INTRODUÇÃO
A restauração ecológica de áreas perturbadas/degradadas pode ser uma aliada do produtor por facilitar o processo de regeneração natural, trazendo benefícios para a integridade e sustentabilidade da propriedade Entre os grandes desafios da restauração ecológica, ressalta-se: o controle de gramíneas exóticas agressivas (Ex. Braquiárias: Urochloa spp.), os incêndios, a baixa capacidade de regeneração natural e o controle da entrada de animais de grande porte, principalmente bovinos. O pisoteio excessivo dos animais, sob manejo inadequado, pode causar exposição e compactação do solo, danificação das raízes e partes vegetativas superficiais da pastagem, prejuízo da regeneração natural e consequentemente da composição da fauna e da flora (Durigan et al., 2013; Sampaio et al., 2015; Leite, 2017; WWF, 2017).
As mudanças na cobertura da vegetação nativa de Cerrado também podem levar a efeitos na dinâmica da comunidade arbórea, quando gramíneas exóticas podem reduzir as taxas de sobrevivência de mudas de espécies arbóreas (Hoffmann e Haridasan, 2008), favorecidas pelo aumento das clareiras, pela competição entre plantas nativas e exóticas, tais como as braquiárias (Urochloa sp.), cujo crescimento vegetativo impõe barreiras ao processo de regeneração natural de espécies (Caramaschi et al., 2016; Pivello, 2006).
Por outro lado, a elevada biomassa seca da gramínea exótica representa elevado risco para o aumento da intensidade e a frequência de incêndios, após os quais as gramíneas rebrotam, mas as espécies arbóreas normalmente morrem (Martins et al., 2008; Torezan e Mantoani, 2013). Segundo Durigan et al. (2013), no Cerrado brasileiro, o problema se agrava uma vez que o crescimento das plantas arbóreas é naturalmente lento e a mão de obra necessária para controle das gramíneas aumenta os custos da restauração que, caso não sejam considerados, o sistema de produção pode levar à perda dos serviços ambientais e à degradação ambiental.
Os estudos sobre uso da terra com a bovinocultura e seus efeitos na qualidade da paisagem ainda são escassos, assim como são incipientes aqueles que analisam os efeitos dos bovinos como facilitadores da restauração ecológica. A inserção do gado na área em processo de restauração tem mostrado bons resultados no controle de gramíneas exóticas, tal qual uma “roçada biológica” além de ser menos agressivo às mudas de espécies nativas do que controle químico (Janzen, 1988; Posada et al., 2000; Durigan et al., 2013; Albuquerque et al., 2020; Andrade, 2021), ou mesmo a roçagem mecanizada (Sampaio et al., 2007). Em busca de soluções, desde 2016, a Embrapa Cerrados e parceiros (Universidade de Brasília - UNB, Conselho Nacional de Pesquisa - CNPq, Fundação de Amparo a Pesquisa do Distrito Federal - FAP-DF)vem estudando formas de manejo para promover a integração da restauração ecológica aos sistemas produtivos, em particular à Pecuária (IRPE), como forma de contribuir para a restauração da paisagem e ainda resultar em renda para o produtor com o uso da pastagem pelo gado em baixa lotação.
A Integração da Restauração Ecológica à Pecuária (IRPE) é uma metodologia inovadora ao integrar conceitos da restauração ecológica e de sistemas de produção sustentáveis que podem auxiliar o produtor a viabilizar economicamente a adequação ambiental da propriedade rural. Consiste em usar o componente pecuário, em manejo adequado, como ferramenta para estabelecimento do componente florestal (espécies arbóreas nativas do Cerrado) se beneficiando do serviço ambiental prestado pelo gado por meio do pastejo, minimizando a competição entre o componente forrageiro e arbóreo-arbustivo, bem como a ocorrência de incêndios na propriedade rural.
O presente trabalho teve por objetivo testar a metodologia IRPE para avaliar o efeito do pastejo bovino em área sob processo de restauração ecológica.
METODOLOGIA
Caracterização da área de estudo
O estudo foi realizado em uma área do Centro de Tecnologia para Raças Zebuínas Leiteiras (CTZL) da Embrapa Cerrados, Distrito Federal (15°57’02,5”S e 48°07’25,9”W), Brasil. A vegetação original era mata ripária, de extensão aproximada de 100 m da margem do córrego Ponte Alta, sob solo classificado como Latossolo Vermelho (Reatto, 2013). O local do estudo dista 60 m da margem do rio Ponte Alta (bacia do rio Corumbá), com altitude de 1160 m. Esta área tem um histórico de uso com rotação bianual de culturas, alternando milho com pastagem de braquiária [Urochloa decumbens (Stapf) R.D. Webster] para os bovinos. A classificação climática de Köppen é tipo Aw. A região apresenta clima sazonal, com duas estações bem definidas, o período chuvoso, entre outubro e abril com medias de precipitação mensal que variam entre 95mm e 150mm, e período seco de maio a setembro, com baixa umidade relativa do ar (Sano et al., 2008). Por existir a formação de microclima devido a posição do experimento em relação a topografia, bem como variações interanuais de intensidade e duração do período seco e de veranicos no período chuvoso e pela ocorrência de chuvas autoconvectivas regionalizadas que reduzem o raio de validade do dado de precipitação e inviabilizam o uso da estação mais próxima como referência, as condições ambientais foram monitoradas ao lado do experimento, destaca-se, a ocorrência de períodos com deficiência hídrica entre os meses de maio a setembro, como nos anos de 2018, 2019 e 2020 (Figura 1).




Figura 1 Balanço Hídrico mensal de 2017 (A), 2018(B), 2019 (C) e 2020 (D). Com dados obtidos pelo monitoramento de estação meteorológica instalada a 100 metros do experimento, no Centro de Tecnologia para Raças Zebuínas Leiteiras (CTZL) Gama, DF, Brasil e dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET).
Integração da Restauração Ecológica à Pecuária (IRPE)
Neste sistema de IRPE adaptou-se técnicas de restauração ecológica, baseadas no manejo da gramínea exótica agressiva com bovinos, visando acelerar o processo de restauração. Nesse caso, o gado pode ser utilizado, em manejo adequado, nos primeiros anos da restauração, para controlar a biomassa das gramíneas e favorecer o melhor desenvolvimento das mudas de espécies nativas, em função de diminuir a probabilidade de competição
Para se implantar o sistema IRPE os critérios para escolha da área são: área com pastagem no bioma Cerrado que necessite de restauração para ampliação das reservas nativas (respeitando o código florestal, Lei Nº 12.651) e ter aptidão para esta integração, determinada pela análise prévia da fitofisionomia, do tipo de solo, relevo e de sua capacidade suporte.
A instalação do experimento, em Delineamento Inteiramente Casualizado, com área de 2 ha, foi feita em janeiro de 2017.Onde 210 mudas de sete espécies nativas (Quadro 1) foram plantadas em linhas (espaçamento 3m x 3m), em dois tratamentos (T1 e T2), com três repetições, sendo: T1-com bovinos girolando (12 a 18 meses), onde se fez o pastejo controlado do gado no piquete e, T2-sem bovinos, no qual a gramínea cresceu livremente (sem capinas e/ou roçadas). Adotou-se como critério de manejo adequado, a baixa taxa de lotação, correspondente a uma unidade animal por hectare (U.A/ha - 450 kg), onde o gado bovino foi colocado na área quando a forragem estava com 30 cm de atura e retirado aoatingir 15 cm.
A seleção das espécies nativas foi baseada na ocorrência regional, na capacidade de atração fauna (produção de flores e frutos atrativos) (Albuquerque et al., 2010, 2013), tipo de crescimento e que não sejam tóxicas para o gado (Quadro 1).
Para o plantio das mudas, produzidas em viveiro em sacos plásticos, as covas (30 cm x 40 cm) foram adubadas conforme recomendação de análise química do solo (Reatto, 2013) e as necessidades das espécies nativas do Cerrado. Cada muda recebeu, misturado ao solo, 100 g de calcário dolomítico e 100 g de gesso no fundo da cova, 7 litros de esterco bovino curtido e 250 g de NPK: 12-8-6 de liberação lenta. Após o plantio, ao redor das mudas (50 cm x 50 cm) foi aplicada uma camada de 15 cm de altura de aparas (cavacos) de podas de árvores. O controle das formigas cortadeiras (Atta sp. e Acromyrmex sp.) foi feito, periodicamente, com o objetivo de minimizar os danos e prejuízos a sobrevivência e/ou desenvolvimento nas mudas.
Quadro 1 Espécies nativas utilizadas no experimento de restauração ecológica nos tratamentos (T1= sem pastejo e T2 = com pastejo), no Centro de Tecnologia para Raças Zebuínas Leiteiras, DF, Brasil
Espécies | Família | Nome popular | Abrev. |
---|---|---|---|
Buchenavia tomentosa Eichler | Combretaceae | Mirindiba | Mb |
Copaifera langsdorffii Desf. | Fabaceae | Copaíba | Cb |
Guazuma ulmifolia Lam. | Malvaceae | Mutamba | Mt |
Handroanthus impertiginosus (Mart. Ex DC.) Mattos | Bignoniaceae | Ipê-roxo | Irx |
Handroanthus serratifolius(Vahl) S.O. Grose | Bignoniaceae | Ipê-amarelo | Iam |
Inga laurina (Sw.) Willd. | Fabaceae | Ingá | Ig |
Tapirira guianensis Aubl. | Anacardiaceae | Pau-pombo | Pb |
Efeitos do pastejo nas plantas
Sobrevivência e Crescimento
Foram monitorados, de 2017 a 2020, os fatores relacionados à sobrevivência e crescimento em altura das mudas associados aos possíveis efeitos dos bovinos. O monitoramento foi mensal nos primeiros seis meses e depois anualmente. Avaliou-se: condição do ápice, podendo estar cortado (APC), mastigado (APM), seco (APS) ou verde (APV); herbivoria foliar (HF) e herbivoria caulinar (HC); quebrado na base (QB), ausência das folhas (SF), rebrota (RTA) brotos que saem do coleto da muda e broto (BT), aqueles brotos acima do coleto. Na análise final considerou-se a rebrota e o broto como brotação (BRT). Foi calculado para cada espécie, nos dois tratamentos, a razão entre a frequência e a intensidade de ocorrência de cada um destes fatores.
Para a avaliação dos fatores utilizou-se a análise de cluster na definição dos agrupamentos de espécies de cada tratamento (T1 e T2), em função das similaridades observadas no comportamento da variável escolhida: sobrevivência total (percentual) ou crescimento em altura (cm/ano) e os fatores que podem afetar tanto um como o outro.
Para análise dos dados optou-se pelo método hierárquico com distância euclidiana e ligação de Ward para agrupar os elementos. Foi verificado o valor do Coeficiente de Correlação Cofonética para os tratamentos com gado e sem gado. Foi utilizado o pacote “cluster” do programa estatístico R, versão 3.5.2 (R Core Team, 2018). Para caracterizar quais fatores mais afetaram a formação deste grupo, ou seja, quais os fatores afetam a sobrevivência, foi utilizado o procedimento de Scott e Knott (1974) que é uma técnica que utiliza o teste da razão de verossimilhança para agrupar “n” tratamentos em “k” grupos. Estas análises foram realizadas no programa R 3.5.2 (R Core Team, 2018).
Para avaliar o crescimento mediu-se a altura de cada muda da base à primeira gema apical no período de fevereiro de 2017 a novembro de 2018 (359 dias). Considerou-se todas as variações, tanto aumento como redução da altura dos indivíduos. Desta forma determinou-se as taxas de crescimento em altura para cada espécie por tratamento, através do modelo de regressão linear (Y = a + b.x), onde: y = variável dependente; a = intercepto; b = coeficiente angular; x = variável independente (representa dias).
A partir destes dados obteve-se a taxa de crescimento em altura por meio da análise não paramétrica de Kruskal-Wallis. O valor encontrado para essa taxa de crescimento foi calculado por dia, na qual foram extrapolados para um ano. Todas as análises foram feitas no programa R 3.5.2 (R Core Team, 2018).
Regeneração natural
Além da avaliação das mudas plantadas foi estimada a cobertura (%) dos regenerantes em toda a área de cada tratamento, onde foram considerados indivíduos maiores que 30 cm. O monitoramento dos regenerantes foi realizado logo após implantação do experimento de restauração e após dois anos (2019). Esses indivíduos são advindos da atuação dos processos ecológicos na dinâmica florestal, como a dispersão e chuva de sementes, composição e germinação do banco de sementes e recrutamento de indivíduos da população (Bellotto et al., 2009).
Biomassa
A biomassa das gramíneas foi mensurada desde a implantação do experimento, no início e final das estações secas e chuvosas nos dois tratamentos (T1- sem gado e T2- com gado). As coletas (aleatórias) foram feitas em cinco pontos por parcela com o auxílio de um quadrado de PVC (Policloreto de vinila) de 0,25 m², o qual era lançado e onde caísse era medido a altura das gramíneas, em seguida a biomassa era cortada, coletada e pesada. No laboratório, as amostras foram secas a 65°C por 72 horas para determinação da massa seca. Os valores foram extrapolados para a área de um hectare, para comparação entre os tratamentos em cada período de coleta. Com base em análise descritiva, calculou-se a taxa de pastejo das gramíneas. A taxa de redução média anual da biomassa foi calculada a partir da média geométrica.
Efeitos na estrutura do solo e na qualidade da água do escoamento superficial
Estrutura do solo
Amostras de solo com estrutura indeformada foram coletadas para avaliação da densidade aparente do solo (DS) após um e dois anos da implantação do experimento de restauração nos tratamentos (T1=sem gado e T2= com gado). As amostras foram coletadas através de cilindros de aço (Kopecky) de bordas cortantes e volume interno de 100cm3 com o auxílio do trado tipo Uhland. Em cada parcela foram coletados três pontos em transecto, sendo em cada ponto coletadas duas profundidades 0 a 5 cm (P1) e 5 a 10cm (P2). O procedimento laboratorial foi conforme Teixeira et al. (2017). Os testes realizados foram: teste de Shapiro-Wilk que indicou distribuição normal (p<0,05), análise de variância (ANOVA), delineamento inteiramente casualizado (DIC) com os fatores: tratamentos T1 e T2 e profundidade (P1 e P2), para analisar a significância dos fatores. Para a comparação das médias utilizou-se o teste de Tukey.
Qualidade da água do escoamento superficial
Durante o período de fevereiro de 2019 a abril de 2019 foram realizadas 10 coletas de amostras do escoamento nas calhas após cada evento de chuva. Todas as coletas foram realizadas em no máximo 24 horas após o evento de chuva constatado na área.
Na área imediatamente abaixo de cada tratamento, foi instalada uma calha coletora, com hastes de 3 metros de comprimento e fixadas ao solo para recolher o escoamento superficial. Foi aberta uma pequena trincheira, abaixo da calha, com dimensões e profundidade suficientes para comportar recipiente com capacidade de armazenamento de 20,0 litros, acoplado à calha coletora. As coletas ocorreram logo após eventos de chuva, durante o verão do ano de 2019. As amostras foram levadas para análise laboratorial e determinados os parâmetros Sólidos Totais Dissolvidos (TDS), Condutividade Elétrica, pH, Dureza, Nitrato, Potássio, Cálcio, Magnésio, Sódio, Cloreto, Sulfato, Amônio, Fluoreto, Brometo, Nitrito e Fosfato.
As variáveis pH, Condutividade Elétrica e TDS foram obtidas em campo com a utilização de medidor multiparâmetros portátil modelo Hanna HI 9828. A dureza total foi quantificada por meio do método titulométrico EDTA-Na (ABNT, 1992) e, para a determinação dos cátions e ânions analisados (Nitrato, Potássio, Cálcio, Magnésio, Sódio, Cloreto, Sulfato, Amônio, Fluoreto, Brometo, Nitrito e Fosfato ) foi utilizado o Cromatógrafo Iônico, modelo 761 Compact IC, Methrohm.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Efeitos do pastejo nas plantas
Sobrevivência e crescimento
Em quatro anos de monitoramento (2017-2020), a taxa de sobrevivência foi, respectivamente, de 84%, 71% e 61% em T1 (sem gado) e de 72%, 65% e 47% em T2 (com gado), (Figura 2 e Quadro 2). Aplicando o teste t pareado não houve diferença significativa (p>0,05) entre os tratamentos (pvalor = 0,082).

Figura 2 Sobrevivência (%) das espécies nativas no experimento de restauração ecológica, nos dois tratamentos (T1= sem gado e T2= com gado), DF, Brasil, entre janeiro 2017 e janeiro 2020.
O dendrograma (Figura 3) evidenciou, a formação de três grupos nos dois tratamentos, todos separados pela frequência e intensidade dos fatores, que podem influenciar a taxa de sobrevivência (Quadro 3). Os fatores que mais contribuíram para a formação dos grupos (G) no tratamento 1 foram herbivoria caulinar (HC = QM, QB) e brotação (BRT).
Quadro 2 Sobrevivência (%) das espécies nativas no experimento de restauração ecológica, nos dois tratamentos (T1= sem gado e T2= com gado), DF, Brasil, entre janeiro 2017 e janeiro 2020. n = número inicial de mudas
Tratamento 1 (%) | Tratamento 2 (%) | Teste t pareado | |||||||||
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Espécie | n | 2017 | 2018 | 2019 | 2020 | n | 2017 | 2018 | 2019 | 2020 | (p valor)/espécie |
Buchenavia tomentosa Eichler | 15 | 100 | 100 | 100 | 100 | 17 | 100 | 94,1 | 82,4 | 76,5 | 0,116 |
Copaifera langsdorffii Desf. | 26 | 100 | 65,4 | 34,6 | 30,8 | 33 | 100 | 45,5 | 27,3 | 9,1 | 0,100 |
Guazuma ulmifolia Lam. | 17 | 100 | 88,2 | 88,2 | 76,5 | 19 | 100 | 78,9 | 78,9 | 57,9 | 0,092 |
Handroanthus impertiginosus (Mart. Ex DC.) Mattos | 19 | 100 | 100,0 | 57,9 | 57,9 | 24 | 100,0 | 66,7 | 54,2 | 29,2 | 0,149 |
Handroanthus serratifolius (Vahl) S.O. Grose | 17 | 100 | 88,2 | 88,2 | 76,5 | 15 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 0,091 |
Inga laurina (Sw.) Willd. | 16 | 100 | 93,8 | 93,8 | 87,5 | 15 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 0,093 |
Tapirira guianensis Aubl. | 23 | 100 | 65,2 | 65,2 | 30,4 | 25 | 100 | 60,0 | 60,0 | 20,0 | 0,092 |
TOTAL (n.) | 133 | 133 | 111 | 95 | 81 | 148 | 148 | 107 | 96 | 69 | Geral |
Média (%) | 100 | 83,5 | 71,4 | 60,9 | 100 | 72,3 | 64,9 | 46,6 | 0,082 |
Já para formação dos grupos no tratamento T2 os fatores foram herbivoria caulinar (APC e CM) (Quadro 3). A formação do G1 (T1), caracteriza-se por ter intensidade alta do caule quebrado na base (QB) da espécie G. ulmifolia, no entanto, com boa capacidade de brotação, o que favorece a sobrevivência, mesmo em coabitação com bovinos. O desenvolvimento rápido de ramos laterais em fases iniciais de crescimento da espécie pode ser um fator chave, porque, apesar de sofrer alguns danos pelos bovinos, mostra a capacidade de brotação da espécie. O G1 e G2 diferem, significativamente de G3, por apresentarem alta sobrevivência (> 76%). Por outro lado, a sobrevivência de G3 é baixa tanto em T1 como em T2. A G. ulmifolia (Mt) é a única espécie de G1 e não foi afetada pelo manejo com bovinos (T2), tendo em vista que entre os tratamentos não houve diferença significativa nas taxas de sobrevivência (T1: 76,5% e T2:57,69). G. ulmifolia é uma espécie que tem sobrevivência alta (acima de 80%) como mostra os estudos de restauração ecológica sem a presença do gado, tanto no Cerrado (DF) como descrito por Sousa (2015) em áreas de matas ciliares no Distrito Federal (Brasil) e por Van Breugel et al. (2011) no Panamá.
Dentre os fatores observados em campo alguns podem afetar diretamente o desenvolvimento e/ou a sobrevivência da espécie, sendo a brotação um exemplo de mecanismo que favorece a sobrevivência e por outro lado, a intensidade da herbivoria pode ocasionar a morte da planta. Resultados similares foram citados por Oliveira et al. (2015) e Lima et al. (2016a).

Figura 3 Dendrograma da análise de Cluster, com base nas semelhanças do comportamento da frequência e intensidade dos fatores que podem influenciar a sobrevivência (Tabela 3) das espécies nos tratamentos T1: sem gado e T2: com gado, no período de 2017 a 2020 do experimento de restauração ecológica, Gama, DF. Abreviaturas das espécies (Tabela 1): B. tomentosa = Mb, C. langsdorffii = Cb, Guazuma ulmifolia = Mt, H. impetiginosus = Irx, H. serratifolius = Iam e I. laurina = Ig, e T. guianensis = Pb. O coeficiente de correlação cofonética (CCF) em T1=0.935 e em T2=0. 800.
As espécies predominantes no grupo 2 (Figura 3) são: B. tomentosa (Mb), H. serratifolius (Iam) e I. laurina (Ig) apresentaram taxas de sobrevivência alta (> 76 %) nos dois tratamentos (Quadro 2). Lima et al. (2022), em estudo em área adjacente a este experimento, sem o uso do gado, também encontraram taxa de sobrevivência altas para estas espécies. Leite (2017) observou taxa de sobrevivência similar para H. serratifolius .
No final de quatro anos, ao se comparar o comportamento de cada espécie dentro de cada tratamento e entre os tratamentos (Quadro 2), observou-se que nas espécies C. langsdorffii e T. guianensis (Figura 3, Grupo 3), a sobrevivência foi muito baixa (<30%) nos dois tratamentos, não havendo diferença significativa entre elas e nem entre os tratamentos (Quadro 2). A espécie T. guianensis está classificada entre as espécies lenhosas prioritárias para restauração em áreas desmatadas no DF, por apresentar bom desenvolvimento a pleno sol e crescimento rápido (Felfili e Santos, 2002). No presente estudo, no primeiro ano, a sobrevivência dessas espécies foi respectivamente, de 65% (T1) e 60% (T2) (Quadro 2), decaindo ao longo do tempo. O que pode ser explicado pela herbivoria caulinar (CM) intensa e recorrente de formigas observada em campo (Figura 3- T1, grupo 3 e Quadro 3). No G3, em T2, o fator preponderante para separar dos demais grupos foi a sobrevivência, significativamente muito baixa (entre 29 e 9%), Quadro 3. Neste grupo estão as duas espécies citadas acima e o H. impetiginosus.
A espécie H. impetiginosus foi a única espécie que no final de quatro anos, sob pastejo diminuiu sua sobrevivência em aproximadamente 50% em ambos os tratamentos em relação ao segundo ano (Quadro 2). Cabe ressaltar, que as mudas desta espécie entraram em campo em tamanho inferior a 50 cm, em função do seu desenvolvimento lento (espécie secundária), o que pode ter favorecido a sua mortalidade nos dois tratamentos. Lima et al. (2022) em Mata ripária, observaram 100% de sobrevivência H. impetiginosus após 12 meses, em área adjacente a este experimento. Como observado também em T1 no primeiro ano, decaindo para 57,9% no quarto ano (Quadro 2).
Quadro 3 Análise, no período de 2017 a 2020, da frequência e intensidade dos fatores que podem influenciar a sobrevivência das espécies nos tratamentos T1: sem gado (A) e T2: com gado (B), no experimento de restauração ecológica, Gama, DF
T1 - Grupos | T2 - Grupos | |||||
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FATORES (%) | 1 | 2 | 3 | 1 | 2 | 3 |
Ápice cortado (APC) | 10,53 A | 13,16 A | 18,42 A | 45 A | 5 B | 13,33 B |
Cortado na base (CB) | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A |
Cortado na mediana (CM) | 0 B | 0 B | 50 A | 80 A | 6,67 B | 0 B |
Herbivoria foliar (HF) | 3,54 A | 16,37 A | 15,49 A | 10 A | 17,67 A | 12,33 A |
Ápice quebrado (APQ) | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A |
Ápice mastigado (AM) | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A |
Sem folha (SF) | 25,45 A | 13,18 A | 10,91 A | 34,62 A | 18,59 A | 3,21 A |
Planta seca (SC) | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A |
Quebrado na base (QB) | 100 A | 0 B | 0 B | 0 A | 0 A | 0 A |
Brotação (BRT) | 60 A | 5 B | 10 B | 33,33 A | 5,56 A | 16,67 A |
Sobrevivência (%) | 76,47 A | 80,47 A | 30,6 B | 57,89 B | 92,16 A | 19,42 C |
Analisando a taxa de crescimento (2017-2020), nos tratamentos T1- sem gado e T2- com gado (Quadro 4), foi em média 33,95 cm.ano-1 e 21,76 cm.ano-1 respectivamente, não apresentando diferença significativa entre eles.
Quadro 4 Taxa de crescimento médio anual em cm.ano-1 nos tratamentos T1: sem gado e T2: com gado, no Centro de Tecnologia para Raças Zebuínas Leiteiras (CTZL) Gama, DF, Brasil. Teste t pareado Pvalor = 0,79736
Tratamento | 2018 | 2019 | 2020 |
---|---|---|---|
T1 | 32,05 | 36,68 | 33,95 |
T2 | 44,48 | 29,88 | 21,76 |
O crescimento médio das sete espécies (Quadro 5), para o período estudado, variou de 7,77 cm.ano-1 a 49,88 cm.ano-1 para o tratamento T1, já no tratamento T2 a variação foi de 2,01 cm.ano-1 a 26,69 cm.ano-1. Das sete espécies, três têm maior crescimento significativo, em T1 (H. serratifolius, I. laurina, T. guianensis). Destacando-se I. laurina por apresentar crescimento acima de 26 cm.ano-1 nos dois tratamentos. Padrão similar de crescimento, sem o gado, foi observado por Lima et al. (2016a), ao longo do primeiro ano, sendo muito alto para I. laurina (67,9 cm.ano-1) seguido de T. guianensis (57,7 cm.ano-1). As espécies que obtiveram crescimento muito pequeno e baixa sobrevivência foram C. langsdorffii e H. impetiginosus, acredita-se que estas espécies tenham sido afetadas pelo tamanho de entrada das mudas em campo, com aproximadamente 15 cm. Estando assim, ambas mais susceptíveis a herbivoria e as adversidades do meio. Além de terem naturalmente crescimento lento.
Quadro 5 Taxa de crescimento média anual em cm.ano-1 durante o período estudado, dás espécies nativas no experimento de restauração ecológica em dois tratamentos, T1: Sem gado e T2: com gado, no Centro de Tecnologia para Raças Zebuínas Leiteiras (CTZL) Gama, DF, Brasil
ESPÉCIES | TRAT | |||
---|---|---|---|---|
T1 | T2 | |||
Buchenavia tomentosa Eichler | 19,76 | Abc | 13,11 | Ab |
Copaifera langsdorffii Desf. | 9,71 | Ac | 2,01 | Ad |
Guazuma ulmifolia Lam. | 38,87 | Aa | 28,8 | Aab |
Handroanthus impertiginosus (Mart. Ex DC.) Mattos | 7,77 | Ac | 6,04 | Acd |
Handroanthus serratifolius(Vahl) S.O. Grose | 30,86 | Aab | 16,85 | Bb |
Inga laurina (Sw.) Willd. | 49,88 | Aa | 26,69 | Ba |
Tapirira guianensis Aubl. | 48,07 | Aa | 12,31 | Bbc |
Letras minúsculas diferentes na mesma coluna indicam diferença significativa entre as espécies; Letras maiúsculas diferentes na mesma linha indicam diferença significativa entre os tratamentos; Ambos, segundo o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, ao nível de probabilidade de 5%.
No dendrograma (Figura 4), que analisa o comportamento da frequência e intensidade dos fatores que podem influenciar o crescimento das espécies nos tratamentos, fica evidenciada, a formação de três grupos nos dois tratamentos (Quadro 6). Os fatores que mais contribuíram para a formação dos grupos (G) no T1 foram herbivoria foliar (HF), caule quebrado na base (QB) e brotação (BRT), para T2 foram herbivoria (HF) e caulinar (APC, CM), Quadro 6. A formação do G1 (T1), com única espécie, caracteriza-se por ter intensidade alta de caule quebrado na base (QB) de G. ulmifolia, no entanto, com maior capacidade de brotação do que as espécies de G2 e G3, mas o crescimento de G1 não difere significativamente de G2 e G3, porém as espécies de G2 têm maior crescimento que as de G3 (Figura 4, Quadro 6).
Analisado os grupos de T2 (Figura 4, Quadro 6), G. ulmifolia é também a única espécie de G1 e este grupo difere, significativamente, dos demais por ter alta herbivoria apical (APC) e caule cortado na mediana (CM). Por outro lado, G2 difere de G1 e G3 por ter alta herbivoria foliar (HF), nos dois tratamentos, sendo representado pelas espécies I. laurina e T. guianensis. Em T2 observou-se que a herbivoria foliar de I. laurina ocorreu também por bovinos, ao contrário da T. guianenses que foi fortemente atacada por formigas nos dois tratamentos. As espécies de T2 têm crescimento similar entre os grupos, não diferindo significativamente.

Figura 4 Dendrograma da análise de Cluster, com base nas semelhanças do comportamento da frequência e intensidade dos fatores que podem influenciar a crescimento das espécies nos tratamentos T1: sem gado e T2: com gado, no período de 2017 a 2020 do experimento de restauração ecológica, no Centro de Tecnologia para Raças Zebuínas Leiteiras (CTZL) Gama, DF, Brasil. Abreviaturas das espécies (Quadro 1): B. tomentosa = Mb, C. langsdorffii = Cb, Guazuma ulmifolia = Mt, H. impetiginosus = Irx, H. serratifolius = Iam e I. laurina = Ig, e T. guianensis = Pb. O coeficiente de correlação cofonética (CCF) em T1= 0.913 e em T2= 0.878.
Quadro 6 Análise da frequência e intensidade dos fatores que podem influenciar o crescimento das espécies nos tratamentos T1: sem gado (A) e T2: com gado (B), no período de 2017 a 2020 do experimento de restauração ecológica, Gama, DF
T1- Grupos | T2- Grupos | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Fatores (%) | 1 | 2 | 3 | 1 | 2 | 3 |
Ápice cortado (APC) | 10,53 A | 23,68 A | 10,53 A | 45 A | 12,5 B | 7,5 B |
Cortado na base (CB) | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A |
Cortado na mediana (CM) | 0 A | 25 A | 12,5 A | 80 A | 0 B | 5 B |
Herbivoria foliar (HF) | 3,54 B | 23,01 A | 12,61 B | 10 B | 28 A | 8,5 B |
Ápice quebrado (APQ) | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A |
Ápice mastigado (APM) | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A |
Sem folha (SF) | 25,45 A | 13,64 A | 11,82 A | 34,62 A | 1,92 A | 15,38 A |
Planta seca (SC) | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A | 0 A |
Quebrado na base (QB) | 100 A | 0 B | 0 B | 0 A | 0 A | 0 A |
Brotação (BRT) | 60 A | 20 B | 0 C | 33,33 A | 16,67 A | 8,33 A |
Crescimento (cm.ano-1) | 38,87 AB | 48,98 A | 17,03 B | 28,8 A | 19,5 A | 9,5 A |
Em síntese a herbivoria seja ela foliar e ou caulinar, dependendo de sua frequência e intensidade, pode afetar o desenvolvimento da planta e consequentemente a sua sobrevivência. Avaliando o efeito dos bovinos na sobrevivência e crescimento nos tratamentos sem gado (T1) e com gado (T2), verificou-se que não houve diferença significativa entre os tratamentos. No entanto, observou-se que algumas espécies são mais susceptíveis a herbivoria, seja por formigas, e/ou por bovinos como é o caso de G. ulmifolia e I. laurina. No entanto, estas espécies têm boa resposta ao dano, rebrotando com facilidade, e podendo soltar ramos laterais, que pode possibilitar a planta ocupar maior área de cobertura em coabitação com bovinos. Esse fato é um ponto positivo para a restauração, porque possibilita o controle natural das gramíneas ao longo do processo de restauração em função do sombreamento oferecido pela maior cobertura de copa da planta,. A herbivoria (pastejo) das nativas pelos bovinos dificilmente causará danos significativos, se houver boa disponibilidade de pastagem (volume adequado) e os animais estiverem em boa condição sanitária e em bom manejo aliado as boas práticas pecuárias.
A partir da análise dos resultados as espécies que demonstraram melhor desempenho no sistema IRPE foram: B. tomentosa, G. ulmifolia, H. serratifolius e I. laurina. As mesmas também podem ser indicadas para outros sistemas silvipastoris.
Regeneração Natural
Após dois anos da implantação a média da cobertura de regenerantes foi muito baixa, em T1 = 0,21% e em T2 = 0,25%, não havendo diferença significativa entre os tratamentos. Esse resultado, provavelmente, seja em função do histórico de uso da área, em função do tipo de manejo dado na área antes da implantação do experimento de restauração, onde era usada por agricultura por 2 anos e alternada com pecuária. O que pode ter provocado a diminuição do banco de propágulos. Lima et al. (2016b) também observou pequena capacidade de regeneração natural, em área como o mesmo padrão de uso do solo.
Biomassa de gramíneas
Os bovinos, em baixa densidade e manejo adequado, prestaram o serviço ambiental de pastejo que reduziu significativamente a biomassa das gramíneas em 77,5% (Figura 5), sem afetar o desenvolvimento das mudas de espécies nativas e dos regenerantes. Também possibilitaram a redução dos custos com roçagem, capina e aceiros, como observado por Andrade (2021) ao demonstrar que há boa viabilidade financeira e ecológica ao se utilizar o manejo do gado como ferramenta de recuperação de ecossistemas savânicos, visto a possibilidade de regeneração natural desses ambientes.
Durigan et al. (2013) recomendam manter o gado em baixa densidade para reduzir a biomassa de capins a menos de 10%, em comparação com as áreas sem gado. Isso significa, segundo os autores, considerável redução no material combustível e, portanto, no espalhamento e na intensidade do fogo, favorecendo a recuperação da vegetação lenhosa, ainda que lenta, aumentando sua densidade e cobertura de copas.
Por outro lado, processo de restauração no Cerrado é longo (aproximadamente 10 a 15 anos), assim o sistema IRPE possibilitará também que a vegetação nativa traga melhorias ao sistema de produção, com destaque para as condições microclimáticas, que favorecem o conforto térmico para o gado, possibilitando ao produtor ter uma fonte de renda durante o processo de restauração. O microclima formado pela sombra e serapilheira, propicia melhor conforto térmico e maior retenção de umidade na camada mais superficial do solo, sendo fator chave para aumentar a fertilidade no solo (Gea-Izquierdo et al., 2009).
Dentro deste contexto, a integração da restauração ecológica à pecuária (IRPE) poderá trazer diversos benefícios diretos e indiretos, mesmo enquanto sistema silvipastoril. A diversidade física de habitats e micro-habitats gera a heterogeneidade espacial, que aumenta, significativamente, a diversidade de plantas e animais associados. A biodiversidade pode tornar-se um valor agregado aos sistemas agrícolas, seja para uma agricultura diversificada ou pecuária que visa o bem-estar animal, com alto padrão sanitário (Ex. ILPF). Os sistemas silvipastoris apresentam grande potencial de benefícios econômicos e ambientais para os produtores e para a sociedade. São sistemas multifuncionais, onde existe a possibilidade de intensificar a produção pelo manejo integrado dos recursos naturais evitando sua degradação, melhorando a sua capacidade produtiva e/ou a qualidade das forrageiras (em pastagens adequadamente arborizadas), possibilitando também o melhor conforto dos animais, o aumento da renda e da biodiversidade (Almeida et al., 2016; Favare et al., 2018, Alves et al., 2019).

Figura 5 Comparação de médias da biomassa por tratamento pelo teste de Wilcoxon, ao nível de probabilidade de 0.05.
Efeitos sobre estrutura do solo e qualidade da água do escoamento superficial
Estrutura do solo
Após um ano da implantação do experimento a densidade média do solo para os tratamentos: T1: sem gado = 1,01 g.cm-1 e em T2: com gado = 0,98 g.cm-1 de solo, de acordo com teste F, as médias nesses tratamentos são estatisticamente iguais (Quadro 7). Isso significa que neste período o gado bovino jovem com o manejo adequado não interferiu na densidade do solo. De acordo com Salemi et al. (2013) um dos principais fatores causadores da degradação do solo e a compactação ocasionada principalmente pelo aumento da densidade, esse fenômeno ocorre frequentemente em áreas onde o pisoteio de animais é intensificado. Embora o gado bovino seja considerado um agente degradador das características físico-químicas do solo (Salemi et al., 2013), estes efeitos dependem da intensidade de pastejo (Durigan et al., 2013). Marchão et al. (2007) ressaltam que a compactação vai depender da classe de solo, teor de umidade, taxa de lotação animal, massa de forragem e espécie que está cobrindo o solo.
Quadro 7 Valores de densidade do solo (g cm-3) para os tratamentos (T1: Sem gado e T2: com gado) e a profundidade da amostra de solo (P1: 0-5cm e P2: 5-10cm) durante os anos de 2018 e 2019
Fator avaliado | Ano | |
2018 | 2019 | |
Densidade do solo (g cm-3) - Tratamentos | ||
T1 | 0,98a | 1,06ª |
T2 | 1,01a | 1,04ª |
Densidade do solo (g cm-3) - Camadas amostradas (cm) | ||
P1: 0 a 5 cm | 1,04a | 1,06ª |
P2: 5 a 10 cm | 0,95b | 1,04ª |
CV (%) | 7,53 | 8,83 |
Médias de cada fator avaliado, seguidas de mesma letra na coluna, não diferem estatisticamente pelo teste de F ao nível de probabilidade de 0.05 (p<0.05)
CV: coeficiente de variação (%)
No ano de 2018, a densidade do solo foi 0,95 g cm-3 na camada 5 a 10 cm, estatisticamente mais baixa do que na camada de 0 a 5 cm, cujo valor era 1,04 g cm-3. Em 2019, os valores se igualaram (Quadro 7). Embora a camada superficial seja mais propensa ao pisoteio e à reestruturação do solo, os valores entre 1,0 e 1,1 g cm-3 não afetam o crescimento de plantas (Marchão et al. 2007), semelhante ao que foi relatado por Vzzotto et al. (2000) em um solo de várzea cultivado com consórcio de espécies forrageiras.
Qualidade da água do escoamento superficial
Conforme observado na Figura 6, é possível constatar que praticamente todas as variáveis monitoradas tiveram seus maiores valores na área com a presença do gado. Os maiores registros no período monitorado foram para as variáveis TDS, Condutividade, Dureza, Cálcio, Nitrato, Cloreto e Sulfato (Figura 6). As variáveis Amônio, Fluoreto, Brometo, Nitrito e Fosfato tiveram valores muito baixos e não foram consideradas.
No período de 03/04/2019 a 15/04/2019 só foi possível coletar escoamento na área com gado, visto que na área sem a presença dos animais a cobertura estava mais alta e impediu o escoamento nos recipientes coletores. De acordo com Gautam et al. (2018) o escoamento superficial da área com a presença de gado tende a aumentar, em função do pisoteio da cobertura vegetal protetora pelos animais, bem como devido a possível compactação do solo e selamento superficial de poros.
Sobre os registros observados, Thornton e Elledge (2021) ressaltam que o transporte de sedimentos está fortemente relacionado à baixa densidade de forragem em áreas pastoreadas. Esse dado pode explicar os resultados de TDS observados, bem como os de condutividade elétrica (Figura 6), tendo em vista a alta relação entre essas duas variáveis. Quanto aos aumentos nos valores de dureza da água, nota-se a íntima relação aos valores de cálcio observados na área com gado (Figura 6). O cálcio é um componente natural da excreta bovina, assim como o nitrogênio (nitrato), o potássio, o enxofre (sulfato) e em menores quantidades os cloretos (Kirchmann e Witter, 1992; Rodrigues et al., 2008; Marrocos et al., 2012; Alves et al., 2021). Cabe ressaltar que em estudo realizado em Cuiabá (MT), no ano de 2006, Marques et al. (2010) detectaram quantidade significativa de cloreto, sulfato e nitrato nas águas de chuva da região. Embora esse aspecto não tenha sido analisado, considera-se que também pode ter contribuído para os valores encontrados.
Cabe ressaltar, que os maiores valores para as variáveis monitoradas, foram observados na segunda quinzena de fevereiro de 2019 (Figura 6), período em que ocorreu o maior pico de pluviometria na região, registrando acima de 200 mm (Figura 7). A alta precipitação observada foi um fator relevante para o escoamento dos nutrientes oriundos das fezes bovinas, sugestivo para os picos observados nos parâmetros químicos monitorados. Fora desse período elas se mostraram equivalentes, tanto na área com gado como na área sem gado.
Os picos observados na coleta de 03/04/2019 na área com gado, embora tenha ocorrido uma chuva comparável à média do período, podem ser explicados pelo maior acúmulo de atividades de pisoteio e consequentemente maior acúmulo de fezes animais na área, particularmente para os valores de potássio observados, bem como o cálcio e o magnésio.
Sabendo que o escoamento superficial tende a atingir os corpos hídricos é interessante comentar que todos os maiores valores observados estão dentro dos limites permitidos pela legislação brasileira, em conformidade com valores para águas de classe 1, de acordo com a Resolução CONAMA nº 357/2005 (Brasil, 2005). Desse modo, observa-se que o manejo realizado foi adequado para conter o escoamento superficial decorrente dos possíveis picos de precipitação.
CONCLUSÃO
Após esta avaliação com o sistema de Integração Restauração Ecológica à Pecuária (IRPE) foi possível concluir que: 1) A presença controlada de bovinos reduziu a biomassa de braquiária, sem afetar o desenvolvimento das mudas de espécies nativas e dos regenerantes ; 2) O pastejo controlado não afetou a sobrevivência e nem o crescimento das espécies nativas ao longo dos quatro anos de monitoramento; 3) Não foram observadas alterações significativasna densidade do solo, em função dos tratamentos; 4) Embora a área com gado tenha apresentado teores mais elevados de agentes químicos, os mesmos estão dentro dos limites da legislação brasileira; mostrando que o manejo realizado foi adequado para conter o escoamento superficial decorrente dos possíveis picos de precipitação.
5) O serviço ambiental prestado pelos bovinos, em manejo adequado, reduz as gramíneas, mas mantém a cobertura suficiente para proteção do solo contra erosão e diminuiu os riscos de incêndios; 6) Com estes resultados será possível a instalação de outras unidades demonstrativas de IRPE em outras propriedades para validar os resultados obtidos para o bioma Cerrado.