No passado 29º Congresso Nacional de Medicina Interna, a Tarde do Jovem Internista procurou, sob o mote “Pontes para o Futuro”, tema da reunião, trazer também à discussão aquelas que se poderão afigurar como pontes para o futuro da nossa especialidade. Para isso, contámos com a participação do Professor Doutor Patrício Aguiar, da Dra. Alexandra Esteves, da Dra. Maria Teresa Brito e da Dra. Rita Noversa de Sousa, assim como de todos os Jovens Internistas que aceitaram o convite de nos juntarmos para refletir sobre quais são os desafios atuais da Medicina Interna e que novas oportunidades decorrem dos mesmos. Este Editorial surge da vontade comum de partilhar a conversa que se gerou.
É reconhecido que a Medicina Interna, pela sua visão abrangente e integradora, possui um papel decisivo na gestão do doente agudo e crónico, com envolvimento multissistémico de uma doença rara ou prevalente, cuja complexidade vai aumentando quer com a evolução da doença, quer com o envelhecimento. Deste modo, a Medicina Interna torna-se numa das especialidades mais capazes para abraçar aqueles que são os principais desafios que a evolução demográfica e do conhecimento médico nos trazem.1-5
Nesse sentido, o primeiro desafio (ou oportunidade) identificado pelo nosso painel de oradores foi se a evolução da Medicina Interna deve passar por manter o carácter generalista ou pela subespecialização do internista. Esta é uma questão antiga, e que é responsável pela distinção entre a Medicina Interna no Sul e no Norte da Europa, onde diferenças na disponibilidade de recursos e nos sistemas de saúde originam diferentes papéis para os internistas.6 Na opinião do painel, a resposta não deve ser entendida como uma dicotomia imposta, mas antes como uma complementaridade, devendo sempre prevalecer o investimento no raciocínio clínico, considerado por todos a principal ferramenta do internista. Esta foi uma questão elencada num posicionamento conjunto entre as Sociedades Portuguesa e Espanhola de Medicina Interna, onde se pode ler que o empenho do internista deve passar pela “preservação da abrangência e da coesão da especialidade, favorecendo a criação consistente de áreas de competência e não de novas especialidades”, mantendo-se como “o médico do doente, mais do que das doenças”.1,5
Não obstante, a Medicina Interna deve, não só acompanhar, mas também ser promotora do desenvolvimento e da diferenciação da Medicina, surgindo a oportunidade do internista se especializar numa área de interesse, da qual decorra uma melhoria dos cuidados prestados, ao permitir que diferentes colegas trabalhem em áreas de intervenção distintas.1,2,5,6Para tal, esforços devem ser dirigidos para a atribuição de tempo dedicado à investigação, à inovação e, se for essa a vontade, à integração em programas doutorais.
Uma das ameaças apresentadas pelo nosso painel foi a burocratização da rotina de trabalho, que diminui o tempo que o internista tem disponível para o doente, e que deveria ser a sua principal atividade assistencial. Para além de constituir uma ameaça, esta é reconhecidamente uma das principais causas do burnout dentro da classe médica.7-9
Deste modo, uma solução possível apresentada poderá passar por reorganizar e assegurar o número de administrativos que permitam garantir que o trabalho burocrático é executado, dispensando o médico da realização do mesmo. Também a otimização dos Sistemas de Informação constitui, simultaneamente, um desafio e uma oportunidade para a Medicina Interna. É do nosso maior interesse acompanhar a inovação científico-tecnológica e usá-la em proveito dos nossos doentes. É igualmente importante que a Medicina Interna se envolva no desenvolvimento do machine learning, que já é uma nova oportunidade inadiável e da qual resultam algoritmos que permitem o reconhecimento automático de patologias, tal como a retinopatia diabética, a confirmação de diagnósticos da Dermatologia e da Radiologia, a deteção de padrões histológicos com impacto prognóstico na doença oncológica, entre outros.9 Não obstante, a sua utilidade clínica permanece incerta, uma vez que a acuidade diagnóstica não determina, necessariamente, um impacto na prestação de cuidados ao doente.9 Neste contexto, é de igual modo crucial o papel da Medicina Interna e do internista na preservação da relação médico-doente e na integração do desenvolvimento científico e tecnológico na prestação de cuidados, com o desenvolvimento de sistemas de apoio à decisão clínica incorporados em registos eletrónicos de saúde, melhorando a eficiência e eficácia do ato médico.2,9
A aquisição de competências de liderança e gestão de equipas também pode constituir uma verdadeira oportu-nidade para a nossa especialidade, por forma a catalisar aquele que é o papel do internista no sistema de saúde, nomeadamente junto dos órgãos técnicos e decisores das políticas de saúde nacional.1,5
De forma resumida, aquela que se afigurou como uma das pontes para o futuro da Medicina Interna foi o reconhecimento de que, atualmente, one size does not fit all e que, por isso, deve ser dado espaço ao internista para que, mantendo a sua percepção holística e integradora, veja o seu papel na inovação e tomadas de decisão não só reconhecido como reforçado, junto dos doentes, dos colegas, e do sistema de saúde.
Queremos desta forma agradecer a todos os participantes na Tarde do Jovem do Internista do 29º Congresso Nacional de Medicina Interna, cujo contributo na discussão permitiu a redação deste Editorial.