Introdução
Espera-se que na relação entre os profissionais, especialmente da área da saúde, e a pessoa, haja como princípio basilar o respeito pela sua autonomia. A autonomia implica o dever de respeitar a capacidade de decisão e envolve dois aspetos que se complementam na íntegra, designadamente o reconhecimento da capacidade da pessoa para tomar as suas próprias decisões, baseadas nos seus valores pessoais e crenças; e a promoção de condições, nomeadamente de intervenções em saúde, que favoreçam o exercício dessa autonomia (Dzeng, 2019).
O conceito de autonomia compreende várias dimensões: Biológica, Social, Psicológica e Espiritual, sendo essencial a sua integração, quando pretendemos compreender a verdadeira essência do conceito (Bouvet, 2018).
No contexto da prestação de cuidados, assiste-se, diariamente, à aplicação nos discursos da maioria dos profissionais do termo de autonomia, equivalendo-o à independência físico-funcional (Oberstadt et al., 2018).
A autonomia é um termo bastante complexo e torna-se imperioso conhecê-lo (Valero, 2019). A maioria dos profissionais concentra-se mais nos aspetos legais, como a proteção de um direito ou o cumprimento de um dever, do que nos aspetos pessoais e subjetivos, oriundos da capacidade de os doentes decidirem autonomamente (Bertilsson et al., 2015). Daqui se depreende a necessidade da análise do conceito em estudo. A autonomia é um conceito largamente introduzido na disciplina de enfermagem, no entanto, necessita de estudos complementares e visões alternativas, para o transferir para um nível de maior complexidade, com o intuito, de o tornar mais operacional na teoria, na investigação e na prática, melhorando, dessa forma, a sua compreensão (Sousa et al., 2018).
Pode dizer-se que a afirmação da enfermagem inclui, necessariamente, a clarificação e aplicação dos conhecimentos que lhe são próprios (Sousa et al., 2018).
No que concerne aos objetivos, o presente estudo pretendeu mapear e analisar o conceito de autonomia na evidência existente, de acordo com a sua aplicação nas diversas áreas do conhecimento, recorrendo ao modelo preconizado para análise conceptual de Walker e Avant (Sousa et al., 2018).
Uma pesquisa prévia foi realizada na JBI Database of Systematic Reviews and Implementation Reports, Cochrane Library, MEDLINE e CINAHL, revelou a não existência de Scoping Review publicada ou em execução, sobre o conceito de autonomia.
Com esta scoping review pretende-se compreender de uma forma significativa e o mais coerente possível o conceito em estudo, conhecendo não só o seu conteúdo, como também os seus limites. Acredita-se que este conhecimento originará, com efeito, um melhor entendimento por parte dos profissionais de saúde, particularmente os enfermeiros, os quais têm um papel preponderante na promoção da autonomia da pessoa.
A síntese de evidência com recurso à revisão sistemática está no centro da prática baseada em evidência. Optou-se pela realização de uma scoping review por ser um tipo de revisão que tem como principais objetivos: mapear a evidência existente subjacente a uma área de pesquisa, identificar as lacunas na evidência existente (Peters et al., 2015).
Trata-se de uma scoping review, que procurou avaliar a evidência existente de uma forma rigorosa, com o intuito de obter fundamentação necessária para a análise do conceito em estudo. Este método de pesquisa tem vindo a ser largamente utilizado nos últimos anos e a sua contribuição veio acrescentar uma significativa mais-valia à enfermagem como profissão e disciplina, na medida em que possibilita aos enfermeiros basear os seus cuidados na melhor evidência disponível. O estudo seguiu todas as etapas preconizadas pelo Joanna Briggs Institute (Peters et al., 2015).
A análise do conceito de autonomia foi realizada, utilizando os pressupostos do método de análise conceptual de Walker e Avant, sendo este o método de análise de conceitos mais utilizado na profissão de enfermagem por ser um método simples e facilmente aplicável. Esta análise seguiu, assim, os seguintes passos: seleção do conceito; determinação dos objetivos ou finalidades da análise; identificação de todos os usos possíveis do conceito; determinação dos atributos de definição; identificação do modelo de caso; identificação de casos limite, relacionados, contrários, inventados e inapropriados; identificação de antecedentes e consequências, definição de referenciais empíricos (Sousa et al., 2018).
Recorrendo à estratégia participants, concept e context (PCC), foram incluídos na scoping review estudos que: a) quanto ao tipo de participantes, abordem a pessoa doente; b) quanto ao conceito, abordem o conceito de autonomia da pessoa; c) quanto ao contexto, serão contemplados todos os contextos, nas mais diversas áreas do conhecimento, procurando-se mapear as diferenças/semelhanças entre as áreas; d) quanto ao tipo de estudos, serão contemplados estudos primários qualitativos e quantitativos e todos os tipos de revisões da literatura.
Estratégia de pesquisa
A estratégia de pesquisa incluiu estudos publicados, sendo realizada em três passos: 1) Pesquisa inicial nas bases de dados MEDLINE (via PubMed), CINAHL (via EBSCO), realizando-se de seguida uma análise de palavras de texto nos títulos e resumos e dos termos de índice usados na descrição do artigo; 2) Segunda pesquisa com recurso às palavras-chave e termos de índice identificados, nas bases de dados incluídas e a literatura cinzenta (Tabela 1); 3) As referências bibliográficas dos artigos identificados foram examinadas para identificar estudos adicionais. Considerou-se para inclusão nesta revisão estudos escritos em inglês, espanhol e português, publicados nos últimos 10 anos.
Base de dados: Scopus Filters: Excluding MEDLINE, last 10 years, English, Portuguese, Spanish Resultados: 813 Estratégia de pesquisa (18 de abril de 2020) ( ( TITLE-ABS-KEY ( patient* ) ) AND ( TITLE-ABS-KEY ( independence ) OR TITLE-ABS-KEY ( autonomy ) ) AND ( ( TITLE-ABS-KEY ( theory ) OR TITLE-ABS-KEY ( concept ) ) ) ) AND NOT ( PMID ( 1* ) OR PMID ( 2* ) OR PMID ( 3* ) OR PMID ( 4* ) OR PMID ( 5* ) OR PMID ( 6* ) OR PMID ( 7* ) OR PMID ( 8* ) OR PMID ( 9* ) ) |
Base de dados: CINAHL complete (via EBSCO) Filters: Excluding MEDLINE, last 10 years, English, Portuguese, Spanish Resultados: 313 Estratégia de pesquisa (18 de abril de 2020) S1 - MH Patients OR TI patient* OR AB patient* S2 - MH Patient Autonomy OR TI independence OR AB independence S3 - TI theory OR AB theory OR TI concept OR AB concept S1 AND S2 AND S3 |
Base de dados: MEDLINE (VIA PUBMED) Filters: last 10 years, English, Portuguese, Spanish Resultados: 461 Estratégia de pesquisa (18 de abril de 2020) (((Patients[MeSH Terms]) OR (patient*[Title/Abstract])) AND (((Independent Living[MeSH Terms]) OR (Personal Autonomy[MeSH Terms])) OR (independence[Title/Abstract]))) AND ((concept[Title/Abstract]) OR (theory[Title/Abstract])) |
Base de dados: OPEN GREY Filters: last 10 years, English, Portuguese, Spanish Resultados: 5 Estratégia de pesquisa (18 de abril de 2020) (autonomy OR independence) AND patient AND theory |
Devido à quantidade significativa de informação existente sobre a abordagem do conceito, consideramos que a metodologia mais adequada foi a pesquisa dos estudos nos últimos 10 anos. O enfoque dos últimos 10 anos considera que as revisões da literatura são um elo essencial entre os resultados da pesquisa em saúde e a tomada de decisão em saúde baseada em evidências. Para serem úteis, as avaliações devem ser válidas e confiáveis. Isso requer que os métodos empregados sejam confiáveis e as revisões devem refletir todos os resultados de pesquisa relevantes, incluindo os dados publicados mais recentemente (Brooker et al., 2019)
Extração de dados
A relevância dos artigos foi examinada por dois revisores independentes, com recurso à leitura do título e resumo. Os artigos completos foram recuperados quando os critérios de inclusão foram cumpridos, mesmo quando existiram dúvidas sobre a relevância do documento. Dois revisores analisaram, de forma independente, o texto completo dos artigos para averiguar se estes cumpriam os critérios de inclusão definidos. Para resolver eventuais divergências entre revisores, recorreu-se a discussão ou a terceiro revisor.
Dos artigos incluídos, foi extraída a seguinte informação: Identificação do estudo, país, objetivo do estudo, desenho do estudo, número e tipo de participantes, área do conhecimento e principais resultados.
Os dados mapeados serão de seguida apresentados de forma narrativa, alinhada com os objetivos e o foco da scoping review, com recurso a tabelas e figuras. Tal como na fase anterior, a síntese e apresentação dos dados foi realizada através do consenso, entre dois revisores. Quaisquer divergências foram resolvidas com recurso a um terceiro elemento.
Este mapeamento permitiu identificar a evidência científica disponível, sendo assim o ponto de partida para a realização da análise conceptual do modelo de Walker e Avant.
Apresentação dos resultados
Tal como apresentado na Figura 1, a pesquisa identificou 1.586 artigos potencialmente relevantes. De entre estes, 67 foram excluídos por serem duplicados, e, de entre os restantes 1.519 artigos, 1.173 foram excluídos após leitura do título e resumo e 155 artigos foram excluídos por não cumprirem os critérios de inclusão após leitura do texto integral. Depois desta seleção, foram incluídos nesta revisão 191 estudos.
Interpretação dos resultados
Após a obtenção do mapeamento foi realizada uma análise conceptual seguindo o modelo de Walker e Avant (Sousa et al., 2018).
Relativamente à seleção do conceito, foi possível verificar que, nas áreas do conhecimento relacionadas com a saúde, se destaca a importância da promoção da autonomia da pessoa, na medida em que, na maioria dos casos, ela poderá estar comprometida ou em risco. A autonomia compreende várias dimensões: biológica, social, psicológica e espiritual (Bouvet, 2018), sendo essencial a implementação de intervenções que as promovam, nomeadamente na disciplina de enfermagem.
A autonomia é um valor associado a uma perspetiva liberal que dá ênfase aos valores culturais como a liberdade e privacidade e trata-se de um direito individual da pessoa, como um ser único (Bentwich et al., 2018). Constituindo-se como um direito, importa, pois, não o negligenciar, compreendendo os seus conteúdos e os seus limites.
Relativamente à determinação do objetivo da análise, foi possível verificar que a autonomia é um fenómeno contextual, afetado pela cultura (Eassey et al., 2019), nomeadamente pelos hábitos e costumes da sociedade. Assiste-se diariamente à prescrição de intervenções de enfermagem que visam a promoção da autonomia, no entanto, quando se verifica a sua aplicabilidade, constatamos que as mesmas se referem à promoção da independência ou vice-versa (Bennett et al., 2016), nomeadamente no que diz respeito à condição física da pessoa (Jacobs, 2019).
A autonomia é movida por uma fonte intrínseca de motivação para dominar o ser, o seu destino. Controlar a própria vida e o seu comportamento, de acordo com a teoria da autodeterminação (Eassey et al., 2019), é a liberdade de escolha e o controle das suas ações (Bouvet, 2018).
Relativamente à identificação dos possíveis usos do conceito, os investigadores mapearam as suas possíveis aplicações, nas mais diversas áreas do conhecimento, que no seu todo se complementam.
Da leitura, emergiram áreas possíveis para criar grupos de olhares sobre a autonomia, como seja a própria área da saúde, do conhecimento que suporta as decisões em saúde e de outras áreas, conforme Figura 2.
Muitas definições assemelham-se em alguns aspetos e complementam-se noutros.
As áreas de intervenção na autonomia em saúde referem-se ao conceito, no que concerne à importância da literacia e do empoderamento da pessoa (Bennett et al., 2016). Estas áreas salientam a importância da autonomia da pessoa, especialmente na garantia da capacidade de execução (Jacobs, 2019) e a oportunidade da mesma para tomar decisões e de agir conscientemente, expressando o autogoverno e a capacidade de controlar as próprias vidas, mostrando a sua sensibilidade pessoal, os seus sentimentos e fazendo as suas escolhas, no exercício da autonomia (Bouvet, 2018). Salienta, ainda, a importância da situação social, económica, profissional e experiências anteriores de saúde, condições estas importantes para a capacidade de tomada de decisão (Bertilsson et al., 2015). Assim, o conceito em análise é dependente de outras pessoas, pelo facto de a pessoa viver numa sociedade, sendo constituído por dimensões relacionais, familiares, sociais, estruturais e situacionais (Brown & Salmon, 2019). Estas, por sua vez, são as fontes intrínsecas de motivação para dominar o próprio destino, controlar a sua vida e o comportamento. Assim sendo, comunga numa dinâmica entre a classe social, a história de vida, a raça, o género e os contextos culturais, onde na maioria dos casos existem relações de poder (Bhola & Chaturvedi, 2017).
A psicologia defende que, no desempenho de uma vida autónoma, é extremamente importante a perceção que a pessoa tem de si mesma, incluindo a sua dignidade, as suas emoções, o que pressupõe claramente, a necessidade da existência de ótima gestão emocional, a inteligência emocional (Calheiros et al., 2013).
A teoria da autodeterminação serve de fundamento para a maioria dos profissionais da área da saúde. Esta teoria centra-se em três construções psicológicas, necessárias para a autodeterminação, designadamente: a autonomia, em que a pessoa manifesta o desejo de ser a origem do comportamento, sem a interferência de outros; a competência, onde a pessoa expressa a necessidade de se sentir eficaz nas ações que realiza; e o relacionamento, que compreende o desejo de se sentir conectado com outros, de pertencer a um grupo e de ser valorizado (Brown & Salmon, 2019; Hanlon et al., 2019).
Para as áreas fundamentais, tais como a ética e a bioética, a palavra autonomia deriva do grego, em que auto significa eu, e nomos significa lei, traduzido literalmente por, eu mesmo me atribuo a lei, sou dono e senhor das minhas próprias decisões (Henry et al., 2015). O conceito de autonomia confere à pessoa a sua própria identidade, manifestada nas suas decisões (Henry et al., 2015). Ela não se resume apenas à competência executiva nas decisões individuais e o seu respeito não pode ser interpretado como uma mera questão de não interferência nas decisões tomadas. Para uma tomada de decisão consciente, a pessoa necessita de estar adequadamente informada, de ser detentora de entendimento intelectual sobre a temática. Terá, dessa forma, condições para decidir questões especificas, livres de restrições internas e/ou externas (Henry et al., 2015).
De acordo com a autonomia, essa tomada de decisão depende diretamente do ambiente social, marcado pela economia, pela política, pela etnia, pelo género e cultura, encontrando-se a mesma sujeita à integração de todos estes fatores (Krishna et al., 2015).
Alguns filósofos atribuem-lhe outras designações, nomeadamente: razão, liberdade, desejo, moralidade e interioridade. Neste contexto, a autonomia é um conceito multidimensional que pressupõe capacidade de decisão, executiva, funcional, informativa e narrativa (Valero, 2019). Os filósofos veem a autonomia como a razão, a vontade expressa, a liberdade de escolha, o desejo e a moralidade, considerando estes termos equivalentes. Para Kant, por exemplo, a autonomia é o direito de liberdade, de expressão e manifestação da sua vontade, de fazer ou não o que se quer, dependendo o seu exercício da capacidade psicológica para a seleção dos caminhos, de assumir as responsabilidades e de se autogovernar (Henry et al., 2015).
Por sua vez, a sociologia evidencia que a autonomia pressupõe capacidade intelectual para uma tomada de decisão consciente e resultante da necessidade de se sentir volitivo e senhor das suas próprias ações, acrescentando a este nível que uma pessoa, não obstante dependente do ponto de vista físico, pode ser uma pessoa autónoma (Benson et al., 2019).
Também a engenharia, a gestão e o jornalismo, se pronunciam em relação à autonomia, referindo que a autonomia significa experimentar volição, experimentar o empoderamento, promovendo a competência para lidar com as questões de saúde e com a vida em geral (Lamine et al., 2019).
Relativamente à determinação dos atributos que definem o conceito e definição de referências empíricas do mesmo, foi possível verificar todas as formas de utilização do conceito de autonomia e analisar as várias definições, permitindo aos investigadores determinarem as características do conceito em análise.
Acerca dos atributos, antecedentes e consequentes envolvidos no tema em estudo, foi possível encontrar diversos aspetos. Os atributos apresentados têm uma visão mais abrangente sobre o fenómeno.
Deveremos destacar que o conceito de autonomia compreende um processo contínuo e amplo, orientado por aspetos como o estado cognitivo, a inteligência emocional, a situação social, a condição intelectual e a condição física, tal como se pode constar no quadro (Tabela 2).
Relativamente à identificação de um caso para a prática de enfermagem, pode-se dar o exemplo de um doente tetraplégico, e, por isso, dependente fisicamente de outrem para a realização de tarefas, mas consciente e orientado, ou seja, com as suas funções cognitivas íntegras, consegue gerir adequadamente as suas emoções e relacionar-se eficientemente com outras pessoas. No que concerne à satisfação da plenitude do conceito de autonomia, esta pessoa necessitará de cuidados de saúde relativos ao apoio na adaptação física e na substituição por outros nessa capacidade e do empoderamento sobre as estratégias adaptativas. Como tal, os profissionais de saúde, nomeadamente os enfermeiros devem considerar as potencialidades do exercício da autonomia do doente e, prescrever, implementar e avaliar intervenções que satisfaçam as necessidades que o conceito de autonomia envolve, passando necessariamente pelo questionamento do doente relativamente às suas preferências e substituindo-o nas atividades que ele não é capaz de realizar sozinho. Relativamente à tomada de decisão, os profissionais de saúde deverão apoiar o doente empoderado, sem ousar influenciar a tomada de decisão, prescrevendo, implementando e avaliando intervenções no âmbito da literacia em saúde e na manutenção/restabelecimento da sua inteligência emocional.
A importância da necessidade do presente estudo, destaca-se pela precisão no diagnóstico, prescrição e avaliação das intervenções na profissão de enfermagem, pois destes depende a satisfação das necessidades da pessoa cuidada, na perspetiva da manutenção/promoção da sua autonomia. Para a enfermagem, tal como para as outras disciplinas é essencial a definição concreta dos conceitos, no entanto, para a enfermagem esta assume grande destaque, já que é a mesma, pelo contato de proximidade com a pessoa, que a implementa na prática clínica, nas suas variadíssimas vertentes.
Percebe-se, neste sentido, que se trata, efetivamente, de um conceito multidimensional, que envolve várias capacidades, nomeadamente capacidade física, cognitiva, intelectual, social e inteligência emocional. Na pesquisa realizada, podemos constatar que as mais diversas áreas do conhecimento patenteiam a mesma opinião relativamente ao conceito de autonomia, no entanto, existem artigos nas diferentes áreas que se referem à autonomia como sendo apenas a capacidade de decisão e o cumprimento do consentimento informado (Bouvet, 2018).
Alguns artigos dividem a autonomia em: autonomia decisória, autonomia relacional e autonomia executória. A autonomia decisória refere-se à capacidade e à liberdade de tomar decisões, a autonomia executória atribuiu-se à capacidade e à liberdade de levar a cabo essas mesmas decisões e a autonomia relacional diz respeito ao facto de a pessoa se encontrar ligada ao seu ambiente social e dele ser dependente para viver, uma vez que se encontra dependente de condicionantes como o são a economia, etnia, género, cultura, entre outros aspetos (Brown & Salmon, 2019).
Outros artigos referem-se à autonomia como uma capacidade psicológica da teoria da autodeterminação, onde a autonomia está na origem do comportamento de alguém, é o desejo de ser e de exercer o livre arbítrio na escolha dos objetivos, sentindo-se o agente totalmente volitivo ou livre para se envolver num comportamento (Hanlon et al., 2019). Esta teoria compreende mais duas capacidades, a competência e o relacionamento. Chegados a este ponto, porém, uma questão deve ser colocada. Para que a pessoa exerça na íntegra a sua autonomia, não será necessário deter competência, sentindo-a, e ter capacidade de se relacionar? Na perspetiva dos autores, a autonomia é a própria teoria da autodeterminação, pois a pessoa deverá deter competências cognitivas, intelectuais, sociais, inteligência emocional e capacidade física para colocar em prática as suas vontades. A pessoa não pode ser autónoma se não tiver capacidade cognitiva (Jacobs, 2019).
Para a pessoa tomar decisões autónomas, deve sentir-se empoderada, assumindo aqui substancial importância, a literacia em saúde. A literacia em saúde trata-se de uma ferramenta essencial para a melhoria da saúde das populações (Brown & Salmon, 2019). A manutenção da autonomia através do desenvolvimento da capacidade intelectual, na gestão das emoções, da adaptação à nova condição física, do envolvimento social, garante-se através do empoderamento (Henry et al., 2015; Brown & Salmon, 2019). Esse empoderamento promove a autonomia, a segurança, a saúde, as relações socais autênticas e a dignidade da pessoa. Promovida a autonomia, estão, por sua vez, garantidas a qualidade de vida e a dignidade humana (Henry et al., 2015).
Na relação terapêutica, a autonomia do doente pressupõe competências e liberdade para proceder às escolhas conscientes, dentro das possibilidades existentes e assumir os riscos dessas mesmas ações ou escolhas. Com o conhecimento de si mesmo e das suas necessidades, a pessoa e o profissional de saúde tomam em conjunto as melhores decisões e implementaram os procedimentos mais adequados no processo de decisão consciente, sem que o profissional contrarie essa decisão (Brown & Salmon, 2019).
Em síntese, o conceito de autonomia é multidimensional, incluído a necessidade de a pessoa deter capacidade intelectual, cognitiva, social e física e inteligência emocional, como tal a promoção/manutenção da autonomia é uma tarefa difícil. Contudo, é possível uma aproximação plausível, sendo necessária a introdução de todos os fatores essenciais para a total manifestação da autonomia. É fundamental o respeito pela autonomia de cada pessoa, independentemente, se a mesma é ou não a ideal. Com efeito, cabe aos enfermeiros, como profissionais de proximidade e relação nos processos de transição saúde-doença, garantir o respeito pela autonomia possível, através da prescrição, implementação e avaliação contínua de intervenções de enfermagem que mantenham e promovam o conceito/direito em análise (Bennett et al., 2016). Assume-se, pois, imperiosa a inserção deste conceito, na sua verdadeira essência, nos padrões de documentação dos sistemas de informação em utilização nas unidades de saúde em Portugal e a elaboração de um instrumento de autoavaliação que permita aos profissionais de enfermagem avaliarem a forma como trabalham a autonomia da pessoa.
Determinar o aspeto específico da autonomia afetada é o primeiro passo para restaurar, proteger, promover e respeitar a autonomia da pessoa (Valero, 2019).
Conclusão
Da análise efetuada, foi possível identificar as diversas componentes do conceito de autonomia, congregar todos os dados, embora em alguns casos os atributos do conceito estejam implícitos, e construir o conceito final, mais amplo e abrangente do que os conceitos encontrados. Assim, compreende-se que o conceito de autonomia envolve a capacidade cognitiva, a capacidade intelectual, a inteligência emocional, a situação social e a capacidade física.
O presente estudo apresenta algumas limitações, nomeadamente, o facto de incluir apenas estudos publicados nos últimos 10 anos, e como tal, outra evidência relevante pode não ter sido incluída no presente estudo, assim como a pesquisa realizada em literatura cinzenta, também não ter sido muito abrangente.
A evidência obtida pelo presente estudo, poderá ser utilizada pelos profissionais de saúde, especialmente no desempenho do exercício profissional de enfermagem, na prestação, sendo relevantes como base para o constructo de intervenções de enfermagem baseadas em evidências, na perspetiva de promover, proteger e respeitar a autonomia da pessoa e, por conseguinte, a sua qualidade de vida. Na evidência científica, foi notório que esta, enquanto profissão, valoriza intervenções que visam a obtenção do consentimento informado e a promoção da capacidade para a realização das atividades de vida, no entanto, enfermagem como disciplina, orienta para o respeito da autonomia na globalidade do conceito.
Face à evidência mapeada e analisada, parece necessário a elaboração de um instrumento de autoavaliação que permita aos profissionais de enfermagem avaliarem a forma como trabalham a autonomia da pessoa, sendo este um primeiro passo para a consciencialização por parte do profissional, acerca da importância da envolvência do conceito de autonomia e posterior implementação do mesmo na sua prática diária.