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Ex aequo
versão impressa ISSN 0874-5560
Ex aequo no.39 Lisboa jun. 2019
https://doi.org/10.22355/exaequo.2019.39.05
DOSSIER: MULHERES NA IMPRENSA PERIÓDICA COLONIAL: DISCURSOS E REPRESENTAÇÕES
A construção da identidade da mulher em revistas do Estado Novo
The construction of women’s identity in magazines during Estado Novo
La construction de l’identité des femmes dans les magazines de l’Estado Novo
Aldina Marques*, Isabel Margarida Duarte**, Alexandra Guedes Pinto*** e Catarina Pinho****
* Instituto de Letras e Ciências Humanas (ILCH) da Universidade do Minho, 4710-057 Braga. Endereço postal: R. da Universidade, 4710-057 Braga, Portugal. Endereço eletrónico: mamarques@ilch.uminho.pt ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3263-1977
** Centro de Linguística da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), 4150-564 Porto. Endereço postal: Via Panorâmica Edgar Cardoso, 4150-564 Porto, Portugal. Endereço eletrónico: iduarte@letras.up.pt. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7908-5649
*** Centro de Linguística da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Endereço postal: Via Panorâmica Edgar Cardoso, 4150-564 Porto, Portugal. Endereço eletrónico: mapinto@letras.up.pt ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9120-1542
**** Centro de Linguística da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Endereço postal: Via Panorâmica Edgar Cardoso, 4150-564 Porto, Portugal. Endereço eletrónico: acpinho.ap@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4649-5796
RESUMO
Com vista a compreender o papel da imprensa periódica durante a ditadura do Estado Novo no recorte e na defesa de uma identidade da mulher portuguesa, no presente estudo analisa-se, numa perspetiva linguístico-discursiva, a representação da mulher num corpus de «Página(s) Feminina(s)» e rubricas de autoria feminina nas revistas Mundo Gráfico, A Esfera e Portugal Colonial. Como revistas do regime, as publicações promoviam um Portugal e uma mulher idealizados. A presença e participação da Mulher na imprensa cingia-se prototipicamente a rubricas de entretenimento e/ou aconselhamento, difusoras da propaganda do Estado e alheadas do cenário sociopolítico de então, em que, por ausência, está implícita essa segregação.
Palavras-chave: Representação da Mulher, identidade, ditadura, imprensa, discurso, propaganda.
ABSTRACT
In order to understand the role of the periodic press during the Estado Novo dictatorship in the design and defense of an identity of the Portuguese Woman, the present study analyzes, in a linguistic-discursive perspective, the representation of women in a corpus of «Woman(en) Page(s)» and female editorials of the magazines Mundo Gráfico, A Esfera and Portugal Colonial. As magazines of the regime, the publications promoted idealized versions of Portugal and womanhood. The presence and participation of women is prototypically limited to entertainment and/or counseling editorials, diffusing the state propaganda and oblivious of the socio-political scenario of the time, were their absence implies segregation.
Keywords: Women’s representation, identity, dictatorship, press, discourse, propaganda.
RÉSUMÉ
Afin de comprendre le rôle de la presse périodique pendant la dictature de l’Estado Novo dans la construction d’une identité de la femme portugaise, cette étude analyse, dans une perspective linguistique-discursive, la représentation des femmes dans un corpus de «Page(s) Feminine(s)» et d’éditoriaux d’auteures féminines des magazines Mundo Gráfico, A Esfera, et Portugal Colonial. En tant que magazines du régime, les publications faisaient la promotion d’un Portugal et d’une Femme idéalisés. La présence et participation des femmes dans cette presse était essentiellement limitées aux articles d’amusement et/ou de conseil, diffusant la propagande de l’État tout en restant aliénées face au scénario sociopolitique de l’époque, où leur absence implicite la ségrégation.
Mots-clés : Représentation des femmes, identité, dictature, presse, discours, propagande.
Introdução
A imprensa periódica constitui um recurso fundamental para a compreensão da sociedade portuguesa durante o Estado Novo e, em particular, a análise da construção da identidade da mulher em revistas do mesmo período.
Numa época caracterizada em Portugal pela vigência da ditadura e pelo (não) envolvimento do país na Segunda Guerra Mundial, a imprensa periódica surge como veículo privilegiado da propaganda do Estado, especificamente no recorte e defesa de uma determinada identidade da mulher
A informação era então, e de modo sistemático, condicionada pelo poder político, que, através do mecanismo da Censura, filtrava as «narrativas» do real tornadas públicas. Segundo Adão (2012), há resistências um pouco por todo o país. Não havia, no entanto, muito espaço para as vozes dissonantes. O regime impõe uma monofonia também no alinhamento temático e no estilo doutrinário de divulgação dos modelos comportamentais das rubricas femininas a analisar.
Colocamos, pois, como hipóteses de investigação que as revistas acompanham e participam da ideologia oficial na construção de um modelo de mulher. Considerámos ainda que essa construção explicitamente trabalhada em páginas apelidadas de femininas surge, também, de um «silêncio discursivo», advindo do confinamento da Mulher à célula familiar, ou de discursos como o publicitário que, de modo indireto, participam nessa construção.
A fim de garantir uma visão mais abrangente desta construção identitária na imprensa da época, procedemos a uma análise comparativa de três revistas, Portugal Colonial, A Esfera e Mundo Gráfico (doravante PC, AE e MG, respetivamente), todas elas publicadas na antiga metrópole, mas acessíveis nas colónias.
Assim, além da análise da «Página Feminina» de dez números das revistas MG e AE, correspondentes ao período de dezembro de 1940 a abril de 1941, integrámos também a análise de 72 números da revista PC, publicada de março de 1931 a fevereiro de 1937.
A constituição deste corpus visa determinar os modos de construção da imagem da mulher portuguesa neste período do Estado Novo e confrontar estas revistas, representativas de mundividências opostas em tantas dimensões.
O enquadramento teórico a partir do qual analisámos as revistas foi a análise do discurso, em que os textos são estudados na sua materialidade linguístico-discursiva, mas tendo em conta o contexto histórico em que são produzidos e publicados (Fairclough 1992; Maingueneau 2005, 2014; Charaudeau 2015). Assim, interessa- nos a época em que as revistas são editadas e, igualmente, as características das próprias revistas, enquanto produtos empíricos do discurso jornalístico (Charaudeau 1997; Maingueneau 1998; Moirand 2003, 2007). Este posicionamento teórico tem consequências ao nível da metodologia adotada e dos objetivos definidos: não importa apenas o reflexo da época nos textos, mas, sobretudo, o modo como os mecanismos linguístico-discursivos concorrem para a construção da imagem da mulher.
Ao entendermos «identidade» como uma construção maioritariamente discursiva, construída ora pelo próprio sujeito, no decurso da sua interação social através do ethos, ora pelos discursos de outros (indivíduos, instituições, Estado) sobre o sujeito, assumimos o pressuposto de que estudar a voz das mulheres no discurso de imprensa do Estado Novo traz novos e relevantes contributos para o conhecimento do tema.
A importância da construção da identidade pela atividade discursiva tem sido sublinhada.1 Nesta perspetiva, entendemos os discursos das mulheres e sobre as mulheres nas publicações analisadas como marcas de uma identidade social e historicamente construída, de que daremos conta no nosso estudo, mediante a identificação e a reflexão sobre as estruturas linguísticas que sustentam a construção de uma identidade de género.
Em face de todos os estudos que anteriormente já trataram o enquadramento da mulher no Estado Novo, privilegiando questões como o quadro jurídico da mulher neste momento histórico, os movimentos cívicos em que esta se integrava e a ela dirigidos (Belo, Alão e Cabral 1987; Pimentel 2001, 2011), ou a questão da ideologia do Estado Novo, pretendemos evidenciar o contributo de discursos tendencialmente produzidos por ou para mulheres na imprensa da época como formas privilegiadas de representações discursivas dessa identidade.
Saliente-se que os trabalhos sobre os dois temas que aqui se cruzam, a imprensa e a mulher no Estado Novo, realizados a partir de enquadramentos teóricos de diferentes áreas das ciências sociais, têm mostrado a imposição progressiva de uma política social que retira autonomia à mulher (Pimentel 2011, 46), reduzindo-a ao espaço familiar, um doutrinamento tanto mais forte quanto é apresentado, segundo Neves e Calado (2001, 24), não como condenação mas como libertação.2
A imprensa participou dessa construção social, alinhando com o poder. Assumindo a não transparência dos discursos a opacidade da linguagem e a sua contribuição para o estabelecimento ou perpetuação de relações de poder está muito presente na vertente da Análise Crítica do Discurso (bem representada em autores como Fairclough 1992; Van Dijk 1995; Wodak 2003; Reisigl 2008, entre outros) , recusa-se a caracterização da imprensa como espelho da sociedade para lhe reconhecer um papel ativo e central nesse processo de construção. Outros regimes totalitários seguiram a mesma estratégia de propaganda e condicionamento. Fuentes Rodríguez (2018, 135) refere o papel da imprensa espanhola na construção da identidade feminina valorizada pelo franquismo. Como afirma, «Não é uma identidade que a mulher decida livremente adotar, mas, sim, aquela que deve obrigatoriamente impregnar toda a sua ação quotidiana» (2018, 134).
Tendo em conta a importância do contexto político-social nacional e internacional para a compreensão do nosso objeto de estudo, apontámos algumas questões que consideramos essenciais.
Em termos nacionais, estas revistas foram criadas num período em que outras foram proibidas, mercê do reforço do poder censório, através da criação da Comissão de Censura de Lisboa. Segundo Áurea Adão, «a mais evidente [consequência da criação da Comissão] traduziu-se na proibição de numerosas revistas culturais» (2012, 18). Ainda segundo esta autora, na «província» há um decréscimo dos periódicos conotados com a Oposição, compensado pela subida significativa de periódicos situacionistas.3
Em termos internacionais, a neutralidade de Portugal relativamente à 2.ª Guerra Mundial é feita de compromissos com os dois lados beligerantes, Eixo e Aliados. Por um lado, há uma clara aproximação ideológica relativamente à Alemanha, mas também há a consciência da supremacia inglesa, «a mais velha aliada de Portugal».
É neste duplo enquadramento que as revistas em análise devem ser consideradas.
Na verdade, se a revista AE é uma revista pró-Eixo, que acompanha o período da guerra (1940-1945), publicando textos em que se faz a apologia da Alemanha e dos seus feitos militares, já a revista MG, com um período de vida mais alargado (1940-1948), apresenta uma temática centrada na heroicização dos Aliados, sobretudo da Inglaterra (Duarte, Marques e Pinto 2016).
Mas, e apesar das suas especificidades, consideramos estas revistas como periódicos não hostis ao Estado Novo. De acordo com Barros, para Salazar, é importante criar «poderosos aparelhos de propaganda beligerante em Portugal durante este conflito» (2017, 148) e quer AE, quer a MG cumprem esse desiderato.
Quanto a PC, é uma revista que se assume, logo na capa, como revista de propaganda: «Revista mensal, de propaganda e expansão do Império Português». O primeiro editorial expõe o quadro ideológico da revista, fazendo sobressair a natureza imperial e o destino colonizador de Portugal:
PORTUGAL, a quarta potencia colonial do mundo, e primeira na riquesa das suas tradições coloniais, mestre de colonisadores, precursor equilibrado e perfeitíssimo da colonisação moderna e a nação que de direito, mais puro e indiscutível, é cabeça dum grande lmpério de fronteiras mundiais, desviou-se do sentido colonial, por volta de 1820, com as primeiras febres do liberalismo (Galvão 1931, 1).
O número médio de páginas de cada edição é elevado, cerca de 40, quase sempre com muito texto e pouca imagem, muitas estatísticas e assuntos ditos sérios. Os números são todos visados pela comissão de censura e neles escrevem, com regularidade, membros do governo.
PC ocupa-se sobretudo com questões políticas, nomeadamente de legitimação do governo das colónias, e também com a justificação de opções económicas, administrativas e políticas que dizem respeito à administração colonial (Duarte, Marques e Ramos 2018). O projeto da revista é claramente militante em favor de um reforço da ação colonial. Por isso, na revista predominam textos que são recomendações aos poderes públicos, com frequentes atos diretivos e modalidade deôntica, mecanismos linguísticos através dos quais os autores, legitimados pelos títulos académicos ou profissionais, adiantam propostas de ação ou fazem intimações mais ou menos veladas.
1. A Mulher na imprensa periódica do Estado Novo
No contexto político e social da época, a família é a base da pretendida renovação moral do país, sendo o instrumento privilegiado para a transmissão dos valores tradicionais e dos princípios de ordem e austeridade (Vaquinhas e Guimarães 2011; Martins 1986). Neste enquadramento, a mulher está confinada à função de educadora dos filhos, devendo incutir-lhes, desde cedo, valores como o respeito pelas instituições, o gosto pelo trabalho, o amor à pátria, a integridade moral, as boas maneiras e a disciplina. Submissa e obediente, encarrega-se da esfera familiar, assumindo a gestão do orçamento doméstico (Vaquinhas e Guimarães 2011, 212).4 Todavia, se considerarmos que, «em 1945, Portugal possuía ainda uma fraca escolarização» (Adão 2012, 15), isto é, os analfabetos maiores de 7 anos atingiam 45% da população, e que as mulheres eram um grupo desfavorecido, logo com maior taxa de analfabetismo, percebemos que a destinatária das páginas femininas é a mulher da classe alta e média-alta, citadina e moderna.
1.1. A Mulher nas revistas Mundo Gráfico e A Esfera
Além do seu papel de mãe e educadora, a mulher, eventual leitora das revistas MG e AE está confinada ao lugar de esposa, ou futura esposa, a quem compete velar pelo bem-estar do marido. Mas a imagem feminina construída nas revistas é também uma mulher mundana, sedutora, e, sobretudo, objeto de desejo e prazer. As páginas femininas selecionam a mulher como destinatário explícito, mas o homem é, sem dúvida, um destinatário implícito das mesmas. Com efeito, há erotismo nas descrições femininas. O n.º 1 de MG é um exemplo paradigmático:
Um lindo vestido nem sempre é uma linda mulher. No entanto, há uma aproximação entre ambos. Uma cumplicidade. E que não se riam de orgulho as rosas ducais da beleza, que passam com o diadema de ouro dos seus cabelos; há também violetas humildes que, no seu perfume, no roxo namorado e triste das pétalas pequeninas onde cabe um beijo são como um acorde de graça inocente e casta (MG 1940a, 7).
O contexto físico e social em que esta mulher é colocada reforça o tom de glamour. Neste artigo, intitulado «Lisboa, capital da moda», a mulher portuguesa passeia pela cidade num «doirado fim de outono», alheia à tragédia em que o mundo está envolvido.
No n.º 4 de AE, este mesmo alheamento é explicitado na primeira mensagem editorial da autora da rubrica feminina:
Será feita de pequenas coisas esta página, comentando, aconselhando, divulgando uma novidade, respondendo a qualquer pregunta fútil se isso se tornar necessário, profunda se para isso houver oportunidade, com o intento de distrair, discorrendo, alegremente, sôbre a Vida e todos os assuntos que interessem a mulher (AE 1940a, 19).
A leitora feminina sabe, pois, que os conteúdos a ela destinados são «pequenas coisas», com o objetivo de distrair e «discorrer alegremente sobre a vida». Também os anúncios publicitários a ela dirigidos, com uma organização semântico- composicional híbrida, entre o folhetim, a bula de farmácia e o anúncio, mostram que a leitora preferencial apreciaria as narrativas suaves de entretenimento, das quais o anúncio publicitário se aproxima.5
Além desta diferenciação de género manifesta na própria estrutura e nas componentes icónico-verbais dos anúncios, também a segmentação por produtos mostra um claro predomínio de publicidade orientada para o homem. Para a mulher há menos publicidades e quase todas da área da cosmética (Duarte, Marques e Pinto 2017, 97-117).
Os produtos de beleza apelam, aliás, aos mesmos valores que as rubricas editoriais destinadas à mulher: «Acorde mais nova todas as manhãs», da publicidade ao creme d’Argy (MG 1940b, 27), colocada ao lado do texto «Arte de ser feliz no casamento», em que se aconselha a mulher a proporcionar ao marido «todas as comodidades»:
Nunca esquecerá de que vem de trabalhar para o sustento de lar e mostrar-se-á risonha, agradável, não o importunando com questões domésticas ou preocupações sem fundamento.
Mostrar-se-á sempre um pouco criança, pois o homem gosta imenso de se sentir forte e protector (MG 1940c, 27).
Eis como os atos diretivos (estejam os verbos no imperativo ou no conjuntivo com valor injuntivo ou no futuro com valor idêntico) moldam o comportamento da Mulher, seja no que diz respeito aos cuidados com o seu aspeto físico, já que a sua função é agradar ao homem fisicamente, seja no que diz respeito ao seu papel de esposa submissa, sempre ao serviço do bem-estar do marido.
É também no n.º 4 de AE, que a editora da «Página Feminina» mostra que a mulher, descrita aqui como objeto erótico, deve ter como objetivo único o de agradar ao homem:
Ela pegou no espelho de mão e êle disse-lhe, na sua linguagem muda, tudo o que queria saber! Estava bonita, incontestàvelmente bonita, numa irrepreensível elegância moderna que a tornava: altiva e confiante!
Os caracóis bem arrumados, os ombros suficientemente despidos, as pestanas recurvadas e empastadas com fios de retroz, o colorido da bôca acentuado até ao superlativo, as unhas compridas e bicudas, afirmando-se capazes de um rasgo de defesa ou de ataque sabe-se lá o que pode acontecer… Mais não será preciso para adquirir um certificado de Beleza que deslumbre um batalhão de admiradores (AE 1940b, 19).
Os valores da nação portuguesa6 não são, todavia, esquecidos, e a mulher portuguesa distingue-se pela doçura e humildade. No excerto abaixo ativa-se uma mundividência masculina de desejo que se articula com esses valores dominantes.
A lisboeta, porém, não aceita todos os decretos da moda. Alguma coisa a distingue das outras mulheres, sendo sempre portuguesa as estrêlas dos seus olhos negros, a sua graça humilde enfeitiçada de doçura e a harmonia das suas formas donairosas (MG 1940a, 7).
Os textos sobre a mulher e destinados às mulheres caracterizam-se pelo predomínio de atos assertivos e de atos diretivos. Os primeiros têm caráter fortemente avaliativo, marcado pela presença de adjetivos valorativos (vejam-se os casos de: «gracioso», «humilde», «bonita», «moderna», «altiva e confiante», «donairoso», «indefinível», «encantador», «agradável», «preciosas», «elegante», «prodigiosa», «sumptuoso», «requintada», etc.). Nas rubricas em que se formulam conselhos dirigidos às leitoras, predominam os verbos no modo conjuntivo com valor de imperativo e os modais deônticos (Campos 1998) como dever: «Empregue ao deitar o Creme d’Argy, de tão agradável aplicação» (MG 1940b, 27; itálico acrescentado), «A mulher deve fazer com que o marido lhe dê mimo» (MG 1940c, 27; itálico acrescentado); «O «tailleur», esse vestuário de bom gôsto, […] deve pôr-se de parte, para um chá de tarde» (AE 1940c, 23).
Tal como em MG, a rubrica «Página Feminina» de AE, num formato estável de texto narrativo breve (conto), aborda as mesmas temáticas da economia doméstica, a educação dos filhos, a poupança ou o casamento, sendo, neste caso, a história e as próprias personagens estereotipadas, que difundem a mensagem moralista da defesa dos bons costumes.
A título de exemplo, no n.º 6 de AE, a história da «Página Feminina» narra a vida de uma «mamã bonita» com uma agenda excessivamente preenchida:
Mamã-bonita não teve tempo de meditar no caso; o horário do seu dia de mulher elegante está um pouco cheio, a «mise», a prova do vestido, o chá a intrometer-se quási na hora do jantar a fôlha da agenda marca «continuação na página a seguir» tudo isso a absorve e a faz esquecer de que tem uma filha de nove anos, idade perigosa, em que os olhitos tudo procuram ver e os ouvidos escutar… (AE 1940d, 20).
As personagens-tipo, muitas vezes sem nome próprio, assumem uma função representativa e moralizadora.
Também aqui, esta imagem coexiste com a da mulher com os «dias cheios de elegância», que sabe pintar-se de forma sedutora e decidir entre o «tailleur» e o vestido de saia e casaco para «um chá de tarde sem convites com antecipação» (AE 1940e, 23).
A mesma linha de condicionamento do comportamento feminino está presente no n.º 4, fazendo depender, de regras de beleza, o uso do maillot para ir nadar: «é preciso, contudo, não exagerar a exiguidade do «maillot». Corre-se o risco de… ofender… a Estética!» (AE, 1940f, 19).
E ainda nesta mesma página, a editora remata em tom moralista:
A Vida é feita de aparências; cuida-se o aspecto e julga-se não haver mais nada a fazer… Não, não é assim!
Ser mulher é qualquer coisa mais do que parecer um mostruário de elegância! Cabem- -lhe responsabilidades de educação, junto dos filhos que tenha ou possa vir a ter, deveres de ordem moral, obrigações de carácter íntimo na orientação do Lar! (AE 1940f, 19).
Tal como fica ilustrado, a divergência de orientação política das revistas, acima referida, não dá espaço a uma representação diferente da mulher portuguesa. Bem pelo contrário, a imagem da mulher está, em ambos os periódicos, de acordo com as diretivas do regime que atribuíam à mulher, sempre na dependência masculina, um papel importante no domínio da educação das gerações futuras através da família e de determinadas associações cívicas.7 Ambas as revistas constroem a imagem de uma mulher confinada à atuação no lar ou em sociedade, colocando em destaque a rutura entre a esfera da mulher e a realidade do país e do mundo.
1.2. A Mulher na revista Portugal Colonial
Em divergência com a explicitação do modelo feminino imposto por um discurso marcadamente instrucional, a revista PC constrói in absentia a identidade da mulher. Desde a sua criação, a revista dá voz a um mundo masculino, de poderes políticos e empresariais, onde a mulher (quase) não tem lugar. Em texto da Hemeroteca Municipal de Lisboa, pode ver-se uma extensa lista relativa ao corpo dirigente e colaboradores da revista ao longo dos seis anos da sua publicação. Além do corpo dirigente, são 15 «os que marcaram maior presença» e 101 os que participaram em «colaborações de cariz técnico ou doutrinário», lista de que constam altos dignitários da nação (Correia 2014, 5).
Quanto às mulheres, apenas sete, têm colaborações que são «maioritariamente literárias». A exiguidade das presenças permite-nos elencar todo o grupo: Maria Archer; Guilhermina de Azevedo; Berta Leite; Esther Gil Nobre; Amália Proença Norte; Alice M. Barreira Antunes Gomes e Sousa, e Maria Anna Acciaioli Tamagnini (Correia, 2014, 7).
Nesta página literária cabem géneros como o conto ou o artigo de opinião, laudatório do regime. Diferentemente dos artigos cujos autores são homens e que compõem a maior parte da revista, os textos de mulheres servem para distrair e suavizar os temas sérios e preocupantes. Uma análise mais atenta mostra que estes textos são símbolo da mulher portuguesa relegada para a margem de um mundo centralmente masculino. A esfera da literatura é, nesta revista, o único lugar que lhe é disponibilizado, e onde se encontra com locutores masculinos.8 Esta restrição da colaboração feminina à página literária acentua por contraste a sua ausência do mundo político, social, empresarial, discursivamente construído por (tantos) locutores masculinos.9
Para além da página literária, de que as mulheres são também destinatárias, só a publicidade as seleciona como interlocutoras.
A identidade portuguesa construída em PC é a de um país predestinado a ser um império colonial (veja-se o editorial atrás citado). A construção discursiva desse império faz das colónias meros prolongamentos naturais da «metrópole». Com efeito, quando se fala de portugueses na revista, estes são homens, brancos e colonos ou estão na metrópole, ainda que ocupados com negócios nas colónias.
A publicidade tem, de facto, um papel fundamental na construção do leitor- -alvo. Tratado por Vossa Excelência, este é, como ilustra a imagem abaixo (p. I), tipicamente, um homem branco e jovem:
Os objetos mais comuns de publicidade (vinhos, transportes, companhias coloniais) confirmam o tipo de público leitor. A exceção é a publicidade a leite artificial e a produtos de beleza, o que permite colocar a mulher, branca, mãe de família, preocupada com o seu bebé, e pretendendo agradar ao marido, entre os leitores selecionados pela revista:
Já os «indígenas», em alguns discursos que se pretendem científicos, são apresentados como menos capazes intelectualmente do que os brancos, em articulação com o pressuposto da inevitabilidade e necessidade da colonização. A legenda da imagem abaixo (Na Exposição Colonial Portuguesa Dois soberbos exemplares da raça bijagós), tem subjacente essa desvalorização que os desumaniza, independentemente de serem homem ou mulher:
Note-se, no entanto, que esta desumanização é ambígua, no que concerne ao corpo feminino. O n.º 25 da revista, nas páginas 13 e 19, apresenta inúmeras fotografias de mulheres africanas suscetíveis de agradarem ao olhar masculino, pela nudez, a juventude e a beleza dos corpos.10
Mas, por outro lado, as colónias são, discursivamente, o prolongamento dos habitantes da metrópole, numa homologia tão pretendida e ficcionada que acaba por se tornar risível.11
Quanto à representação das mulheres portuguesas em PC, não é possível encontrar nenhuma aproximação explícita à mulher da «Página Feminina», que atrás referimos a propósito das revistas AE e MG. Há, contudo, uma ausência significativa. Fora do mundo literário, as mulheres apenas são mostradas em fotografias cujas legendas as afastam desse mundo masculino português, onde apenas têm lugar como imagem decorativa, limitadas à função de semear «frescura e graça» no universo sério dos homens. Num relato sobre a inauguração da Exposição Colonial, pode ler-se:
Lindas mulheres faziam realçar com os seus elegantes atavios a tradicional formosura das mulheres nortenhas, salpicando de frescura e graça a mancha severa das casacas e das fardas de gala, onde cintilavam oiros e condecorações (Moreira 1934, 1).
Falar da mulher no Estado Novo é, pois, abordar um conceito complexo, onde diferenças de estatuto social, etnia ou origem geográfica, entre outras, se tornam relevantes. Na verdade, e sobretudo em PC, são representadas quer a mulher «indígena », quer a mulher branca, mas o estatuto desta última, e pese embora a matriz ideológica que determina a referenciação das mulheres, é radicalmente diferente do da mulher «indígena».
Sintetizando, no que toca à construção da identidade da mulher em PC, assim como o Portugal representado é um Portugal monocêntrico, hierarquicamente colocado face às colónias, também é um Portugal masculino, empreendedor, patriota, onde a mulher, em consonância com o lugar que a ideologia oficial lhe reserva, quase não tem espaço nem expressão.
Quanto a MG e AE, sendo o público-alvo mais heterogéneo e prevendo o público feminino como destinatário, este tem sempre um lugar secundário, relativamente ao público masculino.
Conclusões
A construção discursiva da imagem da mulher em MG e em AE é semelhante, apesar da orientação divergente dos periódicos quanto à questão do conflito mundial em curso. O papel que lhe é destinado, como mãe e como mulher, está linguisticamente plasmado, por um lado, nos atos assertivos, delimitadores de um conhecimento não contestável e, por outro, nos atos diretivos, marcados pela modalidade deôntica do dever. Em PC, revista mais assumidamente masculina e de propaganda, focada na questão das colónias, a mulher prima pela quase total ausência. Não há para ela espaço nesse mundo masculino, vocacionado para construir uma imagem grandiosa do Portugal Colonial.
Pesem embora tais especificidades, o confronto das três revistas põe em relevo uma representação consistente da mulher portuguesa nas décadas de 1930 e 1940 do Estado Novo português. São modelos femininos dominantes, impostos pelo regime e que esta imprensa consolida. Em PC, como referido, é sobretudo pela ausência que esse modelo se impõe.
Num momento histórico em que a diferenciação de género era construída ativamente pelos discursos oficiais seria de esperar que também nos discursos produzidos pelas/para as mulheres na imprensa, essa diferenciação se manifestasse e fosse, até, defendida, de maneira doutrinária. Esta hipótese confirmou-se no nosso estudo.
Sendo a identidade da mulher uma construção social e histórica, ela é também uma construção ideológica, no sentido que Van Dijk (1995, 243) atribui a este termo.
Não é por acaso que a União Internacional Interparlamentar12 defendeu que os média seriam um dos palcos privilegiados atuais para conduzi r a luta pela igualdade de género no espaço político. Efetivamente, o alcance dos meios de comunicação de massa eleva-os ao estatuto de arena onde se negoceiam, transformam ou perpetuam estereótipos sociais e culturais. No tempo histórico analisado no nosso estudo, o elevado índice de analfabetismo do país reduzia o alcance da imprensa apenas a algumas das classes mais favorecidas da sociedade. Não obstante esta realidade, a análise mostrou que o discurso de/para a mulher na imprensa do Estado Novo cristalizou uma identidade de género discriminatória, sendo a esfera de ação da mulher remetida para o espaço privado e a sua voz apenas admissível no quadro de certos temas e certos géneros textuais.
A estereotipização de um determinado grupo é característica dos discursos de propaganda, assentes na promoção de um conjunto de modelos comportamentais ajustados a esse grupo, contribuindo para a perpetuação da discriminação contra ele (Van Dijk 1995, 262). O nosso estudo, pela recorrência de temas e de formas de os tratar, comprovou que o discurso das Páginas Femininas nas revistas do Estado Novo se enquadra no conceito de discurso de propaganda.
Estabelecendo, para finalizar, uma ponte com o presente e procurando possíveis analogias com os média impressos atuais, verificamos a permanência, na atualidade, de uma imprensa feminina’ que aborda temas similares aos do período analisado, com uma focalização que, em alguns aspetos, não se distancia assim tanto do que verificamos acontecer na imprensa do Estado Novo. A assunção por parte dos média de um papel mais ativo e positivo na superação da desigualdade de género é fundamental, passando também pela transformação dos estereótipos veiculados, no sentido de uma maior simetria. A Ciência cumpre, também, por sua vez, o seu papel, ao reunir evidências, expor, descrever e refletir criticamente sobre os estereótipos, ajudando a encontrar formas de os desconstruir e de os ultrapassar.
Referências bibliográficas
Adão, Áurea. 2012. A Educação nos artigos de jornal durante o Estado Novo (1945-1969). Disponível em http://hdl.handle.net/10451/6382 [Consultado em 13 de abril de 2017]. [ Links ]
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* R. da Universidade, 4710-057 Braga, Portugal.
**, ***, **** Via Panorâmica Edgar Cardoso, 4150-564 Porto, Portugal.
Aldina Marques
Professora Associada do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho. Doutorada em Ciências da Linguagem, ramo de Linguística Portuguesa, pela Universidade do Minho. Integra a rede MEMITA, bem como outros projetos de investigação nacionais e internacionais e possui numerosas colaborações académicas internacionais. As áreas de investigação e de interesse são: Pragmática linguística; Análise Linguística do Discurso; Argumentação no discurso. Possui numerosas publicações especializadas na área.
Isabel Margarida Duarte
Professora Associada da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e membro do Conselho Científico do CLUP e da FLUP, é doutorada em Linguística pela FLUP e Mestre em Ensino da Língua Portuguesa pela mesma instituição. Tem como principais áreas de investigação a Pragmática e Análise do Discurso bem como a aplicação da Linguística ao ensino do Português. É diretora dos cursos de Mestrado em Ensino do Português na FLUP. Integra vários projetos de investigação, entre os quais a rede MEMITA e é autora de numerosas publicações de especialidade.
Alexandra Guedes Pinto
Mestre e doutorada em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, é Professora Auxiliar nesta Faculdade, especializada nas áreas da Análise do Discurso, da Pragmática e da Sociolinguística. É membro do conselho científico do CLUP, participando em vários projetos e redes internacionais, tais como a rede MEMITA e o ARGHub dos Laboratórios MIL (Media Innovation Labs) da UP; É, ainda, organizadora principal das Jornadas Internacionais de Análise do Discurso (JADIS) e diretora editorial da Revista REDIS Revista de Estudos do Discurso, FLUP/CLUP.
Ana Catarina Pinho
Doutoranda no Curso de 3.º Ciclo em Ciências da Linguagem, variante de Linguística, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e Mestre em Estudos Editoriais pela Universidade de Aveiro. Encontra-se integrada na rede internacional MEMITA Memória e Identidade onde faz investigação sobre a imprensa do regime do Estado Novo.
Artigo recebido a 8 de janeiro de 2019 e aprovado para publicação a 9 de abril de 2019.
NOTAS
1 Giddens salienta a importância da «narrativa de si» na construção de uma identidade pessoal e social: «A identidade de uma pessoa não se encontra no comportamento nem por mais importante que isso seja nas reações dos outros, mas, sim, na capacidade de manter uma narrativa particular. A biografia individual, se é para a pessoa manter uma interação regular com os outros no dia a dia, [ ] deve integrar continuamente eventos que ocorrem no mundo exterior e ordená- -los na «história» corrente sobre o eu» (Giddens 1991, 54). Também Fuentes Rodríguez se refere à questão: «A identidade de grupo { ] é constituída por traços pessoais, sociais, ideológicos ou religiosos { ] acolhe todos os traços que constituem a ideologia: crenças, conhecimentos partilhados e comportamentos sociais. Em suma, é um constructo coletivo (Van Dijk 2005)» (Fuentes Rodríguez 2018, 130).
2 As autoras fazem referência ao slogan «a mulher para o lar», que o regime ditatorial difundiu na década de 1940.
3 Daqui não decorre, no entanto, o silenciamento da província: «o desígnio salazarista de criação de uma base alargada de suporte do regime com uma rede de imprensa de província revelou-se um fracasso» (Gomes 2017, 99). Para uma apresentação global da imprensa na província durante este período, ver Barros (2011).
4 A legislação acompanha e reforça tal estatuto. Veja-se o Decreto n.º 22 241, de 22 de fevereiro de 1933, que, promulgando o Projecto de Constituição Política da República Portuguesa, «Consagra a igualdade dos cidadãos perante a lei», «salvas, quanto à mulher, as diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família (Artigo 5.º, § único)» (DGSS 2014, 112).
5 A análise dos anúncios publicitários nas revistas AE e MG foi já objeto de reflexão em Duarte, Marques e Pinto 2017, 97-117.
6 Sobre os valores da nação portuguesa no Estado Novo, veja-se Rosas (2001), que refere, a propósito do discurso de comemoração do 10.º aniversário do 28 de Maio, no mesmo ano em que são distribuídas por todas as escolas primárias as sete gravuras intituladas «A Lição de Salazar»: «Salazar resumiria esta axiologia ao proclamar as “verdades indiscutíveis” da revolução nacional. “Não discutimos”, dirá ele, “Deus e a virtude”, não discutimos a “Pátria e a sua História”, não discutimos a “Autoridade e o seu prestígio”, “a Família e a sua moral”, “o trabalho e o seu dever”» (2001, 1036).
7 Os Estatutos da OMEN (Obra das Mães pela Educação Nacional), regulamentados em 1936, indicavam como um dos objetivos da Organização «preparar melhor as gerações femininas para os seus futuros deveres maternais, domésticos e sociais» (p. 211). O discurso oficial revelava, assim, o pensamento sexista do regime, defensor dos papéis da Mulher no lar e na família e desmobilizador de qualquer intervenção política da Mulher. Veja-se, a propósito, Belo, Alão e Cabral (1987), Pimentel (2011), Joaquim (2017), onde o enquadramento social, jurídico e histórico da Mulher no Regime do Estado Novo é estudado.
8 De facto, é aqui que se concentram quase exclusivamente as participações femininas. Só a revista n.º 50 apresenta, fora da página literária, um texto de Berta Leite e outro de Alice Sousa.
9 Apenas a revista n.º 41 assinala, fora desta página, a morte de Maria Anna Acciaioli Tamagnini, que colaborou na revista.
10 O tipo de discurso sobre os «indígenas» aqui ilustrado é característico de uma visão racista predominante na altura e também de abordagens «orientalistas» do outro e da mulher autóctone. Remetemos para Matos (2006) e Said (1978), através da introdução do conceito de «orientalismo» como um processo de construção de identidade assente numa relação especular e de oposição face a um outro a quem se atribui características de otherness, num processo de othering ou estranhamento e exclusão. Mais atualmente, ver ainda Baumann e Gingrich (2004) e, também, Evans (2013).
11 No n.º 1 da revista, sob o título «Angola, prolongamento de Portugal» e com a legenda «Um pastor na Humpata» (p. 2), está a fotografia de um homem branco, vestido com os trajes tradicionais de um pastor da Serra da Estrela. Idêntico efeito têm, por exemplo, imagens de procissões, capazes de caracterizar, do mesmo modo, o Portugal rural da metrópole e uma missão em Tchiepepe-Huíla.
12 A União Internacional Interparlamentar, criada em 1889, funciona como um fórum de negociação política, que divulga recomendações com vista a sociedades mais justas.