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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serVI no.1 Coimbra dez. 2022  Epub 18-Jul-2022

https://doi.org/10.12707/rv21098 

Artigo de Investigação (Original)

Situações de vulnerabilidade vivenciadas por familiares na hospitalização de crianças com condição crónica

Situations of vulnerability experienced by family members during the hospitalization of chronically ill children

Situaciones de vulnerabilidad vividas por los familiares en la hospitalización de niños con enfermedades crónicas

Jéssica Cardoso Vaz1 

Viviane Marten Milbrath1 
http://orcid.org/0000-0001-5523-3803

Ruth Irmgard Bärtschi Gabatz1 
http://orcid.org/0000-0001-6075-8516

Maria da Graça Corso da Motta2 
http://orcid.org/0000-0002-4335-1084

Eliane Tatsch Neves3 
http://orcid.org/0000-0002-1559-9533

Ellen Costa Vaz1 
http://orcid.org/0000-0002-9053-676X

1 Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Enfermagem, Rio Grande do Sul, Brasill

2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Enfermagem, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

3Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil


Resumo

Enquadramento:

A vulnerabilidade é classificada como uma tríade de elementos individual, social e programático.

Objetivo:

Conhecer situações de vulnerabilidade individual, social e programática vivenciadas por familiares durante a hospitalização de crianças com condição crónica.

Metodologia:

Pesquisa qualitativa desenvolvida com 10 familiares de crianças com condição crónica que estiveram hospitalizadas, utilizando-se análise temática. As informações foram colhidas de junho a agosto de 2018, por meio de observação simples, entrevista semiestruturada e diário de campo.

Resultados:

Identificou-se como vulnerabilidades individual, a sobrecarga do familiar; social, a acomodação dos familiares; e programática, a distância geográfica de seu domicílio do hospital. Como condições que minimizaram as vulnerabilidades evidenciou-se o atendimento dos serviços de saúde e os cuidados que receberam dos profissionais.

Conclusão:

Conhecer as situações de vulnerabilidade vivenciadas pelas famílias possibilita implementar estratégias de cuidado mais inclusivas e efetivas, visando ampliar o acesso aos serviços de saúde e aos profissionais, oferecer acolhimento às necessidades e incentivar a participação da família e a criação de redes de apoio.

Palavras-chave: criança; doença crónica; família; enfermagem pediátrica; vulnerabilidade em saúde

Abstract

Background:

Vulnerability is classified as a triad consisting of individual, social and programmatic elements.

Objective:

To understand the situations of individual, social, and programmatic vulnerabilities experienced by family members during the hospitalization of their chronically ill children.

Methodology:

This is a qualitative research study using thematic analysis and conducted with ten family members of hospitalized chronically ill children. Data were collected between June and August 2018 through simple observation, semi-structured interviews, and a field diary.

Results:

This study identified family members’ caregiver burden as the individual vulnerability, family members’ accommodations as the social vulnerability, and the geographic distance between families’ homes and the hospital as the programmatic vulnerability. Health care services and health professionals’ care delivery were identified as conditions minimizing vulnerabilities.

Conclusion:

Understanding the situations of vulnerability experienced by families allows implementing more inclusive and efficient care strategies to expand access to health services and professionals, respond to families’ needs, encourage family participation, and create support networks.

Keywords: child; chronic disease; family; pediatric nursing; health vulnerability

Resumen

Marco contextual:

La vulnerabilidad se clasifica como una tríada de elementos individuales, sociales y programáticos.

Objetivo:

Conocer las situaciones de vulnerabilidad individual, social y programática que viven los familiares durante la hospitalización de los niños con enfermedades crónicas.

Metodología:

Investigación cualitativa desarrollada con 10 familiares de niños con enfermedades crónicas que estuvieron hospitalizados, para lo cual se utilizó el análisis temático. La información se recopiló de junio a agosto de 2018, a través de la observación simple, la entrevista semiestructurada y el diario de campo.

Resultados:

La vulnerabilidad individual se identificó como la sobrecarga del familiar; la vulnerabilidad social como el alojamiento de los familiares, y la vulnerabilidad programática como la distancia geográfica del hogar al hospital. Como condiciones que minimizaron las vulnerabilidades, se constataron los servicios sanitarios y la atención recibida por parte de los profesionales.

Conclusión:

Conocer las situaciones de vulnerabilidad que viven las familias permite poner en marcha estrategias de atención más inclusivas y eficaces, con el fin de aumentar el acceso a los servicios y a los profesionales sanitarios, satisfacer las necesidades y fomentar la participación de las familias y la creación de redes de apoyo.

Palabras clave: niño; enfermedad crónica; familia; enfermería pediátrica; vulnerabilidad en salud

Introdução

Vivenciar o adoecimento de uma criança é um processo complexo que se reveste de nuances de maiores proporções quando este vem associado a uma condição crónica. Conviver com uma situação de cronicidade que exige cuidados constantes, entre eles a hospitalização que, por vezes, é recorrente, gera na criança e na sua família uma série de sentimentos, além da necessidade de (re)organizações existenciais para suprir esses cuidados. O adoecer na infância não é esperado, visto que este período é compreendido como uma fase de crescimento e desenvolvimento (Lise et al., 2019) e, por isso, precisa de ser gerido pela família como algo novo e diferente. As crianças com condições crónicas estão incluídas no grupo de crianças com necessidades especiais de saúde (CRIANES). As CRIANES apresentam, em conjunto ou de forma isolada, exigências de cuidados múltiplos, complexos e contínuos, sendo os familiares os responsáveis pela realização dos cuidados no domicílio (Dias et al., 2017).

O adoecimento e o passar a viver com uma condição crónica não repercutem apenas numa mudança biológica do ser, eles alteram o seu mundo afetivo e relacional, afetando de forma fundamental a interioridade do ser humano, sua forma de ver e de estar no mundo. Olhar o processo de adoecimento sob essa ótica existencial é superar a perspetiva biomédica da doença, é compreender que o adoecer na infância causa mudanças existenciais na mesma e nas pessoas que possuem uma relação de vínculo afetivo com ela. Ser criança e viver o adoecer é contrariar a normatividade do que se espera do papel social da infância. É ver esse pequeno ser humano vivenciando a vulnerabilidade ontológica de sua existência, tendo limitadas as possibilidades das suas realizações humanas e restringindo a sua liberdade (Roselló, 2009).

O vivenciar a facticidade existencial do adoecimento de uma criança pode fazer com que ela e a sua família experienciem a angústia de compreenderem-se como seres humanos finitos e, portanto, vulneráveis. Sob esse prisma, compreende-se que é na doença que o ser humano consegue perceber de forma mais clara a sua vulnerabilidade e criar maneiras de proteção (Roselló, 2009). Desta forma, defende-se que é imprescindível, para cuidar da criança com condição crónica e da sua família, conhecer as situações de vulnerabilidade que vivenciam. Compreendendo que a vulnerabilidade envolve um conjunto de aspetos não somente individuais, mas coletivos e contextuais (Ayres et al., 2018).

Sendo assim, conhecer as situações de vulnerabilidade que acometem a criança com condição crónica e a sua família, possibilita elaborar estratégias mais efetivas de enfrentamento das dificuldades experienciadas, sendo imprescindível que os serviços de saúde e os profissionais que neles atuam, estejam preparados para tanto, visando fornecer um suporte ao cuidado para potencializar o crescimento e desenvolvimento dessas crianças, bem como respaldar a saúde física e mental dessas e dos seus cuidadores. Portanto, torna-se necessário ampliar o conhecimento acerca das vulnerabilidades vivenciadas por essas crianças e suas famílias. Com base no exposto, o objetivo deste estudo foi conhecer situações de vulnerabilidade individual, social e programática vivenciadas por familiares durante a hospitalização de crianças com condição crónica.

Enquadramento

A vulnerabilidade está intrinsecamente vinculada ao ser humano, que é um ser frágil, exposto ao perigo do adoecimento, do fracasso, da agressão e da morte (Roselló, 2009). Assim, quanto mais frágil é o ser maior a sua vulnerabilidade. Portanto, crianças, sendo seres em desenvolvimento, são ainda mais frágeis e vulneráveis, pois não tem consciência de sua vulnerabilidade e nem conseguem encontrar formas de enfrentá-la, tal como um adulto. Complementarmente, quando se tem uma doença crónica na infância a vulnerabilidade fica ainda mais potencializada. Doenças crónicas caracterizam-se por se iniciarem de forma gradual, com prognóstico comumente incerto e definição longa. No seu extenso transcurso clínico elas podem apresentar momentos de agudização e gerar incapacidades, acarretando diversas hospitalizações e cuidados contínuos (Silva et al., 2018). Portanto, os responsáveis pelos cuidados dessas crianças, com frequência, vivenciam diversas vulnerabilidades para atender às necessidades ocasionadas pela condição crónica.

A vulnerabilidade pode abarcar fatores individuais, coletivos e contextuais, os quais predispõem as pessoas ao adoecimento. O quadro teórico da vulnerabilidade classifica as situações com uma tríade de elementos: individual, que remete aos valores, às crenças e aos afetos das pessoas e o acesso aos recursos que possibilitam a implantação de comportamentos seguros ou saudáveis; social, que inclui as condições de vida e de trabalho, cultura, ambiente, condições sociais e económicas, acessibilidade à informação e o poder de incorporá-las às mudanças práticas na vida; e a vulnerabilidade programática referente aos elementos que estruturam e qualificam o Sistema de Saúde, ações de prevenção, de controle e de assistência nos agravamento de saúde, continuidade e sustentabilidade de ações e políticas públicas (Ayres et al., 2018).

Destaca-se que o adoecimento e o agravamento das condições clínicas, em crianças com condições crónicas, são potencializados quando o acesso a serviços de saúde é precário e os profissionais não reconhecem as vulnerabilidades vivenciadas por essas crianças e suas famílias (Dias et al., 2017). Nesse sentido, é imprescindível que cada serviço da rede de atenção à saúde se constitua uma referência ampla e integral, a fim de ser uma fonte de apoio ao cuidado para essas crianças e suas famílias (Silva et al., 2018). A hospitalização infantil afeta a família, desequilibrando as suas rotinas e atividades, sendo necessário uma mobilização de todos os membros desta para adaptar-se à realidade e readequar o funcionamento familiar, no hospital e também no domicílio (Morais et al., 2018). Sob essa ótica, a criança com condição crónica e a sua família ao vivenciarem a hospitalização, seja para confirmar um diagnóstico ou devido a uma agudização da condição clínica, vivenciam diversas situações de vulnerabilidade.

Questão de investigação

Quais as situações de vulnerabilidade individual, social e programática são vivenciadas por familiares durante a hospitalização das crianças com condição crónica?

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa descritiva exploratória com abordagem qualitativa, desenvolvida num município do sul do Brasil, que seguiu o guia para estudos qualitativos COREQ, a fim de endossar a sua confiabilidade e validade (Souza et al., 2021). Para explicitar a compreensão da vulnerabilidade individual, social e programática na construção de estratégias de cuidados multidisciplinares e interdisciplinares utilizou-se neste estudo o marco conceitual de vulnerabilidade de Ricardo Ayres (Ayres et al., 2018).

A seleção dos participantes ocorreu a partir do banco de informações do Projeto de Pesquisa intitulado: ‘Vulnerabilidades da criança e do adolescente com doença crónica: cuidado em rede de atenção à saúde’. A partir deste foram incluídas todas as crianças com condições crónicas que estiveram internadas em unidades pediátricas no município, excluindo-se aquelas que estavam em cuidados paliativos ou em situações críticas de vida. A escolha dos participantes do estudo ocorreu de forma intencional, considerando-se as condições crónicas das crianças para trazer diversidade de vivências para as informações colhidas.

A colheita das informações foi delimitada aplicando-se o critério de saturação. Para tanto, primeiramente, transcreveu-se as entrevistas extraindo os códigos iniciais. Após essa etapa, categorizaram-se os códigos pela prevalência e tipo, então, identificou-se que cada código obteve profundidade e complexidade suficientes para compreensão da questão estudada. Então, neste estudo, a saturação foi alcançada com 10 entrevistas, compreendendo-se que os dados forneciam profundidade e complexidade suficientes para entender o fenómeno de interesse (Hennink et al., 2017). Os critérios de inclusão no estudo foram: ser familiar responsável pelo cuidado de criança com condição crónica que vivenciou hospitalização. Excluíram-se sete familiares de crianças em cuidados paliativos ou em situações críticas de vida, familiares que estavam com a criança internada em outro município para dar continuidade ao tratamento, familiares de crianças que foram a óbito e os familiares menores de 18 anos.

A colheita das informações ocorreu no período de junho a agosto de 2018, utilizando uma entrevista semiestruturada complementada com observação simples. A entrevista seguiu um guião previamente elaborado, contendo questões de identificação dos participantes (idade, escolaridade, ocupação, estado civil) e com questões norteadoras referentes a: recebimento do diagnóstico da condição crónica da criança; espaços de saúde utilizados para o diagnóstico e tratamento; e facilidades e dificuldades encontradas no cuidado à saúde da criança durante a hospitalização e pós-hospitalização. A observação simples foi realizada no domicílio dos participantes atentando para condições da moradia (luminosidade, ventilação, tipo de construção, entre outros) e/ou linguagem verbal e não verbal utilizada pelo familiar (expressão facial, tom de voz e gestos). Utilizou-se também o diário de campo para o registo das observações/perceções da pesquisadora. Essas informações (da observação e do diário de campo) foram registadas manualmente no final de cada visita, num ficheiro.

O cenário do estudo foi o domicílio dos participantes, bem como o local de trabalho e o serviço de saúde, abrangendo o município em que as crianças estiveram hospitalizadas e/ou município de residência dessas. As entrevistas foram individuais, com duração aproximada de 40 minutos, realizadas em local privativo. Utilizou-se o gravador de voz para o registo dos depoimentos que, posteriormente, foram transcritos manualmente na íntegra, com dupla verificação das transcrições.

Manteve-se a identidade dos participantes preservada, nomeando-os através das consoantes ‘FM’, ‘FP’, ‘Fvó’ ou ‘Fvô’, respectivamente para Familiar Mãe, Familiar Pai, Familiar avó ou familiar avô, seguido por número crescente, conforme a ordem das entrevistas, por exemplo, ‘FM1’. As informações colhidas foram submetidas e organizadas de forma dedutiva, adotando uma análise temática (Braun et al., 2019), em que uma estrutura prévia, no caso a divisão de vulnerabilidade individual, social e programática, descrita por Ayres (Ayres et al., 2018), guiou a codificação inicial e a relação entre os códigos. O processo de análise percorreu seis etapas: (1) familiarização do pesquisador com os dados; (2) busca de dados relevantes para a geração de códigos iniciais; (3) busca dos temas; (4) criação do mapa temático; (5) maior refinamento dos temas; (6) realização da escrita do relatório final. Assim, a partir desse referencial e dos códigos predeterminados, as informações foram analisadas e categorizadas.

O estudo respeitou os preceitos éticos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional do Ministério da Saúde (Ministério da Saúde, 2012). Sendo submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o parecer número 2.736.019, CAAE: 90904418.3.0000.5316. Para atender ao proposto na Resolução elaborou-se um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que foi lido e assinado pelos participantes.

Resultados

Participaram no estudo 10 familiares de crianças com condição crónica, sendo sete mães, um pai e um avô e uma avó. As idades variaram entre 27 e 58 anos, com escolaridade de ensino fundamental incompleto (6/10), ensino médio completo (3/10) e ensino superior completo (1/10). Quanto à renda dos participantes estava entre R$ 290,00 e R$ 2.000,00 (o salário-mínimo na época era de R$ 954,00). As crianças possuíam idades de 5 a 9 anos, estando a maioria no ensino fundamental e uma na educação infantil. Dentre os diagnósticos das condições crónicas estavam asma, diabetes mellitus, epilepsia, síndrome nefrótica, doença de Crohn, doença de Hirschsprung, hiperatividade e esquizofrenia, e em dois casos as crianças tinham mais de uma condição crónica associada.

Após a análise dos resultados elaborou-se dois temas envolvendo as situações individuais, sociais e programáticas, a saber: Vulnerabilidade individual, social e programática vivenciada pelos familiares durante a hospitalização da criança com condição crónica; e Condições que minimizaram as vulnerabilidades vivenciadas pelos familiares durante a hospitalização da criança com condição crónica. O fluxograma da construção dos temas, com base no referencial teórico que guiou a sua elaboração, é apresentado na Figura 1, como se pode ver a seguir:

Figura 1: Mapa Temático de Análise: Construção dos temas e subtemas de acordo com os elementos individuais, sociais e programáticos apresentados nos resultados 

Tema 1: Vulnerabilidade individual, social e programática vivenciada pelos familiares durante a hospitalização da criança com condição crónica

Diante da hospitalização da criança, os familiares tomam consciência da dimensão individual da vulnerabilidade que vivenciam ao perceberem-se como seres humanos vulneráveis e finitos.

Sobre a hospitalização da criança, os participantes enunciaram o que segue:

A dificuldade que eu tive foi mais para mim, eu fiquei uma semana quase que direto. Eu fiquei todas as noites lá. Ter que ficar lá era o de menos, o problema era eu dormir, e eu não podia dormir . . . . O problema mesmo foi o sono, que teve uma hora que eu não consegui mais ficar acordada. (FM1; junho, 2018)

“A dificuldade é assim, a gente fica lá [no hospital] e a gente não consegue tomar um banho direito, é aquela coisa toda” (FM2; junho, 2018).

Para ficar com ele lá, era só eu. Meu marido até ficou quando a gente estava lá no [nome do hospital] ele até ficou lá comigo. Mas, depois que eu fui lá para a [nome do outro hospital], aí ficou só eu. (FM5; julho, 2018)

A única coisa ruim é o cansaço, que tu acaba cansando de ficar lá direto. Que nem às vezes eu ficava um mês com ela lá, e é cansativo. Por mais que tu consigas dormir depois que ela vai para o quarto, é cansativo. (FM7; agosto, 2018)

Nestas falas identifica-se que a sobrecarga e o cansaço do familiar são potencializados quando não há com quem compartilhar as atribuições diárias. A falta de condições que proporcionem maior conforto, como dormir e poder tomar banho adequadamente, também é reconhecida como dificuldade no contexto da hospitalização. Ademais, o stresse materno também ocorre devido à sobrecarga da mãe/cuidadora, pela preferência da criança em querer ficar junto à mãe: “Até porque o pai veio para ficar, e ela dizia ‘ah não eu vou ficar com a mãe” (FM6; julho, 2018).

As mães referiram que embora se sintam, por vezes, sobrecarregadas para cuidar da criança durante a hospitalização, não sairiam de perto delas mesmo que pudessem, e passariam por isso mais vezes, se fosse necessário. Segundo elas o seu cuidado é fundamental para a melhora da criança, além de ser uma responsabilidade como mãe:

porque eu que tenho que estar ali cuidando, não é o outro que tem que estar ali cuidando. A responsabilidade é minha, a obrigação é minha . . . se ela está ruinzinha eu vou faltar o serviço e vou ficar com ela . . . não vou deixar ela com ninguém. (FM1; junho, 2018)

“A gente tem que correr pelo filho da gente, por isso que eu não reclamo . . . para um filho a gente faz tudo” (FM4; julho; 2018).

A sobrecarga eu não aponto como dificuldade não . . . porque eu faço com gosto . . . ela nunca vai poder dizer assim: “a minha mãe me abandonou quando eu estava precisando”. Porque de certa forma, para mim, é um abandono. Se eu largasse ela lá, mesmo que eu fosse em casa e voltasse, para ela é abandono . . . eu posso não ter tudo para dar para ela, mas isso eu posso dizer que ela não vai poder se queixar, porque eu cuidei, fiquei com ela e fiquei com gosto . . . porque eu quis ficar. (FM6; julho, 2018)

Observa-se, por meio dos relatos, que as mães se sentem responsáveis pelo cuidado dos filhos, tendo dificuldade em delegar os cuidados a outra pessoa, portanto, acabam abdicando de outras obrigações, como o serviço, para ficarem com as crianças. Assim, a escolha de permanecer como cuidadora principal parte das próprias mães, ocasionando uma sobrecarga ainda maior:

“A gente fica muito tempo ali, e a gente acaba ficando até estressada, o ambiente aquela coisa” (FM2; junho, 2018).

“Porque eu vivo para ele. Como ele tem hiperatividade ele estuda só de tarde eu não consigo emprego o dia todo” (FM4; julho, 2018).

“Então é aquela coisa assim, eu comia quando ela dormia de madrugada. Ou, quando ela podia comer e na hora que ela comesse” (FM6; julho, 2018).

A vulnerabilidade social pode ser identificada no depoimento dos participantes que, para além do cansaço, sobrecarga e privação do sono, também se depararam com as dificuldades de acomodação, alimentação e logística para o acompanhante:

Na primeira noite foi à cirurgia dele, depois que ele saiu da cirurgia, a gente até ficou numa pousadinha que tinha em frente ao pronto socorro ali. Porque não me deixaram ficar lá na UTI, porque ele estava sedado ainda . . . .(FM5; julho, 2018)

Os participantes também relatam dificuldades de comunicação com a equipa de saúde durante a hospitalização da criança:

“O médico da [nome do hospital] que já mandou eles começarem com antibiótico, coisa que já podiam ter feito. Ficam esperando e esperando a guria piorar para depois pensarem num exame” (FM1; junho, 2018).

Os próprios médicos não têm muita noção . . . .Começaram a medir de hora em hora, se está acima de 200mg/dl [glicemia] tem que fazer. Eu dizia não mesmo, vai fazer quando ela comer, não vai fazer insulina agora. Só quando ela comer, não agora. Eles saiam e iam lá e ligavam para endócrino, a endócrino dizia “a mãe tem razão, vai fazer a insulina na hora que é para fazer”. Um dia veio um enfermeiro e eu até fiquei com pena né. Meia noite mediu e estava 344 e ele disse “vamos fazer”, e eu disse “capaz que vamos fazer insulina nela de noite agora. Ela não vai comer mais, vai dar uma hipoglicemia nela de madrugada”. (FM6; julho, 2018)

Essa situação de falta de suporte e de comunicação dos profissionais caracteriza-se como sendo uma vulnerabilidade social para os familiares. Evidencia-se assim que as famílias ao procurarem atendimento estão expostas a diversas adversidades, como a falta de preparação e o receio que os profissionais apresentam em cuidar da criança com condição crónica.

Quanto à vulnerabilidade programática, os participantes destacaram como uma das dificuldades no cuidado à criança, durante o internamento, a distância geográfica de sua casa, pelo facto da maioria deles ser de cidades vizinhas ao local do internamento.

“Nesses 15 dias que ele esteve lá hospitalizado eu tive um dia que eu vim em casa” (FM2; junho, 2018).

“Longe de casa, em Pelotas é só uma tia minha e a minha filha que moram lá, mas elas trabalhavam, estudavam e não tinham tempo. E era só eu, 24 horas era eu que cuidava dele, sem poder sair” (FM3; junho, 2018).

“Quando eu saí daqui eu levei umas mudas de roupa e só vim uma vez a São Lourenço, buscar mais roupa para mim e deu” (FM4; julho; 2018).

“A dificuldade que eu encontrei foi não ter ninguém lá. Porque eu morava dentro do hospital. Porque eu não tinha para onde ir, não tinha conhecido nenhum . . . . Sem ser essa questão da distância eu não tive dificuldades.” (FM5; julho, 2018)

“Outra dificuldade é a distância, eu fiquei uma semana inteirinha sem ver ele [outro filho que ficou em casa]” (FM6; julho, 2018).

Identifica-se que a distância de casa é difícil para as famílias, por não haver recursos, como roupas, contacto com as pessoas que são o apoio familiar, além do distanciamento dos outros filhos que ficaram em casa sob os cuidados de outras pessoas. O que deixa as mães duplamente preocupadas, sentindo-se mais vulneráveis, pois não conseguem atender a todas as necessidades de cuidado da família da forma como gostariam.

Tema 2: Condições que minimizaram as situações de vulnerabilidade vivenciadas pelos familiares durante a hospitalização da criança com condição crónica

Os participantes relataram que apesar da sobrecarga e da distância de casa durante o internamento da criança, vivenciaram algumas facilidades no processo que minimizaram a vulnerabilidade individual, social e programática que estavam vivenciando:

Olha ali no PS [pronto socorro] foi tudo bem acessível. Tinha assistente social, porque eu estava sem celular, não levei nada e eu não sabia o número de ninguém de cabeça. Aí eu fui lá e ela me ajudou. . . . ali na [nome do hospital] tudo muito bem, muito bom. Chegamos ali elas já estavam arrumando as camas, trocando os lençóis tudo. (FM1; junho, 2018)

“Como facilidade é isso, a gente estar no meio dos médicos, a gente precisa de qualquer coisa, a gente vai ali e eles atendem a gente” (FM2; junho, 2018).

Os familiares apontam como facilidade o acesso aos profissionais durante o internamento da criança, tornando-se algo importante. Os cuidados oferecidos pelos profissionais de saúde, tanto para a criança quanto para o cuidador, também foram apontados pelos participantes como sendo minimizadores das vulnerabilidades vivenciadas.

“O enfermeiro com muita paciência lavava o narizinho dela e tinha a salinha dos brinquedos que era uma coisa boa. Porque as crianças já querem a salinha dos brinquedos . . . . A cabeça da criança já muda.” (FM1; junho, 2018)

“Ah, as facilidades é que o atendimento foi bom, eu fui muito bem atendida.” (FM3; junho, 2018)

De facilidade foi o atendimento, ali foi tudo bem fácil, foi tudo muito bom. . . . as enfermeiras da noite principalmente iam lá e me levavam dinheiro e diziam toma mãe vai lá buscar um lanche, porque eu sei que tu não comeu hoje. (FM5; julho, 2018)

“Eu não posso negar que ela foi bem atendida . . . .Muito bem atendida . . . as enfermeiras são uns anjos. Porque lá a gente vê mais são as enfermeiras.” (FM6; julho, 2018)

“Todo mundo cuidou bem. Tivemos uma equipa muito boa lá. Todos nos ajudaram” (FP1; julho, 2018)

Porque todas as vezes que eu fui sempre trataram ela bem, super bem. Para ti ver que ela gosta quando ela fica lá, ela fica lá e até nem reclama . . . fomos bem cuidadas, bem mesmo, quando eu estava lá no PS [pronto socorro] mesmo que eu estava totalmente sem dinheiro. Aí eu não sabia que eles dão aqueles lanches, tem as pessoas que dão né. . . . Lá em baixo eu achei que eu não fosse ganhar nenhuma refeição, mas não, como ela ganha eu ganho também. Então quer dizer que é uma coisa que eles ajudam os dois né. . . . O acolhimento lá é bom mesmo. (FM7; agosto, 2018)

“Não tenho o que dizer o bom atendimento, ali foi ótimo. O pessoal da enfermagem, o pessoal da equipa médica também, tudo sempre bom.” (FVô1, agosto, 2018)

“Tudo sempre bom . . . houve agilidade e rapidez, foi muito bom.” (FVó1, agosto, 2018)

Observa-se que para os familiares, o atendimento prestado às famílias pelos serviços de saúde e pelos profissionais que acompanharam a hospitalização da criança foi resolutivo e puderam contribuir para minimizar as vulnerabilidades individuais, sociais e programáticas vivenciadas.

Complementarmente, o bom atendimento é compreendido como aquele no qual os pais recebem explicações sobre o que está acontecendo com seus filhos. “Eu gostei muito do atendimento deles, lá em Pelotas. Muito bom, a doutora que pegou ele foi muito boa. Ela explicava tudo, tudo o que eu perguntava, ela explicava.” (FM4; julho, 2018)

Discussão

Este estudo mostrou que as situações de vulnerabilidade não podem ser tratadas separadamente, devendo ser articuladas quanto à compreensão da situação em que a pessoa se encontra, já que tais condições interferem na saúde da criança. Isso pode ser identificado no tema que se refere às condições que minimizaram as vulnerabilidades, entrelaçando as situações individuais, sociais e programáticas. Além disso, é necessária uma reflexão acerca do termo vulnerabilidade, pois esta não se apresenta como algo mensurável, exigindo que o seu significado seja pensado de forma a visualizar o protagonista de uma história, que está inserido em determinado ambiente (Ayres et al., 2018). Salienta-se que o facto de possuir uma condição crónica confere o estado de vulnerabilidade tanto para a criança como para a família, pois impõe a necessidade de vivenciar um novo mundo, com imposições, dúvidas, questionamentos e incertezas (Silveira & Neves, 2012).

As dificuldades que as famílias vivenciaram para prover os cuidados à criança foram o cansaço de noites mal dormidas, o facto de não poderem realizar adequadamente os seus cuidados de higiene e alimentação, além de estarem num ambiente não familiar, ampliando o stresse vivenciado no processo de hospitalização. O sono é uma necessidade humana básica, porém os familiares ao acompanharem o processo de hospitalização da criança são privados desse descanso de forma confortável. Um estudo aponta que, por vezes, o ambiente é desconhecido e as instalações precárias, não oferecendo conforto, privacidade e descanso (Bazzan et al., 2020).

Somado ao facto de as instalações serem precárias para o descanso dos familiares, o não revezamento no cuidado amplia a sobrecarga e o cansaço. Um estudo confirma que as mães de crianças com condição crónica apresentam condição de stresse multifacetado, associado ao cuidado diário com a criança, à administração nas situações de adoecimento, ao alto nível de responsabilidade e de envolvimento, bem como aos cuidados prestados e ao medo da criança vir a morrer (Cruz et al., 2017). A sobrecarga materna também foi destacada num estudo com mães de crianças com paralisia cerebral, na qual a figura materna foi salientada como a principal cuidadora em todos os ambientes que a criança frequenta, repercutindo num cansaço constante (Freitag et al., 2020).

As crianças angustiam-se quando não estão na presença da mãe, sentindo-se desamparadas. Assim sendo, quando se trata de uma doença crónica, o cenário do apego materno reveste-se de maiores proporções, pois elas vivenciam o medo constante de que a criança venha a ter algum agravamento no seu estado de saúde. Além disso, muitas vezes, a mãe da criança com condição crónica não consegue abdicar dos cuidados ao filho, pois acredita que o seu cuidado é o melhor, sendo que a mãe se sente mais segura quando está ao lado do filho (Freitag et al., 2017). Ademais, as mulheres se veem na obrigação de cuidar da criança, pois mesmo com a quebra de alguns tabus, o papel que a sociedade impõe à mulher/mãe é o de responsável pela criança, sendo que a figura do pai não possui tantos deveres e obrigações (Mapelli et al., 2018). A figura da mulher como provedora de cuidados à família está socioculturalmente determinada. Ao tornar-se mãe a mulher assume o papel de cuidadora principal das crianças, dedicando-se integralmente ao cuidado como um legado, determinando-se como uma obrigação moral (Freitag et al., 2020).

A maioria das mães têm pensamentos mágicos de que a sua presença protegerá o filho de qualquer tipo de acontecimento, como a morte, e que a sua presença física evitaria que o filho sofresse algum mal, sendo a mãe ‘o anjo da guarda’, funcionando como um escudo protetor (Caligiuri, 2018). Essa situação pode ser caracterizada como sendo uma vulnerabilidade individual dessas mães/cuidadoras principais e uma vulnerabilidade social. Considerando que a criança e a mãe se sentem mais seguras estando juntas no hospital, poderia haver acomodações adequadas para essas mães, assim a criança até poderia ficar com o pai ou avó, enfim qualquer familiar que possa realizar os cuidados, enquanto a mãe descansa um pouco, porém dentro do próprio hospital.

A participação e a permanência do pai em período integral no ambiente hospitalar é uma forma nova de organização da assistência à criança hospitalizada. O cuidado centrado na família é uma abordagem que reconhece a importância dessa como cliente do cuidado, assegurando a sua participação no planeamento das ações (Rodrigues et al., 2019). Cabe às instituições de saúde e aos profissionais refletirem sobre a adoção do sistema de internamento conjunto mãe-filho, tornando-se uma realidade de toda a unidade pediátrica, sendo que esta provocará melhorias nas acomodações para as mães.

A criança quando hospitalizada exige cuidados mais frequentes, o que pode acabar por prejudicar os cuidados prestados pelos pais aos outros filhos, decorrente do tempo que necessitam de ficar fora de casa para o tratamento do filho doente. Reflete-se nessa condição a vulnerabilidade social e programática da família, que se afasta dos membros que compõem o núcleo familiar.

O componente social da vulnerabilidade caracteriza-se pelas dificuldades de acesso que as famílias e as crianças possuem, bem como as informações que lhes são disponibilizadas. Os cenários que promovem a vulnerabilidade social incluem desde o acesso restrito aos bens materiais, como situações que ferem os direitos humanos. O componente programático da vulnerabilidade refere-se à avaliação dos recursos destinados aos indivíduos e aos programas de saúde, no controlo de enfermidades, bem como ao grau e à qualidade de compromisso das instituições, recursos, gerência e monitoração de programas nos diferentes contextos (Ayres et al., 2018).

O processo de cuidar exige dos profissionais de saúde uma relação solidária e compreensão das necessidades singulares dos indivíduos, portanto, considera-se importante para famílias e crianças, que os profissionais que estão nos serviços de saúde sejam acessíveis a eles e, assim, cuidando-os de forma efetiva. Neste sentido, em pediatria inclui-se a família como unidade do cuidado. Sendo o cuidado centrado na família definido como a maneira de cuidar da criança, assegurando que haja um planeamento em torno da família como unidade, na qual todos os membros sejam reconhecidos como foco do cuidado e não somente a criança.

No cuidado à criança hospitalizada é necessário englobar a família, compreendendo a criança como um ser que se constitui nesse mundo, um ser de relações. Nesse sentido, significa ser no mundo com os outros, e para criança os outros são, na maior parte das vezes, a sua família (Roselló, 2009). Nesta conjuntura, é preciso conhecer as (re)organizações existenciais que cada família vivenciou ou vivencia diariamente para conseguir cuidar da criança com condição crónica hospitalizada. Então, o cuidado centrado na família visa promover a saúde e o bem-estar dos indivíduos e da sua família, promovendo assim a sua dignidade (Rodrigues et al., 2019).

A dificuldade de comunicação com os profissionais também foi destacada pelos participantes deste estudo, em especial em relação às medicações administradas nas crianças, constituindo-se como uma vulnerabilidade social vivenciada pelos familiares. Neste contexto, é imprescindível que o processo de comunicação seja facilitado, contemplando os conhecimentos e as dúvidas dos familiares no cuidado prestado. Cabe destacar que quando a família consegue compreender as situações vividas, o motivo pelo qual o seu filho é submetido a determinado procedimento, ou necessita de uma medicação, é possível reduzir essa situação de vulnerabilidade, facilitando o cuidado da família a essa criança. A hospitalização da criança interfere no seu quotidiano, no seu comportamento e no seu estado de humor. A possibilidade de ter acesso ao brincar nesse contexto auxilia a minimizar os fatores negativos da hospitalização, conforme relatado pelas mães “a cabeça da criança já muda”. Com o ato de brincar há um auxílio na questão da saúde psicológica da criança hospitalizada, sendo que as atividades lúdicas podem acelerar o processo de recuperação clínica desta, diminuindo o tempo de hospitalização (Alves et al., 2019).

No seu quotidiano os enfermeiros utilizam conscientemente as emoções para prover e melhorar os cuidados prestados às crianças e suas famílias, apontando também o cultivo de laços fraternos dentro do ambiente hospitalar, a partir da genuína intenção de cuidar, de desenvolver uma relação empática e reconhecendo a experiência única de ser paciente e de vivenciar uma condição crónica (Santos et al., 2018). Nesta perspetiva, considera-se que por meio do acolhimento nos serviços de saúde é possível minimizar as situações de vulnerabilidade individual, social e programática vivenciadas pelas famílias no período de hospitalização das crianças.

Como limitações do estudo aponta-se o facto de ter entrevistado, na sua maioria, apenas um membro da família, o que dificulta a transferibilidade. Contudo, entende-se que mesmo assim os resultados podem auxiliar na elaboração de estratégias de cuidado às famílias que vivenciam situações semelhantes. Destaca-se que os resultados foram auditados por duas pesquisadoras externas, que confirmaram que os temas elencados relacionam adequadamente as falas com os três eixos de vulnerabilidade (individual, social e programática) que guiaram a análise.

Conclusão

As situações de vulnerabilidade individual, social e programática vivenciadas pelas famílias e crianças com condições crónicas foram identificadas a partir dos resultados do estudo. A vulnerabilidade individual foi caracterizada pela mudança no estilo de vida, sendo necessário a adaptação dos familiares ao ambiente hospitalar. Essas mudanças estão relacionadas com a necessidade de obter melhoria do quadro clínico da criança, na sua nova rotina familiar, incluindo a preocupação que familiares sentem pela condição crónica da criança.

A vulnerabilidade social incluiu as condições do ambiente hospitalar e as condições sociais e económicas do núcleo familiar, a acessibilidade que os familiares obtiveram durante a hospitalização em relação aos alimentos, à estadia do acompanhante, à informação correta e necessária sobre a cronicidade da criança, entre outros.

E por fim, o componente programático esteve relacionado aos recursos sociais, o comprometimento da União, dos Estados e dos Municípios com a implantação e implementação de serviços de saúde à população, considerando que neste estudo identificou-se que o acesso aos serviços de saúde impôs a necessidade de deslocamento para outro município.

O estudo traz contribuições para o ensino mostrando a necessidade de qualificar a formação do enfermeiro, abordando e discutindo, na perspetiva da integralidade, o tema do cuidado à saúde da família e da criança com condição crónica. Para a assistência de enfermagem aponta-se a necessidade de conhecer as vivências dessas famílias e das suas crianças, a fim de que os profissionais possam identificar as situações de vulnerabilidade experienciadas por essa população e elaborar estratégias de suporte ao cuidado minimizando as dificuldades enfrentadas. Além disso, o estudo mostra que é preciso ampliar o acesso aos serviços de saúde e aos profissionais fornecendo maior acolhimento às necessidades e incentivando a criação de vínculos e de redes de apoio e, desta forma, contribuindo para o desenvolvimento do empoderamento dos familiares.

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11Como citar este artigo: Vaz, J. C., Milbrath, V. M., Gabatz, R. I., Motta, M. G., Neves, E. T., & Vaz, E. C. (2022). Situações de vulnerabilidade vivenciadas por familiares na hospitalização de crianças com condição crónica. Revista de Enfermagem Referência, 6(1), e21098. https://doi.org/10.12707/RV21098

Recebido: 28 de Julho de 2021; Aceito: 07 de Abril de 2022

Autor de correspondência Jéssica Cardoso Vaz E-mail: jessica.cardosovaz@gmail.com

Conceptualização: Vaz, J. C., Milbrath, V. M., Gabatz, R. I.

Tratamento de dados: Vaz, J. C., Milbrath, V. M., Gabatz, R. I.

Análise formal: Vaz, J. C., Milbrath, V. M., Gabatz, R. I.

Investigação: Vaz, J. C., Milbrath, V. M., Gabatz, R. I.

Metodologia: Vaz, J. C., Milbrath, V. M., Gabatz, R. I., Motta, M. G., Neves, E. T.

Administração do projeto: Milbrath, V. M., Gabatz, R. I

Supervisão: Milbrath, V. M., Gabatz, R. I

Visualização: Vaz, J. C., Milbrath, V. M., Gabatz, R. I., Motta, M. G., Neves, E. T., & Vaz, E. C.

Redação - preparação do rascunho original: Vaz, J. C., Milbrath, V. M., Gabatz, R. I., Vaz, E. C.

Redação - revisão e edição: Vaz, J. C., Milbrath, V. M., Gabatz, R. I., Vaz, E. C.

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