Introdução
As práticas colaborativas e o trabalho em equipa interprofissional são estratégias que contribuem para o cuidado integral e produzem melhoria do acesso e da qualidade da atenção em saúde (Peduzzi & Agreli, 2018). Dentre as suas características destacam-se os processos de comunicação mais efetivos entre os profissionais da equipa, definição de objetivos comuns, tomada de decisões compartilhadas, reconhecimento do papel e do trabalho dos demais membros da equipa, autonomia dos profissionais, horizontalidade das relações de trabalho (Agreli et al., 2016).
No quotidiano, transitar pelos diferentes campos de saberes, respeitando os núcleos das diferentes profissões coloca-se como um desafio (Campos, 2000), isto porque na rotina de trabalho os trabalhadores da saúde mantêm interações muito restritas e pontuais. Tal facto resulta numa limitação na capacidade de enfrentar os problemas que emergem da prática e reduz o alcance de melhores resultados no cuidado das pessoas, fatores que comprometem a qualidade dos serviços de saúde (Baird et al., 2019).
Estes novos desafios surgem para o processo de trabalho desses profissionais, que precisam de adquirir novas habilidades e competências que permitam dar respostas aos atuais problemas de saúde e reorientar a forma de trabalho (Escalda & Parreira, 2018).
Contribuindo para este processo, a prática interprofissional é uma atividade dinâmica em que os profissionais aprendem a trabalhar em conjunto para reconhecer as ações, saberes e papéis de cada profissão e de forma coletiva definirem os objetivos comuns na realização do planeamento do cuidado em saúde, para um impacto positivo na assistência (Peduzzi & Agreli, 2018).
O esforço coletivo e simultâneo num mesmo objetivo é a principal característica do trabalho interprofissional, diferenciando-o das ações de equipas multidisciplinares, em que os integrantes tendem a trabalhar em paralelo, não colaborando de forma integrada para o alcance dos objetivos (Choi & Pak, 2007). Desenvolver o trabalho interprofissional e a prática colaborativa é fundamental para a qualidade da atenção à saúde, segurança e satisfação de paciente e profissionais (Brandt et al., 2014).
Com a prática colaborativa interprofissional, as equipas de saúde realizam o plano de cuidado com ações coletivas voltadas para as tarefas comuns (Reeves, 2016). Os recursos são utilizados de forma a atender às necessidades específicas da população e fornecer melhores cuidados primários de saúde (World Health Organization, 2010).
Desta forma, como resultado dessas práticas observa-se a redução de custos com assistência à saúde, melhoria na qualidade do cuidado prestado e melhores experiências dos pacientes no seu percurso assistencial (Brandt et al., 2014). Desta forma, permite alcançar maior satisfação das pessoas e famílias, incorporação de mudanças mediante o processo de tomada de decisão compartilhada e redução das taxas de erros clínicos (Peduzzi et al., 2016).
Diante deste contexto, considerando a relevância e atualidade do assunto, coloca-se como objetivo desta scoping review, mapear o conhecimento existente e evidências científicas sobre as práticas colaborativas interprofissionais utilizadas em n APS e, com isso, pretende-se responder à seguinte questão: Quais são as estratégias adotadas pelas equipas de saúde para desenvolver práticas colaborativas interprofissionais em unidades de APS?
Método de Revisão
Trata-se de um estudo de scoping review, conforme as recomendações metodológicas de revisão propostas pelo Joanna Briggs Institute (Peters et al., 2020). Esta modalidade objetiva mapear os principais conceitos que apoiam determinada área de conhecimento e identificar as lacunas de conhecimento existentes, como também fornece uma visão geral da evidência existente.
A revisão será realizada em cinco etapas: identificação da questão de pesquisa; investigação de estudos relevantes; seleção de estudos; extração de dados; e apresentação e discussão dos resultados (Peters et al., 2019).
Esta metodologia de revisão incluirá estudos publicados ou não, sejam eles com métodos quantitativos ou qualitativos, revisão da literatura e literatura cinzenta. Como critérios selecionaram-se produções nos idiomas português, inglês e espanhol e que estejam disponíveis sem custos para os investigadores neste processo.
As bases de dados selecionadas para pesquisa são: Literatura científica e técnica da América Latina e Caribe (LILACS®) via Biblioteca Virtual em Saúde (BVS); Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE®) via PubMed; Google académico ®; EMBASE® (Elsevier), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL®) via EBSCO; The Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL®); PsycINFO®, American Psychological Association; Catálogo de Teses e Dissertações do Portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); Theses Database; Anais do Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva e do Congresso de Política, Planejamento e Gestão em Saúde.
A pesquisa ocorrerá de acordo com as seguintes etapas: (1) será conduzida uma pesquisa na base de dados MEDLINE (via PubMed), para identificar nos artigos palavras mais utilizadas em títulos e resumos e os termos de indexação (Tabela 1); (2) ao identificar as palavras mais frequentes e também os descritores controlados em outras bases de dados - Descritores em Ciência da Saúde (DeCS), PsycINFO Thesaurus e CINAHL Headings - será elaborada uma estratégia de pesquisa única considerando as diferentes bases de dados; (3) diante das referências dos estudos selecionados, será analisada por dois revisores independentes a possibilidade de inclusão de novos estudos.
Estratégia | Resultados |
---|---|
Search (((((((((((((((((collaboration[Title/Abstract]) OR (collaborations[Title/Abstract])) AND (interprofessional relations[Title/Abstract])) OR (relations, interprofessional[Title/Abstract])) AND (communication, interdisciplinary[Title/Abstract])) OR (communications, interdisciplinary[Title/Abstract])) AND (health team, interdisciplinary[Title/Abstract])) OR (health teams, interdisciplinary[Title/Abstract])) OR ("interdisciplinary communication"[Title/Abstract])) OR ("interprofessional collaboration"[Title/Abstract])) OR ("collaborative practice"[Title/Abstract])) OR ("Collaborative action"[Title/Abstract])) OR ("Interdisciplinary Placement"[Title/Abstract])) AND (care, primary health[MeSH Terms]))) OR ("community healthcare"[Title/Abstract])) OR ("community healthcare service"[Title/Abstract]) | 1329 |
Estratégia de pesquisa e identificação dos estudos
Para nortear a pergunta da revisão e a colheita de dados, a estratégia de pesquisa orientou-se pelo acrónimo de População, Conceito e Contexto (PCC), uma adaptação da estratégia População, Intervenção, Comparação e Outcome (PICO). Estes componentes são fundamentais para a elaboração da questão de revisão e construção da pesquisa bibliográfica de evidências.
Assim sendo, nessa revisão temos como população: equipas de saúde, neste caso, serão as equipas de referência com responsabilidade direta por unidades de saúde da APS na condução de casos de sua área adscrita, além da construção de vínculo entre profissionais e utentes com relação longitudinal, mesmo quando houver referência a outro nível de atenção (Campos & Domitti, 2007). Serão consideradas as equipas independentemente da sua composição, sexo, idade, categoria profissional, grau de escolaridade, vínculo profissional, tempo de experiência profissional, região de alocação da equipa, vulnerabilidade da região.
O conceito da revisão será práticas colaborativas de trabalho interprofissional. A tipologia para este conceito, está no sentido de descrever os elementos da colaboração interprofissional num nível mais profundo de trabalhar juntos com intensa interdependência das ações (D`Almour, 2005; Lago, 2019), em que ocorre o compartilhamento de saberes, decisões, informações, intervenções, além do empoderamento de cada profissional e o respeito e reconhecimento de um pelo outro, em busca de objetivos comuns (Peduzzi et al., 2020).
Por fim, como contexto, temos as unidades de APS. Estas são o primeiro contacto da assistência continuada centrada na pessoa (Lavras, 2011). Fazem parte da estratégia prioritária para expansão e consolidação da atenção básica e possuem o compromisso de desenvolver ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais frequentes e, assim, visam proporcionar o cuidado integral à saúde das famílias assistidas, através do trabalho interprofissional em equipa multidisciplinar (Portaria Nº 2.436/2017 do Ministério da Saúde, 2017).
Extração de dados
Para a seleção dos estudos serão avaliados os títulos e resumos (abstracts) identificados na pesquisa inicial, este processo será realizado por dois revisores independentes e às cegas, por meio do Rayyan QCRI. A seleção dos textos obedecerá rigorosamente aos critérios de inclusão e exclusão, utilizando um instrumento desenvolvido pelos investigadores, alinhado com o objetivo e questão da revisão. As discordâncias que por ventura ocorram serão resolvidas por consenso. Caso não ocorra concordância entre os dois revisores, um terceiro investigador irá emitir um parecer sobre a inclusão ou não do estudo. Quando necessário, os autores dos estudos primários serão contactados, para obtenção de informações e esclarecimentos sobre os trabalhos.
A Tabela 2, apresentada abaixo, é o instrumento elaborado para extração dos dados pelos revisores, permite a descrição do título do documento, nome dos autores, ano de publicação, objetivos, tipo de estudo, população e estratégias para desenvolvimento de práticas colaborativas. Essa extração dos dados relaciona-se com o objetivo e pergunta que nortearão esta revisão. O instrumento poderá sofrer alterações de acordo com a necessidade dos investigadores, por esse motivo será realizado um teste piloto antes da fase de extração.
Práticas colaborativas interprofissionais em cuidados de saúde primários: protocolo de scoping review Instrumento de extração | ||
Responsável pela extração | ||
Título | ||
Autores | ||
Ano | ||
Objetivo | ||
Tipo de estudo Qual tipo de estudo foi desenvolvido | ||
População Categoria Profissional Amostra (N) Critérios de inclusão/exclusão | ||
Resultados Quais estratégias utilizadas para o desenvolvimento de práticas colaborativas na APS? | ||
Principais descobertas relacionadas ao tema | ||
Referências Referências relevantes do texto |
Nota. APS = atenção primária à saúde.
Apresentação e interpretação dos resultados
Os resultados obtidos serão apresentados primeiramente por um fluxograma, demonstrando as etapas de seleção e a quantidade de estudos que permanecerão em cada etapa, considerando os critérios de inclusão e exclusão. A descrição dos achados ocorrerá de forma narrativa, podendo ser divididas em categorias que possam emergir das análises, caso necessário, os investigadores poderão utilizar imagens ou gráficos para facilitar a compreensão das estratégias utilizadas na APS para o desenvolvimento das práticas colaborativas.
A revisão que está a ser proposta contribuirá para a disseminação das evidências disponíveis sobre as estratégias adotadas pelas equipas de saúde para desenvolver práticas colaborativas de trabalho interprofissional em serviços de APS, para uma melhor prática do cuidado.
Conclusão
As práticas colaborativas, através do compartilhamento de saberes e com empoderamento dos profissionais em busca de um objetivo comum, são uma importante ferramenta no processo de trabalho na APS, pois torna o trabalho em equipa mais efetivo e gera melhor qualidade e acesso de atenção à saúde.
As práticas colaborativas interprofissionais de uma equipa de saúde são imprescindíveis para produção de melhores resultados na prática do cuidado. Nesse sentido a scoping review proposta, buscará as estratégias que são utilizadas pelas equipas de saúde para desenvolver práticas colaborativas interprofissionais em unidades de APS e, assim contribuir para o fortalecimento do processo de trabalho colaborativo em equipa, em busca da integralidade do cuidado.