Introdução
As doenças do aparelho circulatório são responsáveis por aproximadamente um terço de todas as mortes no mundo (Bueno, 2019). Na Europa morrem 3,9 milhões de pessoas por ano, representando 45% das mortes totais (Instituto Nacional de Emergência Médica [INEM], 2020). Em Portugal representam 29,9% das mortes, sendo 7.151 causadas por doença cardíaca isquémica (DCI), na qual se insere a síndrome coronária aguda (SCA). A dor torácica aguda (DTA) é uma das causas frequentes da procura de cuidados de emergência no mundo e o sintoma mais comumente encontrado na SCA (Bonaca & Sabatine, 2022). O enfarte agudo do miocárdio (EAM), uma entidade da SCA, representa em Portugal 3,8% da mortalidade total e, quase 60% da mortalidade por DCI (INE, 2021). O enfermeiro da ambulância suporte imediato de vida (SIV) desempenha um papel fundamental para a determinação rápida do diagnóstico, estabilização hemodinâmica, controlo de arritmias e administração de terapêutica, medidas essenciais à sobrevivência da pessoa com SCA. Este estudo visa conhecer o tempo de resposta pré-hospitalar e a atuação do enfermeiro da ambulância SIV nas ocorrências de DTA, com suspeita de SCA, relativamente a dois distritos do interior norte de Portugal.
Enquadramento
A SCA é um conjunto de condições médicas que ocorrem após um desequilíbrio entre a oferta de oxigénio ao miocárdio e a sua necessidade metabólica (Bonaca & Sabatine, 2022). A falha na entrega de sangue oxigenado, ocorre, pela oclusão dos vasos, na maioria das vezes por aterosclerose, podendo ser total ou parcial (Paiva et al., 2020). O grau de obstrução das artérias precede a intensidade da isquemia, o tipo de SCA e a sua severidade. A angina é a manifestação clássica da isquemia, caracterizada como dor, desconforto ou aperto no peito, estando presente em 80% dos casos de SCA (Carvalho et al., 2022). Sendo a dor torácica o principal sintoma na suspeita da SCA, a realização de um eletrocardiograma (ECG) constitui um procedimento de eleição a seguir (Collet et al., 2020). Considerando a realização deste nos primeiros 10 minutos, na SCA diferenciam-se duas entidades, a síndrome coronária aguda sem elevação do segmento ST (SCASSST) e a síndrome coronária aguda com elevação do segmento ST (SCACSST). A SCASSST é encontrado em cerca de 60% das SCA, subdividindo-se em duas entidades: a angina instável (AI) e o enfarte agudo do miocárdio sem elevação do segmento ST (EAMSSST; Fernandes et al., 2020). Ambos têm idêntica fisiopatologia, estando o diagnóstico diferencial sujeito a realização de biomarcadores cardíacos, existindo apenas elevação no EAMSSST. O seu tratamento é ajustado mediante a gravidade, o potencial de provocar lesão e das manifestações clínicas (Ibanez & Halvorsen, 2019). O enfarte agudo do miocárdio com elevação do segmento ST (EAMCSST) reflete uma lesão do miocárdio em evolução (INEM, 2020), com dor torácica de início súbito, em repouso, com duração superior a 20 minutos, que não cede à administração de nitratos (Meira et al., 2021). A dor torácica pode ser limitada ao peito ou irradiar para o membro superior esquerdo, costas ou mandibula, podendo ser acompanhada de diaforese intensa, dispneia, náuseas/vómitos, palpitações e sincope, estando nesta fase presente um risco considerável de arritmias como taquicardia ventricular e a fibrilação ventricular (INEM, 2020). A caracterização da dor é essencial, sendo realizada através da escala Numeric Rating Scale (NRS). O estudo de Ferreira-Valente et al. (2011) apoia a validade da escala NRS para a utilização em amostras portuguesas. A presença de fatores de risco cardiovasculares (FRCV) intensifica substancialmente o risco de EAM, agrupados em não modificáveis e modificáveis. Os primeiros compreendem o sexo, a idade, o património genético e a raça. Os segundos compreendem os fatores biológicos, como a hipertensão arterial (HTA), a diabetes mellitus (DM), a dislipidemia, a obesidade, estes intimamente ligados aos estilos de vida excessivos (Meira et al., 2021). Bourbon et al. (2019) afirmam que 68% dos portugueses têm dois ou mais fatores e 22% quatro ou mais, especialmente a obesidade, a HTA e a dislipidemia. A obtenção do ECG no pré-hospitalar diminui o tempo do diagnóstico e facilita a decisão do tratamento (Bonaca & Sabatine, 2022). Pela telemedicina o médico regulador analisa o ECG à distância e valida a atuação protocolada do enfermeiro da ambulância SIV. O objetivo do tratamento inicial compreende o mitigação de sintomas, conseguido pelo repouso total da vítima, alivio da dor e da ansiedade, consequentemente reduzindo o mecanismo adrenérgico, limitando o esforço cardíaco e, diminuindo a extensão da necrose (Carvalho et al., 2022). A estratégia terapêutica é influenciada pelo tempo de início de sintomas, o estado clinico da pessoa com DTA, os antecedentes, a gravidade da doença e, o tempo/distância a percorrer para início de tratamento (Bohula & Morrow, 2022). A intervenção coronária percutânea primária (ICPP) ou angioplastia, é preferencial no EAMCSST, esta permite uma eficaz reperfusão do miocárdio, quando efetuada dentro dos 120 minutos, permitindo a colocação de um stent, mantendo a integridade da artéria a longo prazo, com menor risco da ocorrência de hemorragias e, comprovação visual da retoma do lúmen ao normal (INEM, 2020). Os mesmos afirmam que, quando não possível a sua realização em tempo útil, está recomendada a realização de fibrinólise nos primeiros 10 minutos, após avaliação de risco, particularmente, quando se verificam transportes muito longos (> 60 minutos). Esta pela lise do trombo, restaura a irrigação sanguínea ao miocárdio, conseguindo assim evitar aproximadamente 30 mortes precoces em 1000 pacientes (Ibanez & Halvorsen, 2019). A via verde coronária (VVC), ativada precocemente pelo CODU, comporta um papel fundamental no encaminhamento e, na otimização do tratamento das SCA, particularmente no EAMCSST, pela redução do atraso da revascularização do miocárdio (Camacho et al. 2023).
Em Portugal, as ambulâncias SIV integram uma equipa constituída por um enfermeiro e um técnico emergência pré-hospitalar, cuja atuação é alicerçada em protocolos atualizados à luz da evidência científica, tendo sido criado um grupo de trabalho para a sua revisão (Despacho nº 4163/2019 do Ministério da Saúde). Na SCA, o tratamento primordial está direcionado para as causas, objetivando a melhoria de sintomas e a limitação da lesão miocárdica. Para tal é seguido o protocolo “dor torácica”, disponibilizado pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), onde após a validação do ECG, é indicado, pelo médico, a estratégia a implementar. Concomitantemente podem ser utilizados outros protocolos, atendendo às necessidades e estado da pessoa. O tratamento de eleição em contexto pré-hospitalar prevê a administração de ácido acetilsalicílico (AAS), dinitrato de isossorbida (DNI), morfina e inibidores P2Y12 (INEM, 2020), sendo fulcral a intervenção do enfermeiro da ambulância SIV, detentor de competências efetivas na prestação de cuidados de qualidade.
Questão de investigação
Qual o tempo de resposta pré-hospitalar e a atuação do enfermeiro da ambulância SIV em ocorrências de DTA, na pessoa com suspeita de SCA, relativamente a dois distritos do interior norte de Portugal?
Metodologia
Estudo observacional, analítico-transversal, retrospetivo, de cariz quantitativo, na área de enfermagem à pessoa em situação crítica, em contexto pré-hospitalar. A população reporta-se às ativações de DTA no adulto, envolvendo as ambulâncias SIV de dois distritos localizados no interior norte de Portugal (denominadas e diferenciadas de SIV 1 e 2), ocorridas entre junho de 2017 e dezembro de 2018, totalizando 94 ativações. Ambas as ambulâncias estão alocadas em regiões com características semelhantes, onde as populações atendidas apresentam um índice de envelhecimento elevado, residindo em regiões serranas remotas, expondo um grande raio de intervenção que, obriga frequentemente a percorrer longas distâncias, até à chegada ao local da ocorrência e, posteriormente, até aos hospitais diferenciados, com valência de ICPP. Definiram-se como critérios de exclusão a desativação da ambulância SIV pelo CODU, a recusa de transporte pela pessoa, a ficha de registos em branco/anomalia informática e, vítima em paragem cardiorrespiratória à chegada da ambulância. Após aplicação dos critérios de exclusão obteve-se uma amostra de 75 ativações para ocorrências de DTA. O instrumento de recolha de dados (IRD) foi construído para o efeito, com base na revisão de literatura e no protocolo “dor torácica” disponibilizado pelo INEM. O protocolo alicerça e norteia a atuação do enfermeiro da ambulância SIV aquando de situações de DTA. Nele estão explanadas as atitudes, intervenções e procedimentos a realizar pelo enfermeiro, sejam eles imediatos (life saving), ou dirigidos ao alívio de sintomas. O instrumento de recolha de dados o IRD foi analisado por dois especialistas da área que emitiram uma opinião positiva relativamente ao seu propósito.
Delinearam-se como variáveis: o tempo de resposta pré-hospitalar (desde a ativação das ambulâncias SIV até à chegada ao local da ocorrência - T1; desde a chegada ao local da ocorrência e o início de tratamento - T2; desde o início de tratamento até à chegada ao SU - T3; desde a chegada ao local da ocorrência e a chegada ao SU - T4 e, a ativação até à chegada ao SU - T5); a atuação do enfermeiro - no que respeita, aos protocolos seguidos na assistência (dor torácica, abordagem à vítima, dispneia, entre outros), à dor avaliada (intensidade, tipo, tempo desde o início, localização, irradiação, fatores desencadeantes, fatores de alívio, sintomatologia acompanhante), à realização de ECG, aos fármacos administrados e sua repetição, à verificação da melhoria de sintomas e à identificação de complicações, ao acompanhamento ou não pelo enfermeiro das pessoas com DTA, com suspeita ou SCA efetivo, à participação na ativação da VVC; as sociodemográficas (idade e sexo); o perfil de risco cardiovascular prévio (verificável - doenças cardiovasculares, EAM, acidente vascular cerebral, angioplastia/ICPP); os FRCV (verificáveis - HTA, DM, obesidade, etilismo/alcoolismo, tabagismo). Neste sentido, o IRD integrou um conjunto de questões que permitiram descortinar estas variáveis. O estudo foi previamente submetido a uma Comissão de Ética, tendo deliberado favoravelmente (parecer nº132/2023). Obteve-se autorização do INEM para a realização da investigação e para o acesso aos dados, sendo nomeado um responsável interno que fez chegar os mesmos de forma anonimizada. A análise dos dados foi efetuada com o software IBM Statistical Package for the Social Sciences for Windows, versão 26. Utilizaram-se técnicas da estatística descritiva e inferencial. Calcularam-se frequências absolutas e relativas, medidas de tendência central, e medidas de dispersão. Utilizou-se o teste de independência do Qui-quadrado para determinar a existência de significância estatística entre variáveis qualitativas. Consideraram-se os pressupostos para a utilização deste teste: amostra de grande dimensão e, no máximo 20% de frequências esperadas inferiores a 5. Quando não verificado o seu cumprimento, utilizou-se o teste exato de Fisher. Relativamente à análise dos tempos de resposta do pré-hospitalar por ambulância SIV, recorreu-se ao teste paramétrico t-student. Quando não cumprido os pressupostos para a sua utilização, recorreu-se ao teste não paramétrico Mann-Whitney, utilizando o nível de significância de 5% (Pestana & Gageiro, 2014).
Resultados
Das 75 ativações das ambulâncias de SIV para ocorrências de DTA, a maioria (n = 43; 57,3%) ocorreu no sexo masculino, predomínio também constatado em cada uma das ambulâncias de SIV (1 e 2). Na Tabela 1 é caracterizada a amostra em função da idade. Para o total da amostra a idade média supera os 70 anos (70,32 ± 14,62), com uma mediana de 73 anos, idade mínima de 39 anos e máxima de 97 anos. Em função da ambulância de SIV constata-se uma idade média mais elevada na amostra respeitante à ambulância SIV 2 (72,08 ± 14,26 anos), com uma mediana de 76 anos, mas sem associação estatisticamente significativa. Considerando a idade por sexo das pessoas atendidas nas ambulâncias SIV, verifica-se uma diferença estatisticamente significativa (p = 0,013) para a SIV 2, no qual o sexo feminino apresenta uma média e mediana de idades mais elevada (M ± DP = 76,81 ± 12,59 e Md = 81,50 anos).
Ambulância SIV | Sexo | Idade | Teste Mann-Whitney Z ( p ) | Teste Mann-Whitney Z ( p ) | ||||
Min - Max | M ± DP | Md | ||||||
SIV 1 | Masculino | 48 -87 | 65,00 ± 13,34 | 59,00 | -0,584 (0,559) | -1,536 (0,124) | ||
Feminino | 44 - 97 | 68,17 ± 19,61 | 62,50 | |||||
Total | 44 - 97 | 65,90 ± 14,93 | 61,00 | |||||
SIV 2 | Masculino | 39 - 93 | 67,52 ± 14,51 | 70,00 | -2,485 (0,013) | |||
Feminino | 50 - 94 | 76,81 ± 12,59 | 81,50 | |||||
Total | 39 - 94 | 72,08 ± 14,26 | 76,00 | |||||
Total | 39 - 97 | 70,32 ± 14,62 | 73,00 |
Nota. SIV = Suporte Imediato de Vida; Min = Mínimo; Max = Máximo; M ± DP = Média ± Desvio-padrão; Md = Mediana; Z (p) = Esta- tística de teste Mann-Whitney (nível de significância).
Na maioria da amostra, e para ambas as ambulâncias SIV, a distância da base até ao local da ocorrência enquadra-se na categoria ≥ 15 km (95,5% na SIV 1; 81,1% na SIV 2). Quanto ao perfil de risco cardiovascular prévio (verificável) por ambulância SIV, verificou-se que a doença cardiovascular está presente na maioria da amostra (57,3%; SIV 1: n = 13; SIV2: n = 30). O EAM foi encontrado em 13,3% (SIV1: n = 2; SIV 2: n = 8) e, 8% das pessoas já tinha efetuado uma angioplastia (SIV1: n = 1; SIV2: n = 5). Quanto aos FRCV modificáveis (verificáveis), observou-se que a HTA é o mais comum (62,7%; SIV 1: n = 13; SIV 2: n = 34), seguida da dislipidemia (32%; SIV 1: n = 3; SIV2: n = 21) e, DM em 12% (SIV 1: n = 3; SIV 2: n = 6).
Relativamente aos tempos de resposta do pré-hospitalar, nos diferentes momentos do socorro (Tabela 2), observou-se que entre a ativação e chegada ao local da ocorrência (T1) decorrem em média 30,05 ± 10,64 minutos na SIV 1, e 27,15 ± 14,44 minutos na SIV 2. O lapso temporal entre a chegada ao local da ocorrência e o início de tratamento (T2), é muito similar em ambas as ambulâncias, sendo de 9,89 ± 10,46 minutos na SIV 1 e, 9,52 ± 7,32 minutos na SIV 2. No tempo entre o início do tratamento e a chegada ao S.U. (T3) demora-se em média 49,33 ± 13,924 minutos na SIV 1, já na SIV 2 decorre quase 1 hora (59.03 ± 28,303 minutos). O tempo decorrido desde a chegada ao local até à chegada ao SU (T4), é mais prolongado na SIV 2 com uma média de 70,76 ± 30,05 minutos, na SIV 1 é de 61,67 ± 17,56 minutos. Por sua vez, o tempo total de serviço, desde a ativação até à chegada ao SU (T5), é idêntico em ambas as SIV, apresentando uma média na SIV 1 de 95,83 ± 18,61 minutos e, na SIV 2 de 95,22 ± 38,17 minutos. Constatou-se não existir significância estatística nos tempos observados relativamente às ambulâncias SIV (p > 0,05).
Tempo (minutos) | Ambulância SIV | Min - Max | M ± DP | Md | Teste t T ( p ) | |||
Ativação e chegada ao local da ocorrência (T1) | SIV 1 | 12 - 50 | 30,05 ± 10,64 | 28,00 | -1,158* (0,247) | |||
SIV 2 | 2 - 61 | 27,15 ± 14,44 | 24,00 | |||||
Chegada local de ocorrência e início do tratamento (T2) | SIV 1 | 1 - 49 | 09,89 ± 10,46 | 6,00 | -0,529* (0,597) | |||
SIV 2 | 1 - 39 | 09,52 ± 07,32 | 9,50 | |||||
Início tratamento e chegada ao SU (T3) | SIV 1 | 31 - 74 | 49,33 ± 13,92 | 47,00 | -1,577 (0,123) | |||
SIV 2 | 17 - 113 | 59,03 ± 28,30 | 58,00 | |||||
Chegada local de ocorrência e chegada SU (T4) | SIV 1 | 37 - 90 | 61,67 ± 17,56 | 58,50 | -1,294 (0,205) | |||
SIV 2 | 25 -134 | 70,76 ± 30,05 | 69,50 | |||||
Ativação e chegada SU (T5) | SIV 1 | 66 -123 | 95,83 ± 18,61 | 91,00 | 0,075 (0,941) | |||
SIV 2 | 27 -166 | 95,22 ± 38,17 | 96,00 |
Nota. SIV = Suporte Imediato de Vida; SU = Serviço de Urgência; Min = Mínimo; Max = Máximo; M ± DP = Média ± Desvio padrão; Md = Mediana; T (P) = Estatística de teste t (nível de significância); * Estatística do teste não paramétrico Mann-Whitney.
Na Tabela 3 apresentam-se os tempos de resposta pré-hospitalar, nos diferentes momentos do socorro, na pessoa que evidencia SCACSST/EAMCSST, em ambas as ambulâncias SIV. No T1 a média é de 28 ± 9,91 minutos, com uma mediana de 24,50 minutos. No T2 verificou-se uma média de 16,28 ± 12,20 minutos e, mediana de 10 minutos. No T3 observaram-se 84 ± 16,11 minutos de média, com uma mediana de 86,50 minutos. Para o T4 são necessários em média 102,66 ± 18,80 minutos, sendo a mediana de 99 minutos. Para o T5, que compreende o tempo total de missão, obteve-se uma média é de 131 ± 22,23 minutos, com uma mediana de 121 minutos.
Tempo (minutos) | Min - Max | M ± DP | Md |
Ativação e chegada ao local da ocorrência (T1) | 16 - 36 | 28,00 ± 9,91 | 24,50 |
Chegada ao local da ocorrência e início do tratamento (T2) | 2 - 39 | 16,28 ± 12,20 | 10,00 |
Início do tratamento e chegada ao SU (T3) | 64 - 101 | 84 ± 16,11 | 86,50 |
Chegada ao local da ocorrência e chegada ao SU (T4) | 85 - 134 | 102,66 ± 18,80 | 99,00 |
Ativação e chegada ao SU (T5) | 111 -155 | 131 ± 22,23 | 121,00 |
Nota. Min = Mínimo; Max = Máximo; M ± DP = Média ± Desvio-padrão; Md = Mediana; SU = Serviço de urgência.
O protocolo DTA foi utilizado em 98,7% da amostra total, concomitantemente com outros necessários (abordagem à vítima = 89,3%, dispneia = 5,3%, entre outros com menor percentagem ). A avaliação da dor em todas as suas variações, características e dimensões tem também um papel importante neste contexto, através da escala NRS verificou-se que a intensidade 8 foi a mais identificada (14,67% da amostra; SIV1: n = 3; SIV 2: n = 8). O desconforto torácico constituiu o sintoma mais manifestado (29,3% da amostra; SIV 1: n = 10; SIV 2: n = 12), seguindo-se o aperto, presente em 16% da amostra (SIV 1: n = 3; SIV2: n = 9) e, posteriormente o peso no tórax, referido por 12% da amostra (SIV 1: n = 2; SIV 2: n = 7). O período desde o início de sintomas até ao pedido de ajuda foi inferior a duas horas em 29,3% (SIV 1: n = 9; SIV 2: n = 13) das ocorrências, em 9,3% (SIV 1: n = 1; SIV 2: n = 6) registou-se uma duração entre as 2 e 12 horas e, em 8% (SIV 1: n = 2; SIV 2: n = 4) mantinha-se há mais de 24 horas. Em 45,3% (SIV 1: n = 9; SIV 2: n = 28) das missões a dor era retrosternal e, em 17,3% (SIV 1: n = 4; SIV 2: n = 9) na região epigástrica. De referir que 42,7% (SIV 1: n = 7; SIV 2: n = 25) das pessoas afirma não ter irradiação da dor, 8% (SIV 1: n = 2; SIV 2: n = 4) afirma ter irradiação para o membro superior esquerdo e, 6,7% (SIV 1: n = 1; SIV 2: n = 4) para as costas. Quanto aos fatores desencadeantes, a maioria das pessoas (58,7%; SIV 1: n = 14; SIV 2: n = 30) relataram não sentir nenhum, assim como, 77,3% (SIV 1: n = 16; SIV 2: n = 42) referiram não existir nenhum fator de alívio e, 66,7% (SIV 1: n = 16; SIV 2: n = 34) afirmam não ter nenhuma sintomatologia acompanhante.
A realização do ECG envolveu 97,3% da amostra (SIV 1: n = 22; SIV 2: n = 51), identificando-se 8 casos de EAMCSST (SIV 1: n = 2; SIV 2: n = 6), correspondendo a aproximadamente 11% do total dos indivíduos com ECG realizado e a 10,66% da amostra estudada. Verificou-se um caso de EAMSSST na SIV 1. Foi possível identificar outras disritmias com potencial risco de vida em 15,1% da amostra. Verificou-se uma associação estatisticamente significativa (p = 0,013) entre as alterações de ECG e a ambulância SIV, com a missões SIV 2 a apresentarem maior percentagem de EAMCSST e de outras disritmias (Tabela 4).
Alterações do ECG | Ambulância SIV | Total n (%) | Teste de Independência | |
SIV 1 - n (%) | SIV 2 - n (%) | F (p) | ||
Sem alterações | 19 (86,4%) | 34 (66,7%) | 53 (72,6%) | 8,117 (0,013) |
EAMCSST | 2 (9,1%) | 6 (11,8%) | 8 (10,9%) | |
EAMSSST | 1 (4,5%) | 0 (0,0%) | 1 (1,4%) | |
Outras* | 0 (0,0%) | 11 (21,6%) | 11 (15,1%) | |
Total | 22 (100%) | 51 (100%) | 73 (100%) |
Nota. SIV = Suporte Imediato de Vida; EAMCSST = Enfarte agudo do miocárdio com elevação do segmento ST; EAMSSST = Enfarte agudo do miocárdio sem elevação do segmento ST; *Ritmo Pace, Flutter, Taquicardia; Fibrilhação Auricular com resposta ventricular rápida - FA RVR, Bradicardia; ECG = Eletrocardiograma; F (p) = Estatística de teste de independência exato de Fisher (nível de significância).
A administração de AAS verificou-se em 21,3% da amostra (SIV 1 n = 2, SIV 2 n = 14), de DNI em 22,7% (SIV 1 n = 2; SIV 2 n = 15), morfina em 18,7% (SIV 1: n = 4; SIV 2: n = 10) e o clopidogrel em 10,6% (SIV 1: n = 2; SIV 2: n = 6). Verificou-se a melhoria de sintomas em 72% da amostra (SIV 1: n = 17; SIV 2: n = 37), e na sua maioria (52%; SIV 1: n = 10; SIV 2: n = 29) não foi necessário repetir a administração da medicação. Amplamente, 74,4% (SIV 1: n =16; SIV 2: n = 40) dos transportes das pessoas com DTA, com suspeita ou SCA efetiva, efetuaram-se com acompanhamento do enfermeiro da ambulância SIV, sendo 14,6% (SIV 1: n = 3; SIV 2: n = 8) para hospitais com capacidade de cateterismo. A ativação da VVC verificou-se em 13,3% das ocorrências. Na globalidade das missões não se verificaram complicações durante a atuação do enfermeiro da ambulância SIV, tendo sido observada uma situação de disritmia e duas de hipotensão na SIV 2.
Discussão
As características sociodemográficas assemelham-se ao estudo de Ribeiro (2020), com a distribuição amostral das pessoas com SCA a ser maior no sexo masculino (73,1%) e a idade média nos 65 anos. Relativamente às características geográficas, a distância da base ao local da ocorrência, em ambas as ambulâncias SIV é maior ou igual a 15 km em 64% das missões. As regiões do interior norte de Portugal do estudo possuem um elevado índice de envelhecimento, o que explica a idade média elevada da amostra, uma baixa densidade populacional, com pequenos aglomerados de pessoas dispersos em grande áreas, regiões serranas cujos acessos rodoviários nem sempre se encontram nas melhores condições. Quanto à presença de doença cardiovascular (verificável) na maioria da amostra, se por um lado o aumento da doença cardiovascular acompanha o incremento da idade, por outro estas constituem, segundo Santos e Timmerman (2018), o grupo das principais etiologias da dor torácica. No que concerne aos FRCV (verificáveis) os resultados assemelham-se ao estudo de Bourbon et al. (2019), estes atestam a prevalência de HTA (43,1%), dislipidemia 31,3% e DM 8,9%. Importa referir que 83% das pessoas apresenta dois ou mais FRCV, no mesmo âmbito Bourbon et al. (2019) obteve 68%. O tempo de reposta do pré-hospitalar, nos diferentes momentos do socorro, verificou-se que no T1 e T2 as ambulâncias SIV têm duração próxima/similar. Os tempos verificados estão desajustados com Ribeiro (2020), onde a média em T1 é de 9 minutos, T2 de 4 minutos, T3 de 46 minutos, T4 de 48 minutos e, T5 de 68 minutos, referentes a um meio de emergência médica da região centro de Portugal. Importa realçar o tempo de resposta do pré-hospitalar, em ambas as ambulâncias SIV no EAMCSST, no T1 foram necessários 28 minutos, no T2 16,28 minutos, no T3 84 minutos, no T4 102,66 e, T5 131 minutos, 11 minutos superiores ao aconselhado (< 120 minutos). Mendes (2017) afirma no seu estudo que 76% da amostra chegou ao SU num tempo superior a 120 minutos. Valores bem inferiores foram constatados no estudo de Ribeiro (2020), onde a média no T1 foi de 10 minutos, no T2 de 3 minutos, no T3 de 48 minutos, no T4 de 50 minutos e, no T5 de 71 minutos. O protocolo “dor torácica” foi amplamente utilizado (98,7%) em complementaridade com outros, disponibilizados e atualizados pelo INEM (Despacho n.º 4163/2019 do Ministério da Saúde), fundamentados pela evidencia, orientam práticas e contribuem para a a qualidade da prestação de cuidados. Segundo Bonaca e Sabatine (2022), a avaliação da dor em todos os seus aspetos é essencial, na avaliação da pessoa com DTC e no seu diagnóstico. O tipo de dor mais manifestado foi o desconforto torácico. Camacho et al. (2023) constataram uma prevalência de dor torácica em 70% dos casos de SCA no pré-hospitalar, na Região Autónoma da Madeira. Neste estudo 29,3% das pessoas afirmam sentir dor há menos de duas horas, Santos e Timmerman (2018) atestam que apenas 20% das pessoas com SCA procuram ajuda nas primeiras duas horas. Relativamente à localização verificou-se que 45,3% das pessoas afirmam ser retrosternal, em concordância com Carvalho et al. (2022) que justifica a dor torácica retrosternal como a manifestação clínica mais comum (80%) na SCA. Sobre a irradiação da dor 42,7% afirmam não existir e, 8% afirmam sentir irradiação para o membro superior esquerdo como Mendes (2017). Não foram encontrados fatores desencadeantes na sua maioria (58,7%), Meira et al. (2021) sustentam que, de modo geral, a dor torácica ocorre em repouso, sem fatores desencadeantes óbvios. De igual forma, não existiram referências a fatores de alívio, não estando estes, em regra associados à SCA, segundo os mesmos autores. A maioria (66,7%), referiu não existirem fatores acompanhantes, não obstante foram manifestados por algumas pessoas dispneia, diaforese, lipotimia e náuseas/vómitos, como apontado por Meira et al. (2021) e Carvalho et al. (2022). O ECG foi realizado em 97,3% das missões, onde a maioria não apresentava alterações, sendo encontrado EAMCSST em 10,66%, e um EAMSSST. Para alem disso foram detetados outros ritmos (14,6%), com potencial de gravidade, como Ribeiro (2020), onde 62,1% da amostra apresenta ritmo sinusal, 16,6% outros ritmos com critérios de gravidade e 5,3% EAMCSST. A intervenção farmacológica de primeira linha compreendeu a administração de AAS (21,3%), de DNI (22,7%), morfina (18,7%) e clopidogrel (11%). Os resultados de Ribeiro (2020) apresentam a administração de AAS (100%), DNI (53,8%), morfina (30,8%), sendo o clopidogrel substituído pelo ticagrelor (73,1%), representando este, o segundo fármaco mais administrado. A maioria (72%) das pessoas apresentou melhoria de sintomas, refletindo uma limitação do esforço cardíaco e a extensão da necrose miocárdica (Carvalho et al., 2022) e, em mais de metade da amostra não foi necessária a repetição de medicação. Observou-se que 74,7% das pessoas com DTA foram acompanhadas pelo enfermeiro da ambulância SIV. A VVC foi acionada 13,3% (n = 10) das ocorrências, indo ao encontro do estudo de Ribeiro (2020) onde a ativação foi efetuada em 14 missões. Observou-se que 12% dos transportes das pessoas com SCACSST, foram efetuados para hospitais com a valência de cateterismo cardíaco. Na SCA é possível a ocorrência de complicações de diversos âmbitos, sendo a mais recorrente (90%) a disfunção elétrica (Sweis & Jivan, 2022), neste estudo observaram-se duas situações de hipotensão e uma de disritmia, como Camacho et al (2023), onde em 17% das missões foram verificadas situações de disritmia e hipotensão. A atuação do enfermeiro releva a importância do seu papel no estabelecimento do diagnóstico, na identificação/controlo dos sintomas e complicações, bem como na participação da ativação da VVC. A reduzida dimensão da amostra, o contexto e o período respeitante à recolha de dados, tornam os resultados não representativos.
Conclusão
A globalidade das missões ocorreu numa distância igual ou superior a 15 km. Os tempos de resposta pré-hospitalar à pessoa com DTA com suspeita de SCA, foram longos, assim como os tempos de resposta no EAMCSST, onde o tempo total ambas as ambulâncias de SIV, foi em média de 131 minutos, ultrapassando em 11 minutos o tempo aconselhado para a reperfusão (ICPP). O protocolo da “dor torácica” foi o mais utilizado pelo enfermeiro. O tipo de dor mais evidenciado foi o desconforto torácico, retrosternal e, em grande parte sem irradiação. O tempo de dor, desde o início de sintomas até ao pedido de ajuda na generalidade não excedeu as 2 horas. A realização do ECG envolveu quase a totalidade da amostra, sem alterações eletrocardiográficas na maioria, não obstante, verificou-se precocemente EAMCSST e, outras alterações com potencial de gravidade elevado. O tratamento farmacológico realizado seguiu o recomendado, com melhoria dos sintomas. O enfermeiro da ambulância SIV acompanhou a pessoa com suspeita ou SCA efetiva na maioria das ocorrências. Para além da importância do papel do enfermeiro no diagnóstico e no controlo sintomático, ficou evidente a necessidade de refletir com as entidades competentes, a adoção de estratégias que visem fundamentalmente reduzir os tempos totais do pré-hospitalar, possibilitando que as populações acometidas possam integrar atempadamente a janela terapêutica recomendada, no que concerne ao acesso rápido aos meios preferenciais existentes em unidades diferenciadas, visando evitar fatalidades/sequelas. Tendo em novembro de 2023 o INEM atualizados os seus protocolos, sugere-se a realização de estudos do mesmo âmbito, visando avaliar a sua eficácia, descortinar dificuldades, validar o trabalho excecional realizado pelo enfermeiro nesta área, em prol da melhoria continua da qualidade dos cuidados.