menos de 250 m da parcela. No mesmo dia da recolha, as amostras foram encaminhadas para o laboratório, foram mantidas à temperatura ambiente (±18ºC), em sacos abertos até serem analisadas (prazo máximo de cinco dias).

O carbono da biomassa microbiana (CBM) foi avaliado pelo método da respiração induzida pelo substrato. Este método utiliza a resposta fisiológica da respiração dos organismos do solo à alteração do substrato, para fornecer uma estimativa do carbono da biomassa microbiana do solo (Joergensen, 1995). Em todos os tratamentos, aplicou-se glucose, numa razão de 4 mg g-1 de solo, e o CO2 libertado durante incubação das amostras em sistema fechado, durante quatro horas, a 22ºC, foi capturado numa solução de NaOH e posteriormente titulado com HCl (Schinner et al., 1995). Assumindo um quociente respiratório de 1, 1mg CO2 100g-1 solo corresponde a 20,6 mg de biomassa-C 100g-1 solo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As caraterísticas gerais do solo são apresentadas no Quadro 1. O solo é um Regossolo com uma média de 70,2% de areia, 20,3% de limo e 9,5% de argila, a que corresponde uma classe de textura franco arenosa. O teor de matéria orgânica varia de médio a alto, entre a testemunha (5,27%) e o solo de vinha (Santos, 2015). O pH do solo é muito ácido no controlo (4,37) e ácido nas restantes modalidades do solo de vinha (Santos, 2015).

Quadro 1 Valores médios (n=3) das características do solo, nos 0-20 cm, na linha (L), na entre-linha (EL) nas modalidades de rega completa (RC), rega deficitária (RD), sem rega (SR) e no controlo (C) 

Tratam. pH MO P2O5 K2O Ca Mg
(H2O) (%) μg.g-1
RC L 4,90 4,18 16,0 111 48,0 69,0
EL 5,05 3,55 5,50 146 80,0 77,0
RD L 5,33 4,28 33,0 175 257 104
EL 5,10 3,60 14,5 69,0 106 83,0
SR L 5,43 3,63 22,5 120 190 93,3
EL 5,15 2,40 2,50 86,0 133 76,5
C 4,37 5,27 18,0 61,0 93,7 65,0

Como se pode observar na Figura 1, na primeira data de amostragem o teor de água no solo não difere entre os tratamentos, uma vez que a rega só teve início no dia 30 de junho. Nas restantes datas, há diferenças significativas apenas entre as modalidades sem rega (SR) e rega deficitária (RD) com a rega completa (RC). Contrariamente ao esperado, na segunda e terceira data registou-se maior teor de água no solo na modalidade SR do que na modalidade de RD, que se prendeu com a microtopografia da parcela, em que alguns blocos da modalidade sem rega estavam em posição concava, com a consequente acumulação de água do escoamento superficial.

Figura 1 Teor médio de água no solo (mm), dos 0 aos 20 cm, na modalidade de rega completa (RC), rega deficitária (RD) e sem rega (SR), a 22 de maio, 01 de julho e 10 de setembro de 2020. Na mesma data, letras iguais não diferem significativamente (p<0,05) pelo teste de Tukey. 

O CBM da testemunha é muito inferior ao solo de vinha, com diferenças significativas na segunda data (Figura 2) mas sem diferenças entre as datas (dados não apresentados).

Relativamente à variabilidade temporal, há diferenças significativas (p<0,05) no CBM (Figura 2) entre a segunda data e as restantes (tratamento estatístico não apresentado). Estas diferenças poderão estar relacionadas com o inicio da rega imediatamente antes da segunda amostragem (30 de junho) e a paragem a 11 de agosto (cerca de um mês antes da última amostragem). Entre datas, a temperatura do ar variou de 19,0°C, 21,5°C e 22,0°C, respetivamente.

A rega promove uma maior condutância estomática e fotossíntese que devem resultar numa maior alocação de fotoassimilados para as raízes, que poderão ser os responsáveis pelo aumento da BMMA (Hopkins et al., 2013).

Figura 2 Carbono da biomassa microbiana dos 0 aos 20 cm num solo de vinha com rega completa (RC), rega deficitária (RD), sem rega (SR) e na testemunha (T), entre a floração e a maturação. Na mesma data, letras iguais não diferem significativamente (p<0,05) pelo teste de Tukey. 

Em relação à variabilidade espacial, da primeira data para as restantes observou-se mais CBM na linha que na entre-linha, com um aumento de 0,35 para 2,50 mg biomassa-C g-1 na linha e de 0,61 para 2,17 mg biomassa-C g-1 na entre-linha (Figura 3).

Figura 3 Carbono da biomassa microbiana dos 0 aos 20 cm num solo de vinha, na linha (L) e na entre linha (EL), entre a floração e a maturação. Na mesma data, letras iguais não diferem significativamente (p<0,05) pelo teste de Tukey. 

Na segunda data há uma significativa (p<0,05), diminuição do CBM da linha para a entre-linha, e o mesmo padrão mantêm-se na terceira data, apesar de, nesta última, não haver diferenças significativas. Hernández-Montes et al. (2017) reportaram maior atividade respiratória na linha em relação à entre-linha que atribuíram a uma maior concentração de biomassa radicular e de densidade radicular na linha. A concentração, neste período, da passagem das máquinas agrícolas para os diferentes trabalhos na parcela causando elevada compactação também poderá ser responsável por esta alteração no CBM.

Pela análise da Figura 1 e da Figura 3 percebe-se que o CBM não é influenciado apenas pela disponibilidade hídrica, uma vez que não é na modalidade de rega completa que observamos maior biomassa microbiana.

Efetuaram-se correlações entre as caraterísticas do solo e os resultados do CBM, não se tendo registado nenhuma correlação estatisticamente significativa.

CONCLUSÕES

Neste trabalho preliminar foi possível observar diferenças entre o CBM de um solo vitícola e um solo natural. No solo de vinha salientam-se as diferenças no CBM na fase fenológica bago de ervilha, coincidente com o início da rega. Em parte, registaram-se maiores valores de biomassa microbiana na linha que na entre-linha.

No seguimento deste trabalho será importante determinar o CBM ao longo de todo o ciclo vegetativo da vinha e a relação com outras práticas agrícolas, nomeadamente, com as fertilizações e incorporação de diferentes corretivos orgânicos ao solo.

Uma vez que o método de determinação do CBM é um método sensível a erros, por se tratar de um método que envolve titulações, será importante estudar que outros métodos podem ser aplicados para o estudo dos microrganismos metabolicamente ativos e, para a inclusão deste parâmetro em protocolos de avaliação de práticas de sustentabilidade do solo.

Referências Bibliográficas

Baggiolini, M.; Lorenz, H.; Bleiholder, H.; Stauss, R.; Weber, E.; Witzenberger, A.; Hack, H.; Bleiholder, H. & Buhr, L. (1993) - Stades phénologiques repères de la vigne. Arboriculture et Horticulture, vol. 44, p. 7-9. [ Links ]

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