Introdução
A pessoa com ostomia respiratória sofre alterações físicas e psicológicas, podendo haver a necessidade de um familiar se tornar cuidador. O planeamento do regresso a casa permite capacitar o cuidador, com vista à continuidade dos cuidados no domicílio e à promoção de uma transição saudável para o papel de cuidador informal (Stewart et al., 2022).
Os enfermeiros assumem um papel fulcral na preparação do regresso a casa da pessoa com ostomia respiratória e do cuidador. O desafio está em ajudar a pessoa ostomizada a realizar uma transição saudável para a sua nova condição de saúde, na promoção e na reconstrução da sua autonomia, face ao evento gerador de dependência - o estoma (Neiva et al., 2020).
Nesta perspetiva de continuidade de cuidados, e assumindo a necessidade de envolver e apoiar o cuidador no processo de preparação do regresso a casa, parece existir razão para investigar a satisfação dos familiares cuidadores da pessoa com ostomia respiratória relativamente ao referido processo. Este estudo surge pela constatação da necessidade, cada vez maior, de preparação do cuidador da pessoa ostomizada, aquando do seu regresso a casa. Atualmente, esta preparação do regresso a casa, no contexto previsível para o estudo, limita-se aos ensinos e à execução de técnicas no momento da alta, não existindo um programa estruturado e devidamente avaliado.
O objetivo principal deste estudo é avaliar a satisfação dos familiares cuidadores sobre a preparação do regresso a casa.
Espera-se contribuir para uma intervenção de cuidados de enfermagem, em meio hospitalar, numa perspetiva holística, na pessoa doente e familiar cuidador e, desta forma, promover segurança na transição para domicílio e melhorar a qualidade de vida dos utentes (indivíduo/família).
Enquadramento
A presença de ostomia respiratória representa para muitos ostomizados e suas famílias uma multiplicidade de desafios, deparando-se diariamente com novas problemáticas, medos e obstáculos, que acabam também por se ressentir no seio da coesão, da dinâmica e da qualidade de vida individual e familiar (Mendonça et al., 2017). Estudos destacam que a presença de uma traqueostomia tem um impacto profundo na vida do ostomizado e dos seus cuidadores, manifestando-se em experiências negativas relacionadas com os cuidados ao estoma, com a comunicação, com o bem-estar, com a qualidade de vida e também com o isolamento social (Neiva et al., 2020; Ptizer et al., 2022).
McCormick et al. (2015) em parceria com a Global Tracheostomy Collaborative e com a American Academy of Otolaryngology-Head and Neck Surgery, desenvolveram um estudo sobre as experiências de doentes submetidos a traqueostomia e seus familiares cuidadores após a alta. Estas foram relatadas como um acontecimento com conotação negativa, associada a stresse, em que os cuidadores mencionam necessidades neste processo, que vão desde a necessidade de informações sobre como cuidar do traqueostomizado, bem como informação sobre como identificar situações de risco. Estes investigadores, constataram que apenas 50% dos inquiridos revelaram estar muito preparados no momento da alta hospitalar e 23% referiram não receber ensinos/treino sobre como atuar numa situação de emergência.
Outro estudo desenvolvido por Ptizer et al. (2022), com o objetivo de investigar as dificuldades vivenciadas pelo paciente e cuidador, após o regresso a casa, aponta como principais dificuldades vivenciadas pelos cuidadores: os cuidados ao estoma e manutenção da cânula de traqueotomia. Com referencia a sentimentos de desespero e medo aquando da prestação destes cuidados pelos cuidadores.
Os autores referem que é necessário implementar e melhorar os programas de educação com métodos de ensino estruturado e individualizado, iniciado no pré-operatório, que respondam às necessidades do cuidador, onde se inclui o ensino, o treino e a avaliação da aprendizagem, utilizando, de acordo com os recursos disponíveis, estratégias inovadoras, como a simulação em manequins e a utilização de folhetos em formato papel/digital promovendo progressivamente a capacitação dos familiares cuidadores (Ptizer et al., 2022; Ptizer et al., 2023). Neiva et al. (2020), corrobora que o ensino do autocuidado deve iniciar-se no pré-operatório, logo após a decisão sobre a abordagem cirúrgica a realizar, tendo demonstrado através do seu estudo a importância da consulta pré-operatória como instrumento de orientação, promoção do conhecimento sobre o autocuidado e estabelecimento de relação terapêutica com o doente e cuidador.
McCormick et al. (2015), apontam ainda como oportunidade de melhoria da qualidade dos cuidados, a educação padronizada para situações de emergência e a otimização do apoio pós-alta, através da coordenação com as equipas comunitárias.
Estudos indicam ainda que o planeamento da alta, além de reduzir o tempo de internamento e de custos associados, reduz também o número de readmissões. Ramírez et al. (2020) comprovaram que através da implementação de uma intervenção educativa sobre os cuidados de manutenção à cânula de traqueotomia, o número de readmissões hospitalares por complicações diminui.
Da perspetiva da pessoa doente e familiar cuidador, o momento da transição do hospital para o domicílio pode constituir um dos acontecimentos mais marcantes do internamento hospitalar, gerando frequentemente situações de crise e ansiedade na pessoa com ostomia respiratória e cuidador, pois estes vêm-se confrontados com uma complexidade de cuidados inerentes à ostomia (Pitzer et al., 2022). É essencial que o planeamento do regresso a casa seja considerado uma parte integrante dos cuidados, tendo como principal objetivo promover a reconstrução da autonomia da pessoa com ostomia respiratória (Santos, 2011).
A Direção-Geral de Saúde (2017) recomenda que a educação para a saúde dirigida à pessoa com ostomia respiratória e/ou familiar cuidador, seja realizada por enfermeiro com experiência, iniciada na fase pré-ostomia e reforçada na fase pós-operatória, com plano detalhado sobre a preparação da alta. A avaliação da satisfação da pessoa doente e do familiar cuidador surge como indicador importante na avaliação da eficácia da preparação do regresso a casa.
Questão de investigação
“Qual a satisfação dos familiares cuidadores com a preparação do regresso a casa da pessoa com ostomia respiratória, seguida em consulta num hospital da região centro de Portugal?”
Metodologia
Apresenta-se um estudo descritivo, com enfoque na abordagem quantitativa. Numa perspetiva de melhoria dos cuidados de enfermagem prestados, sentimos a necessidade de analisar a satisfação dos familiares cuidadores na preparação do regresso a casa.
Como população alvo, definiram-se os cuidadores informais da pessoa com ostomia respiratória, seguidos na consulta de um hospital e estabeleceram-se os seguintes critérios de inclusão: cuidadores informais de doentes submetidos a ostomia respiratória até há 4 anos, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos, que saibam ler e escrever e que aceitem o termo de consentimento informado. Como critério de exclusão definiu-se: cuidadores informais de doentes que se encontrem institucionalizados.
A amostra é não probabilística acidental, constituída por 30 cuidadores informais de pessoas com ostomia respiratória. Dado que, no presente estudo os cuidadores são todos familiares dos ostomizados, adota-se o conceito de familiar cuidador. A recolha de dados ocorreu entre julho e dezembro de 2019, e foi realizada através de formulário (1-Dados sociodemográficos, profissionais, contexto familiar e cuidados prestados; 2- PREPARED-C, da autoria de Karen Grimmer, 1998, traduzido e validado para a população portuguesa por Ferreira, Mendes, Fernandes e Ferreira, 2011).
O instrumento PREPARED-C apresenta o agrupamento de itens em indicadores de processo e de resultado. Os indicadores de processo incluem quatro domínios: informações sobre estruturas de apoio; informações sobre a medicação; preparação para a reintegração e controlo sobre as circunstâncias. O indicador de resultado é composto por quatro questões.
Para a análise e tratamento dos dados obtidos foi desenvolvida uma base de dados na aplicação informática IBM SPSS Statistics, versão 24.0 de 2016. Posteriormente, e de acordo com o tipo de variáveis, foram utilizados os testes estatísticos para análise descritiva - medidas de dispersão e medidas de tendência central. No tratamento dos dados qualitativos, provenientes das respostas às perguntas abertas do formulário, utilizamos a técnica de análise de conteúdo, seguindo Bardin (2014). Do ponto de vista conceptual e operacional seguimos as etapas propostas por Guerra (2014). A colheita de dados foi iniciada após aprovação pela Comissão de Ética do hospital e conselho de administração, sob o número 040-19. Aos participantes após esclarecimento sobre o estudo, foi solicitado que lessem e assinassem o Consentimento Livre e Esclarecido, para confirmar as informações e concordar em participar.
Para a utilização do PREPARED-C foi obtida autorização dos autores que o traduziram e validaram para a população portuguesa.
Resultados
A amostra deste estudo foi composta por 30 participantes, cuja caracterização sociodemográfica, profissional e do contexto familiar está apresentada na Tabela 1. Os participantes são maioritariamente do sexo feminino (96,7%), com idades compreendidas entre os 27 e os 70 anos, situando-se a idade média nos 52,1 anos. Verificamos que os familiares cuidadores são na sua maioria casados (80%), seguindo-se os divorciados (3,3%) e os solteiros (16,7%). Relativamente às habilitações literárias, a maioria apresenta um baixo nível de escolaridade, sendo que 33,3% possuem o 1.º ciclo do ensino básico e igual percentagem o 2.º ciclo; 8,3% concluíram o 12.º ano e 16,7% o ensino superior. No que se refere à situação profissional, (60%) encontra-se empregada; 23,3% está reformada; 13,3% assume-se como doméstica e 3,3% em situação de desemprego. O familiar cuidador predominante é o conjugue (66,6%), seguindo-se os filhos (20,0%), sendo que 83,3% dos cuidadores coabitam com a pessoa ostomizada. Relativamente à experiência anterior de cuidador, verifica-se em 36,6% dos inquiridos. Denotou-se ainda que o desenvolvimento deste papel de cuidador exigiu a necessidade de apoio de outros familiares e/ou amigos em 50% dos casos.
Tabela 1 : Caracterização sociodemográfica, profissional e do contexto familiar da amostra (n = 30 )
Variáveis | n | % | Estatística de resumo |
---|---|---|---|
Idade (em anos) | |||
≤3 | 2 | 6,7 | Mínimo = 27 |
31-40 | 2 | 6,7 | Máximo = 70 |
41-50 | 9 | 30,0 | Média = 52,07 |
51-60 | 9 | 30,0 | Mediana = 52,5 |
61-70 | 8 | 26,7 | Desvio padrão = 12,1 |
Total | 30 | 100,0 | |
Sexo | |||
Masculino | 1 | 3,3 | Moda = Feminino |
Feminino | 29 | 96,7 | |
Total | 30 | 100,0 | |
Estado Civil | |||
Casada | 24 | 80 | Moda = Casada |
Divorciada | 1 | 3,3 | |
Solteira | 5 | 16,7 | |
Total | 30 | 100,0 | |
Habilitações Literárias | |||
Sabe ler e escrever | 1 | 3,3 | Moda = Ensino Básico |
1º Ciclo Ensino Básico | 10 | 33,3 | |
2º Ciclo Ensino Básico | 10 | 33.3 | |
Ensino Secundário | 4 | 8,3 | |
Ensino Superior | 5 | 16,7 | |
Total | 30 | 100,0 | |
Situação Profissional | |||
Empregada | 18 | 60 | Moda = Empregada |
Reformada | 7 | 23,3 | |
Desempregada | 1 | 3,3 | |
Doméstica | 4 | 13,3 | |
Total | 30 | 100,0 | |
Coabitação | |||
Sim | 25 | 83,3 | Moda = sim (coabitação) |
Não | 5 | 16,7 | |
Total | 30 | 100,0 | |
Experiências anteriores como cuidador | |||
Sim | 11 | 36,7 | Moda = não |
Não | 19 | 63,3 | |
Total | 30 | 100,0 | |
Ajuda de outras pessoas | |||
Sim | 15 | 50 | |
Não | 15 | 50 | Moda =não |
Total | 30 | 100,0 |
Nota. n = Amostra; % = Percentagem.
Para análise das variáveis do estudo, optámos por realizar uma abordagem segundo os indicadores de processo, constituído pelos seguintes domínios: Informação sobre estruturas de apoio; Informação sobre medicação; Preparação para a reintegração e Controlo sobre as circunstâncias.
Relativamente aos indicadores de processo, destacamos a Informação sobre estruturas de apoio, cerca de 40,0% dos cuidadores referem não ter recebido qualquer informação.
No que diz respeito ao indicador de processo Informação sobre medicação a levar para casa, 26,7% dos familiares cuidadores referem que o doente não estava a tomar medicação. Já 43,3% consideram que as informações disponibilizadas foram as necessárias, contrariando os 6,7% que consideram não terem sido dadas nenhumas informações sobre este indicador.
Globalmente, verificamos que 63,3% dos familiares cuidadores considerou que ao longo do processo de preparação da alta não foram dadas informações sobre como gerir as suas tarefas habituais e cuidar do doente.
Em relação à confiança para executar as tarefas diárias em casa, 46,7% dos familiares cuidadores demonstraram confiança, embora 50% referisse insegurança e 3,3% consideram que não possuem confiança para esta tarefa.
Em relação aos indicadores de resultado sobre a preparação do regresso a casa, 36,7% dos familiares cuidadores responderam que se sentem completamente preparados para regressar a casa, contudo 60,0% afirmam que poderiam ter sido mais bem preparados.
Quanto ao índice de satisfação global dos familiares cuidadores sobre a preparação do regresso a casa, este foi de 53,93%.
Em relação às questões abertas definimos cinco categorias, que foram subdivididas em subcategorias, ilustradas por algumas unidades de significado relatadas pelos familiares cuidadores, conforme ilustra a Tabela 2.
Discussão
Os resultados apresentados relativamente à caracterização sociodemográfica dos familiares cuidadores são coincidentes com os estudos da literatura consultada. Constatamos o predomínio da mulher na responsabilização do cuidado, o que é concordante com os estudos relacionados, existindo uma notória predominância do elemento feminino enquanto principal detentora do papel de cuidador (Mendonça et al., 2017; Ramírez et al., 2020). Quanto à idade, verificamos que os grupos etários com maior representatividade, ambos com 30%, são dos 41 aos 50 anos, bem como os familiares cuidadores do grupo etário dos 51 aos 60 anos. Estes dados são concordantes com o estudo de Ramírez et al. (2020). Relativamente ao grau de parentesco, constatamos ser o de cônjuge (66,6%), seguindo-se as filhas, com 20% das respostas. Estes resultados destacam o papel da família, enquanto principal agente prestador de cuidados à pessoa ostomizada, emergindo o cônjuge e as filhas como familiar responsável pelo cuidado (Ramírez et al., 2020).
Na maioria dos casos verificamos que o cuidador e a pessoa ostomizada coabitam (83,3%). Também um estudo publicado de Ramírez et al. (2020) mostrou que o cuidador principal surge do núcleo familiar, tornando-se a pessoa responsável por gerir as suas tarefas habituais e cuidar do doente. Em relação às habilitações literárias, constatamos que a maioria possui ou frequentou o 1º ciclo, o que revela a baixa escolaridade, indo ao encontro da realidade encontrada noutros estudos (Mendonça et al., 2017).
No que concerne aos dados recolhidos através do PREPARED-C, de modo a avaliar-se os diversos processos de preparação do regresso a casa, verificamos que no domínio das Informações sobre estruturas de apoio, 43,3% da amostra assumiu não ter recebido nenhuma informação sobre a existência de serviços comunitários, sendo estes dados concordantes com os estudos de Ferreira et al. (2011) e de Pereira e Petronilho (2018), onde são referidas lacunas na transmissão de informação relativa aos serviços comunitários e equipamentos.
Em relação ao domínio Informação sobre a medicação, verificamos que a informação não foi facultada na íntegra, pois 23,3% dos familiares cuidadores considera que as informações recebidas não foram suficientes. Estes resultados assemelham-se aos obtidos no estudo de Ferreira et al. (2011) que alertam para a necessidade de uma orientação correta e segura do regime medicamentoso.
Relativamente ao domínio preparação para a reintegração, verificamos também lacunas na transmissão de informação sobre como gerir as tarefas habituais e cuidar da pessoa doente. Neste contexto, apuramos que 30,0% dos inquiridos assumem não ter sido dada nenhuma informação sobre como prestar cuidados ao doente, tendo os participantes sublinhado o défice de ensinos e de informação relativos ao autocuidado higiene, autocuidado ostomia respiratória, à execução de técnicas e à utilização de equipamentos. Estes resultados assemelham-se aos encontrados nos estudos publicados por Castro et al. (2014) e Ptizer et al. (2022).
No domínio Controlo sobre as circunstâncias, verificamos que 46,7% dos participantes revelou sentir confiança para executar as tarefas diárias em casa, embora 50,0% assumissem sentir-se inseguros, resultados estes que estão de acordo com a literatura, onde se assume como muito frequente os familiares cuidadores sentirem dúvidas e incertezas acerca do estado de saúde do seu familiar e dos cuidados a prestar (McCormick, et. al., 2015; Ptizer et al. 2022).
Globalmente, existe um nível de satisfação dos cuidadores consideravelmente baixo, em relação à prestação de informações sobre medicação, existência de estruturas de apoio e capacitação para o autocuidado.
Na compreensão sobre a perceção dos familiares cuidadores acerca da preparação do regresso a casa e transição inerente ao papel de cuidador, o défice de ensinos/informação foi realçado pelos inquiridos. Estes resultados assemelham-se aos encontrados nos estudos publicados por Stewart et al. (2022) e Ptizer et al. (2022) que evidenciam o défice de informação transmitida aos familiares cuidadores, bem como ao treino de procedimentos.
Importa referir que cuidar da pessoa com ostomia respiratória é, só por si, um momento gerador de stresse, que requer a transmissão de um conjunto de informações essenciais para a execução das tarefas de cuidar (Ptizer et al., 2023; Ramírez et al., 2020). Esta realidade deve assumir-se como foco de atenção, uma vez que as maiores dificuldades do familiar cuidador estão relacionadas com a exigência inerente aos cuidados à ostomia respiratória.
Na categoria, fatores que facilitaram o processo de transição, “a aprendizagem de procedimentos técnicos” foi considerada por oito inquiridos, como fator facilitador na prestação dos cuidados ao familiar no domicílio, favorecendo a confiança do cuidador e a segurança do doente. O apoio dos enfermeiros, enquanto profissionais de saúde habilitados para transmitir a informação necessária ao desempenho do novo papel, assim como, a aquisição de competências, são realçados por diferentes investigadores (McCormick et al., 2015; Ptizer et al., 2023; Ramírez et al., 2020)
Em relação à categoria fatores dificultadores da transição, a (Im)preparação dos profissionais de cuidados de saúde primários é relatada como um fator que dificulta a continuidade dos cuidados aos seus familiares, referindo que a falta de apoio por parte dos profissionais dos cuidados de saúde primários, compromete o cuidado ao seu familiar no domicílio, tendo por vezes necessidade de se deslocarem ao hospital para obterem respostas às suas dúvidas e superarem as dificuldades.
Neste contexto, Nakarada-Kordic et al. (2017) e Stewart et al. (2022) referem existir um défice de comunicação entre a equipa hospitalar e comunitária, levando à variação de conhecimentos e competências dos profissionais de saúde; e que, após a transição para o domicílio, o apoio profissional que a pessoa ostomizada respiratória e família recebem na comunidade é considerado limitado.
Na categoria vivências dos familiares na assunção ao papel de cuidador, os familiares cuidadores relataram além da exaustão, também a insegurança no exercício do cuidado, nomeadamente, na execução de procedimentos técnicos. Estes resultados assemelham-se aos encontrados por Ptizer et al. (2022) onde os autores salientam que quando os ensinos não são efetivos, pode haver sobrecarga física e emocional do cuidador.
Como sugestões para a melhoria da preparação dos cuidadores no regresso a casa da pessoa com ostomia respiratória, os inquiridos apontaram, entre outros, para a criação de um protocolo de ensino. Vários autores (Ptizer et al., 2023; Ramírez et al., 2020; Stewart et al., 2022) salientam a importância da adoção de um protocolo sistematizado, por parte dos profissionais de saúde, que permita a implementação de intervenções efetivas, visando um eficaz planeamento do regresso a casa. Neiva et al. (2020), apontam ainda a consulta de enfermagem pré-operatória como um importante recurso para a capacitação tanto do doente como do cuidador.
Os resultados evidenciam a importância de um apoio e acompanhamento contínuo do doente e seu cuidador.
Finalmente entre as limitações do estudo apontam-se as escassas investigações sobre a preparação do regresso a casa da pessoa submetida a ostomia respiratória, na ótica do cuidador. Também o número reduzido de participantes impôs algumas limitações, na análise dos dados, nomeadamente a não realização de testes estatísticos de correlação. Impedindo ainda a transposição de resultados, que apesar de tudo estão de acordo com a pouca literatura identificada sobre o tema. O facto de alguns cuidadores, apresentarem dificuldades no preenchimento do instrumento de recolha de dados, levou a que este fosse preenchido pela investigadora, mediante as respostas dos participantes. Durante o momento da aplicação do formulário, foi criado um ambiente de confiança, com garantia de sigilo e confidencialidade para que a opinião dos participantes fosse o mais real e enriquecedor possível. Importa ainda referir que pelo facto de o formulário ter sido aplicado num só momento, impediu a separação e caracterização cronológica das implicações dos vários aspetos estudados, aumentando a probabilidade de ocorrência de viés associado à memória do respondente.
Conclusão
Este estudo confirma a existência de lacunas na preparação do regresso a casa dos familiares cuidadores da pessoa com ostomia respiratória. Os resultados evidenciam a importância de um apoio e acompanhamento contínuo do doente e seu cuidador. Ambos necessitam de conhecimentos e capacidades para que possam usufruir de uma melhor qualidade de vida e bem-estar, especialmente quando regressam ao seu contexto domiciliário.
Consideramos que a abordagem dos enfermeiros deve ter em conta as necessidades/dificuldades do familiar cuidador, para poder intervir enquanto profissional de saúde no sentido de melhorar a prática de cuidados informais. Antecipando as suas dificuldades e exercendo o nosso papel de educadores para a saúde, munindo-os de competências que lhes permitam lidar com esta situação. De forma a ajudá-los neste processo de transição, adaptando-se a este novo papel ou quando já o exerciam, às novas exigências que as novas condições de dependência exigem.
De modo a responder à questão de investigação “Qual a satisfação dos familiares cuidadores sobre a preparação do regresso a casa da pessoa com ostomia respiratória seguida em consulta, num hospital da região centro de Portugal?” obtivemos um índice de satisfação de 53,93%, ficando aquém do desejado. Em paralelo, verificamos que mais de metade dos inquiridos assumiu que poderia ter sido mais bem preparado para cuidar do doente em casa, contrapondo com um terço dos familiares cuidadores a assumirem estar completamente preparados.
Ao realizar este estudo no contexto da prática clínica, pretendemos demostrar as reais perceções dos familiares cuidadores, enquanto recetores de cuidados de enfermagem, de forma a sensibilizar os enfermeiros para as necessidades dos nossos utentes e desta forma atuarmos através de planos de intervenção estratégicos com vista a facilitar a prática dos cuidados de saúde com melhor qualidade. Para promover estes objetivos é necessário a definição e implementação de programas de educação e apoio efetivo aos familiares cuidadores, promovendo progressivamente a sua capacitação.
Reconhece-se a necessidade de transpor as (possíveis) conclusões deste estudo para o contexto da prática clínica, através da implementação do “Plano de preparação do regresso a casa da pessoa submetida a ostomia respiratória e seu cuidador”, baseado na evidência científica. A implementação do plano estruturado e baseado na evidência deve apresentar-se como um recurso à tomada de decisão dos profissionais de enfermagem, permitindo ir ao encontro das necessidades específicas dos cuidadores.
De modo a complementar o trabalho aqui apresentado, sugerimos que se replique o estudo, após implementação do referido Plano de preparação. E a replicação do estudo utilizando o Questionário PREPARED na sua versão endereçada a doentes, profissionais de saúde e serviços comunitários, no sentido do aumento da relevância e âmbito de abrangência dos aspetos e focos estudados.
Por fim, mas não menos importante, é de ressalvar que este estudo veio confirmar a fraca relação interinstitucional entre as equipas hospitalares e comunitárias, o que põe em causa a continuidade dos cuidados profissionais de qualidade, pelo que é fundamental a formação contínua dos profissionais de enfermagem a nível dos cuidados de saúde primários, para uma resposta adequada e de qualidade face às necessidades, quer da pessoa doente, quer dos familiares cuidadores.