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Etnográfica
versão impressa ISSN 0873-6561
Etnográfica vol.18 no.3 Lisboa out. 2014
ARTIGOS
Nós e os franceses: Gilberto Freyre à prova de Adèle Toussaint-Samson
The French and us: Gilberto Freyre put to Adèle Toussaint-Samson’s test
Andréa Borges Leão1
1Universidade Federal do Ceará, Brasil. E-mail: dealeao@secrel.com.br
RESUMO
O artigo analisa os usos das narrativas de viagens femininas na construção do modelo freyreano de interpretação da cultura brasileira. Com esse propósito, indaga as convergências e contrastes entre os princípios de formação elencados por Gilberto Freyre em Sobrados e Mucambos e a interpretação da sociedade brasileira no livro de Adèle Toussaint-Samson, Uma Parisiense no Brasil. As notas da escritora francesa são uma das fontes de trabalho e inspiração do sociólogo. Interessa mostrar as tensões provocadas na recepção das ideias e práticas de escrita das viajantes oitocentistas. Ao focalizar a abordagem freyreana no manejo das fontes, o artigo reflete sobre a hipótese de um colonialismo de mão única da França para o Brasil, a exemplo da reeuropeização que toma os contatos e trocas transatlânticas tão somente como influências.
Palavras-chave: Gilberto Freyre, Adèle Toussaint-Samson, circulação transatlântica, globalização da cultura, sociologia das viagens e das viajantes
ABSTRACT
The article analyses the uses of feminine travel narratives in the construction of the Freyrean model for the interpretation of Brazilian culture. The objective is to question the convergences and contrasts between the formation principles listed by Gilberto Freyre in Sobrados e Mucambos and the role of Brazilian society in Adéle Toussaint-Samson’s book, Uma Parisiense no Brasil. The French writer’s notes are one of the sources of inspiration and work of the sociologist. It is relevant to show the tensions caused by the reception of the ideas and the writings of the nineteenth century travelers. As this article focuses on the Freyrean approach in handling sources, it also reflects the hypothesis of a one-way colonialism from France to Brazil, following the example of re-Europeanization, which holds the transatlantic contacts and exchanges only as influences.
Keywords: Gilberto Freyre, Adèle Toussaint-Samson, transatlantic circulation, culture globalization, sociology of travel and travelers
Introdução: o exótico e a aventura, desejos de Brasil
O jornal parisiense Musée des familles de 1857-1858 anunciava a seus leitores uma das grandes novidades do século: a Europa e a América estavam irremediavelmente ligadas pelo gênio científico da eletricidade.[1] Os dois mundos podiam se comunicar por meio de cabos submarinos transatlânticos em uma extensão de até quatro mil quilômetros. Os cabos submarinos do telégrafo, argumentavam os editores do jornal, eram capazes de transmitir dados tão velozmente de uma parte a outra do Atlântico que necessitavam apenas de trinta e cinco minutos.[2]
A despeito da alta velocidade da circulação de informações, orientando o futuro das relações internacionais, as viagens de descobertas, aventuras e conhecimentos havia muito ligavam a Europa à América. No século XIX, as narrativas com as observações sobre a natureza e os costumes de índios e negros americanos, construídos como “homens selvagens ou naturais”, despertavam curiosidade por temas que causavam forte impacto social. Os danos da colonização, a história das ex-colônias espanholas e portuguesas, o debate religioso envolvendo a vigência das práticas do canibalismo, a escravidão do índio e do negro, a inevitável mestiçagem e os processos de independência nacional eram atualidades que não se encerravam nos debates das associações científicas. Esses temas conferiam ampla publicidade aos livros de viagem.
Para um francês curioso dos trópicos, até mesmo a simples leitura das narrativas de viagem na imprensa a elas consagrada – como o Musée des familles, Le tour du monde, Le magasin pottoresque – desatava a imaginação, fazendo com que partisse em viagem, ainda que sem o descolamento necessário aos que passavam pela experiência. A descoberta de personagens em movimento, homens e mulheres itinerantes seguindo ao encontro de terras de mulheres e homens exóticos, podia levar o leitor a pôr a modernidade e sua dinâmica cultural à prova das alteridades, mesmo as aventuras se desenrolando em espaços conhecidos ou já conquistados pela civilização europeia.
Uma verdadeira febre de viagens assolava a Europa oitocentista. A doença, nomeada pelos médicos franceses de apodémalgie, levou o Dr. Descuret, em 1841, no livro Médicines des passions, a afirmar que a mania decorria da leitura do Robinson Crusoé, o romance do inglês Daniel De Föe, lembra o historiador Sylvain Venayre (2006: 28). Esse romance foi tão amplamente lido e traduzido que acabou inaugurando um gênero no comércio de livraria, as “robinsonadas”. O gênero baseava-se tanto em histórias de heróis náufragos e sobreviventes em ilhas desertas – solitários, em família, aristocratas, plebeus, civilizados, bárbaros –, como nas observações científicas.
As mulheres europeias – britânicas, francesas, espanholas e alemãs – também percorriam o mundo e escreviam sobre suas experiências. Algumas, poucas, seguiam carreira de viajantes e exploradoras. Outras viviam suas aventuras em família, na companhia dos maridos e filhos, os conhecidos “fazedores da América”. Mas o que estava em jogo, para as exploradoras e aventureiras, argumenta Sylvain Venayre (2008: 102), não era somente a escrita das narrativas como modo de expressão de suas experiências, mas a publicação de livros quando regressavam e a chance de entrar para o cenário intelectual de seus países de origem. Para elas, abrir caminhos no mundo significava produzir conhecimentos. Além do mais, os modelos e as práticas de viagem podiam ser classificados conforme as motivações, as circunstâncias e os destinos de cada viajante. Há pontos em comum e também desacordos entre as orientações da partida – o desejo de aventura e de uma nova vida após um infortúnio, para a maioria; votos de religião, para as missionárias; e as expedições e estudos científicos, para as acompanhantes de maridos.
O livro Les grandes voyageuses, de Marie Dronsart, publicado em 1898 na Bibliothèque des Écoles et des Familles da Librairie Hachette, de Paris, atribuía às qualidades ditas naturais femininas – a prudência, a curiosidade, a intuição, a imaginação e a inteligência na observação do detalhe – a disposição das mulheres para a errância e a partida. Marie Dronsart (1904 [1898]) visava o estabelecimento de um cânone que indicasse a figura da “viajante célebre” e a constituição de uma fortuna crítica para o gênero. Ao estabelecer um sistema de escolha e classificação, evidentemente, a autora silenciava e tornava invisível a trajetória de muitas outras mulheres. Para ela, o “charme” dos relatos devia-se ao critério da antiguidade, passadas duas décadas da publicação tornavam-se “pré-históricos”. A busca do exótico e as impressões da vida cotidiana, aí incluindo a condição feminina, as distinções entre classe e raça em sociedades marcadas pela barbárie da escravidão, eram os ingredientes principais das narrativas. Talvez por isso, muitas das viajantes costumavam falar de seus regressos como o despertar de um sonho e não publicavam suas lembranças tão logo retornavam. Precisavam de um tempo para elaborar na escrita suas experiências.
As estrangeiras que viveram no Brasil no século XIX estabeleceram pontos de observação em várias partes e narraram cenas íntimas da dinâmica patriarcal em plena modernidade. A inglesa Maria Graham, autora do Diário de Uma Viagem ao Brasil (1956 [1824]), a alemã Ina von Binzer, autora do livro epistolar Os Meus Romanos: Alegrias e Tristezas de Uma Educadora no Brasil (1982 [1887]) e a francesa Adèle Toussaint-Samson, que escreveu o livro Uma Parisiense no Brasil (2003 [1883]), são exemplos de intérpretes privilegiadas do dilema da formação brasileira.[3] Por essa razão, tornaram-se fontes de inspiração e trabalho para pensadores sociais como Gilberto Freyre.[4]
Entre os livros que foram citados ou efetivamente lidos pelo sociólogo na composição de sua trilogia sobre o patriarcado, encontram-se as memórias da francesa Adèle Toussaint-Samson. Em um primeiro plano, este artigo reflete sobre a abordagem freyreana desses documentos e, com isso, busca compreender as afinidades seletivas que justificam a escolha e constituição de um corpus no pensamento social brasileiro dos anos 30. Considerado o propósito inicial, discute o modelo de interpretação apresentado por Freyre em Sobrados e Mucambos: Decadência do Patriarcado Rural e Desenvolvimento Urbano, de 1936, e que trata especificamente do quadro de mudança no século XIX. A tese da reeuropeização elaborada pelo sociólogo nesse volume acaba sendo posta à prova pelas descrições que faz Adèle do mesmo cenário de renovações. Interessa ainda trazer à tona as reações provocadas nos contemporâneos por Uma Parisiense no Brasil – livro referenciado na obra polêmica de Charles Expilly (1935 [1863]).
Se os textos agrupados sob determinados temas, como as “brasilianas”, estão em uma ordem de sucessão e se inscrevem em longas cadeias de interpretação, há referências compartilhadas entre o sociólogo e a viajante. Afinal, foi ele que chegou a ela, não o contrário. Mas, em função de um posicionamento político face aos documentos, Freyre acaba por não enfrentar a complexidade da trama de sua produção empírica, deixando escapar as múltiplas conexões entre as culturas nacionais e as apropriações de ideias por brasileiros nem sempre sedentos de novidades.
A perspectiva na qual repousa o argumento elege os conceitos de circulação e apropriação cultural (Chartier 2008; Mollier 2003). Se lidas na perspectiva da articulação entre esses dois conceitos, as lembranças de Adèle elucidam um dos princípios de formação da cultura brasileira: as travessias e contatos para além dos oceanos entre indivíduos, objetos e ideias (Chartier 2013). Assim, o encontro entre culturas, intensificado no século XIX com o comércio de livros e impressos, converteu as experiências de dependência e dominação europeias em conquistas de autonomia.
As memórias de Adèle Toussaint-Samson foram produzidas no movimento das trocas internacionais. Ela mesma desempenhou o papel de transmissora cultural e seu livro nos convida a uma viagem que incorpora as polêmicas e desacordos intelectuais entre franceses e brasileiros. Por isso mesmo, a tese da reeuropeização desenvolvida por Gilberto Freyre em Sobrados e Mucambos (2003 [1936]) – a síntese dos processos de influência de uma matriz cultural consolidada e irradiante sobre outra em formação – acaba sendo posta à prova quando confrontada com o arquivo de imagens e autoimagens e todas as nuances de interpretações das viagens femininas.
Os arquivos e as fontes: circulação transatlântica da cultura
A produção intelectual que se configura no Brasil a partir do meado do século XIX deve muito ao comércio de exportação de impressos e livros europeus e, em consequência, a um movimento intenso e veloz de circulação internacional de ideias. Não por acaso, o problema dos efeitos da importação dos modelos artísticos e literários europeus na formação da cultura brasileira marca o pensamento social da década de 1930. No centro das inquietações dos intérpretes do Brasil encontram-se os vínculos entre uma cultura nacional em vias de constituição e as influências provocadas por práticas culturais recriadas como projetos de conquista. Os impactos do movimento internacional das ideias no Brasil são, desse modo, enfocados sob o ângulo do transplante e da influência quase sempre como “imitação passiva”. Desse modo, imprimir uma marca nacional que permitisse reconhecer nossa produção simbólica como autêntica estava na base do pensamento social.
Gilberto Freyre, por sua vez, e de livro em livro, foi ajustando as complexas relações entre a cultura brasileira e a europeia no par tutela-dependência. Uma questão merece ser feita ao sociólogo, partindo de sua própria interpretação: o modelo das acomodações dos antagonismos que se desenvolveu no patriarcado tropical – entre português, índio e negro, senhor e escravo, pai e filho, homem e mulher, tradição e modernidade –, também explicaria as tendências de longo prazo, as disposições íntimas e as relações de poder do par nacional-estrangeiro? Noutras palavras, qual a lógica da dominação cultural formulada no modelo analítico freyreano?
Se olhamos a figuração intelectual oitocentista de outro ângulo e formulamos o problema em outra perspectiva, as operações de exportação de livros vinculadas a uma política de distribuição baseada na disseminação de pontos de venda pela América do Sul ensejaram a transferência de capital literário para os países de produção cultural ainda incipiente. No caso do Brasil, o que poderia ser um projeto de colonização cultural, de pura e simples imposição de bens de consumo, permitiu o acúmulo de capital simbólico necessário à autonomização das letras, da ciência e de um conhecimento social já em vias de constituição. A presença dos estrangeiros em um país que se abria à modernidade só poderia criar um feixe de tensões entre as pressões nacionais, que ensejavam o incômodo de um sentimento de inadequação nas apropriações de ideias e bens europeus, e as tentações de um cosmopolitismo provocadas nos intelectuais, artistas e escritores, e mesmo em um público médio de bacharéis e doutores, em contato com essas mesmas ideias, objetos e indivíduos.
Gilberto Freyre (2003 [1936]) não viu que essa tensão orientava as relações intelectuais no século XIX. A circulação transatlântica dos impressos e objetos culturais resultava, para ele, em um movimento de reeuropeização de nossos modos de vida e pensamento, iniciado com a vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, com a abertura dos portos e o incremento do comércio de importação com navios estrangeiros. Observava-se, continua o sociólogo, a expressão de um sentimento de superioridade a tudo o que fosse herança dos tempos coloniais. Essa progressiva ocidentalização nacional enfrentava os costumes já tradicionais de uma primeira europeização implantada pelos colonizadores ibéricos no desenvolvimento da sociedade patriarcal. A tese, de enorme fortuna sociológica, é a de que o primado ibérico soube aclimatar nos trópicos uma cultura oriental sob a influência do mouro, do judeu, dos árabes e dos negros africanos. A nacionalização da cultura brasileira só podia resultar da assimilação das contribuições portuguesa, africana e indígena.
Nada provocaria ruptura nessa tradição, nem mesmo as revoltas liberais que pontuaram o século, como a dos Mascates, em Pernambuco (1710). Os desequilíbrios nas relações de poder e na ordem social resultariam de lentos processos de transição e convívio entre velhas e novas figurações sociais. A temporalidade psicossocial, para Gilberto Freyre (1974 [1957]), superpõe tempos contraditórios. Combinando duração e movimento, as formas do passado insistiam em permanecer. Entretanto, a urbanização do país junto à disseminação dos valores ocidentais e dos costumes europeizados no novo equilíbrio de antagonismos entre o sobrado e o mucambo, aos poucos, ia quebrando a acomodação secular entre o senhor e o escravo. Élide Rugai Bastos (2006) chama a atenção para o fato de que as cidades e seus personagens tornam-se cenários de novos conflitos que redefinem as hierarquias sociais e acentuam outros antagonismos. A ascensão do bacharel e do mulato por meio do estudo e aquisição de cultura livresca, em Coimbra, Paris, Inglaterra, ou mesmo em São Paulo, Olinda ou na Bahia, passa a ocupar o centro da cena.
Abre-se uma razoável distância entre os destinos desses personagens de diferenciação social e os da mulher e o da criança filho-família – o par tiranizado pelo homem patriarca. Eclodem conflitos entre o patriarcado rural e o prestígio das novas gerações de bacharéis e doutores que ousaram atravessar o Atlântico em busca de conhecimentos. Divididos entre as pressões nacionais e o cosmopolitismo das trocas transatlânticas, quando retornavam eles traziam novas modas e doutrinas.
Em todo o processo de falência do patriarcado escravista e de transição para a modernidade brasileira, a unidade familiar é a que mais se vê alterada. A começar pelas regras de convívio. O modelo de gestão da intimidade, ou melhor, a gerência do secreto típica da civilidade burguesa, toma o lugar dos ritos modorrentos e coletivos da vida rural. Objetos da cultura burguesa tais como latas de biscoitos, fogões de ferro, pianos de cauda, louças inglesas e os artigos de cutelaria, garfos e facas à mesa, novidades da culinária, assumem a majestade dos sobrados e são utilizados por aqueles que se empenham em fazer o aprendizado da distinção. Também mudam os modos de recreação. A leitura dos livros e impressos em outros idiomas passa a organizar o novo espaço doméstico. A posse de livros importados, principalmente os franceses de literatura, filosofia e política, os livros técnicos, as cartas da Mme de Sévigné, as Fábulas de La Fontaine, o Emile e a Nouvelle Héloïse, de Rousseau, o Esprit des Lois, de Montesquieu, os dicionários e manuais de química, medicina, física, astronomia e zoologia, as narrativas de viagem, entre outros títulos e gêneros (Freyre 1960 [1940]: 277-279), era prova material e manifestação íntima, de acordo com o sociólogo, das obrigações da dependência cultural brasileira.
Na nova civilização, as mulheres estrangeiras, governantas e professoras, passam a ser admitidas nas casas de família de norte a sul do Brasil. São elas que vão tomar o lugar das matronas e dos padres jesuítas na educação das crianças. Essas mulheres empenham-se em observar a dinâmica social, as regras da casa e da rua, deixar por escrito suas impressões, afirmar uma dignidade autoral e transmitir ao mundo letrado suas experiências de vida publicando livros. A plasticidade das viajantes estrangeiras lhes conferiu o papel de protagonistas na reeuropeização do convívio íntimo patriarcal brasileiro, alterando o estilo e a cultura dos demais personagens.
“[…] o que nos faz voltar às governantas e institutrices para acentuar que também elas, na primeira metade do século passado talvez mais numerosas nas casas-grandes e nos sobrados patriarcais do norte do que nos do sul, exerceram a ação revolucionária que não deve de modo algum ser esquecida ou menosprezada” (Freyre 2003 [1936]: 76).
Maria Graham, a governanta da princesa Maria da Glória (Leite 1984), com todo o cuidado dos que têm acesso ao interior de uma casa e observam a vida alheia, o contorno dos objetos e os detalhes da intimidade, viu os móveis coloridos e orientais da China, da Índia, ainda resistindo à moda ocidental de decoração dos sobrados, no Rio de Janeiro. Observou a sensualidade dos toques das mucamas, no cafuné, em pleno convívio burguês de costumes. Nas cartas que escreveu sobre a rotina dos sobrados e fazendas, Ina von Binzer acentuou as vantagens das professoras em relação aos comerciantes que se instalavam nas zonas marítimas. De dentro da casa, essas mulheres descortinavam toda a trama da família brasileira (Binzer 1982 [1887]: 95). A ponto de um grupo de irmãs sinhazinhas que formavam verdadeira “santa inquisição”, de tão adultizadas e sérias, junto aos meninos das fazendas de nomes romanos e imponentes, mesmo sendo filhos de pais de convicções liberais, permitirem a Ina conhecer de perto a etiqueta e hierarquia que regia o conjunto das relações sociais.
Do mesmo modo, Adèle Toussaint-Samson reconheceu a luta entre culturas e civilizações de que se tornara palco a capital do Brasil. Suas notas escritas e fotografias sobre os móveis e arquitetura das casas atestam os parentescos e afinidades com os costumes e modas orientais, em pleno período de substituição de importações. Os relatos das viagens de Arago, Debret, Southey, Kidder, Saint-Hilaire, Charles Expilly, D’Assier e Ferdinand Denis também são referências que não se esgotam nelas mesmas.
Para Freyre (2003 [1936]: 446), o processo de reeuropeização das elites e estratos médios ensejou desdobramentos. O principal deles foi a mística do contato franco-brasileiro, o “francesismo” ou “afrancesamento” como reação ao “exotismo tropical” construído pelos viajantes franceses e agravado, no século XIX, por um sentimento de superioridade. Assim, o contato franco-brasileiro era mantido por meio de um jogo de imagens e autoimagens, desde a invenção francesa do “bom selvagem” ao contraponto brasileiro do “afrancesamento”, mais tarde construído pelos pensadores sociais.
No modelo freyreano, a eficácia da civilização europeia que se impunha aos trópicos era medida pela produção de crenças e mistificações em “brasileiros sedentos de novidades”. Ao lado dos artistas, mestres artesãos e técnicos ingleses, franceses e alemães, sobressaía a figura do europeu branco e monopolizador, a exemplo dos que se destacaram no comércio de importação, disputando mercado com os produtos orientais, árabes e chineses. Uma dessas figuras foram os livreiros-editores parisienses que se instalaram na corte do Rio de Janeiro na segunda metade do século. O mais importante entre eles, Baptiste-Louis Garnier, ao lado de Aillaud, Garroud, Briquiet e Laurrane, ilustrou a vocação expansionista do comércio de livros europeu, observa Jean-Yves Mollier (1988). Se Baptiste Garnier, editor de José de Alencar e Machado de Assis, entre outros escritores nacionais, inventou um público leitor brasileiro, seria porque em Paris, onde se situava a matriz da livraria, os editores colhiam os frutos da reforma da instrução universal e, por conseguinte, da massificação do público leitor (Mollier 1999). Em decorrência de tudo isso, os livreiros engajavam-se na produção em grande escala e na exportação para fora do mercado europeu.
Da leitura de Sobrados e Mucambos, pode-se afirmar que os caminhos para os homens do livro foram abertos, anteriormente, pelos técnicos, artesãos, mecânicos, pedreiros e pasteleiros, açougueiros e pequenos comerciantes de vários gêneros, levas de imigrantes europeus que vieram reeuropeizar a vida e a paisagem social brasileira. Esse processo deve ser buscado não apenas na alta cultura difundida no livro, assinala Freyre, mas na transmissão de novas técnicas de produção e negócio. É o caso da atuação do engenheiro francês Louis-Léger Vauthier, difusor das ideias políticas de Charles Fourier e Saint-Simon e construtor de pontes, estradas e imponentes edifícios no Recife, capital da província de Pernambuco.
Em 1937, um ano após a publicação de Sobrados e Mucambos, Gilberto Freyre ganha de presente do amigo Paulo Prado o manuscrito do diário íntimo do engenheiro Vauthier, que residiu no Recife de 1840 a 1846, ocupando o cargo de chefe da Repartição de Obras Públicas. O que mais lhe chamou atenção no manuscrito foram as informações sobre a atuação técnica, no comércio e na indústria, dos imigrantes franceses da primeira metade do século (Freyre 1960 [1940]: 30). Freyre decidiu, então, fazer um esboço da figura de Vauthier acompanhado de um ensaio sobre a sua atuação em Pernambuco, após a edição do diário pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Em 1940, o livro do sociólogo contendo esboço e ensaio é publicado no número 26 da coleção Documentos Brasileiros, da Editora José Olympio. Esta publicação acontece em plena era Vargas, lembra Claudia Poncioni (2010: 24), quando as impressões dos viajantes oitocentistas “cumpriam papel importante na construção de estratégias identitárias”. Freyre, já famoso e empenhado na escrita de uma obra de interpretação do Brasil, redigiu ainda o prefácio e as notas explicativas de uma nova edição do diário de Vauthier, em 1960. Para uma melhor compreensão do trabalho do sociólogo sobre o manuscrito pode-se afirmar, com Antonio Dimas (2010: 31), que Freyre inovou no método de investigação ao se debruçar sobre o “documento virgem”, jogando luz sobre um texto feito para não ser publicado.
Na introdução do diário de Vauthier, o sociólogo explica que o primeiro passo na constituição de um corpus documental que permitisse o conhecimento das atividades técnicas dos imigrantes europeus foi o exame dos anúncios e editoriais dos jornais que circularam durante o reinado de Pedro I e o período da Regência. No Arquivo Público do Estado de Pernambuco, na Repartição de Viação e Obras Públicas e na Biblioteca, Freyre buscou documentos oficiais, manuscritos relativos a orçamentos de projetos e obras direcionados à atividade do engenheiro. Foram muitos os obstáculos à pesquisa, a situação dos arquivos era bem precária, lamenta-se o sociólogo. Mas graças a uma rede de relações intelectuais localizou os documentos. Afonso Arinos de Melo Franco trouxe de Paris fotografias, cartas e anúncios de jornais do arquivo privado de Vauthier e Honório Rodrigues levantou fontes no Instituto Histórico do Rio de Janeiro.
Gilberto Freyre abre a introdução com um comentário sobre seu método de trabalho: “o método seguido foi o histórico-social, de procurar destacar as repetições, ou melhor, as recorrências, ou as regularidades de significação sociológica. E estas, quanto mais intensamente estudadas numa região, melhor” (1960 [1940]: 34). A declaração sobre os protocolos da pesquisa regional – os desdobramentos do objeto estão ligados à história de Pernambuco –, ao lado das referências teóricas, orientou a escolha e interpretação dos documentos. O procedimento de seleção, classificação e análise dos documentos sobretudo correspondia às referências teóricas do sociólogo, em grande parte adquiridas na formação de base nas universidades americanas dos anos 1920.
Em seguida, Freyre desenvolve a tese da transmissão técnica entre franceses e brasileiros, protagonizada pelos primeiros artesãos e, depois, pelos profissionais especializados em certa influência francesa no Brasil. No caso, a influência, cujos protagonistas são os agentes da cultura, foi marcadamente de ordem técnica. O engenheiro francês seria um ponto de apoio histórico com características gerais, típicas, regularidades suscetíveis de análise sociológica.
O sociólogo tem em vista que a história da influência francesa é a história da presença e ação dos franceses no Brasil: as ligações que construíram e as ideias que transmitiram. Recebemos dos franceses sobretudo o gosto pelo trabalho manual, por meio da técnica e do comércio. Depois, por meio da ciência, da literatura e das artes. Não se deve perder de vista que a técnica e o comércio se acompanhavam de ideias que nos chegavam por “transculturação ou transplante”. Os agentes da cultura francesa operavam uma certa pedagogia, cujo efeito era o de impressionar um povo atrasado. No caso de Louis-Léger Vauthier, tratava-se da propagação da doutrina socialista.
Mas, o que constitui um aparente paradoxo é que a irradiação da cultura francesa no Brasil se deu, antes de tudo, pela assimilação do índio durante os primeiros contatos. Freyre prossegue argumentando que os pontos de contato com a França na formação social brasileira se deram de três modos: por meio do contrabando de madeira; dos aventureiros, nos séculos XVI e XVII; e dos missionários e cientistas ilustres.
Maria Lúcia Pallares-Burke (2005), na biografia intelectual de Gilberto Freyre, discute o processo de concepção da trilogia do sociólogo: Casa-Grande & Senzala (2013 [1933]), Sobrados e Mucambos (2003 [1936]) e Ordem e Progresso (1974 [1957]). A autora adentra os arquivos íntimos de Freyre, estuda a sua biblioteca particular, os documentos da juventude, as crônicas publicadas no Diário de Pernambuco e as anotações no diário-memória, a fim de refazer os caminhos metodológicos do sociólogo. Em primeiro lugar, assinala Maria Lúcia, Freyre marca uma distinção por trazer o ensaio para a sociologia, fruto de uma longa formação universitária no exterior. O jovem Gilberto conheceu o ensaio ainda no curso de Andrew Joseph Armstrong, na Universidade americana de Baylor. Foi o gosto pelo gênero convertido em protocolo de escrita que o levou ao aprendizado e ao interesse pela rotina da vida. Pallares-Burke procura ligar as práticas aparentemente desconexas, esparsas e descontínuas das leituras de Freyre à preferência pela escrita ensaística e a uma possível abertura da sua criatividade. O relacionamento com os livros e os modos de lê-los, nesse caso, orientariam o método relativamente casual de seleção e análise das fontes de trabalho. Pode-se concluir, então, que a interpretação do sociólogo corresponderia a esse modo peculiar de ler os indícios do passado.
Freyre lia de tudo, desde obras de filosofia e história aos romances populares do século XIX, “sistematicamente de modo assistemático” (Pallares-Burke 2005: 112). Não se pode perder de vista, lembra a escritora, que Freyre estava empenhado em criar um novo estilo, em “escrever obras diferentes das consagradas”. Por diversas vezes, mostrou-se confiante, “para não dizer orgulhoso”, de suas “leituras contraditórias”. O apreço ao perspectivismo remete à relação com a verdade e a prova, que é mediada pelo gosto e pelas afinidades na escolha aleatória de certos aspectos do passado.[5]
Uma das fontes privilegiadas de Gilberto Freyre para a reconstituição da dinâmica patriarcal e a elaboração do modelo da reeuropeização são os anúncios publicitários nos jornais – os de venda de escravos, modas, utensílios domésticos, artigos de importação, livros e impressos em geral. Não se pode desconsiderar a importância da imprensa periódica na busca dos vestígios do tempo. As mensagens nos jornais (os editoriais, notícias e anúncios), no entanto, não se explicam por si mesmas e muito menos encerram tudo sobre o passado, como afirma Tania Regina de Luca (2011). Quando tomadas isoladamente escondem os diversos interesses postos em jogo nas publicações, as estratégias comerciais e lutas de afirmação simbólica dos produtores e, no caso de Freyre, as circunstâncias de ordem política que porventura possam ter orientado a escolha e interpretação dessas fontes de pesquisa. Para que os anúncios da venda de escravos estudados por Freyre (2010 [1963]) se tornassem objetos de história social e antropologia cultural – inaugurando uma nova ciência como ele pretendia, a anunciologia –, não poderiam ser tomados na sua transparência. E mais, se os efeitos da difusão dos anúncios na cultura brasileira são importantes chaves de interpretação oferecidas pelo sociólogo, nem por isso a dinâmica social que regulava a imprensa periódica oitocentista se tornaria visível logo ao primeiro olhar.
O mesmo tratamento isolado foi dado aos livros das viajantes. Freyre não procurou estabelecer vínculos entre as narrativas e muito menos buscou compreender as condições sociais de suas circulações. Talvez não tenha sido do seu interesse a ampliação do corpus documental de sua pesquisa – estendendo-o aos catálogos das editoras francesas no Brasil, aos títulos de uma coleção de viagem, aos indícios que levassem à mania que provocavam nos leitores europeus – e muito menos dirigir perguntas aos percursos de publicação das viajantes e aos sucessos e reações que provocavam entre os leitores brasileiros. Na obra monumental de Gilberto Freyre, as narrativas de viagem são utilizadas como preciosas fontes de informação e ilustração, mas poderiam também ter sido apropriadas como objetos de análise. O sociólogo não observou as regularidades e variações entre elas.[6] Quem sabe por esse motivo, quase tornou invisíveis as lembranças de Adèle Toussaint-Samson, citando-as muito rapidamente na bibliografia de Sobrados e Mucambos e deixando na sombra a atuação de transmissora cultural da escritora, tão importante para o estudo dos contatos entre o Brasil e a França quanto a do engenheiro Louis-Léger Vauthier.
Foi necessária a passagem de muitos anos para que Míriam Moreira Leite (1984), em estudo pioneiro sobre a condição feminina no século XIX, conferisse legitimidade às impressões de Adèle, do mesmo modo e valor que às anotações e estudos dos diplomatas, artistas e cientistas naturais estrangeiros, sem insistir na dicotomia que hierarquiza os objetos do passado entre canônicos e ordinários.
Leituras de Adèle Toussaint-Samson: controvérsias no espelho
Na companhia de Jules, o marido nascido no Brasil de pais franceses e que mais tarde se tornaria professor de dança da família imperial, e do filho pequeno, Adèle deixou a Europa por motivos financeiros. A viagem da família durou 12 anos. Os Toussaint viveram no Rio de Janeiro de 1850 a 1862.
Uma vez instalada e após contrair e curar-se de uma febre amarela, Adèle passou a dar aulas de francês e italiano. Com isso, adentrou a família patriarcal, olhando de perto os íntimos detalhes dos usos, costumes e regras de convivência. A atividade de educadora orientou as notas de suas impressões (Leite 1984: 24). Enquanto elemento de ligação entre os estrangeiros e a população nativa, o exercício profissional é um dos pontos de definição das viagens como gênero, observa Magda Sarat (2004).
Se partirmos da relação entre o título e o conteúdo, a narrativa de Adèle se refere à questão racial feminina e apresenta um estudo das mulheres enquanto categorias psíquicas que formam o quadro mental da família brasileira: as índias nas fazendas, as escravas negras das cidades e as “empregadas” mestiças, categoria definida como “meio-termo entre dona-de-casa e criada” (Toussaint-Samson 2003 [1883]: 133). Todas essas mulheres são representadas em relação às senhoras brancas, brasileiras e estrangeiras, e, evidentemente, em relação ao patriarca, aí incluindo outras figuras sociais do mando, como os feitores das fazendas.
Sobre a constituição racial do brasileiro, a viajante não foge ao padrão dos estudos da época e reproduz a tese corrente da mestiçagem como um dos fatores de instabilidade e enfraquecimento da raça. A tese da escravidão como um mal necessário à economia agrícola do país também é reproduzida. Do mesmo modo, sublinha a hospitalidade inata aos habitantes do país tropical. Como não se tratava da publicação dos resultados de uma viagem oficial de estudos, Adèle não se preocupa em preparar nas suas lembranças uma “lição de casa” sobre a experiência racial nos trópicos, as impressões são descritas sob o impacto da descoberta. O prólogo que antecede a narrativa da parisiense leva a crer que ela se dava conta de que lhe faltava legitimidade, ante seus compatriotas, para falar sobre as formas de convivência nos trópicos.
Adèle tem em vista que uma das características inatas do brasileiro é não suportar servir, o que, a seus olhos, explicaria o desprezo ao trabalho manual e um orgulho que tocava a animalidade:
“Como dizia há pouco, uma brasileira coraria em ser surpreendida em uma ocupação qualquer, pois professam o mais profundo desprezo por tudo que trabalha. O orgulho do sul-americano é extremo. Todo mundo quer ser senhor; ninguém quer servir. Não se admite, no Brasil, outra profissão que não a de médico, de advogado ou de negociante atacadista” (Toussaint-Samson 2003 [1883]: 157).
Ambas as características, indolência e orgulho, beiravam zonas de perigo. É possível que estivesse empenhada em satisfazer o público leitor francês cheio de expectativas em relação ao exotismo tropical. A representação do mistério e poder de sedução da mulher brasileira, da negra em particular, igualmente beirava uma zona de perigo, o que poderia nutrir ainda mais a curiosidade e o desejo de aventura de homens franceses já bastante informados sobre o Brasil:
“Quanto à raça brasileira, mistura de sangue europeu, americano e africano, tem toda a indolência crioula, é fraca, abastardada, muito inteligente e não menos orgulhosa. É evidente que é ao comércio com os negros que se deve em parte a deterioração dessa raça. As negras, com seus ardores africanos, estiolam a juventude do Rio de Janeiro e de suas províncias. Há em seu sangue um princípio acre que mata o branco” (Toussaint-Samson 2003 [1883]: 100).
Na perspectiva de Adèle, o “princípio acre que mata o branco” não se reduziria a questões de pigmentação da pele ou a atributos físicos, mas a poderes de sedução. A entrega da brasileira ao homem branco não aparecia como metáfora de um encontro amoroso e alienação total que resultaria na feliz colonização racial pelo casamento. Em se tratando da mulher negra, imaginada como animal carnívoro sujeito a toda sorte de condenação moral, a relação sexual não venceria o estranhamento, superaria as diferenças e muito menos apresentaria bons frutos de mestiçagem. Fiel às referências europeias, a parisiense compara as escravas negras às espanholas em poder de atração, assim como as damas brasileiras que apreciavam a dança nacional do lundu, “que todo mundo deve acompanhar estalando os dedos como castanholas, para bem marcar-lhe o ritmo” (Toussaint-Samson 2003 [1883]: 106). No lundu, o homem não faria mais que girar em torno das dançarinas perseguindo-as nos seus movimentos de gata. As negras Minas, para a viajante, eram as que mais se assemelhavam às europeias; a cintura arqueada, o busto saliente, o andar desembaraçado “sempre acompanhado de um movimento de quadris bem provocante, embora marcado por certa altivez, como o da espanhola” (Toussaint-Samson 2003 [1883]: 82).
Se orientarmos as notas sobre a sexualidade das brasileiras em Uma Parisiense no Brasil para o tema do processo civilizador analisado por Norbert Elias (2011) e transpusermos este para a singularidade dos trópicos, como fez Ricardo Benzaquem de Araújo, descortina-se, no século XIX, um dos pontos de mutação entre a dinâmica familiar dos sobrados e a das casas-grandes coloniais: “a extrema moderação que parece definir a relação entre homens e mulheres dentro dos sobrados” (Araújo 1994: 118). De acordo com o historiador, a progressiva emancipação dos escravos restringia, paulatinamente, os objetos das paixões e promiscuidades do homem patriarca, transformando as normas de convívio no sentido de uma maior necessidade do autocontrole e das obrigações. As orgias anteriormente praticadas com as escravas são deslocadas para as zonas de prostituição. A monogamia torna-se modelo de família. Desse modo, redefine-se o equilíbrio dos antagonismos da autoridade patriarcal em relação à mulher, agora romanticamente idealizada, “franzina ou langue” (Freyre 2003 [1936]: 212), para a qual destina-se uma etiqueta e uma literatura, e em relação ao filho precocemente envelhecido e pronto a atravessar o Atlântico a fim de tornar-se bacharel ou doutor. Nesse processo de refreamento dos afetos e contenção dos impulsos sexuais, as senhoras dos sobrados, voltando a Freyre (2003 [1936]: 218), foram as que mais se influenciaram pela novidade das modas e costumes franceses. A reeuropeização, a urbanização e a sofisticação da vida pelo contato com ideias e produtos importados afetou sobretudo o corpo da mulher brasileira, que se tornara modelado.
Além dos espetáculos da violência, seja no trato familiar ou na punição aos escravos, diversão e emoção eram tudo o que os editores parisienses exigiam de efeitos para a publicação dos manuscritos dos viajantes ao Brasil, adverte Adèle no prólogo do seu livro. No registro das impressões cotidianas da ordem escravocrata, a parisiense, como Gilberto Freyre anos após, devia muito às leituras de Charles Expilly.
Em 1852, Expilly partiu de Marseille rumo ao Rio de Janeiro, permanecendo no Brasil por dez anos. Em 1862, de volta à França, começa a publicar artigos polêmicos sobre o tráfico da emigração e da colonização no Brasil. No mesmo ano sai o livro Le Brésil, tel qu’il est, citado à larga por Adèle, e que tem como continuação Les femmes et les moeurs du Brésil, publicado em 1863, abordando especificamente a condição social e racial feminina. Em 1935, com o título As Mulheres e os Costumes no Brasil, o livro de Expilly entra na coleção Brasiliana, dirigida por Fernando de Azevedo para a Companhia Editora Nacional, dois anos após a publicação de Casa-Grande & Senzala. Na edição brasileira, o tradutor e prefaciador de Expilly, Gastão Penalva, justifica ao leitor a publicação de obra que causara tanto escândalo. O único valor da tradução era documental, no sentido de um “material que reflete o passado”, ainda que na visão de “olhos deformados por estrabismo” (1935: 7). Vale acrescentar, no entanto, que os brasileiros liam os livros de Expilly no original francês, uma vez que eram publicados na França e chegavam ao Brasil na livraria Garnier.
As impressões narradas em Le Brésil, tel qu’il est não correspondiam ao que Expilly denunciava como propaganda entusiasmada do governo brasileiro na imprensa francesa. Talvez por essa razão o livro não tenha sido bem acolhido na Revue des Deux Mondes, nos jornais de Marseille, Lyon, Bordeaux e, complementa Expilly (1935 [1863]), mesmo nos jornais da Bélgica e de Buenos Aires. Todos o acusavam de ter carregado nas tintas. Em um dos capítulos mais ferinos, o viajante traça o perfil do imigrante francês no Rio de Janeiro. Os que exerciam atividades comerciais na Rua do Ouvidor, tida como o corredor chic da moda, das mulheres elegantes e coquettes, das livrarias e da cultura parisiense, Expilly acusa de astuciosos e desleais. As migrações dos bem-sucedidos, cheios de dívidas, justificavam-se por desejos de aventura e conquista, moralmente condenáveis pelo viajante (1935 [1863]: 266). Orgulhosos, parvenus e pouco escrupulosos, os comerciantes deviam suas fortunas a negócios fraudulentos associados à escravidão. Havia quem seduzisse os clientes com a coquetterie das esposas. A polícia, como medida de segurança, continua Expilly (1935 [1863]: 231), costumava publicar nos jornais por três dias consecutivos listas com os nomes das pessoas que partiam para o exterior, com a indicação do navio e do destino, a fim de advertir o público das possíveis fugas de devedores.
Do mesmo modo, saltava aos olhos de Adèle o abrasileiramento das compatriotas francesas. Tão logo ascendiam, as europeias, pouco importando se pobres ou enriquecidas, esqueciam suas línguas de origem e contratavam mucamas, embaralhando as peças do jogo da civilização para deixar entrever todo o processo de interiorização do modo de vida colonial. Por isso, quando os casais franceses retornavam, comenta a viajante, costumavam levar algumas curiosidades do Brasil, como crianças negras. A parisiense conta a história de um garoto de cinco anos que ao chegar em Paris tiritava tanto com o frio em um canto da lareira da casa que seus pais adotivos o faziam beber copos cheios de aguardente para se aquecer. Ao fim de seis meses, o pequeno faleceu. Da mesma família francesa, Adèle recorda-se:
“Fui recebida, à minha chegada, na casa de um ex-latoeiro e sua mulher, parvenus em toda a força do termo, que eram bem divertidos! O marido, um homem corpulento, usando brincos, não podia dizer uma palavra sem acompanhá-la de um erro de pronúncia, e só abria a boca para falar de sua riqueza e de seus escravos. Quanto à sua mulher, muito robusta também, como dizia, pavoneando-se em sua poltrona com um vestido decotado, que mostrava o que ela devia esconder com cuidado, interrompia sua partida de cartas para gritar a todo instante, Ô negrinha! Passa-me o leque! Ô negrinha! Dá-me a caixa de rapé! Ô negrinha! Traze-me um copo d’água! Ô negrinha! Apanha o meu lenço, e principalmente esse lenço, ela o lançou ao chão mais de vinte vezes durante a reunião, para ter o prazer de fazer uma negrinha de sete a oito anos, acocorada a seus pés, apanhá-lo outras tantas vezes” (Toussaint-Samson 2003 [1883]: 86).
E assim a cultura europeia ia se colocando à prova da “vida selvagem”. As impressões de Adèle confrontadas à perspectiva da reeuropeização apresentada por Freyre tornam difícil saber quem influenciava quem. Esse é o ponto no qual a parisiense põe à prova a tese da influência europeia como “imitação passiva”. As lembranças de Adèle chamam a atenção para as variações recíprocas das imitações. Nas tendências de longo prazo, disposições íntimas e relações de poder do par nacional-estrangeiro, se um reproduz as inovações do outro – costumes, objetos e tudo o mais indispensável à vida nas cidades –, o outro realiza sua integração assimilando a experiência colonial em acentuado declínio. Como elemento de diferenciação social, os franceses no Rio de Janeiro não correspondiam exclusivamente à figura do branco monopolizador, mas à de uma classe caixeiral de pequenos comerciantes dispostos a tudo pela integração.
Tampouco escapou ao olhar atento da viajante a crueza das espanholas, as que aproximavam, no debate da sexualidade feminina, as diferenças tropicais da Europa. Essas mulheres abrasileiravam-se de modo tão patriarcal que chegavam a ponto de espancar seus escravos:
“Tínhamos uma vizinha, na Rua do Rosário, no andar superior, uma señora (senhora) espanhola que tinha a seu serviço três ou quatro escravos. Todo dia, cenas horríveis aconteciam acima de nossas cabeças. Pela mais leve omissão, pela menor falta de um deles, a espanhola os chicoteava ou dava-lhes golpes de palmatória, e ouvíamos as pobres negras lançarem-se a seus pés, gritando “Perdão senhora!” Mas a implacável patroa jamais se deixava enternecer, e dava sem piedade o número de golpes que julgava dever dar. Aquelas cenas faziam-me um mal horrível” (Toussaint-Samson 2003 [1883]: 97).
Um dia, continua a narradora, os golpes de chicote da espanhola se fizeram acompanhar de gritos tão dilacerantes e insurportáveis de ouvir que a levaram a perguntar ao marido como se dizia em português a palavra bourreau, que ele prontamente traduziu por “carrasco”. Adèle, então, subiu as escadas correndo, abriu a porta da espanhola, enfrentou-a “jogando-lhe na cara” sua primeira palavra pronunciada em português – carrasco. O horror ao espetáculo da escravidão, aos leilões de homens, mulheres e crianças, à visão das máscaras de ferro, dos golpes de chicote, das cangas no pescoço e às “cenas de barbárie” sob o sol de fogo do país tropical, somado às epidemias de febre-amarela e à crueldade nas relações familiares, a remetiam aos contos de terror de Hoffmann.
No retorno a Paris, Adèle levou uma forte dose de perplexidade ante a descoberta do sistema patriarcal e escravocrata brasileiro, lembra Jacqueline Penjon (2005). Talvez por denúncia da condição racial descreveu as mulatas brasileiras como tipos fortes e viris. Adèle não deixa de tropeçar no estereótipo da mulher sensual, embora compare a posição das senhoras brancas, sobretudo as que residiam nas fazendas, com a das escravas domésticas. Adèle também se refere ao Brasil como um livro aberto da natureza. A exuberância da beleza tropical, os perigos das florestas, o fascínio do corcovado, os aspectos instrutivos da vegetação, são traços recorrentes.
Em meio às controvérsias que provocaria no espelho pátrio, Adèle Toussaint-Samson abriu seu livro de lembranças situando-se como autora face aos editores franceses. O manuscrito de Uma Parisiense no Brasil foi, por diversas vezes, rejeitado tanto pelos jornais como pelas casas de edição, só conhecendo a luz da publicidade em 1883, após uma visita do Imperador Pedro II a Paris, embora tenha sido composto em 1870, no retorno a França. Cabem questões retrospectivas: por que interditar a palavra da viajante? Que perigos representava? Tudo leva a crer que a sua liberdade de expressão enfrentava a censura exercida sobre as mulheres que ousavam publicar seus relatos de viagem sem a companhia autoral dos maridos. Maria Inez Turazzi, no primoroso ensaio crítico ao livro de Adéle, nos conta um pouco dos caminhos de sua história editorial, relacionando-os à família imperial brasileira:
“Em abril de 1881, Ad. Toussaint enviou ao imperador Pedro II um exemplar de seu livro Les chemins de la vie (Paris: E. Dentu, 1880), um estudo de costumes que viria a ser premiado pela Académie Française. Gênero muito em voga na época, um outro exemplar da obra foi também oferecido pela autora à princesa Isabel. […] Adèle agradeceu a Pedro II a acolhida que ela e o marido tiveram no Brasil” (Turazzi 2003: 26).
Interessava aos editores franceses a publicidade de um “recheio do Brasil”, um drama de aventuras nas florestas virgens entre índios canibais e animais ferozes, de preferência, com 300 páginas. Face a essas e outras contingências do mercado, deve-se imaginar a preocupação de Adèle em perder a atualidade de suas impressões. Ela tinha urgência em passá-las o mais rapidamente possível para o livro, a fim de divulgá-las e abrir um debate, ao menos na colônia brasileira residente em Paris.
Adèle nutria um desejo de veracidade e imparcialidade, razão pela qual fez acompanhar seu texto de fotografias de caboclos, mulatos, praças e igrejas, assinadas por artistas do tamanho de George Leuzinger, Revert H. Klumb e Cristiano Jr. Ela acreditava no direito de escrever sobre o que pensava e encontrar os seus verdadeiros leitores, “Eu digo aquilo que eu vi”, em oposição ao puro exercício da imaginação destinado a entreter e provocar fortes emoções em franceses que nunca na vida tinham visto o mar, uma mulher ou uma planta tropical. Tampouco Uma Parisiense no Brasil produziu mistificações em brasileiros afrancesados. A identificação com a verdade e a irreverência do estilo, que provocaram tantas reações no público leitor, Adèle diz ter herdado do pai, Joseph-Isidore Samson, conhecido ator da Comédie-Française, embora Charles Expilly, sua fonte de consulta, cumpra a respeito importante função.
Em 1866, Expilly publicou um opúsculo intitulado La verité sur le conflit entre le Brésil, Buenos-Ayres, Montevideo et le Paraguay, que foi muito mal recebido entre os intelectuais brasileiros. Intrometendo-se em questão política delicada, Expilly construiu uma imagem diversa da que os brasileiros tinham deles mesmos. Antonio Pinto Júnior, João Carlos Moré e Cruz Lima não tardaram em lhe dar uma resposta.
No mesmo ano, Joaquim Antônio Pinto Júnior publica O Charlatão Carlos Expilly e a Verdade sobre o Conflito entre o Brasil, Buenos Aires, Montevidéo e o Paraguay. Este livro é tomado como uma defesa da honra nacional. Pinto Júnior acusa o francês de falsear as estatísticas e atribuir ao desejo de conquista imperial a abertura do comércio fluvial para o Mato Grosso, uma das mais importantes e ricas províncias. Expilly atribuía ao governo o medo de sublevações no centro-oeste, a exemplo das revoltas de independência de Pernambuco e do Rio Grande do Sul. Outro alvo da reprovação de Pinto Júnior é o modo como o viajante se intrometia no tema da escravidão. A forma da abolição competia apenas aos brasileiros, por ser questão de política interna. Tudo levava a crer que Expilly estimulava uma sublevação dos escravos, afirma Pinto Júnior. João Carlos Moré, no livro Antes de Tudo a Verdade: Reflexões sobre a Brochura do Sr. Charles Expilly, publicado em 1868 pela Tipografia Rio-Grandense, em Porto Alegre, também não poupa críticas ao viajante. É rigoroso quando acusa o francês de ter vivido entre as camadas inferiores da corte e de não ter conseguido posição intelectual, sendo obrigado a fazer negócio com os fósforos, no qual também foi mal sucedido.[7] Para Moré, a civilização estava em curso no Brasil, apesar das atrocidades e barbáries da guerra cometidas nas vistas do imperador.
Cruz Lima foi mais longe, alfinetando Expilly e outros viajantes. Escreveu em francês, indicando os caminhos da recepção de seu texto Réponse à un article de la Revue de Deux Mondes sur la Guerre du Brésil et du Paraguay, publicado por Laemmert, em 1869, no Rio de Janeiro.
Em meio a tanta polêmica nos dois lados do Atlântico, o livro de Adèle não poderia ter uma boa acolhida na imprensa brasileira. Em 1883, no mesmo ano da publicação na França, as notas de reparação do professor Antonio Estevão da Costa Cunha, tradutor para a edição brasileira, são francamente desfavoráveis. Ela se defende: “Afirmei que o brasileiro era indolente; nada mais falso: garantem-me que é cheio de energia. Anunciei que era orgulhoso: eleva-se um clamor geral contra essa afirmação, e todos os jornais do Rio de Janeiro põem-me no índex” (Toussaint-Samson 2003 [1883]: 50).
Na França, as memórias de Adèle, precedidas da publicação de alguns trechos no jornal Le Figaro (Turazzi 2003: 30), não entraram na célebre coletânea Les voyageuses au XIX siècle, de Amélie Chevalier. Isso significa que ela não tinha lugar na ordem dos critérios de formação de um cânone para a literatura de viagem como gênero, caso da já citada obra de Marie Dronsart.
Adèle entrou em confronto consigo mesma ao desfazer a autoimagem francesa a fim de interpretar a sociedade brasileira. A má companhia e péssima reputação intelectual de Charles Expilly pode explicar algumas das reações adversas ao seu livro. Une parisienne au Brésil, avec photographies originales foi publicado em Paris pela editora de Paul Ollendorf, um amigo do pai da autora. Como apêndice, o livro traz os poemas “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, e “O escravo”, de Fagundes Varela. Pouco tempo depois, Adèle traduzia José de Alencar e continuou escrevendo até morrer, sempre em contato com a língua portuguesa. A viajante faleceu no dia 12 de outubro de 1911, com 82 anos, após muito sofrimento, queimada pelas brasas da lareira de sua casa.
Conclusões: uma sociologia das viagens e das viajantes ainda por fazer
A dinâmica material da cultura brasileira envolve complexas redes de atuações, locais e globais, e deve ser apreendida em todas as variações da experiência histórica, matizando o argumento da invasão de produtos e ideias estrangeiras. Nada poderia impedir as travessias de obras e autores, aclimatando-se, difundindo imagens e autoimagens, transformando-se por meio de inusitadas apropriações.
O ponto de vista de Gilberto Freyre sobre a formação brasileira é por demais conhecido: a circulação atlântica da cultura resulta em movimento de reeuropeização de nossos modos de vida e pensamento. Dialogando com essa tradição, o artigo propôs um retorno ao século XIX, momento de inovações técnicas e avanços educacionais nos países europeus. Os efeitos imediatos dessas inovações e avanços impulsionaram as conexões intelectuais e o que hoje se entende como mundialização emergia no curso de processos mais alargados, temporal e espacialmente.
As estratégias dos editores franceses em propagar em grande escala a literatura de viagem mostraram-se eficazes ao atingir sucessivas gerações de leitores. Passado o modismo e a atualidade do gênero, os livros das viajantes, inicialmente destinados ao público europeu, inauguraram um corpus documental para pensadores sociais de outras gerações. Além do mais, enquanto a edição francesa investia no incipiente mercado brasileiro, a exemplo da atuação dos livreiros Garnier, a natureza e a história do Brasil iam sendo construídas nas impressões e relatos de viagens, abrindo polêmicas nos dois lados do Atlântico.
Com relação ao uso documental das viagens, ao menos haveria uma linha de continuidade entre Vauthier e Adèle, ainda que as lembranças da parisiense não tenham sido apreciadas por José Olympio e outros estrategistas das construções identitárias na Era Vargas, nem se prestassem à montagem política do regionalismo a partir da atuação dos franceses em Pernambuco. As impressões de Adèle Toussaint-Samson não caberiam no projeto de construção de uma história regional ou, o que é ainda mais plausível, as imagens de homens e mulheres estrangeiros que construiu, os compatriotas que se abrasileiravam, em boa medida inspiradas na obra polêmica de Charles Expilly, não corresponderiam à ideia da reeuropeização como influência ou imitação.
Um estudo das observações de uma parisiense no Brasil e a sua apropriação por Gilberto Freyre, considerando os modelos de investigação e a elaboração das interpretações decorrentes, sugere reflexões sobre a produção e os usos de fontes documentais tanto por autores clássicos, como, quem sabe, por uma sociologia das viagens e das viajantes ainda por fazer. Refiro-me a uma via de análise que levasse em conta as ordens das narrativas, as redes de atuações e a construção de autorias femininas – a história de suas legitimidades e processos de consagração –, as condições de produção e circulação dos livros somadas às conversões do escrito em práticas sociais nas variações históricas da leitura.
Na montagem da sua trilogia, Gilberto Freyre visitou as “Brasilianas” de Oliveira Lima, em Washington, foi à Biblioteca Nacional de Lisboa, à Biblioteca da Universidade de Stanford, aos arquivos coloniais da Bahia e do Rio de Janeiro, leu manuscritos nas coleções privadas, entre outros espaços de pesquisa (Bastos 2006). Porém, se ampliasse um pouco mais seus documentos teria estudado as práticas culturais em duplo sentido, em uma perspectiva mais globalizada.
O distanciamento de Adèle e a proximidade de Freyre em relação ao conhecimento de um mesmo objeto, a sociedade brasileira, mereceria ser de alguma forma problematizado.
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NOTAS
[1] Uma primeira versão desse artigo foi apresentada no Grupo de Trabalho Pensamento Social no Brasil, reunido durante o 36.º Encontro Anual da Anpocs – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, em Águas de Lindóia, São Paulo, de 21 a 25 de outubro de 2012. O artigo resulta do desenvolvimento de minha pesquisa “O Brasil juvenil francês: literatura de viagem e comércio de livraria”, vinculada ao projeto de cooperação internacional “A circulação transatlântica dos impressos – a globalização da cultura no século XIX”, coordenado por Márcia Abreu, do Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas (Brasil), e Jean-Yves Mollier, da Université de Versailles – Saint Quentin en Yvelines (França), aos quais sou, mais uma vez, grata. A pesquisa contou com o apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
[2] Musée des familles: Lectures du soir, 1857-1858, p. 378.
[3] Um levantamento das viagens femininas ao Brasil no século XIX encontra-se no estudo pioneiro de Míriam Moreira Leite (1984).
[4] Gustavo Henrique Tuna chama a atenção para a importância dos relatos de viagem na composição da obra de Gilberto Freyre, associando-os à experiência de viajante do sociólogo. Embora Tuna não tenha pesquisado especificamente os relatos das viajantes, vale consultar Viagens e Viajantes em Gilberto Freyre (2003). Maria Lúcia Pallares-Burke e Peter Burke, no retrato intelectual que traçam do sociólogo, atribuem igualmente uma grande importância ao relato de viagem na construção metodológica de Freyre; consultar Repensando os Trópicos (2009).
[5] Considerações fundadas na leitura de Maria Lúcia Pallares-Burke e Peter Burke (2009: 111). Os autores observam que Freyre, por diversas vezes, assumiu seu “impressionismo”, reivindicando uma margem de liberdade de criação para a sua obra concebida como ensaio. Seu método ligava-se, por exemplo, em Casa-Grande & Senzala, à escrita de uma história íntima (daí o apego aos detalhes), apesar de todas as possibilidades de trabalho abertas pela leitura dos documentos coloniais.
[6] Cabe fazer um breve comentário sobre a importância estratégica das notas na obra freyreana. Assim como o espaço da dedicatória, que revela as relações de clientela e patrocínio, crédito e recomendação, o espaço da nota vai além da simples referência ao texto. Seria interessante tomar as operações investidas nesses espaços marginais, notas ao final de cada capítulo, como objetos de discussão, o que evidentemente foge às intenções e aos limites deste artigo. É nas notas que Gilberto Freyre dialoga seriamente com os documentos, refletindo sobre as decisões, escolhas e interpretações do material da pesquisa. Por meio das notas, compreendemos melhor a constituição do corpus, as reflexões teóricas e metodológicas. Ao final de cada capítulo de Sobrados e Mucambos, Freyre cria o efeito de um debate intelectual face aos interessantíssimos livros de viagem ao Brasil, com os dos franceses D’Assier, Louis Freycinet, Paul Gaffarel, Charles Reybaud, entre outros. Mais uma charada que o astuto sociólogo nos arma: problematizar os usos dos documentos nas notas para não comprometer a escrita na forma de ensaio.
[7] Charles Expilly trabalhou como representante comercial da fábrica de fósforos do primo já estabelecido no Brasil, o que lhe permitiu viajar pelas outras províncias do Império.