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Nascer e Crescer
versão impressa ISSN 0872-0754
Nascer e Crescer vol.22 no.4 Porto dez. 2013
QUAL O SEU DIAGNÓSTICO? / WHAT IS YOUR DIAGNOSIS?
Caso hematológico
Mariana CostaI; Emília CostaII; Isabel GuerraII; Esmeralda CletoII; Inês FreitasIII; José BarbotII
IS. Pediatria, ULS Alto Minho, 4901-858 Viana do Castelo, Portugal. marianammcosta@hotmail.com
IIU. Hematologia Pediátrica, S. Pediatria, CH Porto, 4099-001 Porto, Portugal. emvcosta@hotmail.com; isabelcoutoguerra@sapo.pt; esmeraldacleto@gmail.com;
IIIS. Hematologia Laboratorial, CH Porto, 4099-001 Porto, Portugal. maria.ines.freitas@hotmail.com; josebarbot.dia@chporto.min-saude.pt
ABSTRACT
Aplastic crisis by Parvovirus B19 in a patient with hereditary spherocytosis can produce an acute severe and eventually life-threatening anemia. The authors present a clinical case of a 14-year old boy, enhancing the importance of clinical evaluation for a prompt diagnosis and therapeutic approach.
Key-words: Arregenerative anaemia, hereditary spherocytosis, histogram, Parvovirus B19.
Palavras-chave: Anemia arregenerativa, esferocitose hereditária, histograma, Parvovirus B19.
Um jovem de 14 anos com diagnóstico de Esferocitose Hereditária (EH), no contexto de investigação de uma esplenomegalia. O seu quadro hematológico de base revelava uma hemólise bem compensada com valor de hemoglobina normal (Hb 12,3 g/dl), com um MCHC (mean cell hemoglobin concentration) de 35 g/dl mas com reticulocitose (447500/ul) significativa (Figura 1a). Três meses depois recorre ao hospital por febre e odinofagia com um dia de evolução. Apresentava uma anemia ligeira (Hb 9,8g/dl), com MCHC de 37,3 g/dl e 78900/ul de reticulócitos (Figura 1b).
Qual a atitude?
- Alta com reavaliação nos dias seguintes?
- Internamento?
COMENTÁRIOS
O valor de hemoglobina no internamento era inferior em 2,7 g/dl relativamente ao valor de base. De qualquer forma tratava-se de uma anemia ligeira que em circunstâncias normais não condicionaria sinais e sintomas significativos e, como tal, não exigiria internamento. A causa mais frequente de uma queda da hemoglobina em contexto febril num doente com EH é a crise hemolítica. No entanto, à data de internamento, verifica-se uma diminuição acentuada da contagem de reticulócitos e uma observação mais cuidada do respectivo histograma revela uma depleção selectiva das suas formas mais imaturas. Este contexto coloca-nos fortemente a possibilidade de uma segunda etiologia, bastante mais grave, e merecedora de cuidados urgentes que é a crise aplásica por Parvovírus B19. Foi assim que apesar do carácter ligeiro a moderado da anemia se decidiu pelo internamento com cuidadosa vigilância clínica e analítica sendo que entretanto foi pedida a serologia para o Parvovirus B19.
Vinte e quatro horas depois o seu valor de hemoglobina desceu para 7,7 g/dl e a contagem de reticulócitos era de 35800/ul com evidência de depleção dos reticulócitos imaturos e de maturação intermédia (Figura 1c).
Qual a atitude?
- Transfusão de concentrado eritrocitário?
- Continuação da atitude de vigilância com monitorização de hemograma no dia seguinte?
COMENTÁRIOS
Nesta data a perda de massa eritrocitária calculada relativamente ao valor de base era de 45%, valor extremamente elevado sobretudo porque apenas haviam decorrido 48 horas após o início do quadro febril. Para além disso tornava-se evidente a instalação de uma reticulocitopenia absoluta. Neste contexto a transfusão de concentrado eritrocitário assumia caracter de urgência apesar do valor ainda relativamente moderado de hemoglobina.
Vinte e quatro horas após a transfusão o valor de hemoglobina era inferior ao valor pré-transfusional da véspera (Hb 7,1g/dl). Este valor era justificado pelo facto de a percentagem de eritrócitos transfundidos ser ainda minoritária relativamente a massa eritrocitária total em circulação. Efectivamente, um cálculo aproximado, apontaria para uma relação eritrócitos transfundidos vs eritrócitos autónomos era de 0,25. Tornava-se claro que era ainda muito significativa a população susceptível de uma hemólise rápida e como tal se justificava transfusões adicionais.
A decisão de não proceder a transfusões adicionais foi ao 9º dia, altura em que era já evidente a re-emergência de reticulócitos imaturos (Figura 1d) e a relação acima referida era 1,5. De referir que em D11de internamento, apesar do seu valor de hemoglobina ser de 6,5 g/dl, o doente não foi transfundido considerando a evidência da emergência de reticulocitose (Figura 1e).
Crise aplásica por Parvovirus B19 num doente com esferocitose hereditária e susceptível de induzir uma anemia de instalação aguda que se pode revestir de gravidade extrema e mesmo colocar risco de vida, pelo que exige uma intervenção terapêutica rápida. Esta complicação da doença torna obrigatória a sua explicação aos pais no sentido de os instruir a recorrem a Cuidados de Saúde perante qualquer intercorrência febril. Este contexto obriga a patamares de hemoglobina pré-transfusionais superiores ao que é habitual noutro tipo de anemias.
De referir que existem situações de EH não diagnosticadas até à data de uma crise aplásica por Parvovirus B19. Esta situação pode revestir-se de maior gravidade na medida em que é difícil evocar uma doença hemolítica numa anemia grave arregenerativa.
Nestes casos a valorização de esferócitos no esfregaço de sangue periférico pode ser decisiva. Um valor elevado de MCHC assim como uma percentagem elevada de células hipercrómicas são indicadores não microscópicos da presença de esferócitos que também nos podem por na pista do diagnóstico.
Mariana Costa
Unidade Local de Saúde do Alto Minho
Serviço de Pediatria
Estrada de Santa Luzia
4901-858 Viana do Castelo, Portugal
e-mail: marianammcosta@hotmail.com
Recebido a 06.11.2013 | Aceite a 30.11.2013