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Millenium - Journal of Education, Technologies, and Health

versão impressa ISSN 0873-3015versão On-line ISSN 1647-662X

Mill  no.esp14 Viseu jun. 2024  Epub 30-Jun-2024

https://doi.org/10.29352/mill0214e.28718 

Educação e desenvolvimento social

O guarda-redes de andebol como primeiro participante no processo ofensivo

Handball goalkeeper as first participant in the offensive process

Portero de balonmano como primer participante en el proceso ofensivo

João Branco1 
http://orcid.org/0009-0005-4053-7376

António Azevedo1  2 
http://orcid.org/0000-0002-6325-0475

Paulo Eira1  2 
http://orcid.org/0000-0003-1370-0236

Rafael Ribeiro3 

1 Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Educação de Viseu, Viseu, Portugal

2 CI&DEI - Centro de Estudos em Educação e Inovação, Viseu, Portugal

3 Académico de Viseu Futebol Clube, Viseu, Portugal


Resumo

Introdução:

A modalidade de Andebol tem sofrido constante evolução por força de uma multiplicidade de transformações que decorrem das dimensões física e tática, assim como das resultantes de interpretações das componentes da estrutura ou lógica interna do jogo, como é o caso do seu regulamento. Com efeito, assumem-se cada vez mais importantes as ações do guarda-redes, que deixou de estar focado exclusivamente no impedimento do golo e passou a ser o primeiro participante do processo ofensivo da sua equipa, tornando o jogo mais dinâmico e potenciador de novos sistemas ofensivos, de modo a aproximar as equipas do sucesso competitivo.

Objetivo:

Aferir da importância do guarda-redes na construção ofensiva no Andebol moderno, analisar os momentos de substituição ataque-defesa para a reentrada do guarda-redes, identificar os atletas que efetuam a substituição ataque-defesa para a entrada do guarda-redes com maior frequência em contexto de jogo.

Métodos:

Recorreu-se à Metodologia Observacional (Anguera et al., 2000; Anguera, 2003) e à Análise Sequencial de Jogo (Sarmento et al., 2013) para observar os comportamentos e ações dos atletas. Para a recolha de opiniões, atitudes e representações dos participantes, recorreu-se à técnica de entrevista (Santos & Lima, 2019) procedendo-se, posteriormente, à análise de conteúdo (Bardin, 2009). O grupo de estudo compreendeu três treinadores a exercer funções nas duas principais divisões do Andebol português e com a mais alta qualificação técnica internacional da European Handball Federation (EHF). Analisaram-se também duas equipas do Campeonato Nacional de Andebol 1 (PO01) e uma terceira formação, do Campeonato Nacional da 2.ª Divisão.

Resultados:

O momento da substituição para a reentrada do guarda-redes ocorre em função do lado do banco onde se situa a jogada, da zona na qual é finalizada a ação, dos atletas envolvidos na criação da situação de finalização ou na finalização propriamente dita.

Conclusão:

A substituição ataque-defesa para a reentrada do guarda-redes não é efetuada por um atleta habitualmente pré-definido pelo treinador, mas de acordo com o comportamento defensivo concreto do adversário e do conhecimento acerca das tomadas de decisão dos colegas de equipa. Com efeito, os treinadores deste estudo tendem a criar exercícios que fomentam a otimização do processo de substituição e a saída atempada para que a reentrada do guarda-redes possa restabelecer o desejado equilíbrio defensivo.

Palavras-chave: andebol; guarda-redes; processo ofensivo; treinador; treino

Abstract

Introduction:

Handball has been suffering constant evolution due to transformations in its physical and tactical dimensions and within the internal or logic game structure interpretations, as is the case with its regulation. In fact, the goalkeeper is no longer focused solely on avoiding goals, does becoming the first participant in his team's attacking process, making the game more dynamic and potentiating new attacking systems, to achieve the team's competitive success.

Objective:

Assess the goalkeeper’s importance in modern Handball’s offensive construction, analyze the attack-defense replacement moments for the goalkeeper’s re-entry, identify the athletes who are more often replaced for the goalkeeper´s entry in the competition context.

Methods:

Observational methodology (Anguera et al., 2000; Anguera, 2003) and Sequential Game analysis (Sarmento et al., 2013) were used to observe the athletes’ behaviors and actions. To collect opinions, attitudes and the participants representations, the interview technique (Santos & Lima, 2019) was used and subsequently, content analysis was carried out (Bardin, 2009). The study group comprises of three coaches working in two Portuguese Handball main divisions and with the highest international technical qualification of the European Handball Federation (EHF). Two teams from the National Handball Championship 1 (PO01) and a third formation of the 2nd National Division Championship were also analyzed.

Results:

The replacement moment for the goalkeeper’s re-entry takes place due to the side of the bench where the game is happening, the area in which the action is completed, the involved athletes in finalizing situation or in the finalization itself. Conclusion: The attack-defense substitution for the goalkeeper’s re-entry is not carried out by a pre-defined athlete by the coach, but according to the opponent’s defensive behavior and the decision-making of the teammates. Therefore, the coaches of this study tend to create exercises that promote the optimization of the replacement process and its exit time so that the goalkeeper’s re-entry can restore the desired defensive balance.

Keywords: handball; goalkeeper; offensive process; trainer; training

Resumen

Introducción:

La modalidad de balonmano ha experimentado una evolución constante debido a la multiplicidad de transformaciones que resultan de las dimensiones físicas y tácticas, así como de las interpretaciones de los componentes de la estructura interna o lógica del juego, como es el caso de su reglamento. De hecho, las acciones del portero no se centran únicamente en el impedimento del gol. Sus acciones lo convirtieron en el primer participante del proceso de ataque de su equipo, tornando el juego más dinámico y potenciando nuevos sistemas de ataque.

Objetivo:

Evaluar la importancia del portero en la construcción ofensiva en el balonmano moderno, analizar los momentos de reemplazo ataque-defensa para la reentrada del portero, identificar a los atletas que hacen el reemplazo ataque-defensa para la entrada del portero más a menudo en el contexto del juego.

Métodos:

Utilizamos la metodología observacional (Anguera et al., 2000; Anguera, 2003) y el análisis secuencial del juego (Sarmento et al., 2013) para explorar los comportamientos y acciones de los atletas. Para recoger opiniones, actitudes y representaciones de los participantes, se utilizó la técnica de entrevista (Santos & Lima, 2019) y, posteriormente, se realizó el análisis de contenido (Bardin, 2009). El grupo de estudio fue formado por tres entrenadores que trabajan en las dos divisiones principales del Balonmano portugués y con la máxima cualificación técnica internacional de la Federación Europea de Balonmano (EHF). También se analizaron dos equipos del Campeonato Nacional de Balonmano 1 (PO01) y una tercera formación del Campeonato Nacional de la 2ª División.

Resultados:

El momento del reemplazo por la reentrada del portero ocurre de acuerdo con: el lado del banquillo donde se encuentra; el ámbito en el que se completa la acción; los atletas involucrados en la creación de la situación de finalización o en la finalización misma.

Conclusión:

El reemplazo ataque-defensa no es realizada por un atleta generalmente predefinido por el entrenador pero debido al comportamiento defensivo concreto del oponente en la acción o el conocimiento que los atletas tienen en relación con la toma de decisiones de sus compañeros de equipo. Los entrenadores tienden a crear ejercicios que promuevan la optimización del proceso de sustitución y por la salida oportuna para que el reingreso del portero pueda restablecer el equilibrio defensivo deseado.

Palabras Clave: balonmano; portero; proceso ofensivo; entrenador; adiestramiento

Introdução

A AÇÃO DO GUARDA-REDES DE ANDEBOL NA CONSTRUÇÃO DO SISTEMA DE JOGO OFENSIVO

A riqueza multifatorial das modalidades desportivas coletivas deriva das persistentes ações de cooperação e oposição que concomitantemente se estabelecem entre atletas no decorrer de qualquer encontro, que por sua vez ocorre em contexto de máxima incerteza e, dessa forma, evolui para uma forma de complexidade extrema. Por alguns apelidado de “magia do desporto”, é este conjunto de componentes que, enquanto dificulta a sua execução, torna aliciante a prática desportiva e captura a atenção das massas.

À semelhança de qualquer outro posto ocupado pelos atletas no enseio de uma modalidade desportiva coletiva, o do guarda-redes é inegavelmente fundamental. Contudo, há muito que a visão acerca deste interveniente deixou de focar exclusivamente o impedimento do golo, ou seja, que a bola ultrapassasse a sua linha de baliza. O guarda-redes moderno é o primeiro participante do processo ofensivo da sua equipa, como tal, responsável pelo controlo dos ritmos de jogo (abrandamento e aceleração) em primeira instância, fundamentado na sua capacidade tática, isto é, na habilidade de “ler” o jogo nos seus diferentes momentos. É dotado de qualidades físicas exclusivas e que diferem substancialmente das dos companheiros de equipa (e.g., o seu índice de flexibilidade), assim como de uma precisão técnica de passe que se verifica fundamental em contextos de reposição de bola e contra-ataque. Em suma e, de acordo com Silva et al. (2013, p. 61), “a defesa do guarda-redes activa o desenvolvimento do ataque”.

Constituindo naturalmente uma não exceção, a prática da modalidade de Andebol tem sofrido uma galopante evolução por força de uma multiplicidade de transformações de vária natureza, de entre as quais se relevam as relativas à dimensão física do jogo, assim como as idealizadas pelos especialistas no que concerne à dimensão tática, resultantes das interpretações e extrapolações baseadas nas componentes da estrutura interna do jogo, como é o caso da sua regulamentação. Esta linha de pensamento acrescenta ainda mais valor ao papel do guarda-redes de Andebol, posto que agora se vê confrontado com novas necessidades de reestruturação do processo ofensivo. À medida que a modalidade evolui e se complexifica, maior é a necessidade de a regulamentar.

Com efeito, analisado o regulamento da International Handball Federation (2010, p.16), o segundo parágrafo do Ponto 4 - Regra 4 de Jogo determina que, no referente à realização de substituições entre um atleta de campo devidamente identificado como guarda-redes e o guarda-redes de facto, esta substituição deveria realizar-se na linha de substituição correspondente à equipa. A aplicação desta regra aos guarda-redes implicava obrigatoriamente a substituição do guarda-redes de facto pelo guarda-redes avançado impossibilitando, nos momentos de transição ataque-defesa, um atleta de campo identificado de ceder o seu lugar no terreno de jogo ao guarda-redes de facto, visto que o atleta de campo identificado como guarda-redes (guarda-redes avançado) ainda se encontrava no terreno de jogo. Desta forma, apenas o atleta de campo identificado como guarda-redes (avançado) poderia trocar com o guarda-redes de facto e vice-versa. Já o Ponto 7 da mesma regra determinava que o atleta de campo, identificado como guarda-redes, deveria utilizar uma camisola da mesma cor que a do guarda-redes de facto, corroborando a interpretação à regra anteriormente descrita. O número identificativo do atleta de campo designado como guarda-avançado deveria, de acordo com o Ponto 8 da Regra 4, ser o mesmo utilizado na função exclusiva de atleta de campo.

A restrição contemplada para este tipo de substituições na Regra 4 do Jogo pela versão das Regras do Jogo de 2010 viria a ser alterada e clarificada pela International Handball Federation (IHF) na nova Regra 4 da versão de 2016 das Regras de Jogo, versão ainda em vigor. A inclusão dos textos dispostos nos terceiro e quarto parágrafo do Ponto 1 da Regra 4 de Jogo acabaria por dissipar a restrição existente à utilização desta prerrogativa, permitindo que sete atletas de campo pudessem estar em campo nos momentos em que a formação abdicasse da utilização do guarda-redes e permitindo a substituição entre o guarda-redes e qualquer atleta de campo a qualquer momento, desde que as substituições se observassem através dos trâmites enunciados nos Pontos 4 e 7 da mesma regra.

A vigente possibilidade de realização regular e sem restrição, nos momentos de transição defesa-ataque, de uma substituição na qual o guarda-redes cede o seu lugar a um atleta de campo sem a obrigatoriedade do que realizou a entrada na partida ser substituído para a reentrada do guarda-redes (na fase de jogo defensiva posterior), potenciou a emergência e a maior utilização de um novo subsistema de Jogo nas ações de ataque em sistema: o subsistema de jogo 7x6.

Garcia (2010), detetando uma crescente tendência para o uso do “guarda-redes falso” nas situações de inferioridade numérica provocadas pela exclusão de um atleta, auscultou a potencialidade desta nova estratégia tático-técnica do jogo ao qual seguiram, acerca da mesma temática, os estudos de Prieto et al. (2015), Larrumbide (2016) e Beiztegui-Casado et al. (2019).

Perante o aumento exponencial da utilização do guarda-redes nestes momentos da fase de jogo ofensiva, a IHF procedeu à alteração dos pontos 1, 4, 5, 6 e 7 da Regra 4 do Jogo (“A equipa, Substituições, Equipamentos e Atletas Lesionados”), possibilitando a substituição do guarda-redes por qualquer outro atleta de campo sem a necessidade do segundo necessitar fazer uso de uma camisola distinta da dos restantes colegas, assim como ter de abandonar obrigatoriamente o terreno de jogo para a reentrada do guarda-redes num momento posterior da partida (IHF, 2010; 2016). Até decorrer esta alteração regulamentar, para entrar no terreno de jogo através da substituição pelo guarda-redes, o “falso guarda-redes” teria, como indica Di Gilio (2021), que atuar devidamente identificado com uma camisola diferente das dos restantes colegas e de abandonar o terreno de jogo para a reentrada do guarda-redes num momento posterior.

Estas alterações regulamentares acabaram por gerar repercussões no aumento da utilização desta estratégia. Após alteração do regulamento, foi notável o aumento na frequência de utilização do subsistema 7x6. No relatório elaborado no âmbito das tendências evolutivas expressas no Campeonato da Europa de Seniores Masculinos de 2018, Kovacs (2022) mencionou a utilização do sistema 7x6 em ataque em sistema por parte das Seleções da Hungria, Croácia, Eslovénia, Alemanha, Dinamarca, Suécia e Macedónia. Igualmente, averiguou a realização de situações de ataque em sistema, em contexto de superioridade numérica 7x5 por parte de várias seleções. Para além de se ter constituído como uma estratégia de jogo para os momentos de superioridade numérica, a utilização de sete atletas de campo nas ações desenvolvidas em ataque em sistema, foi também desenvolvida pelos treinadores nas situações de desigualdade motivada por exclusão por 2 minutos de um atleta, confirmando novamente a maior tendência de utilização nestes episódios do jogo (Kovacs, 2022).

Por fim, o autor observou o Campeonato da Europa realizado nesse mesmo ano, verificando a sua utilização em ataque em sistema por parte das Seleções de Portugal, Suíça, Ucrânia, Áustria, Croácia, Letónia, Dinamarca e Holanda, assim como o aumento da frequência da substituição guarda-redes\atleta de campo em contexto de ataque em igualdade numérica 6x6. Evidenciada a importância do guarda-redes na recente tendência ofensiva que ocupa lugar no Andebol moderno, o presente estudo objetiva analisar os momentos de substituição ataque-defesa para a reentrada do guarda-redes, assim como identificar os atletas que efetuam a substituição ataque-defesa para a entrada do guarda-redes com maior frequência em contexto de jogo.

1. Métodos

A temática e objetividade do estudo conduziram ao emprego de uma metodologia híbrida, combinando processos de índole qualitativa e quantitativa, ainda que o primeiro processo se demarque com maior predominância. Tal se deve ao facto de a caracterização das ações de ataque em superioridade numérica ofensiva 7x6, nas suas dimensões tática e técnica de Jogo, implica a observação, interpretação e análise das ideias de jogo dos treinadores e à descrição de um variado manancial de comportamentos postos em marcha pelos atletas no desenvolvimento destas ações em contexto de jogo. Recorreu-se ao processo de Entrevista no contexto qualitativo por apresentar, entre outras vantagens, a de recolher informação que não se consume como possível noutras fontes (Santos & Lima, 2019).

De modo a determinar-se os dados relativos à análise centrada no Jogo, numa visão quantitativa, recorreu-se à Metodologia Observacional (Anguera et al., 2000; Anguera, 2003) e à Análise Sequencial de Jogo. Sarmento et al. (2013) consideram que a grande complexidade de condicionalismos e de comportamentos das ações dos atletas nos Jogos Desportivos Coletivos deriva da sua constante invariância, provocada pela sucessão alternante das Fases de Jogo, pelo que se torna crucial dotar o processo de observação de coerência, conferida quando a observação é capaz de quantificar os comportamentos produzidos de forma ativa e objetiva.

1.1. Participantes

Foram, inicialmente, pré-selecionados 3 treinadores que se encontram na época desportiva de 2021\2022 a exercer funções nos escalões de seniores masculinos de clubes que militam nas duas principais divisões do sistema competitivo da modalidade no nosso país. Dos três técnicos entrevistados, dois são cidadãos nacionais e um possui a cidadania de um Estado-Membro da União Europeia. Dois dos três técnicos desportivos entrevistados possuem a mais alta qualificação técnica internacional da European Handball Federation (EHF): a EHF Pro License. Um dos treinadores entrevistados encontra-se atualmente a levar a cabo o estágio para a obtenção do Título Profissional de Treinador de Desporto (TPTD) de Grau III, título que irá alcançar no final da presente época desportiva. Duas das formações analisadas militam na presente época desportiva no Campeonato Nacional de Andebol 1 (PO01) do escalão de Seniores Masculinos. A terceira formação analisada no presente estudo competiu na presente época desportiva no Campeonato Nacional da 2.ª Divisão de Seniores Masculinos (PO02).

1.2 Instrumentos de Recolha de Dados

Na medida em que se pretendeu analisar opiniões, atitudes e representações dos participantes, recorreu-se à técnica de entrevista que, nesta ocasião, representa o meio privilegiado para aferir acerca do contexto social e emocional dos entrevistados (Santos & Lima, 2019). Optou-se pela tipologia semi-estruturada, tendo sido construído um guião-referencial para a colocação de questões abertas, de modo que a entrevista não decorresse, nem de forma rígida, nem totalmente livre, ao mesmo tempo concedendo liberdade ao entrevistado para apresentar as suas respostas de forma natural e com linguagem mais informal. O guião apresentou seis dimensões, de entre as quais se destaca a que pretende ser aprofundada no presente estudo e que diz respeito à prevalência do guarda-redes em processo ofensivo de superioridade numérica, perspetivando: (i) identificar o momento concreto da ação em que um dos atletas deverá sair do terreno de jogo para proceder à reentrada do guarda-redes; (ii) verificar a hipótese da existência de um sinal ou ação tático-técnica concreta para a realização da substituição ataque-defesa; (iii) identificar o atleta que sai para proceder à reentrada do guarda-redes e o processo mental que subjaz essa tomada de decisão por parte do treinador.

Posteriormente, procedeu-se à análise de conteúdo que, de acordo com Bardin (2009, p. 49), se define como “um conjunto de técnicas de análise de comunicações que visa obter, por procedimentos sistemáticos e objectivos, a descrição do conteúdo das mensagens indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção destas mensagens”. A análise de conteúdo é, portanto, uma técnica de tratamento de dados recolhidos a partir da realização de entrevistas que visa ajudar o investigador a descrever e a interpretar o que foi narrado pelo entrevistado, salientando os pontos fortes da sua narrativa acerca da temática em estudo.

Paralelamente e, na medida em que nos situamos no domínio das modalidades desportivas coletivas, invocada desta forma a dimensão tática dos Desportos Coletivos, o conceito de “análise de jogo” ganha relevo como técnica de estudo do jogo formal, baseado na observação dos comportamentos que os atletas, individual e/ou coletivamente (em equipa) praticam em contexto competitivo, considerando-se a imensidão e abrangência de ações praticadas em tal ambiente (Garganta, 2001). Matias e Greco (2009) consideram que o uso desta técnica é primordial para a tomada de decisão dos treinadores no âmbito do planeamento desportivo das suas formações, visto que lhes confere um conjunto de informações relativas aos comportamentos e às tomadas de decisão que os atletas tomam nas diversas fases do jogo, enquanto Prudente et al. (2019) advogam que a compreensão destes comportamentos, rotinas, estratégias e interações se torna decisiva para compreender o rendimento desportivo.

Franks e Goodman (1986, cit. Garganta, 2001) consideraram que a análise de jogo é uma técnica que engloba mais procedimentos do que a mera observação de comportamentos em contexto de jogo, destacando três fases neste processo: (i) observação dos comportamentos praticados pelos atletas em contexto de jogo; (ii) anotação dos dados recolhidos através de instrumentos objetivos e válidos para a medição dos comportamentos que a observação visa mensurar; (iii) interpretação e/ou análise dos dados recolhidos.

Dentre as diversas tentativas em identificar e aditar os fatores potenciadores e condicionantes do rendimento desportivo, assim como os fatores preditores e/ou geradores de eficácia na prestação desportiva, destacamos a de Garganta (2001), a qual realçou a importância da análise de jogo para a prossecução de tais objetivos, elencando um conjunto de possibilidades que esta técnica tende a proporcionar aos treinadores e investigadores, janelas de oportunidade a considerar no presente estudo (Garganta, 2001, p.57): “configurar modelos de actividade dos atletas e das equipas numa determinada acção ofensiva através da sua caracterização na dimensão táctica do jogo e, a título de hipótese, procurar compreender se estas acções são coroadas com percentagens de eficácia positivas (aproximando, portanto, mais do sucesso as equipas que as realizam); inquirir os técnicos cujas equipas as operacionalizam quanto aos seus métodos de treino para garantir uma maior especificidade na operacionalização deste tipo de conteúdos em contexto de treino; indagar a possibilidade de estarmos perante o desenvolvimento de uma acção no âmbito técnico-táctico que se constitui como uma tendência evolutiva da modalidade, a manter e quiçá a evoluir para outras formas no futuro.”

Nesta consideração observámos e analisámos, no presente estudo, 33 partidas de um conjunto de 3 formações desportivas, das quais resultou a seleção de 374 sequências de jogo. Todas estas sequências de jogo que constituíram amostra, corresponderam a sequências extraídas no âmbito de ações desenvolvidas em ataque em sistema em superioridade numérica ofensiva 7x6 (as sequências de jogo excluídas encontram justificação no capítulo dos “procedimentos”).

Com o intento de registar e contabilizar os dados dos vários indicadores observados (tabela 1), constituiu-se necessária a sua fragmentação em diversos indicadores (de acordo com as dimensões previamente apresentadas e definidas no guião da entrevista), assim como o estabelecimento de categorias de resposta (“sub indicadores”). Em vários dos níveis de análise, admitiu-se apenas um conjunto de respostas para evitar a dispersão do nível de preenchimento das grelhas de observação.

Tabela 1 Indicadores de observação e categorias de resposta - Análise Sequencial de Jogo 

Indicadores de observação e análise de Jogo Categorias e tipos das respostas
(i) Momentos prévios à ação de finalização Quando é constituída uma situação vantajosa por superioridade numérica Antes da falha técnica No momento da finta No momento da receção No momento da rotação Após erro no passe Antes da falha técnica Antes da assistência para finalização No momento da assistência Após falta Após a perda de bola Em plena circulação por parte da equipa
(ii) Momentos em concomitância com a situação de finalização No momento da finalização No momento da penetração Após a finalização\erro ou falha técnica Após a finalização Após a falha técnica Com o adversário em Transição Sem espaço temporal definido Não houve Substituição
(iii) Atleta que sai para executar a Substituição ataque-defesa com o guarda-redes 1.º Pivot (mais à esquerda no terreno de jogo) 2.º Pivot (mais à direita no terreno de jogo) Ponta Esquerda Lateral Esquerdo Central Lateral Direito Ponta Direito Os momentos em que não se registou substituição também foram contabilizados.

1.3 Procedimentos

Os pedidos de colaboração foram enviados por carta aos clubes nos quais os três técnicos exercem funções, de modo a poder obter igualmente a anuência das instituições para o efeito. No conteúdo das cartas prestou-se o seguinte conjunto de informações: (i) a apresentação do tema do estudo; (ii) o enquadramento do procedimento metodológico a aplicar no âmbito dos objetivos do estudo; (iii) a descrição pormenorizada das condições dos procedimentos a utilizar no âmbito das entrevistas e dos procedimentos relativos à análise sequencial de jogo (salvaguarda da confidencialidade de todos os nomes dos participantes, das instituições das formações que constituíram a população-alvo do estudo; escolha da data da entrevista; duração máxima da entrevista; formato a utilizar para a entrevista, pedido para a autorização da gravação da entrevista para efeitos de validação da mesma junto do júri da prova na qual se insere o estudo; envio de uma cópia do ficheiro do áudio da entrevista e do estudo para aferição da sua validade relativamente às informações do estudo); (iv) o pedido de cedência de imagens dos jogos da formação orientada pelos técnicos em questão para a análise de jogo.

Importa salientar, no que concerne aos procedimentos que derivam especificamente da observação e análise de jogo, que foram dezenas as sequências de jogo excluídas pelos motivos que de seguida se apresentam: (i) ações ofensivas que não culminaram em situações de finalização por término de um dos tempos regulamentares do jogo; (ii) situações em que a veracidade dos dados recolhidos estava manchada por um viés provocado pela natureza peculiar das transmissões televisivas (em particular, repetições da transmissão televisiva que impossibilitavam a contagem minuciosa de tempos de ataque ou do número de passes realizados por ação, ou que, noutro âmbito não permitiam a observação com clareza dos detalhes relativos às substituições ataque-defesa); (iii) ações ofensivas interrompidas por pedidos de desconto de tempo por parte dos treinadores; (iv) ações ofensivas interrompidas por pedidos de atletas e/ou da arbitragem para a limpeza do terreno de jogo; (v) ações ofensivas 7x6 interrompidas pela aplicação de exclusões por 2 minutos aos defensores adversários.

Por razões de salvaguarda da confidencialidade da identidade das formações analisadas, dos seus técnicos e dos dados recolhidos, as 3 formações foram alvo de uma codificação e numeração (aleatória) para o presente estudo. Com efeito, os treinadores serão doravante designados pelas seguintes siglas “T1”, “T2” e “T3”, sendo as respetivas formações designadas pelas siglas “E1”, “E2” e “E3”. De forma a poder tratar com êxito as informações recolhidas e os dados resultantes da observação e análise de jogo, os treinadores e as formações serão emparelhados com o mesmo número. A título de exemplo, os dados recolhidos no âmbito da análise das sequências de jogo da E1 serão analisados à luz dos dados informacionais recolhidos no âmbito da entrevista com o T1. O número de partidas e sequências de jogo observadas não foi equitativo, pelo que a tabela 2 permite observar essa discrepância, com base no calendário de jogos que cada equipa tinha para cumprir.

Tabela 2 Distribuição de jogos e sequências - Análise Sequencial de Jogo 

Equipas Equipa 1 Equipa 2 Equipa 3
Número de partidas observadas 9 17 7
Número de Sequências Ofensivas observadas em ações desenvolvidas no sistema de jogo 7x6 64 202 75

No que se refere à E1 e E2, as imagens das partidas observadas foram recolhidas na Plataforma Andebol TV na “Livestream”, página na qual a Federação de Andebol de Portugal, em parceria com outras emissoras de televisão que transmitem jogos de andebol disputados em território nacional, publicam conteúdos. A página “Andebol TV” é uma página do domínio público sendo os seus conteúdos acessíveis a qualquer internauta. No caso de outras partidas, estas foram visionadas através da Plataforma Multimédia “EHF TV”, cuja proprietária é a própria EHF. As transmissões publicadas em ambas as páginas são do domínio público, estando os seus conteúdos acessíveis a qualquer internauta. No caso específico da Equipa 3, as imagens de 11 das 12 partidas observadas foram recolhidas in loco, com a devida autorização da Instituição e Treinador entrevistado. As partidas da E1 observadas dizem respeito ao Campeonato Nacional de Andebol 1 e Taça de Portugal de Seniores Masculinos, da época desportiva 2021\2022 (já terminada). As partidas da E2 reportam ao Campeonato Nacional de Andebol 1 (época 2020\2021 - já terminada) e a competições europeias da EHF na época 2021\2022 (já terminada). Por fim, as partidas da E3 apontam para o Campeonato Nacional da 2ª Divisão de Andebol (Po02) e Taça de Portugal de Seniores Masculinos.

1.4 Análise Estatística

No decorrer do paradigma quantitativo que fundamenta o processo de análise de jogo e, de acordo com os objetivos previamente definidos, procedeu-se à análise descritiva dos dados com recurso à versão 28 do IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, New York, USA).

2. Resultados

Encontrar o momento “exato”, repleto de oportunidade, da substituição ataque-defesa para a reentrada do guarda-redes (1.º objetivo do estudo), é efetivamente uma das questões mais complexas no âmbito das ações em superioridade numérica ofensiva 7x6, comprovada pela perceção dos entrevistados. O treino parece constituir-se como o elemento-chave para a definição deste momento, sendo através do conhecimento das ações características dos atletas no desenvolvimento das ações ofensivas que se adquire a experiência necessária para sair do terreno de jogo no momento ideal. Os entrevistados consideram que, embora possa existir um ou vários momentos pré-definidos para o efeito, dependem grandemente: (i) do tipo de combinação tática que é realizada e do posto específico do atleta que espera o finalizador da ação, (ii) do conjunto de ações que potenciem a sensação de que a criação de uma situação de finalização está próxima e (iii) da intuição do próprio atleta.

Quanto ao momento, T1 referiu que a sua formação se encontra devidamente preparada para a realização deste tipo de ações consoante a combinação tática a realizar, precisamente porque em cada combinação tática realizada pela equipa ou nas situações em que determinada solução é potenciada pelo comportamento defensivo, já existe um atleta definido para a saída. Na sua opinião, “(…) o momento concreto é quando nós achamos que vai aparecer o último passe ou finalização, normalmente é esse o momento. É claro que sabemos que algumas vezes corremos alguns riscos. Também pedíamos para evitar finalizações com gestos mais técnicos, principalmente, por parte dos pontas, porque sabemos que muitas vezes num remate em habilidade pode permitir uma defesa mais fácil do guarda-redes e uma finalização de baliza a baliza, apesar de que às vezes os pontas não têm capacidade para ouvir o que os treinadores lhes dizem, eles querem mesmo é fazer uma coisa bonita! (risos) E o picado largo, o que eu lhes disse uma vida inteira… o picado largo era muito importante nestas circunstâncias! Prefiro um remate forte e seguro porque mesmo que haja uma defesa a bola vai parar longe e a questão do reequilíbrio defensivo torna-se mais fácil…”

O mesmo momento foi também considerado por T3, embora refira que o atleta que sai deverá ter a noção de que não irá participar na construção ou finalização da ação ofensiva: “O ideal é que o atleta entenda, quando não vai ter qualquer tipo de possibilidade de tocar na bola, ou aliás, o ideal é o atleta perceber qual é o momento da finalização, ou seja, há uma oportunidade criada, é esse que tem que ser o momento para o atleta interpretar para o momento da sua saída. Muitas vezes acontece que o atleta não faz essa leitura e já está a recuar, e ainda não se criou essa situação clara de oportunidade de golo. O feedback que os meus atletas têm é que o momento para sair, é quando percebemos que criámos uma situação clara para golo.”

O T2 referiu, por sua vez, que o momento da saída deverá ser um momento de intuição do atleta, ou seja, um momento no qual este compreenda que vai sair sem, por um lado perdendo a oportunidade de participar na construção da ação ofensiva e, por outro, promovendo a reentrada do guarda-redes no terreno de jogo e o almejado equilíbrio defensivo: “Não é possível ensinar isso aos atletas, ou criar regras específicas para esse momento. Na minha opinião, os atletas deverão sentir qual é o timing exacto para proceder à substituição…”.

Reportando-nos ao 2.º objetivo do estudo, que remete para os atletas que realizam, com maior frequência, substituição ataque-defesa para proceder à entrada do guarda-redes e, de acordo com as respostas conferidas pelos entrevistados, a tomada de decisão sobre o atleta que sai para proceder à reentrada do guarda-redes é influenciada pelos seguintes fatores: (i) o lado em que se encontra o banco de suplentes, (ii) a combinação tática a realizar e a zona do terreno na qual é expectável a criação de uma situação de finalização, (iii) a possibilidade de execução de uma ação de continuidade ofensiva por força do facto de não ter sido possível, na primeira ação, criar uma situação de finalização (iv) o local no qual ocorre a finalização e, finalmente, (v) as capacidades condicionais e coordenativas dos atletas (predominantemente a velocidade de reação, velocidade de aceleração e resistência de velocidade). Conferiu-se, no âmbito das ações desenvolvidas em superioridade numérica 7x6, que as questões relativas ao momento e forma como se organiza a substituição são processos cada vez mais trabalhados através da instrução dos treinadores, do contexto de treino, em curtas informações de retorno em contexto de jogo e através da prossecução de exercícios de treino que criem essas rotinas.

O T1 optou por explicar a lógica em que assenta a substituição com base nas várias opções de circulação, criação e finalização que a sua formação podia executar. Deste modo, na E1 o atleta a sair varia em função do seguinte conjunto de critérios: (i) combinação tática a realizar, (ii) lado do banco, (iii) comportamento defensivo adversário face à combinação tática realizada e (iv) conhecimento dos atletas perante determinada situação de jogo. De acordo com estes critérios, o atleta a sair pode ser o do posto específico de central ou ponta, em especial, aquele que se encontra mais próximo do banco se efetivamente a combinação tática ofensiva não culmine numa construção de uma situação de finalização no seu corredor. A pré definição assenta sempre no ponta do lado do banco, porém, podem existir outras soluções: “Nós sabíamos perfeitamente que se nos deixassem o ponta do lado do remate… Nós tínhamos uma nuance: o atleta C.P. nunca saía, porque ele era normalmente quem atacava… O C.P. estava a atacar do lado do banco, obrigam-nos a que remate o ponta direita, normalmente quem saía era o central. Nós estávamos muito preparados. Assim que num ataque, eles deixassem… imagine: o C.P. iniciava o ataque e víamos logo que eles deixavam o ponta direita, porque muitas defesas começam logo com uma estratégia defensiva na defesa para o 7x6, principalmente não estou a falar, se calhar, do Porto e do Sporting, mas em circunstâncias quando são jogos mais equilibrados começam a “deixamos o ponta direita” - e quando o C.P. começava o ataque com aquela questão do drible, e nós víamos logo o ponta a defender o pivot. “Eu muitas vezes até… T.P.! já sabia que ele fazia outro sinal… Deixávamos a bola vir à esquerda, quando a bola vinha da esquerda para a direita, o C.P. iniciava o ataque, assim que o armava o braço para passar ao ponta, o atleta T. iniciava logo a trajetória de substituição”. Portanto, era mais complexo nesta circunstância. (…) Se havia dissuasão do defesa central, já sabíamos que a finalização ia acabar na esquerda e aí saía o ponta direita, se ele tivesse do lado do banco. Estamos a falar da tomada de decisão do lado do banco, certo?! E basicamente, estas eram as nuances principais. Do lado do atleta C.P. ter o ponta e o central alertas, do outro lado as coisas eram à partida mais simples. Mas nós tínhamos muitas vezes o T.P. alerta para fazer a Substituição, porque se a bola chegasse ao ponta esquerda e às vezes chegava, também sabíamos que havia… agora com o lateral esquerdo do lado do banco, se houvesse dissuasão ao central, já sabíamos que a finalização era quase de certeza no ponta. Assim que começavam a dissuadir o T.P., tinha tempo para recuar um bocado e aproximar-se da substituição; se não houvesse dissuasão e a bola chegava ao central sabíamos que o atleta R.B. ia “entre 1\2” e o R.B. já sabia que ia com velocidade e o nosso ponta…” “Quando finalizávamos à esquerda, tentávamos que saísse o ponta direita. Tentávamos que saísse o ponta do lado do banco. Era o que nós tentávamos fazer, mas muitas vezes quando a finalização ocorria nesse local, o plano B passava pelo lateral ou pelo central, dependendo da trajetória do passe. Normalmente tínhamos um atleta pré-definido que era o ponta do lado do banco.”

Deste testemunho ressalva-se o conhecimento que os atletas detêm dos momentos de saída pré-definidos em função do conjunto de hipóteses anteriormente referido. De igual modo, salienta-se o facto de o treinador e respetivos atletas possuírem essas soluções afinadas e do treinador constituir um guia para os atletas, ajudando-os com curtas prestações de informação de retorno, auxiliando na tomada de decisão perante as situações emergentes do jogo.

O discurso do T2 evidenciou similarmente a existência de um conjunto de critérios ou regras específicas que se tomam em função de, a título de exemplo, o lado em que se encontra o banco ou a zona em que está a ser realizada a finalização. O T2 defendeu que, em primeiro lugar, será sempre o ponta do lado do banco a sair, posteriormente o lateral e por último o atleta do posto específico de central. Tal sequência só é alterada em função da zona de finalização se efetivamente a criação da situação de finalização estiver a ser criada no corredor lateral direito. Aí será o central a sair.

Sendo uma formação que procura construir as suas situações ofensivas do corredor lateral esquerdo para o corredor lateral direito, denota-se a tendência para a construção de situações de finalização através da conquista de situações de superioridade numérica 2x1 que permitam a finalização, ao lateral direito, por intermédio de um remate em penetração aos 6 metros ou da atração do sexto defensor, seguida da assistência para a finalização do ponta direito. Citando: “Neste âmbito, também temos regras! Normalmente, é o atleta do posto específico de ponta que se encontra mais próximo do banco de suplentes, mas, em virtude dos anos em que já jogamos juntos, também procuramos ter soluções para inserir mais processos a alguns atletas. Na maior parte das vezes, não é o pivot porque eles não têm grandes hipóteses para proceder à substituição. Assim, são 3 os atletas que deverão sair para proceder à reentrada do guarda-redes: é o ponta que se encontrar mais perto do banco de suplentes, o lateral do mesmo lado ou o atleta R.S. que é o atleta que alinha mais vezes no posto específico de central. Quanto à zona na qual estamos a desenvolver o ataque também existem algumas regras! Se o lateral direito (mais próximo do banco de suplentes) procurar finalizar, será o central a sair.”

A resposta do T3 cruza-se com a resposta de T2, visto que respeita as mesmas regras no que diz respeito às finalizações no corredor lateral direito. Na opinião do T3, deverá ser o central a sair. Nas outras situações, sempre que o banco coincidir com a esquerda do ataque, em função do seu sentido do desenvolvimento, deverão sair os atletas que se encontrem mais próximos do banco: “Nós, conforme já disse anteriormente, tomamos sempre a decisão da esquerda para a direita (…), mas só temos utilizado o 7x6 na segunda parte que tem coincidido com o lado onde se faz a troca, ou seja, estamos a tomar a decisão da esquerda para a direita e como nós queremos que a decisão acabe, ou seja, que a situação de finalização seja criada à direita… dá tempo para que o lado no qual se iniciou a movimentação ofensiva em 7x6… dá tempo para que esse lado saia. Se for necessário ser o lado contrário, ou seja, a troca ser feita do mesmo lado onde se finaliza, sobretudo à direita, então normalmente aí é o central que está instruído de sair porque é o atleta que normalmente não terá tanta importância porque não será nem o penúltimo nem o último a tocar na bola.”

O T3 revelou que, nas ações desenvolvidas do corredor lateral esquerdo para o corredor lateral direito, em situações nas quais o banco de suplentes se encontre à esquerda da metade ofensiva do terreno de jogo, os 2 atletas dos postos específicos do corredor esquerdo - ponta e lateral - conjuntamente com o central, tem ordens para sair:“(…) normalmente como nós queremos decidir à direita, ou seja, queremos que a bola acabe à direita, da forma como nós atacamos (do corredor lateral esquerdo para o corredor lateral direito) tanto o ponta esquerda como o lateral esquerdo como o central tem instruções para sair. Não há nenhum atleta pré-definido, a dizer que é este que tem que sair. À partida, os primeiras linhas estão mais próximos da linha de substituição, da linha de troca ataque-defesa do que o ponta, apesar dos pontas serem os atletas mais rápidos”.

No domínio desta categoria, questionou-se a existência de um plano de substituição para as situações inesperadas do jogo como a realização de falhas técnicas (falhas cometidas no âmbito da circulação de jogo e violações às leis do jogo). Todos os treinadores inquiridos revelaram não possuir qualquer plano rápido ou de emergência para a rápida operacionalização da substituição ataque-defesa para a reentrada dos guarda-redes nas situações imprevisíveis do jogo. Não obstante, o T1 considerou existir uma maior predominância da saída do ponta direita nestas situações. Tal como afirmou T3, o “ideal” nestas ações é não errar. As ações em superioridade numérica comportam um altíssimo risco, logo, são ações nas quais, de acordo opinião manifestada por T3, os atletas necessitam dar “valor à bola” quando tomam as suas decisões e executam as ações de âmbito técnico necessárias para a criação de situações de finalização. O erro é a maior fonte de aprendizagem. Como ressalvou T2, a “cultura da partilha do erro” entre os treinadores e os atletas nos diferentes contextos em que se estabelece esta relação deverá ser encarada por todos os agentes como uma estratégia de aprendizagem positiva que incorre para o sucesso futuro da formação no desenvolvimento destas ações. O T2 conhece na plenitude os riscos que decorrem do desenvolvimento das ações em superioridade numérica 7x6 como os “passes lateral\lateral” (passes que comportam uma altíssima probabilidade de erro derivada da distância a que são realizados e da possível estratégia de dissuasão e saída ao portador que rapidamente os adversários poderão realizar sobre o lateral recetor no decurso de uma ação ofensiva) e os passes para o pivot. O mesmo treinador confessou que sente que a sua formação sofre mais golos na sequência de finalizações com um maior grau de probabilidade de êxito. A título de exemplo, o T1 incentiva os seus atletas a realizar passe “lateral\lateral” nas situações de dissuasão ao central. Contudo, afirmou que nessas situações de jogo, um dos seus laterais procura atuar em zonas mais interiores para poder diminuir a distância para o outro lateral e porque efetivamente é um atleta que detém uma fortíssima capacidade de finta para terrenos exteriores.

A última questão realizada no âmbito desta dimensão incidiu sobre a possibilidade de existirem sinais pré-definidos (previamente à situação de jogo, em contexto de treino) entre os atletas que despoletassem a realização da substituição. O T1 referiu que em determinadas ações ofensivas, emite um ligeiro alerta ao atleta do posto específico de central para estar atento a essa mesma possibilidade. Não obstante, não existem sinais para despoletar a substituição em caso de necessidade. O mesmo técnico referiu ainda que os atletas e o banco enviavam a mensagem “estamos 6” nos momentos em que um atleta, mais concretamente o atleta do posto específico de ponta direito já tivesse saído para que o lateral direito fosse informado da sua saída. Como o lateral direito da sua formação é um atleta canhoto, para servir a ponta terá de efetuar um passe com um ângulo de visão “cego” para a referida ponta. Para não correrem o risco de o lateral servir o ponta e o ponta já não se encontrar no seu posto específico, a mensagem alertava o lateral direito para a situação. Por outro lado, o T1 admitiu que quando o guarda-redes reentra no decurso da ação ofensiva é emitida outra mensagem para os atletas de campo. Os T2 e T3 referiram a possibilidade de existirem sinais pré-definidos entre os atletas para a execução de determinadas ações, nas quais não se incluem as substituições.

3. Discussão

Os treinadores entrevistados por Di Gilio (2021) reforçaram a ideia de as substituições ataques-defesa para a reentrada do guarda-redes serem realizadas com a velocidade que se impõe para tal, devendo a substituição ser realizada por um dos atletas do corredor oposto ao qual decorre a finalização da ação ofensiva. Esse foi efetivamente um dos critérios que influencia a tomada de decisão quanto ao executante desta ação particular de jogo.

As três formações analisadas no nosso estudo revelaram altíssimos níveis de eficácia defensiva na sequência do desenvolvimento de ações em superioridade numérica 7x6 (superiores a 85% nas três formações), essencialmente por força da definição de um conjunto de regras e processos dos treinadores com base em critérios como o lado onde se encontra o banco, a predefinição de atletas elegíveis para esta substituição em função das combinações táticas realizadas, o comportamento defensivo do adversário, o sentido da circulação ofensiva e da zona de finalização. A existência e a correta definição deste tipo de procedimentos provocam, na nossa opinião, o aumento da velocidade com que os atletas tomam a decisão, conduzindo-os a cometer menos erros no timing de saída que, como constatamos, acontece (regra geral) antes da criação de uma situação de finalização ou concomitantemente a esta. Estes dados levam-nos a acreditar que existe, no seio da comunidade técnica e atlética nacional, mais informação do que existia anteriormente e que os treinadores nacionais têm procurado definir e incutir, de forma assertiva, um conjunto de regras e procedimentos nos seus atletas com vista à otimização do seu rendimento nestes momentos. Tal conceção vai ao encontro da perceção de um dos técnicos entrevistados por Di Gilio (2021), quanto reforçou a necessidade de estas ações serem trabalhadas em contexto de treino para os atletas as poderem em cada circunstância particular da manobra ofensiva, de modo a poderem antecipar o cenário de finalização e sair atempadamente para promover a reentrada do guarda-redes no terreno de jogo. O mesmo inquirido referiu que, na sua equipa, existe uma definição prévia do atleta a sair. Efetivamente, assim o acontece nas equipas que pudemos observar, porém, nestas ações e como já proferimos, existem procedimentos delineados em função de um conjunto de critérios de conduta.

Neste âmbito, enfatizamos a estratégia de transição defensiva promovida pelo T2 na sua formação, a qual tem possibilitado à sua formação impedir a finalização adversária nos momentos em que a baliza se encontra vazia por força da interceção de remates e passes nos momentos subsequentes à perda da posse de bola. Através do desenvolvimento da estratégia na qual, após uma finalização falhada ou uma bola perdida, um atleta pré-definido (em função da zona de finalização ou da zona da perda da bola) acelera para proceder à substituição ataque-defesa para a reentrada do guarda-redes, os dois pivots procuram, no corredor central, acercar-se do portador da bola para impedir rapidamente o remate à baliza deserta ou cometer uma falta sobre este que garanta à equipa mais tempo para se reorganizar. Concomitantemente a estas ações, os restantes colegas de campo recuam no terreno pelos corredores laterais e central, para impedir que a equipa adversária possa lançar uma ação em contra-ataque apoiado, e nessa ação, visar a sua baliza. A interceção dos remates é outra das ações que os atletas da E2 intentam nestes momentos de jogo.

No domínio da validade do estudo, aponta-se o facto deste não ser suportado por uma abrangente rede de suporte acerca de presente temática, em função do escasso número de estudos para maximizar o processo de comparação de resultados. Com efeito, para além do natural aumento do número de participantes (treinadores) em estudos posteriores, apraz-nos sugerir a investigação dos seguintes tópicos: avaliar a pertinência da inclusão e do ensino\treino de combinações táticas e\ou situações especiais características das ações em ataque em sistema em superioridade numérica ofensiva 7x6 no âmbito dos escalões de formação da etapa de desenvolvimento específica (Juvenis Masculinos - escalão etário de sub-18) e da etapa de desenvolvimento especializada do praticante (Juniores Masculinos - escalão etário de sub-20); quantificar o tipo de remate realizado por atletas da primeira linha (tipos de remate exterior vs remates em penetração aos 6 metros) nas ações em superioridade numérica ofensiva 7x6; avaliar o impacto no desenvolvimento das ações em superioridade 7x6, em particular, na transição defensiva e na eficácia defensiva, da alteração regulamentar em vigor a 1 de Julho de 2022, no que concerne em particular à alteração realizada na Regra 10 (O Lançamento de Saída).

Conclusão

A substituição ataque-defesa para a reentrada do guarda-redes não é efetuada por um atleta habitualmente pré-definido pelo treinador mas por um conjunto de atletas que executam em função de um conjunto de critérios como o lado do banco, a zona na qual é finalizada a ação, os atletas envolvidos na criação da situação de finalização ou na finalização propriamente dita, o comportamento defensivo concreto do adversário na ação ou o conhecimento que os atletas detém em relação às tomadas de decisão dos seus companheiros. Os treinadores inquiridos tendem a treinar estas questões através da realização de exercícios que fomentem a saída dos atletas para que estas substituições sejam otimizadas através da saída dos atletas de campo e da reentrada no tempo correto, ou seja, no tempo que permita aos atletas manter-se como opção válida para finalizar a jogada, sair se não existirem hipóteses de finalizar a jogada e sair atempadamente para que a reentrada do guarda-redes possa restabelecer o desejado equilíbrio defensivo que se segue.

Contribuições dos autores

Conceptualização, J.B., A.A., P.E. e R.R.; tratamento de dados, J.B., A.A. e P.E.; análise formal, J.B., A.A., P.E. e R.R.; investigação, J.B., A.A., P.E. e R.R.; metodologia J.B., A.A. e P.E.; administração do projeto, J.B., A.A., P.E. e R.R.; recursos, J.B.; programas, J.B., A.A., P.E. e R.R.; supervisão, J.B., A.A., P.E. e R.R.; validação, J.B., A.A., P.E. e R.R.; visualização, J.B., A.A., P.E. e R.R.; redação - preparação do rascunho original, J.B., A.A. e P.E.; redação - revisão e edição, J.B., A.A. e P.E.

Conflito de interesses

Os autores declaram não existir conflitos de interesses.

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Recebido: 23 de Novembro de 2022; Aceito: 21 de Dezembro de 2023

Autor Correspondente António Manuel Tavares Azevedo Rua das Eiras, Lote 2 - 1.º Esq. 3505-564 - Viseu - Portugal toazevedo@esev.ipv.pt

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