Introdução
O neonato hospitalizado apresenta fragilidades e vulnerabilidades que evidenciam a necessidade de cuidado especializado. No entanto, é imprescindível que esse cuidado supere o conhecimento técnico, com inclusão e envolvimento dos familiares, bem como articulação entre os profissionais de saúde para a implementação (Hasanpour et al., 2017). O modelo de cuidado centrado na criança e na sua família (CCCF) consiste numa abordagem em que criança e família são focos do cuidado, cujos pilares estão fundamentados, entre outros fatores, na partilha de informações e no cuidado colaborativo (Davidson et al., 2017). Os profissionais de enfermagem devem acolher os familiares neste momento de hospitalização do recém-nascido (RN), identificar necessidades e, em conjunto com a equipa multiprofissional, atendê-las. No entanto, quando se discute acerca dessa interação, a literatura tem enfatizado a atuação dos enfermeiros. Assim, o presente estudo procura focar os técnicos de enfermagem que, no Brasil, são profissionais de enfermagem em nível médio, mais numerosos nas unidades neonatais do país. Sendo assim, também é essencial que compreendam a relevância da inclusão e da participação da família em tempo integral. A sua participação e colaboração é necessária para que haja a recuperação do bebé e benefícios para ambos. Apesar de já ser reconhecida a importância da família no cuidado, ainda se verifica a falta de clareza para os profissionais de enfermagem sobre o que realmente significa incluí-la na assistência ao neonato. Assim, considera-se relevante conhecer as conceções de técnicos de enfermagem quanto ao CCCF para obter subsídios para desenvolver estratégias e ações que fomentem o modelo na unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN). Desta forma, o objetivo deste estudo foi compreender as conceções de técnicos de enfermagem sobre o CCCF, praticado na UTIN.
Enquadramento
Alguns estudos mostram que o contexto hospitalar é desconhecido pelo familiar, acarretando sentimentos de medo e insegurança, o que se reflete na premência de uma interação consolidada de forma horizontal entre família e equipa de saúde. Esta interação possibilitará a prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde, além de fornecimento de conforto, bem-estar e qualidade de vida para o bebé (Enke et al., 2017; Weber et al., 2021). Segundo Waddington et al. (2021) a relação íntima afetiva entre recém-nascido e os pais é fundamental para o desenvolvimento nos primeiros anos de vida. Assim, a presença da família durante a hospitalização dos recém-nascidos é imprescindível.
O modelo CCCF é definido como o apoio profissional prestado à criança e à família, por meio de um processo de envolvimento e participação, baseados em negociação e empoderamento. Essa abordagem prima pelo compartilhar da responsabilidade pelo cuidado à saúde do bebé entre profissionais de saúde e família (Davidson et al., 2017).
De acordo com Instituto para o Cuidado Centrado no Paciente e Família, há quatro pilares centrais que compõem o cuidado em qualquer nível de assistência e em todo o ciclo vital: dignidade e respeito (a equipa deve escutar e respeitar as perspetivas e decisões dos pacientes e famílias); partilha de informações (transmitir e partilhar informações na íntegra e de maneira neutra com os pacientes e famílias, para que sejam relevantes e esclarecedoras); participação (os pacientes e famílias devem ser amparados e incentivados a participar no processo de cuidar e nas decisões da maneira que optarem) e colaboração, em que os pacientes e familiares devem ser envolvidos, e os profissionais de saúde devem contribuir com os pacientes e famílias no desenvolvimento, implementação e avaliação de políticas e programas, planeamento das instalações de cuidado em saúde e educação profissional, bem como na prestação dos cuidados (Davidson, 2017).
Vários estudos destacam a importância do CCCF em unidades neonatais, uma vez que aquelas que praticam esse modelo de cuidado são capazes de diminuir o sofrimento dos pais através da sua participação e autonomia no cuidado, aumentar o índice de aleitamento materno, diminuir os índices de sequelas da prematuridade, dentre outros benefícios para ambos - bebé e família (Coats et al., 2018; Davidson et al., 2017; Mirlashari et al., 2019; Waddington et al., 2021 Zhang, at al. 2018;). A separação entre o neonato e a família pode originar diversos efeitos negativos na estabilidade clínica, bem-estar e desenvolvimento neurológico. Esses efeitos combinados com a ansiedade, medo, depressão, estresse pós-traumático vivenciados pelos pais, podem afetar drasticamente a relação família-bebé, resultando em desfechos desfavoráveis (Hasanpour et al., 2017; Richards et al., 2017; Waddington, et al., 2021).
Questão de investigação
Quais são as conceções sobre o CCCF dos técnicos de enfermagem que prestam cuidados em UTIN?
Metodologia
Foi realizado um estudo descritivo, de abordagem qualitativa, desenvolvido na UTIN de alta complexidade de um hospital-escola da rede pública, localizado no interior de São Paulo - Brasil, o qual é responsável pelo atendimento de cerca de 3.000 recém-nascidos por ano, sendo referência para 42 municípios. A UTIN possui 30 camas e a permanência dos pais na unidade é permitida 24 horas por dia.
Participaram nesse estudo técnicos de enfermagem. Os critérios de inclusão foram: exercer funções há pelo menos um ano na assistência direta aos pacientes em UTIN e pertencer ao quadro de profissionais fixos da unidade. Foram excluídos profissionais em férias e licença médica/maternidade.
A colheita de dados foi realizada pela primeira autora do estudo, durante os meses de fevereiro a abril de 2018, através de entrevistas qualitativas semiestruturadas, com as seguintes questões abertas: “Conte para mim como você define o CCCF numa unidade de terapia intensiva neonatal”; “Quais ações de cuidado você desenvolve na sua prática que são direcionadas à família do neonato internado?”.
As entrevistas foram realizadas num encontro único, numa sala privada dentro da própria UTIN. Foi garantido a cada participante o sigilo quanto à sua identidade em qualquer divulgação dos resultados da investigação. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra logo após a sua realização. Para manter o anonimato dos profissionais de enfermagem, os fragmentos foram codificados com as abreviaturas PE (profissional de enfermagem), seguido pelo número que representa a ordem da sua participação (de 1 a 6).
Para encerrar a colheita de dados, foi utilizado o critério de saturação segundo Fontanella et al. (2008), e que consiste na suspensão de inclusão de novos participantes na investigação quando os dados recolhidos respondem ao objetivo do estudo e começam a repetir-se ou a apresentar redundância.
O referencial teórico para análise dos dados, foram os pressupostos do CCCF (Davidson et al., 2017) e como método de análise, foi adotada a análise temática. Na análise temática, em investigação na atenção à saúde, as entrevistas foram inicialmente fragmentadas em unidades de significado, as quais foram agrupadas por semelhança em relação ao tema abordado. A seguir, os dados agrupados foram examinados para ter a certeza de que todas as manifestações de cada tema foram incluídas e comparadas. O agrupamento dos temas e análise dos dados ocorreu à luz do referencial teórico utilizado, resultando em seis temas (Pope & Mays, 2009)
A pesquisa foi aprovada pelo Comité de Ética e Pesquisa sob o parecer número 2.362.084, em concordância com os padrões éticos exigidos pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde número 466 de 2012 (Brasil, 2012).
Resultados
Participaram no estudo seis técnicas de enfermagem, com dois a 24 anos de tempo de trabalho em UTIN, com média de 11 anos e 9 meses de atuação e média de 40 anos de idade. Dentre as entrevistadas, duas trabalhavam no período da manhã, uma à tarde e três à noite.
A análise dos dados permitiu o agrupamento em seis temas, que refletem as perceções de técnicos de enfermagem acerca do que é cuidar do neonato sob uma perspetiva centrada na criança e na família: Incluir a família no cuidado; Promover a aproximação da unidade familiar; Acolher a unidade familiar; Partilha de informações com a família; Reconhecendo a UTIN como ambiente stressor à família e Limitações para oferecer o CCCF na UTIN. Apresentam-se de seguida os temas, ilustrados com as transcrições das participantes.
Incluir a família no cuidado
Para os técnicos de enfermagem, incluir a família no cuidado na UTIN significa incentivar participação no cuidado, promover o aleitamento materno, incentivar a presença da mãe e de outros familiares: “Incentivo . . . a família a cuidar, a amamentação principalmente, os cuidados, a participar, né?” (PE4).
“Tá . . . é, a gente estimula o toque, a realização do cuidado do neném pela própria família, a retirada do leite, amamentação, estimular a visita mesmo de outros familiares, dos irmãos, sempre convidando eles pra vir.” (PE1).
Os profissionais acreditam que a família pode ser incluída no cuidado independentemente da complexidade do quadro clínico do RN. Assim sendo, envolver mãe/pai na realização dos cuidados é uma maneira de promover o vínculo, orientando-os a iniciarem o contacto com os filhos, mesmo quando ainda estão dentro da incubadora e com outros dispositivos:
Começa a manipulação dos pais já na incubadora . . . Então, eles começam com o toque e conforme a mãe e o pai já está vindo, eles podem fazer o pele-a-pele. Coloca em contato pele a pele ou com o pai ou com a mãe, e depois eles podem trocar o bebé, mesmo dentro da incubadora. Eles podem trocar e podem passar o leite por gavagem. Passa na seringa. A gente põe o leite e eles ficam segurando a seringa. (PE6)
Segundo os profissionais técnicos de enfermagem, a participação dos pais nos cuidados traz benefícios para a família:
“E eles participando, ajudando, trocando fralda, limpando boquinha, sabe?. . . . Passando leite, isso ai dá pra eles confiança e conforto pra eles irem pra casa e voltar amanhã pra ajudar de novo.” (PE7).
Promover a aproximação da unidade familiar
Nesta categoria, os profissionais destacaram estratégias adotadas para promover a aproximação entre pais e RN:
É, eu acho que é a gente integrar a mãe na vivência da UTI neo, trazer ela pra perto desse recém-nascido, que é diferente do que ela idealizou, interagir ela no cuidado, estimular sempre a amamentação, a retirada do leite e quanto antes possível colocar esse bebé no colo, sempre oferecer pra ela tocar, pra ela ter esse contato com ele, tanto pra mãe quanto pro pai né. (PE1)
Acolher a unidade familiar
As profissionais relatam a importância de uma atuação profissional que acolha a família e se molde às suas necessidades, reconhecendo o papel da família e os seus saberes:
Olha, nem todo mundo consegue fazer essa . . . ter essa relação com a pessoa, nem todo mundo. Como eu falei pra você, as vezes tem gente que trata todo mundo “eu sou assim e pronto”. Eu acho que na enfermagem você não pode ser assim. Na enfermagem quando você entra pra trabalhar você tem que esquecer um pouco o seu eu. (PE6)
Nós estamos aqui como profissional. Eu não posso chegar perto da família e dizer pra mãe “Não. Eu que sei, eu sei tudo, pode deixar. Não é assim”. Não é. A mãe conhece a criança profundamente. Não é porque eu fiz um curso, porque eu sou da enfermagem, eu sou tudo. Que a família chegando, tenho que mostrar pra ela que eu que sou o profissional. Eu, a que sei, a que entendo, sabe?. (PE6)
As técnicas de enfermagem falaram acerca do reconhecimento do momento que os pais estão a vivenciar, a procura por compreensão dos sentimentos, reações e atitudes de forma individualizada, bem como primar pelo bom relacionamento com eles: “Mas isso que você pode falar dez mil vezes, dez mil vezes... eles vão perguntar (perguntar a mesma coisa), porque é chocante. E muitos nem pensaram em passar em um lugar como esse, foi a primeira vez.” (PE5).
Para estas profissionais, acolher também significa oferecer recursos e suporte necessários à família:
Só acho que deveria ter um local para eles ficarem . . . Quando o pai e mãe é de longe, eles, às vezes, tem dificuldade no transporte, né? E a maioria aqui é de longe . . . E então, quando o bebé mama na mãe e depois vem a noite . . . de madrugada, a gente tem que dar no copinho. E ele não pega no copinho, porque ele tá acostumado com o peito da mãe. Então, ele sofre à noite, né . . . e ai não tem local adequado para ela (a mãe) ficar né, repousar. (PE3)
Partilhar informações com a família
As técnicas de enfermagem entrevistadas acreditam que partilhar informações com a família é uma medida fundamental para incluí-la no cuidado ao neonato, considerando as especificidades do paciente e a rotina da unidade: “Ah, eu penso que o profissional, enfermeiro ou equipa técnica, ele tem que identificar as preocupações dos pais, dependendo da idade gestacional que a criança nasceu.” (PE6).
Mas, assim, a gente tem uma parte da comunicação que nós fazemos que vem escrito também. Faço algumas orientações, depois da admissão que o pais vai levar por escrito né? Mas essa tá relacionada mais ao ambiente e algumas coisas de visita: não é muito relacionada ao RN. (PE6)
Reconhecer a UTIN como ambiente stressor à família
A UTIN é reconhecida pelas profissionais como um meio stressor à família, tanto pelo próprio ambiente, equipamentos e alarmes, quanto pelo que é vivenciado nele:
Ai ele (o pai) olhou pra gente e falou assim: “Meu Deus, que que é isso? Eu não imaginava que 620g seria isso, desse tamanho”. Eu falei assim: “o senhor quer pôr a mão? É só lavar a mão ou passar um álcool que você pode pôr a mão”. “Não, não sei lidar com isso” (o pai respondeu). É muito pequeno, quer dizer, ele já pensou no tamanho. Ele não pensou em outros problemas que é muito pior do que o tamanho, né?. (PE5)
Além do ambiente, o momento da alta hospitalar também é reconhecido pelos profissionais como um dos que acarretam stresse à família, o que interfere na assimilação das informações recebidas:
Eu acho que é maior (o estresse) quando vai pra casa, porque em casa vai ficar sozinho. Mas dá pra perceber que, às vezes, eles não estão nem escutando o que (o profissional) está falando. Então, a gente fala assim o que é importante naquele momento, porque não adianta você falar tudo o que vai acontecer na internação ou que provavelmente vai acontecer durante a internação que não vai absorver. (PE6)
Limitações da implementação do CCCF na UTIN
Os profissionais de enfermagem acreditam que não é uma tarefa simples ser um facilitador para a promoção do CCCF. Foram indicadas muitas dificuldades para incluir a família em momentos, por exemplo, de intercorrências com o neonato ou de realização de procedimentos invasivos:
Olha, o que eu faço para tentar incluir a família . . . às vezes, não é possível a família fazer um cuidado, porque geralmente a gente deixa trocar uma fralda, né? Passar um leite, alguma coisa, mas dependendo da gravidade do bebé você não consegue deixar a mãe colocar a mão nele, né? Bebé de manipulação mínima, cardiopata, extremamente grave, o que eu faço para tentar incluir a mãe . . . A mãe chega, eu falo o que aconteceu com o bebé. Eu acho que isso é uma coisa que acalma muito elas. (PE2)
Como a unidade não tem um ambiente que propicie a permanência dos pais, devido à planta física e ausência de salas de estar ou dormitórios para familiares, durante o turno noturno, geralmente, os pais estão presentes apenas no início, o que dificulta o contacto com os profissionais:
‘‘Ai eu já não posso falar porque é difícil, né . . . A noite já é mais difícil vir né . . . é mais de dia que eles ficam, né? Mãe tem umas que ficam, né, à noite. De noite é difícil a gente ter contato assim’’ (PE4).
As profissionais relatam ainda a resistência dos homens, enquanto pais, para participar dos cuidados e constroem explicações para tal:
Eu sempre pergunto se o pai quer, tipo, virar de ventral para frente, trocar, mas ainda tem uma certa resistência dos pais, né? De duas objeções que eles fazem: “não, eu prefiro que você deixa a mãe”. Ah, porque a mãe tá frágil, a mãe teve nenê. “Não, deixa ela”(fala do pai). E do tipo assim: “não, não sei trocar fralda, não”. Aqui tem muita gente assim bem humilde aqui, meio de roça, meio “chucro” mesmo assim, sabe. Esses homens que tipo “não, eu não troco fralda. Eu sou homem” e tem bastante disso também. (PE2)
Discussão
O presente estudo evidenciou as ações desenvolvidas por técnicos de enfermagem, nomeadamente a integração da família na UTIN e como essas ações permeiam os pressupostos do CCCF (Davidson et al., 2017; Hill et al., 2018; Richards et al., 2017; Zhang et al., 2018)
O tema Incluir a família no cuidado relaciona com o incentivo à participação nos cuidados, que são prestados ao neonato, bem como o estímulo do vínculo família-bebé, ações essas que comprovam o reconhecimento da família como uma unidade de cuidado. Foram referidas como ações essenciais, na assistência neonatal, colocar o RN no colo materno o mais breve possível, incentivar o toque, facilitar o contacto entre os pais e o bebé, estimular a amamentação, além da extração do leite para manutenção da lactação, tal como também recomendado por Waddington et al. (2021).
Embora reconheçam aspetos relevantes dessa abordagem, as profissionais também indicam alguns condicionamentos sobre o envolvimento dos pais nos cuidados, a partir do tempo que eles passam na unidade. Um exemplo é o contacto pele a pele, que não deve estar vinculado com a frequência com que os pais vão à unidade, devendo ser promovido mesmo em visitas esporádicas. Dentre os benefícios desta prática, estão o desenvolvimento e fortalecimento de vínculo, o sentimento de inclusão e segurança para os pais, bem como a manutenção da temperatura dos neonatos e colonização com microrganismos da flora dos pais e não da flora hospitalar, além da promoção do aleitamento materno (Pados & Hess, 2020; Kuo et al., 2021).
Promover a aproximação da unidade familiar foi uma categoria temática que trouxe as ações que são realizadas pelos profissionais para incentivar a participação dos familiares no cuidado. De acordo com o Instituto para o Cuidado Centrado no Paciente e Família, a participação dos familiares é um dos pilares que compõem o cuidado em qualquer nível de assistência. Os pacientes e famílias devem receber apoio e serem estimulados a envolver-se no cuidado e nas decisões relacionadas a este, da maneira que optarem (Davidson et al., 2017). Neste sentido, os dados encontrados estão de acordo com os pressupostos do CCCF. Os participantes também permitiram relevar a importância da avaliação do contexto clínico do RN, no sentido de fornecer orientação clara aos pais, sobretudo quando isso significa que haverá menor interação entre eles.
A inserção da família no cuidado neonatal traz diversos benefícios como redução da carga de trabalho profissional, aumento da satisfação relacionado com o cuidado, diminuição dos eventos adversos, conforto e acolhimento para a família perante a vulnerabilidade do internamento, bem como, a capacidade de reduzir o tempo de hospitalização (Boyamian et al., 2021). No entanto, incluir a família no cuidado é mais do que incentivar ou delegar tarefas já padronizadas. Essa inclusão deve ser parte do planeamento do cuidado. Trata-se de um cuidado intencional e sistematizado, no qual se avalia as necessidades e potencialidades. Os resultados encontrados neste estudo apontam ainda para a necessidade de um maior planeamento da assistência, para incluir a família de maneira sistematizada, para além das tarefas rotineiras, como troca de fraldas, amamentação e cuidado pele-a-pele, avançando para decisões compartilhadas.
Os resultados permitem também descrever a perceção de que o pai está menos presente que a mãe, portanto, com menos oportunidades para ser incluído. Assim, é possível demonstrar que, ao perceberem esse evento, atuam de forma intencional para incluí-lo. Esse posicionamento da equipa é desejável, visto que a literatura refere que os profissionais que atuam em unidades neonatais são especialmente focados em atender as necessidades do RN, em detrimento das apresentadas pela mãe, tendendo a serem ainda mais desatentos a um cuidado que contemple o pai (Noergaard et al. 2018).
A UTIN estudada viabiliza o livre acesso durante as 24 horas diárias para os pais, tendo um horário de visitas pré-estabelecido apenas para os irmãos e avós. Ocorre ainda uma atuação da equipa de enfermagem na unidade canguru, que tem como objetivo favorecer a realização dos cuidados pelos pais em período integral até à alta hospitalar. Os cuidados que promovem maior aproximação família-bebé são priorizados para serem realizados quando os pais estão presentes, como o momento do banho. Assim, a unidade familiar também é incentivada a estar presente, participar nos cuidados e acompanhar a evolução, o que corrobora com o que é recomendado por alguns autores (Davidson et al., 2017; Waddington et al., 2021). Ressaltamos que os técnicos de enfermagem não referiram no seu discurso o quanto este modelo de cuidados tem objetivos para além da realização de tarefas que estimulam a aquisição de habilidades pelos familiares para o cuidado físico do RN.
Considerando a categoria temática Acolher a unidade familiar, os dados são condizentes com o acolhimento, estratégia fundamental para identificar as necessidades dos pais, reconhecer o momento que estão a vivenciar e promover a reflexão da importância da inserção da família na UTIN. O desenvolvimento de atitudes acolhedoras, por meio de relações baseadas no respeito e confiança, promove fortes alianças terapêuticas entre paciente, profissional e família (Coats et al. 2018; Sampaio et al., 2017). Um dos pressupostos do CCCF evidencia a importância da dignidade e respeito no estabelecer de uma parceria que beneficie todos os envolvidos. O tratar com dignidade e respeito significa escutar e respeitar o ponto de vista e decisões do paciente e família, cujos valores, crenças e meio cultural devem ser integrados ao planear os cuidados (Davidson et al., 2017). No entanto, nesse estudo não identificamos relatos em que os familiares tiveram oportunidade de fazer escolhas ou foram incluídos em tomadas de decisão, evidenciando que a compreensão do CCCF pela equipa de enfermagem ainda é superficial. A equipa de enfermagem deve ser capacitada para reconhecer situações que ameaçam a autonomia da família e intervir, favorecendo-a.
Por outro lado, alguns profissionais reconhecem o papel da família na UTIN, considerando que o profissional não é detentor de todo o saber. A mãe é reconhecida como aquela que melhor conhece o RN e que, portanto, juntamente com a família, tem muito a oferecer e contribuir tanto para a evolução como para o cuidado desenvolvido pela equipa de saúde. Sendo assim, é de extrema relevância conhecer mãe e família para procurar identificar a melhor forma de atuação junto a eles.
Foi possível notar uma procura para estabelecer um bom relacionamento com a família, o que se dá ao longo de contacto diário e frequente, facilitando a formação de vínculo, confiança e segurança. A convivência possibilita aos profissionais o reconhecimento das necessidades da família, seus medos, angústias e ansiedades, além da perceção de que cada família é única e exige intervenções específicas (Enke et al., 2017; Hasanpour et al., 2017; Waddington et al., 2021). Embora os profissionais reconheçam que nem sempre isso é possível, não parecem identificar a necessidade da aquisição de conhecimento e do desenvolvimento de habilidades para tanto.
Segundo os profissionais, um dos investimentos considerados necessários à unidade é a construção de um local para descanso dos familiares, possibilitando que o bebé fique acompanhado as 24 horas do dia. Sem dúvida, este aspeto deve ser repensado e incluído no orçamento, de forma a favorecer a presença dos familiares.
Nas categorias “Partilhar informações com a família” e “Reconhecer a UTIN como ambiente stressor à família” os profissionais enfatizaram a importância de reconhecer as preocupações/necessidades da família para depois promover ações. Reconhecem que no ambiente de terapia intensiva existem eventos e situações impactantes, o que faz necessária a utilização de recursos para melhorar a comunicação e diminuir stressores, o que tem sido recomendado também pela literatura (Coats et al., 2018; Enke et al., 2017). A falta de informações claras e objetivas é um dos aspetos que mais provoca a ansiedade dos pais, limitando a sua participação no cuidado (Waddington et al., 2021).
Nos discursos dos profissionais é possível notar que reconhecem a importância de fornecer informações de maneira gradativa, pontual, de acordo com o momento vivenciado, o que também segue o recomendado pela literatura (Davidson et al., 2017; Hill et al., 2018).
Contudo, é necessária a utilização de recursos, habilidades e estratégias para melhorar a comunicação na unidade, visto que os pais/familiares estão fragilizados, ansiosos e angustiados, o que dificulta a compreensão das informações oferecidas. A partilha de informações com os pais e familiares não é apenas um fator facilitador para a inclusão no cuidado ao neonato, mas também é utilizada para diminuir eventos stressores na UTIN (Waddington et al., 2021). Considerando o contexto das transcrições das profissionais entrevistadas, tanto a admissão quanto a alta do neonato são circunstâncias que requerem muitas orientações. Assim, algumas estratégias que poderiam ser utilizadas incluem fornecer as orientações para dois responsáveis pelo RN e não apenas um, bem como desenvolver e oferecer estas orientações por escrito, de maneira didática e visual, como um folder ou manual, para que seja possível levar para casa e consulta em eventuais dúvidas.
A UTIN é um ambiente em que a tecnologia utilizada é desconhecida para leigos, o que gera medo aos pais. Dessa maneira, cabe aos profissionais tornar os pais mais familiarizados com a finalidade dos aparelhos, alarmes e dispositivos utilizados (Hill et al., 2018).
Quanto a Limitações para oferecer o CCCF na UTIN, as técnicas de enfermagem apontaram intercorrências e agravamento do quadro clínico do neonato no dia-a-dia, como condições que limitam a inclusão dos pais, bem como falta de infraestrutura que promova a permanência da família na unidade por tempo integral.
Os profissionais acreditam ser necessário incluir a família em alguns cuidados à criança, o que também vai ao encontro da vontade da família, que deseja ser incluída, de facto, no cuidado e nos procedimentos aos quais o filho será submetido. Estar presente e monitorizar o tratamento do bebé traz segurança, sendo que a sua participação mais ativa permite uma perceção de que todo o possível está a ser realizado.
A atuação da equipa de enfermagem neonatal ainda limita a participação dos pais ao solicitar que se retirem durante procedimentos em que poderiam estar presentes, como a infusão de medicamentos e uma série de outros procedimentos que não contraindicam a sua permanência, situação encontrada em estudos que ampliam a discussão sobre a participação da família quando a trazem de facto no cuidado e planeamento, bem como durante a ressuscitação cardiopulmonar e a intubação traqueal (Silva et al., 2020).
Para que o CCCF ocorra, é fundamental a colaboração de todos os envolvidos. Os pacientes e famílias precisam de ser envolvidos numa infraestrutura institucional e os profissionais de saúde têm de contribuir juntamente com os pacientes e famílias na construção, implantação e avaliação de estratégias, delineamento da estrutura de instalações de saúde, aprimoramento profissional, e também nos cuidados (Coats et al., 2018; Davidson et al., 2017; Hill et al., 2020). Para que o CCCF seja implantado na sua totalidade é importante que a unidade possua estrutura que acomode os familiares e que estimule a sua presença. Sendo assim, é importante a ampliação do suporte social, de serviços e instituições que possam ajudar a família nesse período de hospitalização.
Conclusão
O estudo evidenciou que, embora simpáticos a essa abordagem de cuidado, existem limitações na compreensão do CCCF pelos técnicos de enfermagem, bem como necessidade de aprimoramento para lidar com a família, como corresponsável no cuidado ao neonato ao longo da hospitalização. Assim, como implicações para a pratica identifica-se a necessidade de capacitação e sensibilização teórico-prática desde os cursos profissionalizantes e nos cenários de prática para o CCCF. No ambiente de unidade terapia intensiva neonatal, é imprescindível que os profissionais tenham clareza de que a família também deve ser foco de cuidado. Assim, para que o CCCF seja praticado de maneira que atinja a sua finalidade e alcance os seus pressupostos, é necessário o estudo, planeamento, formação e reorganização do processo de trabalho.
Identifica-se como limitação do estudo que os resultados obtidos apresentam a realidade da cultura brasileira tanto no que diz respeito às rotinas, quanto à formação dos profissionais em nível médio. E como orientações para estudos futuros sugere-se avaliar intervenções sensibilizadoras da equipa de técnicos para o modelo CCCF.