Introdução
Nos últimos anos, tem-se assistido a um crescimento do número de pessoas com um ou mais estomas a nível global. No caso do estoma de eliminação intestinal, o cancro colorretal é o diagnóstico mais frequentemente associado à sua construção (Silva et al., 2020). É expectável que o número de pessoas com um estoma de eliminação intestinal venha a aumentar, devido à incidência crescente deste tipo de cancro. Atualmente, é o terceiro tipo de cancro mais frequente em todo o mundo, com cerca de 1,9 milhões de novos casos por ano, cuja incidência se prevê que cresça 60% até 2040 (International Agency for Research on Cancer, 2020). O mesmo ocorre com o estoma de eliminação urinária, em que o cancro da bexiga é o sétimo tipo de cancro mais prevalente em todo o mundo, com cerca de 570 mil novos casos por ano (International Agency for Research on Cancer, 2020).
Efetivamente, o aumento da população com um ou mais estomas e a inerente necessidade de cuidados de saúde especializados, exigem a criação de políticas públicas que assegurem a acessibilidade da pessoa com um estoma a dispositivos, a profissionais de saúde e serviços que os ajudem a gerir a sua condição (Diniz et al., 2021). Para tal, estabelecer estimativas epidemiológicas robustas sobre as pessoas com um ou mais estomas em Portugal pode melhorar o conhecimento sobre esta população e, assim, ajudar a adequar e/ou redefinir as políticas de saúde e estratégias de atuação para responder às suas características e reais necessidades. Perante este desafio, este estudo teve como objetivo estimar a prevalência e incidência de pessoas com um ou mais estomas de eliminação na população portuguesa em 2021.
Enquadramento
Ostomia deriva de duas palavras de origem grega, os e tomé, que significa abertura de uma boca e indica a exteriorização de uma víscera oca num ponto diferente do seu orifício natural, visando a construção de um estoma (Neto et al., 2016).
Existem vários critérios para a classificação das ostomias. Estas podem ser classificadas quanto à duração como temporárias ou permanentes (Neto et al., 2016), ou de acordo com a sua função, ou seja, de respiração, de alimentação ou de drenagem ou eliminação.
As ostomias de eliminação constituem-se como uma abertura cirúrgica na parede abdominal, com o objetivo de promover a eliminação de resíduos como fezes e urina. As ostomias de eliminação intestinal são realizadas quando alguma parte do intestino sofre de disfunção, obstrução ou lesão (Neto et al., 2016). De acordo com o segmento intestinal exteriorizado, o estoma intestinal pode ser designado por ileostomia (íleo) ou colostomia (colon; Babakhanlou et al., 2022). Por sua vez, as ostomias de eliminação urinária são indicadas em doenças que envolvem a pelve renal, ureteres, bexiga e uretra, a fim de preservar a função renal. Esse estoma pode ser designado de acordo com o órgão/segmento que é derivado à pele, nomeadamente: nefrostomia (rim), ureterostomia (ureter), cistostomia (bexiga), uretrostomia (uretra) e ainda urostomia (quando se remove a bexiga e é criado um conduto/reservatório com uma porção do íleo/colon unido aos ureteres, que é posteriormente exteriorizado à pele; Babakhanlou et al., 2022; National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases, 2020; Schultz et al., 2015).
De forma a conhecer esta população e as suas características, têm sido desenvolvidos vários estudos epidemiológicos ao longos dos anos. Na Europa, estima-se que existam cerca de 700.000 pessoas com um estoma de eliminação (European Ostomy Association, 2012). Em Portugal, a informação existente é limitada (Romão et al., 2020) e divergente, havendo estimativas que variam entre 16.000 (Hospital Fernando Fonseca, 2020) e 25.000 (Cabral, 2009) pessoas com estoma. Existe, portanto, uma escassez de dados atuais e robustos sobre a incidência e prevalência de pessoas com um ou mais estomas na população portuguesa. Assim, estimar a incidência, prevalência e caracterização sociodemográfica da população com estoma em Portugal pode ajudar a compreender os desafios associados a esta condição, constituindo-se como evidência para apoiar a melhoria dos cuidados de saúde prestados a este grupo populacional. Além disso, pode ainda contribuir para melhores decisões em saúde, que satisfaçam as necessidades e expectativas das pessoas que vivem com estoma.
Questão de investigação
Qual a incidência e prevalência de pessoas com um ou mais estomas de eliminação em Portugal, em 2021?
Metodologia
Foi realizado um estudo observacional, longitudinal retrospetivo multicêntrico, a partir de dados secundários extraídos de uma base de dados populacional anonimizada (BD Phollow). Esta BD contém dados de dispensa de medicamentos sujeitos a receita médica e dispositivos médicos abrangidos pelo regime de comparticipação pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), efetuadas nas farmácias comunitárias filiadas da Associação Nacional de Farmácias (ANF) e com sistema informático de dispensa Sifarma® (n = 2.411, cerca de 83% do universo de farmácias comunitárias em Portugal), anonimizadas localmente e posteriormente partilhadas com o Centro de Estudos e Avaliação em Saúde (CEFAR). Foram considerados para a amostra todos os registos de dispensas de dispositivos médicos para ostomia, incluídos no regime de comparticipação previsto da Portaria n. º 284/2016, de 4 de novembro e publicada no site do INFARMED, em Portugal Continental e Região Autónoma (RA) da Madeira, nos anos de 2020 e/ou 2021. A RA dos Açores não foi incluída neste estudo uma vez que a comparticipação destes dispositivos através das farmácias comunitárias apenas teve início no final do ano de 2021.
A cada registo presente na amostra está associado: a) identificador único (ID) de utente; b) sexo; c) idade; d) código da farmácia onde foi efetuada a dispensa; e) código do produto dispensado e f) data da dispensa. O código da farmácia apenas é utilizado para alocação de região, sendo os dados provenientes de farmácias das mesmas regiões de interesse (ex. distritos) agregados para análise. Os produtos foram classificados de acordo com o tipo de ostomia descrita na lista de produtos do INFARMED, nomeadamente: a) ostomia de alimentação; b) ostomia de respiração e c) ostomia de eliminação. Para os produtos tipificados como sendo de eliminação foi ainda efetuada uma segunda classificação considerando o grupo e designação do dispositivo médico, especificamente: ostomia de eliminação urinária, colostomia e ileostomia. Assim, com base na identificação dos produtos adquiridos (podendo o utente ter adquirido outros produtos sem especificação da sua finalidade), os utentes foram agrupados em cinco categorias: 1) Estoma de eliminação urinária - aqueles que adquiriram apenas produtos direcionados para urostomia (exceto urostomia continente), nefrostomia ou ureterostomia; 2) Colostomia - aqueles que apenas adquiriram produtos direcionados para colostomia; 3) Ileostomia - aqueles que apenas adquiriram produtos direcionados para ileostomia; 4) Estoma múltiplo - aqueles que adquiriram produtos direcionados para estoma de eliminação urinária e colostomia ou ileostomia; 5) Utilizadores múltiplos - aqueles que adquiriram produtos direcionados para ileostomia e colostomia. Para efeitos do presente estudo, os utentes com produtos de estoma de eliminação que tenham adquirido paralelamente em algum momento do tempo produtos de estoma de alimentação ou respiração foram alocados à coorte de estoma de eliminação. Para estimar o número total de pessoas com estoma em Portugal continental e na RA da Madeira, partindo da amostra extraída de 2.411 farmácias, foi efetuada uma extrapolação linear com base no número total de embalagens adquiridas e no cálculo do número médio de embalagens adquiridas por pessoa. Considerando o número total de embalagens comparticipadas reportadas pelo INFARMED (2021), e assumindo a mesma estratificação e distribuição populacional da amostra recolhida, estimou-se o número total de pessoas com estoma em Portugal.
Neste estudo, a estimativa de incidência e prevalência dos estomas de eliminação, em 2021, foi definida como: i) incidência (por 100.000 pessoas-ano) - número de pessoas identificadas com pelo menos uma dispensa de um dispositivo de eliminação em 2021 e sem registo de dispensa em 2020, dividido pela população a residir em Portugal continental e RA da Madeira em 2021 de acordo com os dados INE para esse ano ii) prevalência (por 100.000 pessoas-ano) - número de pessoas identificadas com pelo menos uma dispensa de um dispositivo de eliminação em 2021, dividido pela população a residir em Portugal continental e RA da Madeira em 2021 de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) para esse ano (Instituto Nacional de Estatística, 2021; Noordzij et al., 2010). Os intervalos de confiança para o número total de pessoas com estoma foram calculados com base nos intervalos de confiança a 95% para a média do número de embalagens adquiridas por pessoa na amostra correspondente, em cada estratificação (considerado um fator de amostragem equivalente ao quociente entre as embalagens reportadas pelo INFARMED e o número de embalagens na amostra). Os intervalos de confiança para a proporção de incidentes foram calculados com base em intervalos de confiança a 95% para proporções (IC95%).
Os dados demográficos dos utentes identificados na coorte foram descritos e segmentados de acordo com as cinco categorias definidas para os estomas de eliminação. As variáveis categóricas (sexo, classes etárias) foram sumarizadas através de frequências absolutas. As variáveis numéricas (i.e., idade) foram sumarizadas usando medidas de tendência central, nomeadamente a média, mediana, desvio-padrão e quartil 1 e 3. A análise de incidência e prevalência foi efetuada para o universo total da população e para as três classes maioritárias de categoria de pessoas com estoma de eliminação (colostomia, ileostomia e estoma de eliminação urinário), estratificado por região considerando os 18 distritos de Portugal Continental e a RA da Madeira, classe etária e sexo. De modo a facilitar a análise gráfica da distribuição por distrito, consideraram-se códigos de cores correspondentes à distribuição por quartis na estratificação em cada análise.
O estudo foi submetido a avaliação e obteve parecer favorável da Comissão de Ética da Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa (n.º 9/2023). Neste estudo foram apenas utilizados dados secundários pelo que não foi recolhido consentimento informado dos utentes. Todos os dados foram tratados de forma agregada, não permitindo a identificação de qualquer indivíduo.
Resultados
Prevalência
Para o ano de 2021, em Portugal continental e na RA da Madeira, estimou-se a existência de 22.045 (IC95%: 21.820-22.281) pessoas com pelo menos um estoma. Destes, 89,8% teriam pelo menos um estoma de eliminação, o que corresponde a um total de 19.793 (IC95%: 19.599-19.994) pessoas. Considerando o tipo de estoma de eliminação, observou-se que o mais frequente era a colostomia (48,8%), seguida da ileostomia (22,6%) e do estoma de eliminação urinária (21,1%) o que correspondeu a um total de casos de 9.660 (IC95%: 9.538-9.788), 4.483 (IC95%: 4.390-4.583) e 4.174 (IC95%: 4.083-4.272), respetivamente. Adicionalmente, estimou-se ainda que 533 (IC95%: 505-567) pessoas (2,7%) tivessem mais do que um estoma de eliminação (um estoma de eliminação urinária e uma colostomia ou uma ileostomia) e que 944 (IC95%: 907-986) (4,8%) tivessem apenas um estoma de eliminação intestinal, mas transitariam entre materiais de colostomia e ileostomia, o que dificultou a sua caracterização, conforme pode ser observado na Tabela 1.
Total estomas de eliminação | Colostomia | Ileostomia | Estoma de eliminação urinária | Estomas Múltiplos | Utilizadores Múltiplos | |
Global | ||||||
N* (IC95%) | 19.793 (19.599-19.994) | 9.660 (9.538-9.788) | 4.483 (4.390-4.583) | 4.174 (4.083-4.272) | 533 (505-567) | 944 (907-986) |
% | 100 | 48,8 | 22,6 | 21,1 | 2,7 | 4,8 |
Prevalência* | 195,7 | 95,8 | 44,3 | 41,3 | 5,3 | 9,3 |
Sexo | ||||||
Masculino | 61,4% | 57,2% | 61,3% | 70,8% | 64,0% | 60.6% |
Feminino | 38,6% | 42,8% | 38,7% | 29,2% | 36,0% | 39.4% |
Prevalência** | ||||||
Masculino | 252,6 | 114,2 | 57,2 | 62,1 | 7,1 | 12,0 |
Feminino | 144,1 | 77,5 | 32,7 | 23,1 | 3,6 | 7,1 |
Idade | ||||||
Média ( dp ) | 70,5 (14,2) | 72,7 (13,5) | 67,1 (15,8) | 66,6 (15,0) | 64,8 (14,3) | 67,6 (15,3) |
Mediana (AIQ) | 72 (63;81) | 74 (65;83) | 69 (59;78) | 68 (59;77) | 67 (57;75) | 70 (60;78) |
Classes etárias | ||||||
< 50 | 7,6% | 5,7% | 12% | 6,7% | 13,6% | 10,6% |
50-59 | 11,6% | 11,0% | 13,5% | 10,9% | 16% | 13,2% |
60-69 | 21,9% | 19,2% | 25,2% | 23,4% | 28% | 25,7% |
70-79 | 29,6% | 28,6% | 27,7% | 33,7% | 28,9% | 28,5% |
> = 80 | 29,3% | 35,5% | 21,6% | 25,3% | 13,6% | 22% |
Prevalência** | ||||||
<50 | 27,3 | 9,7 | 9,5 | 4,9 | 1,3 | 1,8 |
50-59 | 156,6 | 71,2 | 40,3 | 30,7 | 5,8 | 8,5 |
60-69 | 324,1 | 137,4 | 84,2 | 73,3 | 11,2 | 18,1 |
70-79 | 553,6 | 261,8 | 118,0 | 133,9 | 14,5 | 25,5 |
> =8 0 | 816,3 | 488,9 | 139,4 | 148,5 | 10,2 | 29,2 |
Nota. AIQ = Amplitude interquartil; DP = Desvio-padrão; IC95% = Intervalos de confiança a 95% para proporções; N* = População esti- mada; **Prevalência estimada por 100,000 habitantes.
As pessoas com pelo menos um estoma de eliminação, tinham em média 70,5 (DP = 14.2) anos e na sua maioria eram homens (61,4%), o que corresponde a uma prevalência estimada de 252,6 casos por 100.000 homens em Portugal. Quanto à prevalência de pessoas com um estoma de eliminação de acordo com a sua classe etária, constatou-se que esta aumenta com a idade (a maior diferença verifica-se entre os 50-59 e os 60-69 anos). Estes resultados podem também ser consultados na Tabela 1.
Apesar da prevalência de estomas de eliminação ser superior nos homens, esta variou de acordo com o tipo de ostomia realizada. Nos que tinham uma colostomia, 57,2% eram homens, o que correspondeu a uma prevalência estimada de 114,2 casos por cada 100.000 homens. Entre aqueles que tinham uma ileostomia, 61,3% eram homens, com uma prevalência de 57,2 casos por 100.000 homens. No caso do estoma de eliminação urinária, 70,8% eram homens, com uma prevalência de 62,1 casos por 100.000 homens. Relativamente aos estomas de eliminação múltiplas, 64% eram homens, o que se traduziu em 7,1 casos por cada 100.000 homens.
Considerando a distribuição de ostomizados por classe etária, a maior proporção de pessoas com uma colostomia situa-se nos 80 ou mais anos. Nas restantes, esta situa-se entre os 70 e os 79 anos. A média de idades das pessoas de acordo com o tipo de estoma de eliminação pode ser consultada na Tabela 1.
A maior prevalência estimada de pessoas com pelo menos um estoma de eliminação ocorreu nos distritos de Évora, Castelo Branco, Guarda, Viana do Castelo e Portalegre, registando prevalências superiores a 264 casos por 100.000 habitantes.
Os distritos que apresentaram maior prevalência de colostomias foram Castelo Branco, Guarda, Évora, Bragança e Viana do Castelo, registando entre 165,4 e 138,1 casos por 100.000 habitantes. A maior prevalência de ileostomias ocorreu em Évora, Portalegre, Coimbra, Castelo Branco e Viana do Castelo, registando entre 55,1 e 84,5 casos por 100.000 habitantes. Já a maior prevalência de estomas de eliminação urinária ocorreu em Coimbra, Viana do Castelo, Guarda, Vila Real e Porto, registando
entre 52,4 e 62,1 casos por 100.000 habitantes. Estes resultados podem ser analisados na Figura 1.
Nota. *Pessoas com colostomia + estoma de eliminação urinária ou ileostomia + estoma de eliminação urinária ** Pessoas que adquirem produtos para colostomia e ileostomia.
Quanto à prevalência estimada por tipo de dispositivo utilizado no que se refere ao número de peças, verificou-se que a maioria das pessoas com estoma de eliminação utilizavam um dispositivo de duas peças, em particular, as que tinham uma ileostomia, conforme detalhado na Tabela 2. Quando considerado o tipo de placa, a maioria usava uma placa plana.
Tipo de dispositivo do estoma | Colostomia N* (%) | Ileostomia N* (%) | Estoma de eliminação urinária N* (%) |
Uma peça | 3.623 (37,5) | 1.008 (22,5) | 1.185 (28,4) |
Plana | 3.518 (97,1) | 845 (83,8) | 1.117 (94,3) |
Convexa | 43 (1,2) | 120 (11,9) | 43 (3,6) |
Plana e convexa | 51 (1,4) | 43 (4,3) | 25 (2,1) |
N/A * | 11 (0,3) | 0 (0,0) | 0 (0,0) |
Duas peças | 5.699 (59,0) | 3.281 (73,2) | 2.776 (66,5) |
Plana | 4.445 (78,0) | 2.008 (61,2) | 2.146 (77,3) |
Convexa | 924 (16,2) | 941 (28,7) | 458 (16,5) |
Plana e convexa | 245 (4,3) | 302 (9,2) | 153 (5,5) |
N/A * | 85 (1,5) | 30 (0,9) | 19 (0,7) |
Uma e duas peças | 338 (3,5) | 197 (4,4) | 213 (5,1) |
Plana | 256 (75,9) | 105 (53,5) | 157 (73,6) |
Convexa | 8 (2,3) | 14 (7,1) | 3 (1,4) |
Plana e convexa | 74 (21,8) | 78 (39,4) | 53 (25,0) |
Nota. N* = População estimada; N/A * = Sem informação relativa ao tipo de placa.
Incidência
Quanto à incidência de um ou mais estomas em Portugal (continental e na RA Madeira) em 2021 esta foi de 6.622 (IC95%: 6.469-6.784). Destes, 5.834 reportaram-se a um novo estoma de eliminação (IC95%: 5.680-5.984), o que correspondeu a 88,0% dos novos casos.
Quanto ao tipo de estoma, entre as pessoas com um novo estoma de eliminação em 2021, estima-se que 1.930 tivessem uma colostomia (33,1%; IC95%: 1.830-2.030), 1.719 uma ileostomia (29,5%; IC95%: 1.625-1.814), 1.590 um estoma de eliminação urinária (27,2%; IC95%: 1.499-1.681), 151 mais do que um estoma de eliminação (estoma múltiplo - um estoma de eliminação urinária e uma colostomia ou uma ileostomia) (2,6%; IC95%: 122-181) e que 442 tivessem apenas um estoma de eliminação intestinal, mas transitavam entre materiais de colostomia e ileostomia (utilizadores múltiplos), o que, mais uma vez, impediu a sua caracterização com maior rigor (7,6%; IC95%: 393-492).
No que refere à incidência estimada de pessoas com pelo menos um novo estoma de eliminação, 61,4% eram homens, o que correspondeu a uma incidência de 74,4 casos por 100.000 homens em Portugal. A média de idades das pessoas com um novo estoma de eliminação foi de 68,1 anos, conforme apresentado na Tabela 3.
Quanto à incidência estimada de pessoas com um novo estoma de eliminação de acordo com a sua classe etária constatou-se que esta era maior nas pessoas com 70 ou mais anos.
Total eliminação | Colostomia | Ileostomia | Estoma de eliminação urinária | Estomas Múltiplos | Utilizadores Múltiplos | |
Global | ||||||
N* (IC95) | 5.834 (5.680-5.984) | 1.930 (1.830-2.030) | 1.719 (1.625-1.814) | 1.590 (1.499-1.681) | 151 (122-181) | 442 (393-492) |
% | 100 | 33,1 | 29,5 | 27,2 | 2,6 | 7,6 |
Incidência** | 57,7 | 19,1 | 17,0 | 15,7 | 1,5 | 4,4 |
Sexo | ||||||
Masculino | 61,4% | 56,5% | 60,6% | 66,4% | 69,1% | 64,5% |
Feminino | 38,6% | 43,5% | 39,4% | 33,6% | 30,9% | 35,5% |
Incidência** | ||||||
Masculino | 74,4 | 22,7 | 21,7 | 62,1 | 2,2 | 5,9 |
Feminino | 42,5 | 15,8 | 12,8 | 29,2 | 0,9 | 3,0 |
Idade | ||||||
Média ( dp ) | 68,1(15,4) | 69,6 (15,01) | 66,0 (16,8) | 69,3 (14,0) | 63,5 (15,8) | 66,6 (14,7) |
Mediana (AIQ) | 70 (60;79) | - | - | - | - | - |
Classes etárias | ||||||
<50 | 10,1% | 8,7% | 13,3% | 7,6% | 12,1% | 11,4% |
50-59 | 12,9% | 12,8% | 13,1% | 11,1% | 16,1% | 14,4% |
60-69 | 22,4% | 18,7% | 24,7% | 22,4% | 27,3% | 24,8% |
70-79 | 28,2% | 27,0% | 26,9% | 31,2% | 30,4% | 27,4% |
>=80 | 26,5% | 32,8% | 22,0% | 27,7% | 14,0% | 22,0% |
Incidência** | ||||||
<50 | 10,6 | 2,8 | 3,6 | 2,0 | 0,7 | 1,5 |
50-59 | 51,0 | 15,7 | 13,4 | 11,3 | 3,4 | 7,2 |
60-69 | 97,0 | 25,1 | 27,9 | 24,9 | 6,2 | 13,7 |
70-79 | 154,5 | 45,8 | 38,2 | 43,9 | 8,7 | 19,1 |
>=80 | 216,7 | 83,1 | 46,7 | 58,0 | 6,0 | 22,8 |
Nota. AIQ = Amplitude interquartil; DP = Desvio-padrão; IC95% = Intervalos de confiança a 95% para proporções; N* = População esti- mada **Incidência estimada por 100,000 habitantes.
Entre os que tinham uma nova colostomia, 56,5% eram homens, o que correspondeu a uma incidência de 22,7 casos por 100.000 homens. No caso de uma nova ileostomia, 60,6% eram homens, com uma incidência de 21,7 casos por 100.000 homens. Já em relação aos que tinham um estoma de eliminação urinária, 66,4% eram homens, com uma incidência de 22,0 casos por 100.000 homens. Por fim, os que tinham dois estomas de eliminação, 69,1% eram homens, o que traduziu 2,2 casos por 100.000 homens.
A maior incidência estimada de pessoas com um novo estoma de eliminação foi encontrada nos distritos da Guarda, Castelo Branco, Coimbra, Évora e Viana do Castelo, que correspondeu a 73,4-81,2 casos por 100.000 habitantes. Estes resultados podem ser consultados na Figura 2.
No que refere à incidência por tipo de estoma e por região, os distritos que apresentaram maior incidência de colostomias em 2021 foram a Guarda, Beja, Vila Real, Madeira, Castelo Branco e Évora, que correspondeu a 23,5-29,2 casos por 100.000 habitantes. A maior incidência de novas ileostomias ocorreu em Évora, Portalegre, Castelo Branco, Coimbra e Guarda, que correspondeu a 22,2-35,1 casos por 100.000 habitantes. Já a maior incidência de novos estomas de eliminação urinária ocorreu em Coimbra, Guarda, Leiria, Viana do Castelo e Braga, que correspondeu a 20,2-28,8 casos por 100.000 habitantes.
Nota. * = Pessoas com colostomia + estoma de eliminação urinária ou ileostomia + estoma de eliminação urinária; ** = Pessoas que adquirem produtos para colostomia e ileostomia.
Discussão
De acordo com o nosso conhecimento, este é o primeiro estudo de âmbito nacional que permite estimar o número de pessoas a viver com estoma em Portugal. Os resultados deste estudo indicam uma prevalência de pessoas com um ou mais estomas em Portugal tendencialmente superior aos valores considerados em estudos prévios, que oscilavam entre 16.000 e 25.000 pessoas (Cabral, 2009; Hospital Fernando Fonseca, 2020). Com este estudo foi possível estimar que esta população é maior do que a previamente considerada na definição de políticas de acesso a cuidados e serviços especializados nesta área.
Por outro lado, os resultados apontam que a maioria das pessoas com um ou mais estomas em Portugal tem um estoma de eliminação, sendo o mais prevalente a colostomia. Os dados da incidência para o ano 2021 revelaram a mesma tendência com a colostomia a surgir na maioria dos casos. Estudos internacionais prévios apresentam resultados semelhantes em que a colostomia é o tipo de estoma de eliminação mais frequente, seguida pela ileostomia (Neto et al., 2016; Sirimarco et al., 2021). Estes resultados são particularmente úteis para perceber quais os tipos de estomas mais frequentes na população portuguesa. Assim, poderão ser indicativos de que os recursos de saúde em Portugal deverão privilegiar circuitos assistenciais e profissionais especificamente dirigidos ao cuidar de pessoas com um estoma de eliminação e, em particular, de eliminação intestinal.
No que concerne às características sociodemográficas desta população, a prevalência e incidência de estomas de eliminação revelou ser tendencialmente superior nos homens, com 70 ou mais anos e nos que residem na região interior do país no caso dos estomas de eliminação intestinal ou na região norte para os estomas de eliminação urinária. Sabe-se que umas das principais causas para a construção de um estoma de eliminação intestinal é o cancro colorretal. Os fatores de risco para o seu desenvolvimento podem ser demográficos, genéticos ou de exposição, sendo os mais referidos na literatura a idade, a história familiar prévia, a doença inflamatória intestinal, o consumo de tabaco e os hábitos alimentares (Baidoun et al., 2021). De facto, a incidência deste tipo de cancro tem sido tendencialmente superior nos homens, nas diferentes regiões do mundo (Rawla et al., 2019). Essa diferença pode estar relacionada com uma maior exposição a fatores de risco modificáveis como o consumo de álcool, tabaco, o excesso de peso e os hábitos alimentares (Baidoun et al., 2021; Keum & Giovannucci, 2019). Por outro lado, o cancro colorretal é três a quatro vezes mais comum em países desenvolvidos do que em desenvolvimento (Rawla et al., 2019), muito associado a elevada ingestão de carne processada ou vermelha, gorduras saturadas ou provenientes de animais e de alimentos em conserva e condimentados (Aykan, 2015). Esse poderá ser um dos motivos pelo qual a prevalência e incidência em 2021 de estomas de eliminação intestinal foi superior nas regiões interiores de Portugal. Também a acessibilidade e a adesão a programas de rastreio de cancro podem ser um motivo para valores superiores nessas regiões (Direção Geral de Saúde, 2022). Assim, estes resultados são especialmente importantes para perceber o perfil da pessoa com um estoma de eliminação em Portugal. Por um lado, estes resultados podem contribuir para o desenvolvimento de políticas e programas de cuidados mais ajustados às características, necessidades formativas e de acompanhamento de saúde específicas dessas pessoas. Por outro lado, estes podem servir de base para a reflexão sobre os programas de prevenção e de rastreio de cancro intestinal e urinário instituídos em Portugal, e de como poderão ser potenciados os seus resultados.
Quanto ao tipo de dispositivo utilizado, constatou-se que a maioria privilegia os dispositivos de duas peças com placa plana. Contudo, é indispensável que os profissionais de saúde conheçam as diferentes opções disponíveis, bem como as suas indicações, para que possam assistir as pessoas a selecionar os que melhor respondem às suas necessidades, características e preferências individuais.
Para finalizar, importa identificar as limitações deste estudo. Em primeiro lugar, evidencia-se o facto de serem incluídos neste estudo dados de apenas 83% das farmácias comunitárias de Portugal, o que obrigou a que houvesse necessidade de extrapolar os dados para a totalidade do universo. Em segundo lugar, salienta-se o facto de ter sido excluída a RA dos Açores, uma vez que só a partir do final do ano de 2021 se iniciou a comparticipação dos dispositivos de ostomia através das farmácias comunitárias e como tal não haviam dados disponíveis para análise. Em terceiro lugar, enfatiza-se o facto dos resultados deste estudo terem sido inferidos a partir de dados provenientes de dispensa dos dispositivos médicos para ostomia e não de diagnósticos clínicos. Por esse motivo, as pessoas com um ou mais estomas que utilizam dispositivos não identificados como produtos para ostomia ou que não são fornecidos pelas farmácias comunitárias, não foram identificadas e consideradas no presente estudo. Assim, os resultados aqui apresentados podem, na verdade, subestimar a realidade. Para além disso, não foi possível caracterizar com detalhe o tipo de estoma das pessoas que utilizavam diferentes tipologias de dispositivos ao longo do tempo. Por outro lado, haverá a possibilidade de existirem situações em que os dispositivos de ostomia possam ser prescritos para outros fins que não um estoma, como por exemplo para a gestão de fístulas enterocutâneas (enquanto intercorrência da cirurgia associada à criação de um estoma), o que pode ter extrapolado o resultado.
Conclusão
Este estudo permitiu conhecer, com mais rigor, a prevalência e incidência de estomas de eliminação em Portugal em 2021. Permitiu ainda perceber quais as características demográficas e clínicas dessa população, nomeadamente a idade, o sexo, a área geográfica, o tipo de ostomia que apresentam e o tipo de dispositivo que utilizam. Estes resultados são úteis para conhecer o perfil de pessoas com estoma de eliminação e ajustar os programas de acompanhamento das pessoas com estoma de eliminação às especificidades dessa população. Por outro lado, permitem refletir sobre como poderão ser melhorados os resultados dos programas de prevenção e rastreio de cancro intestinal e urinário em Portugal. Este conhecimento tem ainda o potencial de auxiliar a otimizar a alocação de recursos especializados aos serviços de saúde das áreas geográficas mais afetadas e a formação dos profissionais dos serviços que atendem essas populações. Efetivamente, estudos epidemiológicos em grande escala fornecem evidência que apoia a alocação de recursos e ainda a definição/reformação de estratégias de prevenção, tratamento e acompanhamento das pessoas com um ou mais estomas. No futuro seria importante caracterizar com maior detalhe esta população, nomeadamente a sua escolaridade, a causa do estoma, fatores etiológicos associados, a sua duração e ainda as suas necessidades de cuidados.