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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serVI no.3 Coimbra dez. 2024  Epub 15-Jul-2024

https://doi.org/10.12707/rvi23.93.32445 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Adaptação e validação do instrumento Coping Behaviour Inventory para o idioma português europeu

Adaptation and validation of the Coping Behavior Inventory into European Portuguese

Adaptación y validación del Coping Behavior Inventory al portugués europeo

1 Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências da Saúde e Enfermagem, Lisboa, Portugal

2 Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde (CIIS), Lisboa, Portugal

3 Escola Superior de Saúde Egas Moniz (ESSEM), Setúbal, Portugal

4 Centro de Investigação Interdisciplinar Egas Moniz (CiiEM), Enfermagem, Setúbal, Portugal


Resumo

Enquadramento:

Os estudantes de enfermagem estão sujeitos a stress ao longo do curso de enfermagem sobretudo durante a prática clínica. O conhecimento das estratégias de coping utilizadas permite identificar recursos para mitigar o stress a que estes estão sujeitos.

Objetivo:

Traduzir e validar o instrumento Coping Behaviour Inventory para o idioma português europeu.

Metodologia:

Trata-se de um estudo metodológico onde foi utilizada uma amostra não probabilística de 113 estudantes dos 4 anos do curso de licenciatura em enfermagem. Para a aferição das propriedades psicométricas do instrumento foi determinada a validade de construto da escala pelo método de análise de componentes principais e a consistência interna pelo cálculo do coeficiente alfa de Cronbach.

Resultados:

Pela análise fatorial exploratória foram extraídos quatro fatores comuns que explicam 57,5% da variância retida sendo o valor alfa de Cronbach para a escala total de 0,668.

Conclusão:

O Inventário de comportamentos de coping apresenta características psicométricas adequadas no idioma português europeu, sendo um instrumento fiável na avaliação das estratégias de coping utilizadas pelos estudantes de enfermagem.

Palavras-chave: enfermagem; estudantes; inquéritos e questionários; coping

Abstract

Background:

Nursing students are exposed to stress during their nursing program, particularly during clinical practice. Identifying the coping strategies used during this period can help identify resources to mitigate the stress they face.

Objective:

To translate and validate the Coping Behavior Inventory (CBI) into European Portuguese.

Methodology:

Methodological study with a nonprobability sample of 113 students attending the four years of the nursing program. To assess the psychometric properties of the instrument, its validity was analyzed using the principal component analysis method and its internal consistency by calculating Cronbach’s alpha coefficient.

Results:

Four common factors were extracted from the exploratory factor analysis, explaining 57.5% of the variance, with a Cronbach’s alpha value of 0.668 for the total scale.

Conclusion:

The European Portuguese version of the CBI has adequate psychometric characteristics and is a reliable tool for assessing the coping strategies used by nursing students.

Keywords: nursing; students; surveys and questionnaires; coping

Resumen

Marco contextual:

Los estudiantes de enfermería están sometidos a estrés a lo largo de sus estudios, especialmente durante las prácticas clínicas. El conocimiento de las estrategias de afrontamiento (coping) utilizadas nos permite identificar recursos para mitigar el estrés al que están sometidos.

Objetivo:

Traducir y validar el instrumento Coping Behavior Inventory para el idioma portugués europeo.

Metodología:

Se trata de un estudio metodológico que utilizó una muestra no probabilística de 113 estudiantes de los cuatro años de la carrera de Enfermería. Para evaluar las propiedades psicométricas del instrumento, se determinó la validez de constructo de la escala mediante el método de análisis de componentes principales y la consistencia interna mediante el cálculo del coeficiente alfa de Cronbach.

Resultados:

El análisis factorial exploratorio extrajo cuatro factores comunes que explican el 57,5% de la varianza retenida, con un valor alfa de Cronbach para la escala total de 0,668.

Conclusión:

El Inventario de Comportamientos de Afrontamiento tiene características psicométricas adecuadas en portugués europeo y es un instrumento fiable para evaluar las estrategias de afrontamiento utilizadas por los estudiantes de enfermería.

Palabras clave: enfermería; estudiantes; encuestas y cuestionarios; afrontamiento

Introdução

Os estudantes de enfermagem estão sujeitos a um elevado stress durante o curso de enfermagem, que aumenta durante a prática clínica (Bhurtun et al., 2021). As fontes são multifatoriais e podem ter um impacto negativo nos resultados académicos reduzindo a sua capacidade para interagir de uma forma segura (Kalikotay et al., 2023). O coping é um recurso importante que permite ao estudante enfrentar as ameaças, sendo reconhecido que a utilização de estratégias de coping eficazes permite a redução do stress e particularmente dos seus efeitos negativos (Sheu et al., 2002). As estratégias de coping têm sido amplamente estudadas nos últimos anos, e vários instrumentos têm sido desenvolvidos para a sua avaliação nos estudantes de enfermagem, com especial destaque para o Coping Behaviour Inventory (CBI). Este instrumento foi utilizado em vários idiomas e contextos socioculturais, contudo ainda não foi validado para português europeu.

Assim, o objetivo deste estudo foi traduzir e validar o instrumento de medida CBI, de avaliação das estratégias de coping em estudantes de enfermagem para português europeu.

Enquadramento

O coping é o processo habitualmente utilizado para ajudar os indivíduos a manter a adaptação psicossocial sob condições stressantes, sendo definido como a mobilização de recursos cognitivos e comportamentais para lidar com stressores internos e externos (Lazarus & Folk, 1984). Enquanto fenómeno complexo contribui para alterações na saúde mental e situações crónicas de doença diminuindo a produtividade, reduzindo a qualidade de vida e aumentando exponencialmente o custo com medicação e recurso a serviços de saúde (Manosso et al., 2022). Segundo Lazarus e Folk (1984), o stress ocorre perante o desequilíbrio entre as exigências ambientais e os recursos utilizados pelo indivíduo para fazer face a essas exigências. De forma a ultrapassar o stress os indivíduos procuram mobilizar diferentes recursos que ajudem à sua resolução. O coping é um dos processos que permite mediar a relação entre a pessoa e o ambiente, modificando o problema que causa sofrimento e controlando a reação emocional do indivíduo. Os mesmos autores referem que as estratégias de coping podem ser aprendidas e que a redução do stress ocorre em indivíduos que possuem um leque mais abrangente de estratégias (Lazarus & Folk, 1984).

Os estudantes de enfermagem enfrentam uma série de situações novas e difíceis durante o seu percurso académico, sobretudo durante a prática clínica, o que os torna especialmente vulneráveis ao stress. A exposição permanente ao stress e a incapacidade de implementar estratégias de coping eficazes, pode ter um efeito adverso na saúde do estudante, no seu bem-estar social, no seu desempenho académico e na qualidade dos cuidados prestados (Sheu et al., 2002).

A identificação das estratégias de coping nos estudantes de enfermagem é fundamental para entender se estes estão preparados para lidar com as situações de stress profissional e de que forma podemos mitigar os efeitos do mesmo (Alanazi et al., 2023).

Uma das formas mais frequentes de identificar as estratégias de coping utilizadas é pelo recurso a instrumentos de medida. Na população de estudantes de enfermagem existem já diversos instrumentos validados internacionalmente (Alkhawaldeh et al., 2023; Bhurtun et al., 2021; Kalikotay et al., 2023). Entre esses destaca-se o CBI como um dos instrumentos mais utilizados pela sua simplicidade de aplicação, validade e propriedades psicométricas adequadas (Fitzgibbon & Murphy, 2022). Foi criado originalmente por Sheu e colaboradores (2002) e compreende 19 itens agrupados em quatro fatores que são classificadas segundo uma escala tipo Likert de 5 pontos (0 a 4). Uma pontuação mais elevada num fator indica uma utilização mais frequente deste tipo de estratégias de coping. O primeiro fator designa-se por comportamentos de evitamento e contempla seis itens direcionados para o desenvolvimento de estratégias no sentido de evitar a situação stressante. O segundo fator integra também seis itens e designa-se por comportamentos de resolução de problemas. O terceiro fator (comportamentos de coping otimistas) integra quatro itens direcionados à manutenção de uma atitude otimista relativamente aos resultados da situação stressante. Por fim o 4º fator (comportamentos de transferência) integra três itens que se relacionam com a transferência da atenção da situação stressante para outras situações. Originalmente foram listados 33 comportamentos de coping identificados a partir da revisão de literatura e de entrevistas a 100 estudantes de enfermagem. A avaliação das propriedades psicométricas do CBI incluiu a determinação da consistência interna (valores de coeficientes alfa de 0,76 para a escala total), teste-reteste e análise fatorial exploratório. Após a análise de correlação item-total a escala ficou reduzida a 19 itens. A análise fatorial identificou quatro fatores que explicavam 38,2% da variância com determinação de valores de alfa de Cronbach para cada categoria (0,57; 0,57; 0,59 e 0,55 respetivamente; Sheu et al., 2002). Este instrumento tem sido utilizado no contexto internacional (Alanazi et al., 2023; Bhurtun et al., 2021; Gutiérrez-Puertas et al., 2022). A sua tradução e validação para o português europeu permitirá a comparabilidade e fornecerá uma ferramenta para a análise das estratégias de coping utilizadas pelos estudantes de enfermagem em contexto nacional.

A adaptabilidade e a validação de instrumentos permitem aos investigadores realizar estudos transculturais e transversais de forma eficaz (Grove & Gray, 2022). Quando os dados são recolhidos utilizando instrumentos normalizados e validados em várias populações, torna-se possível estabelecer comparações significativas e identificar padrões ou diferenças entre grupos (Cha et al., 2007). Este aspeto permite uma compreensão mais profunda da forma como diferentes fatores podem influenciar os resultados em contextos culturais ou geográficos distintos. Desta forma, o processo de adaptação e validação de instrumentos é uma ferramenta indispensável a considerar nos estudos de investigação (Grove & Gray, 2022). Tirando partido dos recursos existentes e assegurando a integridade dos dados, os investigadores podem recolher eficazmente dados significativos que não só representam as características únicas de diversas populações, como também permitem comparações cruzadas para uma compreensão mais abrangente e global de vários fenómenos (Cha et al., 2007).

Questão de investigação

O instrumento CBI para identificação de estratégias de coping em estudantes de enfermagem é válido e fiável em português europeu?

Metodologia

O presente estudo descreve um processo metodológico de tradução e validação do instrumento CBI para português europeu. Integra-se num projeto de investigação mais amplo e em curso acerca das estratégias de coping e suporte social em estudantes de enfermagem.

Após o contacto formal com os autores do instrumento original (Sheu et al., 2002) procedeu-se à adaptação cultural do instrumento segundo as recomendações para tradução e adaptação de instrumentos de medida em saúde (Beaton et al., 1998). A primeira etapa teve como objetivo obter a equivalência linguística e cultural do instrumento em português europeu. Deste processo resultou uma versão pré-teste que foi aplicado a uma amostra de 10 recém-licenciados do curso de enfermagem (Figura 1). Na segunda fase o instrumento foi aplicado a uma amostra de 113 estudantes do curso de licenciatura em enfermagem dos 4 anos, numa escola superior de saúde. Esta etapa teve como objetivo avaliar as propriedades psicométricas do instrumento em português europeu.

A primeira fase teve como objetivo garantir a equivalência quer linguística quer conceptual do instrumento. Numa primeira etapa o instrumento foi traduzido por dois tradutores independentes ambos com domínio dos dois idiomas (inglês e português europeu). O primeiro tradutor, da área da saúde e com conhecimento dos conceitos usados no instrumento produziu a tradução 1 (T1). O segundo tradutor, fora da área da saúde e sem conhecimento acerca dos conceitos usados fez a tradução 2 do instrumento (T2).

Na segunda etapa as traduções produzidas na etapa 1 foram consensualizadas por ambos os tradutores e por um membro da equipe de investigação num único documento (T12).

Na terceira etapa procedeu-se à retro tradução do instrumento. Utilizando a versão T12 dois tradutores, ambos fora da área da saúde, com domínio do idioma inglês e sem conhecimento do instrumento original efetivaram a retro tradução produzindo-se dois documentos distintos (RT1 e RT2).

Na etapa 4 foi constituído um painel de peritos formado por: duas metodologistas com experiência em tradução e adaptação cultural de instrumentos de medida, duas profissionais de saúde, dois profissionais da área da língua portuguesa e duas tradutores cuja língua materna é o inglês. Foram fornecidas todas as versões produzidas bem como o instrumento original. O objetivo foi assegurar a equivalência semântica e conceptual tendo-se produzido a versão pré-teste. Para determinar a validade de conteúdo foi calculado o índice de validade de conteúdo (IVC) enquanto indicador da extensão de consenso dos peritos sendo desejável um valor de 0,90 (Grove & Gray, 2022). Nos 19 itens que integram o instrumento obteve-se um valor médio de IVC de 0,94 sendo que em 12 dos itens houve concordância absoluta (IVC = 1), em cinco itens o valor do IVC foi de 0,88 e em dois itens (item 9 e item 17) o valor de IVC foi de 0,75. Nos itens em que se verificou valores mais baixos de IVC as traduções foram discutidas até se chegar a uma tradução de consenso.

Na última etapa deve ser aplicada a versão pré teste do instrumento a um pequeno grupo da população alvo ou similar (Beaton et al., 1998). Neste caso o instrumento na sua versão pré-teste foi aplicado a 10 recém-licenciados do curso de enfermagem com características similares com a população alvo.

Figura 1: Fluxograma representativo do procedimento de adaptação cultural do instrumento CBI 

Para a determinação das propriedades psicométricas a dimensão da amostra deve ser previamente definida sendo desejável entre duas a 20 respostas válidas por cada variável (Anthoine et al., 2014). Definiu-se um número de cinco respostas por cada item. Sendo o instrumento formado por 19 itens, pretendia-se uma amostra de dimensão > 95. A aplicação do instrumento ocorreu em junho de 2023 por um período de duas semanas. Este período foi selecionado por corresponder ao final dos estágios dos estudantes na escola onde o estudo decorre sendo o tempo selecionado suficiente para obter a dimensão de amostra pretendida. O instrumento foi aplicado em formato online, sendo divulgado via email para os estudantes do curso de licenciatura (N = 263) que cumpriam os critérios de inclusão e que serão detalhados mais à frente.

O programa estatístico IBM SPSS Statistics, versão 27.0 foi utilizado enquanto recurso para a análise estatística. A validade de constructo do CBI em português europeu foi aferida pelo método de análise de componentes principais com rotação Varimax. No sentido de assegurar a adequação do modelo fatorial à matriz de correlações e posterior realização da análise fatorial foi aplicado o Teste de Esfericidade de Bartlett (TEB < 0,05), o método de Kaiser, os testes de Kaiser-Meyer-Olkin (com valor mínimo aceitável de KMO > 0,6; Kaiser & Rice, 1974) e aplicados como critérios de retenção das componentes os valores de eigenvalue superiores a 1 e a análise gráfica do Scree Plot. Neste processo manteve-se o número de itens do instrumento original.

Foi calculado o coeficiente alfa de Cronbach para a avaliação da consistência interna. Esta medida permite a redução da dimensão dos dados, através do cálculo do grau de homogeneidade ou consistência entre as variáveis iniciais, identificando um conjunto menor de variáveis hipotéticas ou fatores que podem ser interpretadas como dimensões latentes (Grove & Gray, 2022).

Mantiveram-se os critérios de aplicação da versão original: estudantes de enfermagem que tivessem realizado a prática clínica e aceitassem participar no estudo. Foram excluídos os alunos que tivessem sofrido um incidente grave (situações de luto e/ou doença grave) antes da prática clínica.

O estudo foi aprovado pelo Conselho Técnico Científico da Egas Moniz em 5 de julho de 2022 (Parecer n.º 117/21.22) e pela Comissão de Ética da Egas Moniz em 28 de julho de 2022 (Parecer n.º 1114.22). O questionário online integrava uma explicação do estudo, o tipo de participação pretendido e o pedido de consentimento informado sendo especificado: o caracter voluntário de participação podendo o estudante desistir a qualquer momento sem qualquer tipo de penalização; o anonimato; a confidencialidade e proteção dos dados recolhidos. Para avançar no preenchimento os estudantes tinham de obrigatoriamente sinalizar o consentimento na participação no estudo.

Resultados

Na primeira fase foram aplicados 10 questionários a recém-licenciados do curso de enfermagem. O questionário foi enviado em formato eletrónico e continha um campo a seguir a cada questão onde poderiam ser colocadas sugestões e /ou dúvidas. Adicionalmente cada recém-licenciado foi contactado telefonicamente pelos investigadores sendo que todos referiram compreender o que era questionado e consideram que os itens eram claros, pelo que não houve alterações após a aplicação do pré-teste. O CBI na sua versão em português europeu passou a designar-se de Inventário de comportamentos de coping.

Na segunda fase foram enviados emails aos 263 estudantes dos 4 anos letivos sendo que dois estudantes foram excluídos e não integraram a lista de email. Obteve-se uma taxa de retorno de 43% (n = 113). Os estudantes que participaram no estudo são, maioritariamente, do sexo feminino (91,2%; n = 103), com idades compreendidas entre 18 e 51 anos (M = 22,84; DP = 5,3) e com uma distribuição equitativa nos 4 anos letivos, como se pode verificar na Tabela 1.

Tabela 1 : Características gerais da amostr a 

Variáveis n %
Sexo Feminino Masculino 103 10 91,2% 8,8
Ano Letivo 1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 23 26 37 27 20,4% 23% 32,7% 23,9%
Idade 18 - 20 21 - 22 >= 23 34 43 36 30,1% 38,1% 31,9%

Nota. n = Número de participantes; % = Percentagem.

No que se refere à análise das propriedades psicométricas a estrutura relacional das respostas às 19 perguntas do Inventário de comportamentos de coping em português europeu foi avaliada pela Análise Fatorial Exploratória (AFE), sobre a matriz das correlações, com extração dos fatores pelo método das componentes principais seguida da rotação Varimax. Não se determinou à priori o número de fatores pretendidos. A extração dos quatro fatores resultou das componentes que apresentaram valores de eigenvalue superiores a 1 em consonância com a análise do Scree Plot.

A percentagem de variância retida foi de 57,5%. A validade da AFE procedeu-se através do Teste de esfericidade de Bartlett (x² (171) = 865,865; p < 0,001) e da Medida Kaiser-Meyer-Olkin de adequação de amostragem (KMO = 0,734).

Na Tabela 2 apresentam-se os pesos fatoriais de cada item em cada um dos quatro fatores, os seus eigenvalue, a comunalidade de cada item e a % de variância explicada por cada fator.

Tabela 2 : Matriz das saturações dos itens na análise fatorial em componentes principais com rotação ortogonal Varimax (solução com quatro fatores ) 

Matriz de componente rotativa Componentes h2
Dimensões Itens 1 2 3 4
Comportamentos de resolução de problemas Definir objetivos para resolver problemas 0,772 0,627
Procurar significado nos incidentes stressantes 0,728 0,569
Fazer planos, listas de prioridades e resolver eventos stressantes 0,714 0,553
Aplicar experiências anteriores na resolução de problemas 0,701 0,613
Adotar estratégias diferentes para a resolução de problemas 0,510 0,407
Ter a confiança para atuar tão bem quanto os colegas mais seniores 0,496 0,510
Comportamentos de coping otimista Reservar tempo para dormir e manter boa saúde para enfrentar o stress 0,718 0,571
Relaxar a ver televisão, filmes, tomar um duche ou exercícios físicos (jogar à bola, correr) 0,696 0,522
Ter confiança para ultrapassar as dificuldades 0,693 0,674
Manter uma atitude otimista e positiva ao lidar com tudo na vida 0,665 0,710
Ver as coisas de forma objetiva 0,590 0,602
Chorar, sentir-se mal-humorado, triste e desamparado -0,438 0,504
Comportamentos de evitamento Evitar os professores 0,780 0,668
Evitar as dificuldades durante a prática clínica 0,726 0,535
Esperar que os outros resolvam o problema 0,616 0,623
Discutir e perder a paciência com os outros 0,573 0,465
Comportamentos de transferência Comer em abundância e dormir um longo sono 0,739 0,589
Esperar milagres para não ter de enfrentar as dificuldades 0,656 0,608
Atribuir ao destino 0,564 0,575
Variação Total: 57,5% Variação explicada por componente Valor próprio 27,10% 5,148 14,30% 2,722 9,30% 1,762 6,80% 1,291

Nota. h2 = Comunalidades.

Com base na Tabela 2 podemos verificar que se mantêm quer o número total de itens, quer as quatro dimensões cuja variância explicada é de 57,5%. Verifica-se na 1ª dimensão que as saturações dos itens variam entre 0,772 e 0,496; na 2ª dimensão variam entre 0,718 e -0,438; na 3ª dimensão variam entre 0,780 e 0,573 e na 4ª dimensão variam entre 0,739 e 0,564. Os valores das comunalidades (h2) são superiores a 50% à exceção dos itens “adotar estratégias diferentes para a resolução de problemas” (40,7%) e “discutir e perder a paciência com os outros” (46,5%) não se justificando, contudo, a sua eliminação (peso fatorial de 0,510 e 0,573 respetivamente; Pestana & Gageiro, 2014).

No que se refere à distribuição e agrupamento dos itens, relativamente à versão original de Sheu (2002) pelas 4 dimensões/fatores na versão portuguesa, importa referir que na 1ª dimensão - Comportamentos de resolução de problemas, como na 3ª dimensão - Comportamentos de evitamento mantiveram-se os itens iguais à escala original. Contudo, a 2ª dimensão - Comportamentos de coping otimista passou a integrar dois itens que originalmente estavam integrados na dimensão - Comportamentos de transferência. Por último, a 4ª dimensão - Comportamentos de transferência integrou dois itens que se encontravam originalmente agrupados na dimensão Comportamentos de evitamento. O reagrupamento destes itens refletiu um processo analítico que decorreu, por um lado, dos resultados dos testes estatísticos da análise fatorial exploratória expostos na Tabela 2 e, por outro lado, na interpretação dos itens em conjugação com a denominação dos comportamentos das quatro dimensões finais, propostas para a versão em português europeu.

Na aferição da consistência interna determinou-se o valor de alfa de Cronbach quer para a escala total quer para cada uma das 4 dimensões, como se pode verificar pela Tabela 3, tendo-se obtido para a escala total o valor de 0,668.

Tabela 3 : Dimensões das estratégias de coping em estudantes de enfermagem 

Valor de Alpha de Cronbach N.º de itens
Comportamentos de resolução de problemas 0,794 6
Comportamentos de coping otimista 0,654 6
Comportamentos de evitamento 0,702 4
Comportamentos de transferência 0,596 3

Discussão

A adaptação e validação de instrumentos de medida é um processo útil e benéfico, visto que é eficiente na rentabilização de recursos e na facilitação na comparação de dados de populações diversas (Grove & Gray, 2022). Este procedimento envolve a tradução de instrumentos de medição existentes para satisfazer as necessidades específicas e as nuances culturais da população-alvo, assegurando simultaneamente a sua fiabilidade e precisão (Beaton et al., 1998). Tem como vantagem a poupança de recursos dado que em vez de investir tempo, esforço e recursos financeiros substanciais na construção de instrumentos inteiramente novos para cada população de interesse, os investigadores podem basear-se em quadros e metodologias bem estabelecidos. Ao fazer os ajustes e adaptações necessários, podem otimizar os instrumentos para aplicação em diferentes contextos sem comprometer a qualidade da recolha de dados. Além disso, o processo de validação garante que os instrumentos adaptados são sólidos e fiáveis na medição dos construtos pretendidos. Pelo cumprimento dos procedimentos metodológicos de tradução e adaptação transcultural de instrumentos e pela aferição das propriedades psicométricas, os investigadores podem verificar a eficácia dos instrumentos para captar com exatidão a informação pretendida. Esta etapa de validação é crucial para estabelecer a credibilidade e a solidez dos dados obtidos a partir destes instrumentos, reforçando assim o rigor científico dos estudos.

O processo de adaptação e validação do Inventário de comportamentos de coping foi efetivado numa amostra de 113 estudantes dos 4 anos do curso de licenciatura em enfermagem. O instrumento tem sido utilizado no contexto internacional, sendo que nem todos os autores avaliaram as características psicométricas do instrumento. A maioria dos autores refere utilizar o instrumento mantendo as mesmas quatro dimensões, com a avaliação da consistência interna pelo cálculo do valor de alfa de Cronbach para a escala total obtendo-se valores diversificados. Alanazi et al. (2023) avaliou as estratégias de coping usadas por estudantes de enfermagem durante a prática clínica numa amostra de 332 estudantes tendo obtido um valor de alfa de Cronbach de 0,839. Bhutun et al. (2021) avaliaram as estratégias de coping utlizadas por estudantes Finlandeses (n = 253) no final da primeira e segunda prática clínica tendo obtido um valor de alfa de Cronbach de 0,74 para a escala total. Também Gutiérrez-Puertas et al. (2022) utilizaram o Inventário de comportamentos de coping, numa amostra de 130 estudantes, e o valor obtido para a escala total foi de 0,85. Já Mazalová et al. (2022) usaram o Inventário de comportamentos de coping, numa amostra de 151, estudantes de enfermagem da Chequia efetuando o processo de tradução e adaptação do instrumento, bem como a determinação da consistência interna. O valor de alfa de Cronbach para a escala total neste estudo foi de 0,96 (Mazalová et al., 2022). Os valores obtidos para a escala total acima reportados são superiores ao valor encontrado no presente estudo apesar de se terem obtidos valores aceitáveis de consistência interna. Mais especificamente nas dimensões Comportamento de coping otimista e Comportamento de transferência os valores de Alpha de Cronbach são marginais o que pode ser explicado pela dimensão da amostra (Bujang et al., 2018). Todos os estudos acima referidos apresentam uma amostra de maior dimensão do que a amostra deste estudo (n = 113).

O instrumento encontra-se validado para o idioma turco (Karaca et al., 2015) tendo os autores obtido também 4 dimensões que explicam 49,84% da variância e valores de alfa de Cronbach sobreponíveis à escala original. Num estudo metodológico de avaliação das propriedades psicométricas do Inventário de comportamentos de coping em árabe, Ahmad et al. (2018) efetivaram AFE e analise fatorial confirmatória. Os autores concluíram que uma versão modificada do instrumento com 15 itens agrupado em três dimensões (comportamentos de resolução de problemas, comportamentos de evitamento e comportamentos de coping otimista) apresenta elevados índices de adequação e fortes cargas de itens pelo que recomendam a sua utilização. No presente estudo foram encontradas quatro dimensões embora com redistribuição de itens. Optou-se por manter as designações nas dimensões encontradas, porque embora os itens sejam diferentes enquadram-se na definição de cada categoria. É, no entanto, de ressaltar que é necessário atender a este aspeto na comparação de resultados uma vez que embora se mantenham os 19 itens da escala original a sua organização nas diferentes dimensões difere.

Este estudo tem como limitações a dimensão e variabilidade da amostra. Embora a dimensão tenha sido previamente determinada, uma amostra maior daria mais robustez aos resultados. Por outro lado, no que se refere à variabilidade, o estudo foi apenas aplicado numa escola de enfermagem, pelo que se recomenda a aplicação do instrumento em contextos mais diversificados.

Conclusão

O Inventário de Comportamentos de Coping em português europeu permite a identificação das estratégias de coping utilizadas por estudantes de enfermagem. A sua utilização no contexto nacional trará um novo aporte de conhecimentos permitindo a comparabilidade de resultados. Pela adesão às recomendações internacionais de tradução e adaptação de instrumentos de medida em saúde e pela determinação das propriedades psicométricas do instrumento (validade de construto e consistência interna) foi possível determinar que o Inventário de Comportamentos de Coping, em português europeu, é válido e confiável. Os resultados da sua aplicação trarão conhecimento nesta área podendo contribuir para o delineamento de estratégias que ajudem os estudantes a lidar com o stress e consequentemente para a melhoria da qualidade do ensino.

Referências bibliográficas

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13Como citar este artigo:Loureiro, F., Antunes, R., & Antunes, V. (2024). Adaptação e validação do instrumento Coping Behavior Inventory para o idioma português europeu. Revista de Enfermagem Referência, 6(3), e32445. https://doi.org/10.12707/RVI23.93.32445

Recebido: 27 de Setembro de 2023; Aceito: 09 de Janeiro de 2024

Autor de correspondência Fernanda Loureiro E-mail: floureiro@ucp.pt

Conceptualização: Loureiro, F., Antunes, V.

Tratamento de dados: Loureiro, F., Antunes, R.

Análise formal: Loureiro, F., Antunes, R.

Aquisição de financiamento: Loureiro, F., Antunes, V.

Investigação: Loureiro, F., Antunes, R., Antunes, V.

Metodologia: Loureiro, F., Antunes, R., Antunes, V.

Administração do projeto: Loureiro, F.

Recursos: Loureiro, F.

Software: Antunes, R.

Validação: Loureiro, F., Antunes, R., Antunes, V.

Redação - rascunho original: Loureiro, F.

Redação - análise e edição: Loureiro, F., Antunes, R., Antunes, V.

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