Introdução
Em Portugal, as alterações na população residente, em particular devido à baixa natalidade e ao aumento da longevidade nas últimas décadas, sugerem a continuação do envelhecimento demográfico, estimando-se que entre 2015 e 2080 o índice de envelhecimento mais do que duplicará, passando de 147 para 317 idosos, por cada 100 jovens (Instituto Nacional de Estatística, 2022). A existência de uma relação entre envelhecimento e incapacidade têm sido evidenciada na literatura (Chen et al., 2018), sendo que a presença de multimorbilidade, frequente entre as pessoas idosas, tem uma associação significativa com o declínio funcional e/ou dependência (Wang et al., 2017). Todos estes fatores contribuem para uma maior necessidade de cuidados, sendo estes essencialmente desenvolvidos pelas famílias na comunidade (Sequeira, 2018). Contudo, muitos cuidadores familiares reportam não ter apoio em diferentes domínios (emocional, na prestação de cuidados, financeiro) para cuidar dos seus familiares. Chen et al. (2018) reportam que um número significativo de pessoas idosas com algum tipo de incapacidade apresentou pelo menos uma necessidade não atendida, sendo que a prevalência das mesmas variou entre 4,6 a 77,2%.
Os enfermeiros de família (EF) estão na linha da frente dos cuidados às pessoas dependentes e respetivas famílias, tendo como foco a sua capacitação para o autocuidado (Melo, 2018; Shajani & Snell, 2019). Desse modo é essencial que se conheçam as habilidades de autocuidado da pessoa dependente, assim como uma avaliação do tipo e nível de dependência (Costa, 2013; Gonçalves, 2015). Através do conhecimento das necessidades da pessoa dependente, os enfermeiros conseguem compreender melhor a forma como a pessoas devem ser atendidas e quais as intervenções mais adequadas para que atinja a sua independência no autocuidado (Dixe et al., 2019).
A falta de dados sobre o número de famílias com pessoas idosas dependentes no autocuidado a residir na comunidade, bem como a maneira como cada família responde às necessidades em cuidados dos seus membros dependentes é preocupante. O desconhecimento desta realidade não permite conhecer a dimensão real do problema e, portanto, faz com que nem sempre se organizem os recursos para os cuidados que são necessários à família e que permitem garantir mais bem-estar e mais saúde a todos os envolvidos no processo (Costa, 2013; Gonçalves, 2015). Este desconhecimento, poderá explicar o facto de a sociedade e os sistemas de saúde desvalorizarem a importância dos prestadores de cuidados na recuperação e na reabilitação da saúde das pessoas dependentes.
Face ao exposto, este estudo tem como objetivo: Caracterizar o familiar dependente (FD), o membro familiar prestador de cuidados (MFPC) e os recursos utilizados, no contexto das famílias clássicas.
Enquadramento
O envelhecimento é atualmente assumido pela comunidade científica, como um processo resultante de fatores biológicos, psicológicos e sociais. A saúde da pessoa idosa resulta das experiências passadas em termos de estilos de vida, de exposição aos ambientes onde vive e dos cuidados de saúde que se recebem, sendo a sua qualidade de vida largamente influenciada pela capacidade em manter a autonomia e a independência. A multimorbilidade, a polimedicação, os acidentes domésticos e de viação, o luto, os internamentos institucionais, o isolamento social, os fenómenos de desertificação, as fragilidades económicas, as alterações da estrutura familiar e as inadaptações do meio habitacional, são alguns dos fatores que condicionam a saúde, a autonomia e independência, e a qualidade de vida do idoso, obrigando a uma avaliação e atuação multidisciplinar, integrada e de trabalho em equipa (Direção-Geral da Saúde, 2017).
A questão da dependência no autocuidado, não é uma preocupação recente na Enfermagem. Logan et al. (2000) referem que é da competência do enfermeiro avaliar o grau de dependência da pessoa e reforçam que é fundamental para estabelecer o tipo de cuidados mais adequados à pessoa, visando o máximo de autonomia nas atividades de vida diárias. No entanto, Melo (2018) e Shajani & Snell (2019) confirmam que a eficácia dos cuidados de saúde é melhorada quando a ênfase é colocada na família e não apenas no indivíduo. A enfermagem de família tem como princípios a inclusão da família no planeamento e prestação de cuidados, a capacidade de levar em consideração as necessidades da família como um todo e não apenas as necessidades do indivíduo (Melo, 2018; Shajani & Snell, 2019).
Tendo em conta que o processo do envelhecimento está relacionado com o ato de cuidar de uma pessoa idosa dependente, é muito importante, reconhecer que o cuidado é um processo complexo e exigente, podendo estar relacionado com alterações a nível físico, emocional, psicológico, social e/ou financeiro (Nicolau, 2018), sendo a sobrecarrega e a angústia o resultado mais relatado associado ao cuidar (Dixe & Querido, 2020; Nicolau, 2018).
Dois estudos exploratórios de base populacional realizados por Costa (2013) e Gonçalves (2015) na região de Lisboa e Porto, respetivamente, revelaram a elevada dependência da pessoa cuidada evidenciando-se o alimentar-se o Arranjar-se e o Tomar banho, assim como a existência de muitos dependentes que não participam na toma de medicação. Outros autores também verificaram que os domínios de autocuidado que registaram maior nível de dependência foram no Tomar a medicação, Vestir e despir-se, Tomar banho e Andar (Dixe et al., 2019; Machado et al., 2020). Em vários estudos os familiares cuidadores são maioritariamente mulheres idosas (cônjuges e filhas) aumentando assim a probabilidade de sobrecarga do cuidador devido à sua idade e condição física (Dixe & Querido, 2020; Nicolau, 2018). Estes dados são ligeiramente diferentes do estudo realizado por Chen et al. (2018) em que as cuidadoras são predominantemente de meia-idade e apresentaram sobrecarga moderada no cuidado à pessoa idosa dependente.
Deste modo o cuidado à pessoa dependente e/ou as necessidades do MFPC deve ser entendido numa perspetiva familiar sistémica. Assim, o EF, ao considerar a família como uma unidade de cuidados tem a possibilidade de a conhecer e compreender melhor (Shajani & Snell, 2019). O conhecimento e avaliação do sistema familiar permite identificar os seus pontos fracos, mas também potencia as suas capacidades e pontos fortes, possibilitando uma intervenção colaborativa em parceria com a família. Deste modo o enfermeiro promove a saúde da família e potencia o seu empowerment para a resolução da crise, contribuindo para a qualidade e bem-estar não só do doente como da família, como sistema (Dixe & Querido, 2020; Nicolau, 2018).
Questão de investigação
Qual o grau de dependência do familiar dependente e quais as características do familiar prestador de cuidados (MFPC) e dos recursos utilizados, no contexto das famílias clássicas, numa freguesia da região centro do país?
Metodologia
Realizou-se um estudo quantitativo, observacional, transversal e descritivo que integra o projeto da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra “Famílias que Integram Pessoas Dependentes no Autocuidado: estudo exploratório de base populacional no concelho de Coimbra”, aprovado pela Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (parecer nº 634/11-2019).
A população alvo deste estudo foram famílias clássicas com pessoas dependentes no autocuidado. Definiu-se como critérios de inclusão: famílias clássicas de uma freguesia da região centro do país; o MFPC tomar conta de um familiar dependente no autocuidado, com idade igual ou superior a 18 anos e aceitar participar voluntariamente no estudo. Como critérios de exclusão: cuidadores que não sejam membros da família; dependentes em idade em que a dependência é inerente à etapa do ciclo vital, como por exemplo, as crianças.
A amostragem foi não-probabilística do tipo Snowball. Inicialmente foram identificadas as primeiras famílias através da lista de utentes do Centro de Saúde da área geográfica. Seguidamente, foi solicitado aos MFPC para identificarem outras famílias com pessoas dependentes no autocuidado. No final foram incluídas 60 famílias.
Utilizou-se como instrumento de recolha de dados o formulário intitulado: “Famílias que Integram Dependentes no Autocuidado” (Costa, 2013; Gonçalves, 2015). Este formulário é constituído por duas partes. A parte I - Inquérito preliminar/caracterização - inclui questões sobre o tipo de alojamento e família, condições socioeconómicas do agregado familiar e a caracterização sociodemográfica do MFPC. A parte II - Formulário Prestador de cuidados/dependente - possibilita a obtenção de dados da pessoa dependente, nomeadamente, caracterização social, grau de dependência e condição de saúde, perceção de autoeficácia do prestador de cuidados, caracterizar os cuidados prestados e os recursos utilizados na prestação dos cuidados. Estudos realizados com recurso ao formulário acima descrito demonstraram boa fiabilidade, com Alpha de Cronbach nos diferentes domínios do autocuidado entre 0,881 e 0,997 (Costa, 2013; Gonçalves, 2015). Neste estudo os valores de Alpha de Cronbach variaram entre 0,743 e 0,997.
A recolha de dados realizou-se em duas etapas, que decorreu de março a julho de 2020. Na primeira, foi estabelecido contacto por via telefone com as famílias pela investigadora, EF desses agregados familiares. Sempre que reuniam os critérios de inclusão no estudo, e após consentimento, foi efetuada a marcação do dia e hora, de acordo com a disponibilidade do cuidador, para aplicação do formulário, no domicílio. Na segunda etapa, foi realizada a aplicação do instrumento no domicílio da pessoa através de entrevista com hétero preenchimento, bem como, através de observação direta. Na análise de dados utilizou-se a estatística descritiva, através do Statistical Package for the Social Science (SPSS), na versão 25.0, com o cálculo da percentagem e frequência para variáveis nominais e categóricas e a média, desvio padrão, máximo e mínimo para variáveis quantitativas.
Resultados
Das características da família, verificou-se que a maioria eram famílias clássicas com um núcleo (55%), com menos de 3 elementos (46,7%), rendimentos mensais entre 501 e 1000 euros (33,3%). A maioria (86,3%) habitavam em moradia e 63,4% estavam a necessitar de pequenas (31,7%) ou médias (31,7%) reparações. Mais de dois terços dos edifícios não tinha acessibilidade a pessoas com mobilidade reduzida (73,3%). A totalidade possuía sanita e instalação para banho ou duche, 98,3% possuem água canalizada e 55% tinham aquecimento.
Das pessoas dependentes destacou-se que mais de metade (60%) eram pensionistas ou reformados e do sexo feminino. A idade média era de 81,88±11,77 anos, variando entre 48 e 100 anos. Metade dos dependentes eram viúvos e tinham, pelo menos, 85 anos. A maioria (51,7%) possuía o 1.º ciclo do ensino básico e 36,7% eram analfabetos. Dentre as causas de dependência, 73,3% considerou o envelhecimento e 68,3% as doenças crónicas. A instalação da dependência para 78,3% foi gradual, sendo o tempo médio de dependência de 6,18±4 anos. Na análise dos autocuidados, o Tomar banho (63,3%) e Tomar a medicação (56,7%) foram aqueles em que a pessoa dependente não participava. O autocuidado Posicionar-se foi o que apresentou maior independência (48,3%). Os autocuidados em que a pessoa dependente necessita de mais ajuda foram o Alimentar-se (80%), seguido do Andar (58,3%), Arranjar-se (58,3%) e Vestir e despir-se (55%). Em relação à necessidade de equipamento, foi mais reportado no autocuidado Usar cadeira de rodas (13,3%), seguido do Transferir-se (6,7%; Tabela 1). Globalmente, dependentes que não participam e necessitam de ajuda de uma pessoa, foram de 15 e 85%, respetivamente.
Domínios do autocuidado | Dependente não participa n (%) | Necessita de ajuda de pessoa n (%) | Necessita de equipamento n (%) | Completamente independente n (%) |
Tomar banho | 38 (63,3) | 21 (35,0) | - (0,0) | 1 (1,7) |
Vestir e despir-se | 24 (40,0) | 33 (55,0) | 1 (1,7) | 2 (3,3) |
Arranjar-se | 25 (41,7) | 35 (58,3) | - (0,0) | - (0,0) |
Alimentar-se | 12 (20,0) | 48 (80,0) | - (0,0) | - (0,0) |
Uso do sanitário | 20 (33,3) | 37 (61,7) | - (0,0) | 3 (5,0) |
Levantar-se | 18 (30,0) | 26 (43,3) | 3 (5,0) | 13 (21,7) |
Posicionar-se | 12 (20,0) | 16 (26,7) | 3 (5,0) | 29 (48,3) |
Transferir-se | 15 (25,0) | 27 (45,0) | 4 (6,7) | 14 (23,3) |
Usar cadeira rodas | 29 (48,3) | 16 (26,7) | 8 (13,3) | 7 (11,7) |
Andar | 20 (33,3) | 35 (58,3) | 2 (3,3) | 3 (5,0) |
Tomar medicação | 34 (56,7) | 19 (31,7) | - (0,0) | 7 (11,7) |
Nota. n = Número; % = Percentagem.
Das características do MFPC evidenciou-se que a maioria são mulheres casadas (esposas e filhas) (86,7%), com 65 ou mais anos (53,3%), com o 1.º ciclo do ensino básico (46,7%) e que coabitam com a pessoa dependente. Só 11,7 % eram familiares por afinidade (noras, padrastos, cunhados ou outros similares) e igual percentagem correspondiam a pai/mãe e irmão/irmã. Metade dos cuidadores estavam na condição de pensionista ou reformado, 13,3% eram domésticas e igual percentagem estavam desempregados.
Nenhum MFPC se considerou incompetente nos vários domínios do autocuidado, no entanto, os domínios do autocuidado em que os MFPC se percecionam como menos competentes foram no Andar e Tomar a medicação ambos com 5%, seguindo-se o Posicionar-se e o Uso de sanitário ambos com 3,3%, e por último o Tomar banho, o Vestir-se, o Alimentar-se e o Transferir-se, todos com 1,7%.
Relativamente aos cuidados diários prestados, a Alimentação (4,3%) e Hidratação (2,77%) foram os realizados com maior frequência. Os menos frequentes foram: “Inspeciona zonas proeminências ósseas” (0,82%), “massaja pele e proeminências ósseas” (0,77%), “lavagem dos dentes” (0,63%), “realiza exercícios membros inferiores” (0,05%) e “realiza exercícios membros superiores” (0,05%). Das atividades realizadas semanalmente, as mais frequentes foram a “aplicação de cremes hidratantes” (2,58%), “dar banho” (2,57%) e “lava o cabelo” (2,48%). Por outro lado, a estimulação cognitiva é a menos frequente (0,03%).
No que concerne aos recursos, em relação aos equipamentos os mais reportados foram nos domínios “tomar a medicação” (100%), “andar” (74,5%) e “uso de sanitário” (54,7%) e menos utilizados nos domínios Vestir e despir-se (4,6%), Arranjar-se (7,7%) Usar cadeira de rodas (8,7%). Quanto a outros recursos, todos os inquiridos afirmaram que podiam recorrer ao Centro de Saúde/Unidade de Saúde Familiar. Verificou-se que todos recorrem ao médico e que 71,7% acedem aos serviços de Enfermagem. No âmbito dos recursos não profissionais, 96,7% dos prestadores de cuidados dispõem de apoio de familiar.
Em termos de condição de saúde global (resultados mais elevados, pior condição de saúde) observou-se uma média de 2,17 pontos, sendo que em 61,7% dos casos os resultados se situaram entre 1 e 2 pontos (Tabela 2). Os sinais de rigidez articular (83,3%), as alterações do estado mental (56,7%), os sinais de compromisso de integridade da pele (21,7%) e as quedas (21,7%) foram as condições de saúde mais reportadas pelos MFPC.
Discussão
Este estudo caracterizou as necessidades da pessoa com dependência e os cuidados desenvolvidos pelo MFPC. As famílias com pessoas dependentes no autocuidado são constituídas com um ou dois núcleos, com rendimentos mensais entre 501 e 1000 €. Outros estudos realizados em meio urbano, na região de Lisboa e Porto, identificaram que a família é caracterizada na maioria como clássica sem núcleos ou com um núcleo, com rendimento familiar por mês inferior a 500€/mês (Costa, 2013; Gonçalves, 2015). O facto destes estudos terem sido realizados em contexto urbano, ao contrário do nosso estudo, em contexto rural, pode refletir as divergências encontradas.
Do perfil do prestador de cuidados, evidencia-se o predomino do género feminino, escolaridade baixa, casados e união de facto indo ao encontro dos achados na literatura (Bento et al., 2021; Dexi & Querido, 2020; Machado et al., 2020; Nicolau, 2018). Estes dados evidenciam que o cuidador mais representativo são conjugues mulheres confirmando-se a feminização associada ao cuidador informal (Amaral et al., 2021). Mais de metade (53,3%) são pessoas idosas, sublinhando o fenómeno de “idosos a cuidar de idosos” reportado na literatura (Amaral et al., 2021; Nicolau, 2018 Santos-Orlandi et al., 2017). O aumento da idade traz consigo limitações da capacidade funcional do cuidador, logo é de esperar que os cuidadores idosos tenham maior dificuldade em exercer essa função. Além disso, existe associação significativa entre fragilidade e as variáveis sexo e idade verificando-se uma maior prevalência nas mulheres com idade avançada com menos habilitações literárias, assim como uma maior vulnerabilidade a doenças psíquicas e físicas, problemas emocionais e financeiros (Santos-Orlandi et al., 2017). Neste sentido, pode existir um risco acrescido de sobrecarga para os cuidadores deste estudo uma vez que a maioria são mulheres idosas. Adicionalmente, estes cuidadores apresentam baixa escolaridade, o que pode implicar também dificuldades na compreensão de todo o processo de doença do familiar dependente e dificuldades na prestação de cuidados gerando grande tensão emocional e estresse no familiar cuidador (Nicolau, 2018; Santos-Orlandi et al., 2017). O perfil do MFPC pode evidenciar um perfil de cuidadores mais vulneráveis a eventos adversos decorrentes do cuidado.
Constatou-se que a maioria das pessoas dependentes são mulheres viúvas com idade avançada tal como reportado em outros estudos (Costa, 2013; Dixe et al., 2019; Gonçalves, 2015; Machado et al., 2020). A idade avançada é um fator de risco para a dependência o que pode explicar estes dados.
Tal como referido na literatura verificamos a existência de muitos FD que não participam nas atividades de autocuidado que exigem maior capacidade motora fina e grosseira, maior destreza manual, força muscular, equilíbrio corporal e coordenação do movimento, como por exemplo as atividades, “vestir-se e despir-se”, “andar”, “uso de sanitário”, “transferir-se” e “levantar-se” (Machado et al, 2020). Por outro lado, mais de metade não participam na toma de medicação. Este fato pode ser decorrente desta atividade implicar um conjunto específico de competências, não só psicomotoras como a necessidade de competências do domínio cognitivo (Costa, 2013; Dixe et al., 2019; Gonçalves, 2015). Neste estudo o autocuidado “posicionar-se” foi aquele que menos pessoas carecem de ajuda. Este dado pode indicar que a maioria dos FD não estão acamados, reduzindo assim o número de potenciais complicações que daí possam resultar, nomeadamente o risco de lesões por pressão. Futuros estudos devem analisar em detalhe este autocuidado, pois se por um lado a pessoa cuidada pode não estar acamada, por outro lado, o cuidador pode precisar de menos ajuda por não estar convenientemente informado deste autocuidado, em especial, técnica e frequência (Costa, 2013; Gonçalves, 2015; Machado, 2020).
Os MFPC consideram-se muito competentes nos vários domínios do autocuidado, em especial naqueles referentes as atividades básicas de vida, o que se pode refletir na avaliação de saúde, em que a desidratação, a desnutrição e as condições de vestuário deficiente foram os menos presentes nos familiares dependentes no autocuidado. Contudo, evidencia-se que os cuidados em que o MFPC se sente menos competente (posicionar, transferir e mobilizar), são realizados menos vezes (Petronilho, 2015). As atividades estimulantes da memória foram praticamente nulas. Contudo, os sinais de alteração do estado mental foram identificados em mais metade das pessoas dependentes. Resultados que podem estar relacionados com a baixa escolaridade, a falta de conhecimento sobre estimulação cognitiva e as dificuldades dos próprios cuidadores em realizar essas atividades, em especial, as pessoas mais velhas. Para além disso, podem priorizar outras áreas, nomeadamente a higiene, alimentação entre outras, por não estarem consciencializados da importância da estimulação ou como integrá-la na realização de outros autocuidados (Silva et al., 2021). Adicionalmente, são cuidados de maior complexidade, sendo que o cuidador pode não se sentir competente para a realização dos mesmos, bem como, precisar de ajuda profissional especializada para a sua realização (Petronilho, 2015; Silva et al., 2021). Este estudo reforça a importância do acompanhamento por parte dos profissionais de saúde, em especial, dos EF, que devido as restrições impostas pela pandemia, podem ter tido menos disponibilidade para acompanhamento desta família através de realização de visitas domiciliárias. Mas apesar dos MFPC se considerarem competentes, o confronto diário com o declínio físico e psicológico do familiar e a falta de apoios sociais e económicos podem contribuir para sobrecarga física, emocional e social do cuidador e da família (Dixe et al., 2019).
Os equipamentos mais utilizados para a realização das diferentes atividades do autocuidado da pessoa dependente, foram nos domínios “tomar a medicação” e “andar”. A perda de capacidades cognitivas e motoras por parte das pessoas dependentes e a complexidade de muitos dos regimes terapêuticos pode contribuir para o uso destes produtos de apoio (Costa,2013; Gonçalves, 2015), sendo comumente utilizados por esta população. Por outro lado, os menos utilizados foram nos domínios de: “levantar-se”, “vestir e despir-se”, “arranjar-se” e “usar cadeira de rodas”. Uma possível explicação para estes resultados pode dever-se a enorme variedade de produtos existente nestes domínios, os custos associados à aquisição e a falta de conhecimento e/ou treino do MFPC e/ou pessoa idosa sobre os mesmos (Costa, 2013, Gonçalves, 2015; Petronilho, 2015). Estes dados reforçam a ideia de Gonçalves (2015), de que os cuidados que exigem competências mais diferenciadas por parte dos cuidadores familiares não têm a resposta devida, ficando aquém do que seria necessário.
Nos recursos aos serviços de saúde, verificou-se que o mais utilizado é Centro de Saúde/Unidade de Saúde Familiar (100%), seguindo-se a linha saúde 24 (78.3%) e o hospital (70%). Estes resultados aludam, para a importância dos cuidados de proximidade, em especial, em contexto rural, no qual os Centros de Saúde são o recurso mais acessível para os cuidadores e/ou pessoa dependentes, contrariamente ao contexto urbano, em que a ida ao Hospital surge como um dos mais utilizados (Costa, 2013; Gonçalves, 2015). Para além disso, estes resultados podem ser reflexo do período no qual decorreu o estudo (durante a pandemia por COVID-19), em que as indicações e orientações da Direção-Geral da Saúde, foram para as pessoas recorrerem primeiramente à linha de saúde 24 e aos Centros de Saúde. O recurso ao médico e ao enfermeiro foram os recursos profissionais mais reportados, o que pode refletir a procura de cuidados de saúde pelos MFPC face as necessidades dos FD. Por outro lado, os serviços não profissionais a que mais recorreram foi a família, indo ao reportado por Sequeira (2018) em que a família representa um dos principais suportes no cuidado às pessoas dependentes. De acordo com o estudo de Stojak et al. (2019), evidenciou-se uma relação positiva entre cuidadores que receberam cuidados de enfermagem a longo prazo no domicílio e a situação de cuidadores familiares idosos dependentes que ficam em casa. Os MFCP que recebem cuidados de enfermagem de longo prazo em casa sentiram menos stresse, maior apoio e maior satisfação no seu papel de cuidador, do que os cuidadores familiares que não receberam esses cuidados. O mesmo estudo concluiu que as visitas domiciliarias de enfermeiros a longo prazo, pode facilitar e melhorar a prestação de cuidados à pessoa dependente e ajudar os cuidadores familiares a prestar melhores cuidados aos seus familiares dependentes, assim como melhora a situação dos cuidadores. Torna-se, assim, necessária a identificação das necessidades de saúde dos utilizadores, possibilitando o desenvolvimento de práticas que permitem a pesquisa, orientação e intervenção nas situações que podem ser identificadas em contexto domiciliar (Nicolau, 2018; Stojak et al., 2019).
Este estudo apresenta algumas limitações. A primeira, relaciona-se com a área geográfica onde foi realizado o estudo (uma freguesia da região centro do país), limitando a generalização dos resultados. Segunda, a não aplicação do formulário a todas as famílias, como inicialmente estava previsto. Para evitar o contacto com um grande número de pessoas e não colocar em risco a saúde das famílias, optou-se por uma amostra do tipo snowball. Este tipo de amostragem não nos permite conhecer o número exato de famílias com pessoas dependentes no autocuidado. Por último, foi o tempo necessário para a aplicação do formulário, que apesar de ser detalhado em informação demorou em média 60 minutos o que limitou todo o processo de recolha de dados.
Conclusão
Os FD são maioritariamente do género feminino, com idade avançada e instalação gradual da dependência. Estes apresentam um grau de dependência mais elevado nos autocuidados tomar banho, autogestão do regime terapêutico, alimentar-se, andar, arranjar-se e vestir e despir-se. Os MFCP são maioritariamente mulheres, casadas, com escolaridade baixa e coabitam com o FD. Destes, mais de metade são pessoas idosas (65 ou mais anos) e o principal recurso utlizado é o centro de saúde. Os cuidadores familiares valorizam sobretudo os cuidados que dizem respeito à satisfação de necessidades básicas e menos os cuidados relacionados com necessidade de prevenção do declínio funcional e consequências da dependência, o que tem repercussões na perda de independência para o autocuidado. Além disso, existe a necessidade de intervir nos cuidadores não só pelo ensino, mas também pelo suporte e ajuda concreta em domínios de maior complexidade, tais como os referentes à mobilidade e estimulação cognitiva. Os EF devem direcionar a sua prestação de cuidados, em especial, para o ensino e ajuda aos MFCP na reabilitação motora, assim como nas atividades de estímulo de memória, tornando assim, a intervenção do EF mais efetiva, promovendo a acessibilidade aos cuidados e/ou recursos existentes e otimizando os resultados de saúde favoráveis para os cuidadores familiares e as pessoas dependentes, em especial, através das visitas domiciliárias no âmbito dos Cuidados de Saúde Primários.