Introdução
Os profissionais de enfermagem estão presentes em todos os serviços de saúde, em diferentes momentos do ciclo vital e do processo saúde-doença, representando um elo entre paciente, família e equipa de saúde. Entretanto, esta relação frequente e intensa pode expô-los a problemas éticos que se processam nos microespaços de poder.
Problema ético, na bioética clínica, refere-se a uma situação em que concorrem valores e deveres igualmente obrigatórios e os profissionais muitas vezes não sabem como agir (Zoboli, 2013). Estes problemas estão sempre conectados a conflitos de valor, sendo estes valores apoiados por factos (Gracia, 2016).
Deste modo, atualmente questiona-se o ensino académico quanto à ética e a bioética clínica, procurando inserir no mercado de trabalho profissionais mais preparados para reconhecer e solucionar tais problemas/conflitos éticos. Torna-se imperativo que o profissional de enfermagem seja instrumentalizado para tomar decisões diante desta realidade, pois além de saberes, a reflexão ética vale-se de ponderação de valores, princípios, normas de conduta, o que requer preocupação e comprometimento com o outro, abertura para o diálogo e maturidade, que não se limitam à experiência técnica acumulada (Avila et al. 2018).
Diante do exposto, o presente artigo tem como objetivo conhecer as experiências e a compreensão de estudantes e profissionais de enfermagem sobre problemas éticos e tomada de decisão nos contextos da prática da enfermagem hospitalar. Ressalta-se que as experiências dos estudantes ocorrem nas atividades teórico-práticas em diversos campos de prática assistencial nas instituições de saúde.
Enquadramento
Na prática clínica do enfermeiro hospitalar são frequentes os problemas éticos. Ter sensibilidade moral para identificá-los e procurar as soluções prudentes é condição indispensável para a promoção de um cuidado ético e seguro. Entretanto, isso contrasta com a visão clássica tecnicista da formação, ainda presente em muitas instituições de ensino, que não estimulam a sensibilidade moral necessária para identificar e enfrentar as questões éticas que envolvem a prática da enfermagem.
A sensibilidade moral, que se caracteriza pela capacidade de identificar a expressão da moral em determinadas situações, é um componente fundamental para o reconhecimento do problema ético e a tomada de decisão perante as circunstâncias conflituosas que acompanham a prática da enfermagem (Zhang et al., 2019). O desenvolvimento da sensibilidade moral é o passo inicial no processo de tomada de decisão ética (Ramos et al., 2016), sendo, portanto, necessários esforços contínuos para desenvolver estruturas e métodos didáticos de formação para os programas de educação ética em enfermagem. Estratégias de debates na educação ética demonstram maior eficácia na promoção do julgamento moral e na capacidade de adotar atitudes e decisões éticas, em relação a métodos mais tradicionais como, por exemplo, palestras (Kima & Park, 2019).
Neste sentido, os conceitos de sensibilidade moral, sofrimento moral e coragem moral interrelacionam-se, sendo a sensibilidade moral um dos primeiros passos para a consciência/reconhecimento de um problema moral. O sofrimento moral resulta da obstrução ou barreira na tomada de decisão ética e a coragem moral é o requisito essencial para o enfermeiro enfrentar a situação e, consequentemente, tomar uma decisão (Ramos et al., 2016). Aliar sensibilidade moral e coragem moral é fundamental para a tomada de decisão, evitando o sofrimento moral e favorecendo a trabalho em equipa, prevenindo o desgaste emocional dos profissionais envolvidos.
O conceito de coragem moral é multidimensional e ainda é elusivo na enfermagem, mas é percebido como a coragem para agir de acordo com as suas convicções e fazendo o que se considera correto, apesar das críticas em contextos morais. O empoderamento pessoal e profissional do/a enfermeiro/a contribui para o desenvolvimento da coragem moral (Numminen et al., 2017).
Os problemas éticos caracterizam-se por apresentar conflitos de valor e incerteza quanto ao conhecimento necessário para a tomada de decisão, o que pode causar incerteza, desconforto e sofrimento moral no profissional que os vivencia na sua prática (Ramos et al., 2016). Também se constituem como desafios, uma vez que são fontes de conflitos de valores e deveres, admitindo para as suas soluções vários cursos de ação e escolha da melhor opção através da deliberação e ponderação, devendo ser continuamente reavaliados. A resolução de problemas éticos não dispõe de receitas prontas, mas carece de permanente criatividade para abrir o leque de soluções na busca da excelência ética (Zoboli, 2013).
Para a discussão e procura de soluções para os problemas éticos identificados na prática profissional, faz-se necessário o desenvolvimento de competências ético-morais. A competência ética pode ser definida em termos de força de caráter, consciência ética, habilidades de julgamento moral e vontade de fazer o bem (Kulju et al., 2016). O desenvolvimento de competência ética pelo profissional de saúde pode resultar na melhor possibilidade de soluções para o paciente, com redução do sofrimento moral no trabalho e desenvolvimento e democratização da sociedade (Schaefer & Vieira, 2015).
O profissional de saúde, desde a sua formação, também precisa de desenvolver o senso crítico para torná-lo capaz de reconhecer os seus próprios valores e realizar escolhas de modo esclarecido e consciente. Desta forma, precisam de se apropriar não somente de conhecimentos científicos, mas também necessitam de internalizar valores morais para embasar uma prática mais humanizada, possível através da educação ética e moral (Avila et al., 2018). Neste sentido, o conhecimento aliado ao desenvolvimento do raciocínio clínico e o diálogo como estímulo ao resgate de valores morais contribuem para promover o desenvolvimento da competência moral (Enderle et al., 2018).
Para a garantia da excelência do cuidado, ressalta-se a importância do desenvolvimento tecnológico com o aperfeiçoamento de competências fundamentadas nos conhecimentos técnicos e científicos. Mas, também é necessário o desenvolvimento de competências relacionais, associadas à moral que permeia a educação em saúde, com valorização das dimensões psicoafetivas, socioeconómicas e culturais do pensamento criativo e do vínculo (Marques, 2018), considerando-se a complexidade do ser humano a ser cuidado.
Neste sentido, é inquestionável a importância da inclusão de saberes éticos e bioéticos na formação desses profissionais, de modo a possibilitar-lhes maior autonomia e julgamento moral no seu quotidiano laboral (Avila et al., 2018).
Questão de investigação
Quais as experiências e a compreensão de estudantes e profissionais de enfermagem sobre problemas éticos e tomada de decisão nos contextos da prática da enfermagem hospitalar?
Metodologia
Este estudo qualitativo com abordagem exploratória-descritiva constitui parte integrante do macroprojeto “Ensino simulado aplicado ao processo de deliberação moral nos problemas éticos vivenciados pelos estudantes e profissionais da enfermagem”. O estudo foi realizado na capital de um estado do sul do Brasil, com uma amostragem intencional de estudantes do curso de graduação em enfermagem de uma universidade federal e profissionais de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares) de um hospital universitário, durante os anos de 2016 e 2017. Considerou-se como critérios de inclusão ser estudante de graduação em enfermagem a partir da 4ª fase (2º ano); ser profissional de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem) a exercer em terapia intensiva, ou unidade de clínica médica, ou maternidade, ou clínica cirúrgica ou emergência do referido hospital universitário.
A colheita de dados foi realizada através da aplicação de dois questionários, construídos pelos investigadores, contendo questões abertas, um dirigido aos profissionais e outro aos estudantes de enfermagem. Ressalta-se que ambos os questionários foram previamente testados, respetivamente, com profissionais e estudantes de enfermagem, os quais não fizeram parte da amostra. Com as devidas adaptações, as questões utilizadas para gerar as reflexões dos participantes do estudo foram: entendimento acerca de problema ético; descrição de um problema vivido/presenciado; problemas percebidos como mais frequentes; conduta/ação face ao/aos problema/s.
Os estudantes de enfermagem foram convidados pela investigadora principal nas salas de aula e a colheita de dados foi realizada por duas estudantes treinadas para proceder à entrega dos questionários e do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) na própria sala de aula (após finalizar as aulas) ou no Centro Académico de Enfermagem (CA). Posteriormente, os participantes depositaram os questionários respondidos numa caixa comum no CA, evitando a sua identificação. Em relação aos profissionais de enfermagem, a investigadora principal contactou os chefes de algumas unidades de internamento e unidade de terapia intensiva, solicitando a divulgação do estudo. Os profissionais que aceitaram participar no estudo, mediante a assinatura do TCLE, devolveram o questionário respondido à chefia da unidade num envelope sem identificação. Obteve-se uma amostra de 20 profissionais e 30 estudantes de enfermagem. A opção pelo procedimento de triangulação da amostra (estudantes e profissionais) permite comparar o fenómeno estudado, tanto no momento da formação académica como na atuação profissional. Salienta-se a suspensão da colheita de dados após a obtenção da saturação qualitativa dos dados, mediante pré-análise realizada no software Atlas-ti 8. Utilizou-se a análise textual discursiva (Moraes & Galiazzi, 2016) composta por quatro focos: desmontagem dos textos ou processo de unitarização; estabelecimento de relações que consistem na elaboração de categorias; captação do novo emergente no qual se explicita a compreensão obtida e, finalmente, o processo auto-organizado, que consiste, noutros termos, num processo de aprendizagem viva. Finalizado este processo, emergiram as seguintes categorias: compreensão sobre problema ético, problemas éticos mais frequentes, e ação frente aos problemas éticos.
O projeto foi submetido à Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos pelo Parecer número 990.530 e CAAE 41840915.1.0000.5361. Seguiu as recomendações da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
Para proteção da identidade dos participantes, na apresentação das falas dos profissionais de enfermagem foram utilizadas as letras PE enumeradas de 1 a 20, indicando a ordem de análise (ex: PE1, PE2, e assim sucessivamente). Quanto às falas dos estudantes de enfermagem, estas foram caracterizadas pelas letras EST enumeradas de 1 a 30, indicando a ordem de análise.
Resultados
Considerando o recorte do estudo, os resultados sobre problemas éticos relevantes nos contextos da prática da enfermagem são apresentados de acordo com o tipo de participante, profissionais ou estudantes de enfermagem, em três categorias (compreendem o problema ético; observam como mais frequentes; agem em relação aos problemas), conforme síntese apresentada na Figura 1.
Os estudantes demonstram sensibilidade moral ao identificarem problemas éticos vivenciados em diversos campos de prática (instituições hospitalares e de atenção primária). Percebem quando pacientes são reduzidos à sua enfermidade e têm negligenciada a sua integralidade, enquanto pessoa autónoma, moral, social e cultural. Assim, problematizam a relação profissional-paciente e procuram um espaço de discussão dos problemas éticos a serem enfrentados na prática da enfermagem, como condição para o cuidado humanizado, individualizado e ético.
“Problemas relacionados ao respeito à vida, individualidade, crenças e valores” (EST 27). “Discussão de assuntos na frente do paciente, linguagem e tom de voz inapropriadas em ambiente hospitalar, desrespeito com as vontades dos pacientes” (EST 10). “Desrespeito do profissional ao paciente, falta de interesse pelo paciente, falta de humanização no cuidado” (EST 15). “Fiquei sem reação. Saía do estágio me sentindo mal, triste, sem aceitar o que acontece na prática” (EST 1).
Alguns resultados levantados junto dos profissionais de enfermagem demonstraram semelhanças com os relatos dos estudantes, como a sensibilidade moral para situações de desrespeito à integralidade do paciente sob os seus cuidados. Há, no entanto, especificidades relevantes de perceção e vivência. A primeira delas é a expressão de uma conceptualização de problema ético remetendo para a condição genérica de existência, qual seja, a situação que desafia o julgamento por parte do profissional. Assim, o “problema” é tanto algo que pode ser narrado em factos (concreto) como algo capaz de mobilizar o profissional para a reflexão. Outras diferenças mostram-se na maior importância de problemas e conflitos nas relações entre os profissionais e, no caso dos direitos dos pacientes, o maior destaque é do respeito à autonomia como grande preocupação por parte dos profissionais, similar ao que ocorre com os estudantes.
Ainda, pela própria diversidade de experiência, ao profissional fica evidente a forma como os colegas agem, reagem e mudam ao longo do tempo, de modo a perceberem a naturalização e/ou banalização de condutas inadequadas. Coerentemente, as formas de agir em relação aos problemas indicam o empenho para preservar a ética e defender princípios básicos de respeito à pessoa e à qualidade do cuidado. Apesar disso, permanecem situações de mal-estar, que levam a abster-se de manifestar ou recriminar colegas que “deveriam” reconhecer o erro.
“Situação onde você se depara com algo que dificulta seu julgamento de certo/errado. Onde você confronta suas crenças frente a uma situação diferente ao usual” (PE 4). “Quando o profissional começa a agir quebrando o código de ética e começa a agir como se fosse normal, o correto” (PE 1). “Colaborar/estimular as discussões, rever a situação e auxiliar com possíveis alternativas para solucionar o problema e buscar literatura que ajude a esclarecer os fatos; aproximar-se do paciente (esclarecer) e/ou da família. Avaliar o acontecimento e tomar a decisão” (PE 1). “Caso seja recorrente e não havendo acordo entre as partes, encaminho para a Comissão de Ética do Hospital” (PE 4).
É possível perceber, tanto nas falas dos estudantes como nas falas dos profissionais, o desgaste emocional e moral que tais situações fomentam, o que, com o tempo, pode acarretar situações como o sofrimento moral e a fragmentação do trabalho em equipa, ou seja, quando os membros da equipa evitam agir em conjunto e passam a atuar mais individualmente, comprometendo a qualidade e a integralidade da assistência.
Discussão
Os estudantes de enfermagem compreendem os problemas éticos da prática profissional como situações que comprometem o agir ético, no sentido de causar dano, ferir princípios e valores éticos e desrespeito aos direitos do outro, demonstrando ter sensibilidade moral na sua perceção. Tal sensibilidade pode encorajar os estudantes a criar estratégias para solucionar ou minimizar problemáticas. Os futuros enfermeiros precisam de estar conscientes que as suas ações, ou omissões, têm consequências e que elas devem ser ponderadas de acordo com as circunstâncias vivenciadas (Paiva et al., 2021).
Os profissionais de enfermagem consideram que os problemas éticos desafiam o seu julgamento nas situações em que se expõe o limite entre o certo e o errado. Assim, os profissionais conseguem formular um conceito sobre o processo em si de problematização, como mobilização do sujeito moral para a reflexão/ação moral, antes de apenas exemplificarem situações concretas que representam tais problemas. Isso sugere a capacidade de abstração/conceptualização, que se constrói pela experiência e formação, além da importância de que estudantes sejam estimulados a tal exercício. O reconhecimento da situação problemática é fundamental, mas deve promover a reflexão sobre si mesmo (os seus limites, crenças e valores) em perspetiva com os demais e o contexto.
Em relação aos problemas mais frequentes observados pelos estudantes, destacou-se o reducionismo da pessoa à doença, com prejuízos para a humanização do cuidado, além do desrespeito pelo sigilo das informações. Os profissionais de enfermagem destacaram o desrespeito à autonomia e aos direitos do paciente; não observação do sigilo profissional; e a omissão no cuidado, culminando no desgaste emocional de estudantes e profissionais envolvidos e no consequente risco de sofrimento moral.
Muitos profissionais de saúde têm dificuldade em respeitar a liberdade de escolha do paciente diante do tratamento. Assim, o exercício do respeito pela autonomia da pessoa esbarra na intransigência do profissional. Neste sentido, os direitos dos pacientes deveriam fazer parte dos currículos de formação profissional em saúde, bem como serem divulgados nos hospitais (Behrens, 2019).
A defesa ou advocacia do paciente (advocacy) tem sido mundialmente apontada como parte relevante da atuação do enfermeiro, apesar de ainda pouco estudada no Brasil. Num estudo realizado com enfermeiros intensivistas houve reconhecimento de ações de advocacia do paciente e dos benefícios desse exercício para si próprios, a exemplo de satisfação profissional, confiança e credibilidade, num cenário onde não se reconheceram barreiras ou conflitos para o exercício da advocacia do paciente. Mostrou-se, assim, a necessidade de estudos sobre as ações e os fatores que podem influenciar positivamente ou negativamente tal atuação (Vargas et al., 2019). Além disso, a inexpressividade advocacional, política e ética foram articuladas entre si e com o fenómeno do sofrimento moral (Ramos et al., 2016), indicando que a capacidade de defender o paciente (aqui incluído o direito à autonomia) se refere às competências éticas profissionais.
A confidencialidade e a privacidade convergem para o respeito aos direitos do paciente mas, por vezes, os profissionais de enfermagem sobrepõem a conduta tecnicista às relações de estar com o outro (Oguisso et al., 2019), infringido aspetos éticos do cuidado. Estas condutas podem estar relacionadas com a frágil formação ético-moral, juntamente com a compreensão inadequada acerca dos valores morais da profissão, contribuindo assim para o surgimento de situações que ferem a ética e a dignidade da pessoa, como as identificadas nesse estudo. Além do referido, problemas de gestão podem também contribuir para a ocorrência dessas situações, como a ausência de uma política de educação permanente em saúde consolidada e deliberada, ou a imposição de práticas assistenciais desarticuladas.
Por outro lado, os movimentos para a implementação do cuidado centrado no paciente são crescentes em várias realidades, considerando a complementariedade entre o cuidado baseado em evidências e o direito à autodeterminação dos pacientes (Delaney, 2018), destacando como barreira a própria definição do cuidado centrado no paciente, e a necessidade da abordagem na formação e na capacitação nos ambientes da prática profissional (Merav & Hochman, 2017).
Os estudantes de enfermagem possuem a capacidade de reconhecer os conflitos éticos vivenciados na sua prática com maturidade e visão da importância do protagonismo do paciente e da sua família, bem como a relevância do sigilo profissional. Eles consideram que o cuidado de enfermagem deve abranger a integralidade do ser humano e, desta forma, o cuidado que considera as necessidades de cada pessoa e procura a sua satisfação. Nas suas falas, conseguem aplicar a teoria à prática com análise crítica sobre o problema. Apesar de saberem identificar esses problemas, os estudantes demonstraram dificuldade de ação ou de debate com o professor ou o enfermeiro da unidade, evidenciando que as discussões sobre conflitos éticos precisam de espaço nos campos de prática, visando o desenvolvimento de competências ético-morais.
Noutro estudo brasileiro sobre conflitos éticos experenciados por estudantes em campo de prática, estes aperceberam-se como atores e espectadores de situações envolvendo problemas éticos e demonstraram capacidade de argumentar em bases éticas e legais da profissão e do sistema de saúde. Expressaram um processo de deliberação moral em momentos de identificação do problema, reflexão e intervenção, nesta última destacando-se o diálogo como maior potência (Ramos et al., 2015).
Neste sentido, a formação em enfermagem precisa de estar fundamentada no diálogo, na problematização de ideias e no desenvolvimento da moralidade do estudante, favorecendo a aprendizagem para a tomada de decisão, a empatia e o cuidado humanizado (Avila et al., 2018). Assim, reconhece-se a importância da instrumentalização de docentes para trabalhar a moralidade como um exercício de cidadania e para assumir o compromisso com uma parte da construção e internalização de valores morais dos estudantes de enfermagem e do olhar comprometido com o cuidado de qualidade (Avila et al., 2018).
Na descrição das ações diante dos problemas éticos, percebe-se que os profissionais de enfermagem participantes no estudo não só os identificaram como também interviram direta (diálogo) ou indiretamente (encaminhamento à Comissão de Ética de Enfermagem). Isto demonstra o modo como o senso crítico e reflexivo é decisivo nas condutas individuais, na solução de conflitos e no próprio ambiente laboral.
Entre as estratégias para o enfrentamento de problemas éticos no contexto da prática profissional, destaca-se o método da deliberação moral. A deliberação moral é um processo reflexivo e sistematizado, no qual um grupo almeja sanar um problema ético optando pelo melhor curso de ação, considerando o contexto no qual o conflito ético se encontra inserido. Por meio deste método torna-se possível compreender as perspectivas dos envolvidos na situação e analisar as prováveis consequências de cada curso de ação, permitindo a ponderação dos valores em conflito e as consequências da decisão tomada (Gracia, 2016; Zoboli, 2013).
Os métodos de deliberação moral contribuem para a reflexão sobre problemas éticos da prática profissional, visando encontrar a solução mais prudente para melhorar a qualidade do cuidado, além de ampliar competências morais (Gracia, 2016).
Além dos profissionais, convém ressaltar que os estudantes de enfermagem participantes nesse estudo, embora tenham demonstrado adequada compreensão sobre os problemas éticos, também poderiam ser beneficiados se o ensino/prática do processo de deliberação moral fosse adotado na academia, contribuindo para reconhecer problemas éticos e tomar decisões prudentes para solucioná-los. Percebe-se os estudantes na procura da construção de um agir ético profissional. Nesse sentido, defende-se que abordar a ética e a bioética na graduação, simulando cenários reais do trabalho, estimulando o diálogo, a reflexão e a tomada de decisão coletiva, propicia a construção de relações com os utentes dos serviços de saúde, a família e a comunidade, preparando o aluno para enfrentar os desafios da realidade (Schneider & Ramos, 2019).
Na formação dos futuros enfermeiros faz-se necessário transformar os referenciais teóricos sobre educação em valores em práticas pedagógicas (Marques, 2018), buscando um agir profissional que considere a dimensão ética. Para tal, gestores e professores precisam estar engajados na formação de cidadãos, apropriando-se de conhecimentos de filosofia, antropologia, sociologia, pedagogia, entre outras áreas dos saberes (Marques, 2018).
Este estudo contribui com a reflexão sobre a importância do desenvolvimento de estratégias educativas mais eficazes sobre ética e bioética na formação e nos espaços assistenciais, visando o desenvolvimento de competências éticas.
Aponta-se como limitação deste estudo a colheita de dados em apenas uma instituição de ensino e de saúde, o que pode restringir a identificação dos problemas éticos da prática de enfermagem.
Conclusão
Percebe-se que os estudantes de enfermagem, apesar da pouca experiência na clínica hospitalar, têm sensibilidade moral para reconhecer os problemas éticos da prática da enfermagem e capacidade para identificar os problemas de forma semelhante ao que foi elencado pelos profissionais. A tomada de decisão é centrada na reflexão e na ponderação sobre os problemas identificados.
Os profissionais entendem como problema ético o desafio no julgamento nas complexas fronteiras entre o certo e o errado. As suas decisões procuram a solução direta com o envolvido na situação, ou indireta por meio do encaminhamento do caso à Comissão de Ética de Enfermagem, embora existam situações de abstenção e não envolvimento.
Conclui-se que os problemas éticos da prática da enfermagem hospitalar, aparentemente, não são facilmente enfrentados, o que demonstra lacunas na formação, na sensibilidade para captar e abordar conflitos e, também, na disponibilização de espaços de discussão para acolhimento de necessidades e aperfeiçoamento da atuação dentro das equipas e instituições.