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Ex aequo
versão impressa ISSN 0874-5560
Ex aequo no.40 Lisboa dez. 2019
https://doi.org/10.22355/exaequo.2019.40.08
ESTUDOS E ENSAIOS
Maré de Mulheres: reflexões sobre a justiça para mulheres em situação de violência numa favela carioca
Maré de Mulheres: Reflections on Justice for Women in Violence Situations in a Carioca Favela
«Maré de Mulheres»: reflexiones sobre la justicia para mujeres en situación de violencia en una favela carioca
Marisa Antunes Santiago*, Hebe Signorini Gonçalves**, Cristiane Brandão Augusto***
* I Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, CEP 20050-008, Brasil.
** Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, CEP 22290-902, Brasil.
*** Faculdade de Direito, Núcleo de Políticas Públicas em Direitos Humanos, Universidade Federal do Rio de Janeiro FND/NEPP-DH/UFRJ/Brasil
RESUMO
O presente trabalho objetiva refletir sobre estratégias de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, a partir de pesquisa realizada no Centro de Referência de Atenção à Mulher no Complexo de Favelas da Maré, no Rio de Janeiro. Através da visão das/os profissionais que aí atuam, procuramos demonstrar o perfil das mulheres que procuram o serviço, as percepções sobre violência, as principais dificuldades quanto ao acesso à Justiça oficial e as metodologias alternativas ao sistema penal.
Palavras-chave: Violência doméstica e familiar, patriarcado, favela, centro de referência de atenção à mulher, políticas públicas.
ABSTRACT
The present study aims to reflect on strategies for facing domestic and family violence against women, based on a research carried out at the Reference Center for Women's Care in the Maré complex of favelas in Rio de Janeiro. Through the vision of professionals who work there, we intend to demonstrate the profile of women who seek the service, the perceptions about violence, the main difficulties regarding access to official Justice and alternative methodologies to the Penal System.
Keywords: Domestic and family violence, patriarchy, favela, reference centers for women's care, public policies.
RÉSUMÉ
El presente trabajo tiene como objetivo reflexionar sobre estrategias de enfrentamiento a la violencia doméstica y familiar contra la mujer, a partir de una investigación realizada en el Centro de Referencia de Atención a la Mujer en el Complejo de Favelas da Maré, en Río de Janeiro. A través de la visión de las/os profesionales que allí actúan, procuramos demostrar el perfil de las mujeres que buscan el servicio, las percepciones sobre violencia, las principales dificultades en cuanto al acceso a la justicia oficial y las metodologías alternativas al sistema penal.
Palabras clave: Violencia doméstica y familiar, patriarcado, favela, centro de referencia de atención a la mujer, políticas públicas.
Introdução
Signatário de diferentes tratados e convenções internacionais que pretendem prevenir e enfrentar a violência contra a mulher como a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) (1979), a Declaração de Viena (1993) e a Convenção de Belém do Pará (1994) , o Estado brasileiro comprometeu-se a criar estratégias e ações para combater a violência contra as mulheres. Apesar dessa violência não ser um fenômeno recente, foi apenas em 1993, a partir da II Conferência de Direitos Humanos, que estas ações passaram a ser consideradas uma grave violação aos direitos humanos. Os direitos das mulheres e das meninas passaram a ser parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais e todas as formas de discriminação baseadas no sexo se tornaram alvos prioritários dos governos.
Em 1994, a Convenção de Belém do Pará definiu como violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico, tanto na esfera pública como na esfera privada. A Lei Maria da Penha, Lei 11340/2006, promulgada com o fim de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil, corrobora as diretrizes internacionais e acrescenta que a mulher pode também ser vítima em qualquer relação íntima de afeto, incluindo as homoafetivas, e que, além das formas citadas, pode sofrer violência patrimonial e moral.
As raízes da violência contra a mulher podem ser explicadas pelo patriarcado, ideologia segundo a qual o homem tem autoridade absoluta sobre todos os seus subordinados, sejam eles membros da família (esposa, filhos), empregados ou membros da comunidade; detendo o poder de decisão, o homem impõe costumes, desejos e vontades. Nas relações de casal, o patriarcado institui assimetrias de poder, subordinando a mulher ao controle androcêntrico, tendo sobre ela poder e autoridade quase irrestrito. Segundo Reguant, o patriarcado é uma forma de organização política, econômica, religiosa e social baseada na autoridade e comando do homem, que se apropriou da sexualidade e reprodução das mulheres numa ordem simbólica onde mitos e religião o perpetuam como única estrutura possível (Reguant 2007, s/n).
Observamos ao longo dos últimos 30 anos a desnaturalização das agressões, a emergência da problematização por parte das lutas feministas e das instâncias internacionais (ONU) e mais recentemente a criminalização e punição destas formas de violências (Soares 1999). Tentando responder às demandas sociais e legais, uma das políticas públicas adotadas pelo Estado brasileiro foi a implementação de Centros de Referência de Atenção à Mulher (CRAM) (Marques e Augusto 2019). Os CRAM visam promover a ruptura da situação de violência e a construção da cidadania por meio de ações globais e de atendimento interdisciplinar. Entre suas principais ações encontra-se: o atendimento psicossocial; o aconselhamento e acompanhamento jurídico; as atividades de prevenção; a qualificação de profissionais; a articulação da rede de atendimento local. Em 2018, segundo dados então divulgados pela Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), havia 238 CRAM no Brasil, sendo 35 no Estado do Rio de Janeiro, dos quais 5 na capital.1
Nossa pesquisa foi realizada em um CRAM que tem como diferencial ser, atualmente, um dos muitos projetos de extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Inicialmente um projeto-piloto de prevenção e atenção a` violência intrafamiliar contra a mulher, foi implantado em 2000 em consequência de um convênio entre a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) e a organização não governamental Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA), com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Fundo das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), a fim de «contribuir para a prevenção e diminuição da violência intrafamiliar cometida contra as mulheres e articular a criação de uma rede de solidariedade e apoio entre serviços que atendem mulheres dentro e fora da Mare´».2 A Vila do João foi eleita como sede do projeto pois, embora o local dispusesse de uma rede de serviços e de equipamentos sociais, nenhuma das instituições atuava especificamente na área da violência de gênero, apesar de o Censo Maré mostrar que «esta comunidade é a que sofreu o maior número de estupros, e do elevado grau de violência contra a mulher» (Silva 2002). Em 2010, ano da publicação do último censo nacional, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimou que moravam na localidade mais de 130 mil pessoas, 51% das quais seriam mulheres (IBGE 2010).
Em 2004, atendendo a uma demanda da SPM e da SEDH, ambas do governo federal, o Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ (CFCH/UFRJ) incorpora este serviço na sua rede de ações.3 Durante os primeiros anos de funcionamento como projeto de extensão da UFRJ, este CRAM contou com financiamento da SPM e do UNIFEM. Porém, desde 2019, apenas a UFRJ garante sua sustentabilidade, investindo recursos repassados pelo governo federal.
À época de nossa pesquisa (entre os anos de 2010 e 2015), o CRAM oferecia atendimento psicológico, social e jurídico, além de oficinas e cursos de formação e capacitação das mulheres atendidas. Uma equipe interdisciplinar recepcionava, acompanhava e encaminhava as usuárias segundo suas necessidades, com o objetivo de auxiliá-las a se reconhecerem enquanto sujeitos de direitos. O atendimento era feito por demanda espontânea ou por encaminhamento de alguma outra instituição.
As favelas no Rio de Janeiro são historicamente vistas como espaços marcados pela violência, pela desordem e pela ausência de serviços básicos. Essa percepção constitui elemento central da segregação territorial: de um lado, situam-se os bairros pobres, percebidos como lugares onde proliferam a criminalidade, os vícios e a marginalidade; de outro, o restante da população, que se sente ameaçada e amedrontada pelos que estão do «lado oposto» (Wacquant 2005). As ações governamentais desenvolvidas nessas áreas são mediadas por esse olhar estereotipado, preponderantemente ligadas à segurança pública, justificadas pelo discurso do combate à criminalidade e às drogas ilícitas, e quase nunca destinadas a prestar políticas sociais aos moradores.
Na Vila do João, a presença do comércio de drogas e os constantes conflitos entre grupos rivais e contra policiais fazem parte do cotidiano das mulheres que frequentam o serviço analisado. A distância física visível entre o CRAM e uma grande «boca de fumo»4 que funciona durante todo o dia é de cerca de 100 metros. Porém, os limites invisíveis, que impedem a livre circulação das mulheres, também afetam a prática profissional. Essas fronteiras internas se instituem pelo controle da Maré por fações rivais (Varella et al. 2002) e fazem com que moradoras das outras 15 comunidades que compõem este Complexo, ou mesmo mulheres que moram em outros bairros, não cheguem ao serviço. Considerando que as favelas cariocas estão na base de um sistema hierárquico marcado por desigualdades, preconceitos e violências, a inserção de um CRAM nessa realidade suscita a formação de vínculos entre realidades socialmente apartadas e reconstrói relações tanto entre a equipe e as usuárias quanto no interior da própria equipe. Essa inserção também gera estratégias de atuação diferenciadas que levam em conta as particularidades do território.
Assim, tendo como parâmetro de análise este centro de referência localizado em uma favela carioca: 1. refletiremos sobre o acesso das mulheres à justiça; 2. mostraremos, na visão das/os profissionais que ali atuam, quem são as mulheres que procuram o serviço; e 3. destacaremos as principais formas de enfrentamento da violência contra a mulher nesse território.
1. Nosso percurso
Primeiramente, esclarecemos que a escolha desse serviço como campo de pesquisa se deu pelo facto de as autoras estarem inseridas nele enquanto profissionais que atuavam diretamente no atendimento às mulheres e como professoras da UFRJ, supervisoras da equipe interdisciplinar. Tal inserção nos aproximou das questões aqui discutidas e nos proporcionou um amplo material de análise.
A fim de atingir os objetivos propostos, nossa pesquisa entrevistou as/os profissionais que atuavam no CRAM, de forma a auxiliar no entendimento de como a violência doméstica e familiar contra a mulher5 é vivida, enfrentada e ressignificada, quando emerge em contextos violentos. No período de janeiro a junho de 2012, foram enviados por email6 questionários7 às/aos profissionais das diferentes áreas que integram a instituição psicologia, serviço social e direito e que ali trabalhassem há pelo menos um ano. Foi obtido um total de 13 respostas ao questionário, que representam todas as disciplinas que atuavam no serviço.8 Realizamos uma investigação qualitativa centrada na Análise do Discurso. Como afirma Iñiguez, discurso é «um conjunto de práticas linguísticas que mantêm e promovem certas relações sociais» e a Análise do Discurso seria, então, a forma de «estudar como estas práticas atuam no presente mantendo e promovendo estas relações: trazer à tona o poder da linguagem como uma prática constitutiva e reguladora» (Iñiguez 2003, 99).
2. Nossos achados
Preliminarmente, chamamos a atenção para o facto de que, das/os 13 profissionais que responderam ao questionário, apenas 2 eram do sexo masculino.9 A feminização das políticas de gênero e de enfrentamento à violência contra a mulher não é recente. Nos anos 1970/1980, os feminismos10 organizaram os chamados Grupos de Reflexão ou de Autoconsciência, que se tornaram lugares privilegiados onde as mulheres podiam se reunir e compartilhar histórias, medos e anseios (Adrião e Quadros 2010). Herança desses primeiros passos, as políticas de igualdade e equidade de gênero brasileiras foram assim também construídas. Outro fator relevante é que duas das principais disciplinas que atuam no serviço Psicologia e Serviço Social são majoritariamente compostas por mulheres e historicamente consideradas «guetos femininos» (Bruschini 2007, 566). A incorporação de homens em espaços exclusivamente voltados ao público feminino, como os CRAM, é até hoje um tema delicado e seus modos de participação são ainda questionados nestes espaços.
Aqui há que ser feita uma importante crítica à Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, sobretudo no que diz respeito aos vínculos das/os profissionais que trabalham nas instituições integrantes, a maioria deles prestando serviço com base em contratos temporários, nem sempre renovados. Esse quadro gera fragilidade, instabilidade e descontinuidade nos serviços, com grave prejuízo à atenção oferecida: no momento em que foram realizadas as entrevistas, cerca de 76% das/os profissionais possuíam contratos temporários e esta é uma marca da política nacional. Pougy afirma que «a rotatividade dos profissionais e das equipes técnicas que não têm vínculo trabalhista com o serviço que visa potencializar a cidadania feminina é contraditória e inaceitável, porque viola direitos e atinge as suas numerosas integrantes» (Pougy 2012, 4). Assim como a autora, algumas técnicas chamam a atenção para a fragilidade dos vínculos: «Um obstáculo que inibe um desenvolvimento maior do trabalho desenvolvido no CRAM ainda é a não formação da equipe técnica» (T111). Vale ressaltar, como aponta outra entrevistada, que, em sendo um serviço que integra a universidade pública, ainda que na forma de projeto de extensão, para garantir a efetividade e qualidade do atendimento oferecido, se faz necessário a ampliação do quadro de profissionais concursados da UFRJ, evitando assim a rotatividade e a precariedade de vínculos profissionais: «A solução para o CRAM se chama concurso público, para que lá só trabalhem servidores públicos» (T9).
Contudo, apesar do déficit profissional, há investimento em formação e capacitação. Um bom exemplo dessa preocupação em formar profissionais capazes de integrar as políticas públicas de gênero foi a criação, em 2013, de uma residência multiprofissional em Políticas de Gênero e Direitos Humanos,12 com treinamento em serviço, onde a experimentação de metodologias está dirigida à ampliação da cidadania feminina.
2.1. Maré, um território de muitas violências
O facto de estar localizado dentro de uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, o Complexo da Maré, traz limites e possibilidades ao cotidiano do serviço. A principal barreira, citada por todas as técnicas, é a violência urbana local, com constantes confrontos entre narcotraficantes e a polícia. As consequências para o serviço são inúmeras, dentre as quais as entrevistadas destacam os fechamentos e interrupções dos atendimentos durante os tiroteios e a «incerteza do dia seguinte»: «Ultimamente, com as frequentes operações da polícia na Maré, saímos em um dia e não sabemos se poderemos voltar no outro para trabalhar» (T13).
Além de impactar o funcionamento da instituição, a violência na favela traz às técnicas sentimentos de medo, tensão e vulnerabilidade. Em contrapartida, elas afirmam que estar na Maré é uma forma de se aproximar da população local, facilitando o acesso das moradoras ao serviço. Quatro técnicas apontam a localização do CRAM como uma vantagem, ainda que o torne suscetível à violência urbana: «A localização é uma possibilidade para os moradores, mas também se torna uma barreira para quem não habita aquela comunidade e tem medo de frequentar um bairro» (T5).
O problema da violência urbana no território afeta também as mulheres que o frequentam (Santiago et al. 2015) e traz consigo a necessidade das/os profissionais se adaptarem e reinventarem estratégias de intervenção, como se verá adiante.
2.2. Múltiplas mulheres
As mulheres que procuram o CRAM são definidas de formas muito diferentes pelas entrevistadas. Cinco profissionais apontam a dificuldade de traçar um perfil único para as usuárias do serviço, vistas como mulheres com histórias próprias e demandas variadas, de universalização impossível, singulares. A despeito disso, duas profissionais apresentam uma descrição «quantitativa» para defini-las: «As mulheres são não brancas,13 pobres, possuem baixa escolaridade, com empregos rotativos e precários. Muitas são mães. Pouquíssimas são casadas, boa parte vive em união estável. A idade avançada é outra marca» (T9).
Outra forma de retratá-las é através de descritores negativos e/ou positivos: desamparo, sofrimento, fragilidade, pobreza, baixa autoestima são algumas palavras usadas pelas profissionais para se referir às usuárias. Apenas uma técnica usa o descritor coragem para defini-las. Além da disparidade entre características negativas e positivas, no entanto, algumas técnicas afirmam que essas mulheres estão em busca de seus direitos e melhores condições de vida: «Em geral, mulheres com histórias de sofrimento e pobreza, mas que buscam caminhos de luta e sobrevivência » (T7).
Como essa resposta aponta, as demandas das mulheres que buscam o serviço são variadas e nem sempre a violência doméstica e familiar é o principal problema anunciado, apesar de esta ser a especificidade do serviço. Em geral, outras demandas emergem em primeiro plano, como as solicitações de orientação jurídica (divórcio, pensão, guarda dos filhos) e psicossocial (acesso a benefícios sociais, problemas de relacionamento e/ou com os filhos, depressão, ansiedade). A violência contra a mulher é um problema que custa a aparecer, segundo a maioria das técnicas:
Na maioria das vezes, a situação de violência não aparece num primeiro momento. Muitas vezes a situação de violência, embora cause sofrimento, nem e´ percebida pela usuária como tal, particularmente quando não há agressão física envolvida. (T2)
Como lembra Alberdi, «a violência contra as mulheres sempre existiu. Novo é vê-la como violência e deixar de aceitá-la» (Alberdi 2005, 11). A autora mostra aqui a diferença entre viver uma situação de maltrato e ter consciência de ser maltratada. Cinco técnicas identificam essa dificuldade e duas delas apontam para uma «fala não consciente» da mulher, pois a identificação da violência no relacionamento seria feita pelas profissionais e não por elas. As agressões físicas extremas são, geralmente, as que se consideram violência, como afirma uma das profissionais: «Muitas também não se reconhecem em situação de violência quando são «apenas» xingadas ou ofendidas» (T12).
O anúncio de que uma mulher está sendo vítima de violência doméstica e familiar pode se dar de muitas maneiras. Ainda que pareça sutil, há uma diferença substantiva entre dizer-lhe que ela está casada com um homem que a maltrata e, portanto, é vítima de violência, e dizer que, apesar de o marido agredi-la, ela tem direito a uma vida livre de violência. Cabe às/aos profissionais se perguntar se é sua tarefa afirmar que as mulheres são vítimas ou se devem explicar o que, teoricamente, se entende por violência, que existe uma lei que pretende coibir e erradicar o problema e deixá-la concluir que está em uma situação de violação de direito e que pode tentar sair dela caso assim o deseje. Uma das profissionais entrevistadas pontua o cuidado necessário para não induzir a decisão da mulher, acabando assim por submetê-la a outra forma de violência a institucional:
No entanto, é mais usual que a usuária reclame de sua relação conjugal sem identificar nisso uma situação violenta no que tange às relações de gênero. Por vezes um dos técnicos durante o atendimento nomeia essa queixa como violência doméstica, o que pode ser potente no sentido de dar significado e forma à questão, mas que pode ser prematuro ou perigoso. O perigo está em negar a autonomia da usuária e induzi-la a tomar decisões baseados em seu próprio esquema de valores. (T5)
Para não precipitar a identificação de situações de violência, as técnicas se valem de alguns critérios e instrumentos. As entrevistadas apontaram como principal ferramenta o oferecimento de uma escuta qualificada, sensível e atenta, capaz de identificar sinais de violência nas entrelinhas dos discursos. Esse critério está relacionado a outro, igualmente relevante, que é o referencial teórico que oferece suporte a essa identificação. Além desses critérios, que podemos chamar de teórico- subjetivos, os sinais físicos e as expressões corporais também são anunciados como signos capazes de detectar a violência:
A atenção à fala da usuária certamente é a forma mais eficaz para identificar a situação de violência. Estar atenta e sensível a toda história sem minimizar seu depoimento, ainda que muitas vezes confuso, descontínuo ou repetitivo. (T11) Para identificar a violência de gênero, uso como referência a definição de violência contra a mulher, presente na Lei 11.340/06 e nos tipos de violência que ela traz. (T10) Tem umas que chegam machucadas porque acabaram de ser agredidas e desejam orientação; outras não falam inicialmente e no decorrer dos atendimentos resolvem falar. (T6)
Entre os fatores que levam as mulheres a viver uma relação abusiva e violenta, as entrevistadas destacam: as desigualdades nas relações de gênero, a dependência financeira e a banalização/naturalização da violência. Outras motivações citadas são o medo, a baixa autoestima e as pressões culturais e religiosas.
Acredito que dentre os que se destacam claro, a desigualdade vivenciada nas relações sociais, seja de classe, de gênero, de raça/etnia. Isto possibilita a naturalização de construções sociais e, nesta trajetória, a naturalização da violência. E´ natural ser considerada frágil, menos importante, e´ natural ser agredida, não ter um relacionamento que me faça bem… (T11)
Tem um fator cultural de desigualdade nas relações de gênero que é importante. Dependência financeira, emocional e medo não podem ser desconsiderados. (T2)
O conjunto de fatores que leva as mulheres a viver e permanecer em relações violentas pode ser compreendido a partir da Teoria da Interseccionalidade (Crenshaw 1993), que mostra como diferentes formas de opressão se inter-relacionam configurando situações específicas de desigualdade. Para Nogueira,
os modelos clássicos de compreensão dos fenômenos de opressão dentro da sociedade, como os mais comuns, baseados no sexo/gênero, na raça/etnicidade, na classe, na religião, na nacionalidade, na orientação sexual ou na deficiência não agem de forma independente uns dos outros. (Nogueira 2012, 62)
Esses fatores, aliados àqueles identificados anteriormente pelas nossas entrevistadas, contribuem para a emergência da violência doméstica e familiar contra as mulheres da Maré. Como se verá adiante, não é absolutamente desprezível o facto de elas habitarem um território violento.
Para as profissionais, as mulheres seguem casadas com o agressor principalmente pelos filhos, por dependerem economicamente de seus companheiros e porque, apesar da violência, gostam deles e acreditam que eles podem mudar. O medo e a naturalização da violência também são citados para explicar a permanência nos relacionamentos violentos:
O mito do amor romântico associado à cultura patriarcal, ainda muito marcantes na nossa sociedade, contribui fortemente para que as mulheres se mantenham em relações afetivas e amorosas bastante contraditórias e violentas. Por outro lado, a cultura do cuidado e de proteção da prole aliada às condições econômico-financeiras também operam de modo a reforçar a sujeição feminina a uma relação violenta. (T1)
2.3. O que se pode fazer nesse território?
A escuta qualificada, já nomeada pelas entrevistadas, se repete nas respostas sobre as estratégias usadas para auxiliar no processo de enfrentamento à violência. O caminho apontado pelas técnicas é ouvir as mulheres para identificar demandas e construir com elas estratégias coletivas, ou seja, investir em modos de enfrentamento elaborados em conjunto por usuárias e profissionais. As entrevistadas recusam formas de «colonização», e imposição de «certo e errado», valorizando um fazer conjunto, processo que possibilita reconhecer e valorizar os saberes das mulheres:
As estratégias são construídas junto às usuárias a partir de uma escuta atenta para as questões de gênero e as intervenções que provoquem a desnaturalização de relações que constroem e mantêm hierarquia e opressão. (T5) Ouvir. A principal estratégia é ouvir. Entender a racionalidade delas e como, diante das possibilidades delas, podemos ajudar. E se podemos ajudar. (T9)
As técnicas afirmam que o CRAM é visto pelas mulheres como lugar de enfrentamento da violência doméstica, seja através dos atendimentos individuais, seja através dos cursos e oficinas ofertados. Neste espaço, o respeito à mulher e às suas decisões deve prevalecer, apoiando e acolhendo sempre que necessário. Para as entrevistadas, estes são também espaços privilegiados para informar e orientar, problematizando a violência e os modos cristalizados de performar o gênero. Em situações extremas, onde existe risco iminente de morte, as profissionais não descartam como estratégia o encaminhamento às Casas-abrigo último recurso recomendado.
A informação dos dispositivos de ajuda é essencial. Obviamente, alguns casos pedem uma estratégia mais diretiva, em particular quando as mulheres estão em risco iminente. (T2)
Acho ser fundamental estar aberta para perceber pequenos gestos de autonomização da usuária e fazê-los reverberar, […] mostrando interesse e fazendo questões que esmiúcem e aprimorem a percepção da usuária de que ela e´ capaz de tomar pra si a responsabilidade de seu próprio destino. (T5)
2.4. Justiça na favela
O Registro de Ocorrência (RO) é um passo importante para que as mulheres em situação de violência acessem as medidas protetivas de urgência (MPU) oferecidas pela Lei Maria da Penha (LMP) e deem prosseguimento ao processo de punição do agressor. Entretanto, muitas mulheres se recusam a utilizá-lo. Para as entrevistadas, os afetos envolvidos nas relações são um dos principais obstáculos para a recusa do RO. De maneira geral, as mulheres não querem registrar a ocorrência para não prejudicar o companheiro, muitas vezes pai de seus filhos e provedor da família, além do facto de muitos terem ligação com o tráfico de drogas na favela, o que poderia lhes causar ainda mais problemas.
A questão afetiva pesa muito nesse momento, pois as mulheres acreditam que o companheiro vai mudar; que ele vai melhorar em algum momento. Temem que ele seja preso por causa da violência. (T10)
Muitas vezes com receio de «marcar» o pai dos filhos e filhas… de «sujar» o nome e de se expor diante da família e grupos sociais… outras vezes de se colocar em situação de confronto com um agressor supostamente ligado a grupos organizados… (T1)
Nesses casos, a prisão é desconsiderada, pois o que querem é o fim da violência, sem criminalizar a conduta do companheiro e sem, necessariamente, precisar se separar dele. Antes da LMP, as mulheres que buscavam as delegacias para resolver seus problemas domésticos o faziam porque queriam dar um «susto» no marido mas, logo a seguir, desistiam do registro (Muniz 1996). Com a promulgação da lei, essa prática fica vedada, sendo permitida a renúncia à representação apenas perante o juiz, em audiência.
Muniz chama a atenção para o descompasso entre as expectativas das mulheres e as respostas jurídicas possíveis e, a partir de sua pesquisa, prévia à LMP, afirma que, «mesmo em alguns casos que diziam respeito à prática objetiva de ilícitos penais, podia-se notar que a demanda das reclamantes não requeria o processamento efetivo da lei» (Muniz 1996). Também nossas entrevistadas identificaram esses descompassos:
As possibilidades que a justiça oferece ainda estão muito longe das expectativas que as mulheres querem para as suas vidas. O direito penal aparece, de facto, como último recurso. Compartilhar em uma delegacia o facto, mover um processo e contar com a possibilidade de prisão do agressor que e´ também companheiro, muitas vezes pai, e´ algo muito complexo de equacionar. (T11)
Outro fator que pode explicar a recusa ao RO é o descrédito na Justiça e na Polícia. Historicamente, as ações do Estado nos territórios de favela estiveram ligadas ao ordenamento urbano e ao enfrentamento da criminalidade. As favelas são consideradas «áreas de risco» a serem acessadas com cuidado pelos que não moram nesses territórios, inclusive os oficiais de justiça. Essa é uma reclamação recorrente das usuárias do serviço, que em muitos casos inviabiliza o acesso às MPU (Santiago e Gonçalves 2013). Como afirmam as técnicas:
Em geral as mulheres vêm ao serviço muito desamparadas. Algumas dizem expressamente não acreditar na justiça em virtude de já terem denunciado o agressor e disso não ter resolvido nada. Algumas reclamam do atendimento que tiveram nas delegacias, por ocasião das denúncias. (T2)
Aliado ao afeto que sentem pelo companheiro e à descrença nos meios legais, surge, no território em que está localizado o CRAM, uma forma alternativa de fazer «justiça», que ao mesmo tempo limita e determina ações e comportamentos: a presença do tráfico de drogas. As técnicas anunciam que muitas mulheres não recorrem aos meios formais por medo de represálias do narcotráfico, caso a polícia chegue a entrar na Maré convocada por elas, ou porque seus companheiros têm algum envolvimento com os grupos armados que controlam as favelas cariocas. Por outro lado, os mesmos que são temidos se apresentam como garantidores da interrupção da violência doméstica quando as mulheres os procuram com esta finalidade. Eles «desenrolam»14 os problemas privados, com base em um de seus mandamentos, que afirma estar proibido bater ou violentar «mulheres honestas» dentro dos limites físicos da favela (Santiago e Gonçalves 2013). Quando as instituições legais falham e não dão conta de resolver problemas individuais e privados, a mediação do narcotráfico se apresenta como alternativa para as moradoras deste território:15
Algumas contam também com estratégias mais drásticas, quanto denunciarem seus companheiros aos meninos do tráfico, pedindo proteção. (T2) Algumas mulheres pedem ajuda ao tráfico, na expectativa de que, com o «corretivo», o companheiro pare de agredi-la. (T10)
2.5. Vítima ou (e) Emancipada?
Apesar de toda dificuldade encontrada no enfrentamento à violência doméstica e familiar em contextos de violência urbana, a maioria das profissionais entrevistadas consegue identificar o fortalecimento das mulheres que frequentam com regularidade a instituição. Apenas três entrevistadas afirmam que os resultados são sutis e pouco expressivos. Uma nova forma de se colocar na relação com o companheiro aparece como um dos principais resultados observados. Também encontramos a separação como forma de superação da violência. As entrevistadas afirmam, além disso, que muitas mulheres voltaram a trabalhar e a estudar; passaram a conhecer seus direitos; têm sua autoestima aumentada:
Os resultados mais expressivos são tanto sutis (nova forma de se colocar frente ao companheiro), quanto mais concretos (começar a trabalhar, sair de casa, tomar decisões a respeito da própria vida). (T3)
Em um ano e meio no CRAM pude presenciar algumas mudanças nas falas das usuárias, mas são poucos os casos em que elas conseguem romper com a violência. Cada mulher é única e tem uma história de vida dentro de um contexto único, o qual deve ser considerado. Já atendi casos de mulheres que conseguiram romper com a situação de violência e se separaram, mas também temos casos de mulheres que continuam casadas e afirmam que hoje não sofrem mais violência. (T13)
Observamos, pela análise do material coletado, que o que marca a atuação profissional neste serviço é uma intervenção que contribui à autonomia e à emancipação femininas. O cuidado necessário e constante é que essa atuação não reforce e reafirme o lugar de vítima das mulheres que procuram o serviço, pois, na tentativa de auxiliá-las a superar a delicada condição em que se encontram, as profissionais poderiam aprisioná-las na condição de vítimas, incapazes de construir formas possíveis e particulares de enfrentamento.
3. Considerações finais
A solução do problema da(s) violência(s) pode ser tão complexa quanto a própria definição do conceito. Não há soluções rápidas e fáceis e sua simplificação pode provocar seu aumento. A pluralidade da violência exige que seu enfrentamento seja igualmente plural, considerando as particularidades de suas manifestações, suas diferentes dinâmicas, o contexto social, político, cultural e econômico em que ocorre.
Quando se trata do enfrentamento a violência doméstica e familiar que emerge em um contexto social onde outras formas de violência se apresentam, torna-se ainda mais delicado. Nesses territórios, as dificuldades enfrentadas pelas mulheres se organizam segundo lógicas locais de efetividade mais imediata, ainda que eticamente questionável, diferente da oficial que dificilmente se aplica aos moradores de favelas.
Na Maré, como se viu, encontramos a forte presença do tráfico de drogas, que oferece estratégia também violenta: o «desenrolo». Nessas «áreas de risco», acessar respostas jurídicas e legais oficiais pode se converter em mais um problema para as mulheres, que nem sempre têm a seu alcance as respostas formais, visto que, essas áreas constituem territórios dificilmente adentrados pelos agentes da lei, sobretudo quando se trata de assegurar direitos das minorias.
Nas favelas, em que a violência estrutura e organiza as relações sociais, a vulnerabilidade das mulheres moradoras reside nas constantes violações de seus direitos, tanto por seus companheiros, como pelo Estado, ou pelos traficantes de drogas que dominam essas regiões. E´ fundamental que se reconheça que elas se encontram em uma situação particular de vulnerabilidade, produto de um conjunto de desigualdades associadas, e se não houver uma compreensão integral do cenário em que se encontram não se chegara´ muito longe do ponto de vista da redução das violências e das desigualdades.
Para completar, vimos que o objetivo da mulher que sofre violência é o fim das agressões, sem que para isso seja necessário o fim da relação ou a imposição de sanção penal a seu companheiro. Há aí um descompasso entre os desejos da mulher e as estratégias criminais disponíveis, descompasso que ainda clama por um equacionamento: de um lado a criminalização e a punição do agressor, e do outro o desejo de que seu marido/companheiro/pai de seus filhos/amor de sua vida pare de agredi-la.
Nesse contexto, não e´ de se estranhar que o Centro de Referência surja como a melhor alternativa. O diferencial está no respeito, apoio e valorização que encontraram nesse serviço público, permitindo que se apropriem dele como uma extensão de suas casas. Dentro do leque de opções legais e ilegais que se encontram a` disposição, o Centro e´ a que melhor atende a suas expectativas, principalmente por estar próximo a suas realidades e entender as dificuldades impostas pelo território.
Diante desse cenário, as profissionais que trabalham no Centro de Referência precisam criar formas alternativas, sugerindo a necessidade de instituir novos caminhos, capazes de atender à multiplicidade de demandas das mulheres em situação de violência, sem colocá-las em risco ainda maior e sem ratificar o acesso a medidas ilegais. É necessário respeitar suas escolhas, mas também construir conhecimentos compartilhados, através de rodas de conversa horizontais, cursos e oficinas de capacitação, sensibilização e formação, a fim de se perceber que outras formas de se relacionar existem e que uma vida livre de violência é possível através de uma construção coletiva.
A partir da análise aqui empreendida, destacamos, portanto, a importância da implementação de Centros de Referência para Mulheres também nas favelas, territórios marcados por outras formas de violência, a fim de que mulheres de diferentes classes sociais possam participar de espaços de sociabilidade que permitam a consolidação da cidadania feminina, incluindo estratégias de superação da violência doméstica e familiar, bem como metodologias para romper com a submissão e opressão androcêntricos, para o fortalecimento da autoestima e para a autonomia e independência financeira.
Aliado a isto, se faz necessário um amplo e efetivo investimento da Política Nacional de Enfrentamento à Violência, por meio dos governos federais, estaduais e municipais, na formação de quadros técnicos multidisciplinares, permanentes e qualificados, capazes de oferecer um atendimento respeitoso e de qualidade à mulher. Esses serviços devem reconhecer a multiplicidade de mulheres e as muitas histórias que as constituem, oferecendo uma escuta qualificada e atenta, respeitando o tempo e as escolhas de cada uma. A intervenção emancipadora que deve ser o horizonte dessas instituições requer fugir do olhar vitimizante e investir nas estratégias locais.
Fortalecer, ampliar e qualificar a rede de serviços especializados já existente é mais um passo em direção ao fim da violência contra a mulher e um passo fora da lógica meramente punitivista. Seguindo essas diretrizes, acreditamos que as políticas públicas de enfrentamento à violência podem evitar a revitimização das mulheres, a violência institucional, a dependência da solução exclusivamente criminal, viabilizando vínculos de associação, de redes, de micropolíticas alternativas, enfim, de transformações coletivas e profundas.
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*Marisa Antunes Santiago
Endereço postal: Rua da Carioca, n.º 72, Centro, CEP 20050-008 Rio de Janeiro, Brasil.
Endereço eletrónico: marisinha.as@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5798-6585
Psicóloga; Mestre e Doutora em Investigación e Intervención Social y Comunitária pela Universidad de Málaga; Especialista em Políticas de Gênero e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Psicóloga no I Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ).
**Hebe Signorini Gonçalves
Endereço postal: Av. Pasteur, 250 Urca, CEP 22290-902/Rio de Janeiro, Brasil
Endereço eletrónico: hebe@globo.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1688-9927
Psicóloga; Mestre e Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ); Professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Graduação e Pós-Graduação) (UFRJ).
***Cristiane Brandão Augusto
Endereço postal: Anexo do CFCH, 3º. Andar, Avenida Pasteur, 250, CEP: 22290-240/Rio de Janeiro, Brasil.
Endereço eletrónico: pedipe@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7541-4617
Pós-Doutora em Estudos de Gênero pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM); Doutora pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC); Professora da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação do Núcleo de Políticas Públicas em Direitos Humanos, ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/NEPP-DH/UFRJ).
Artigo recebido a 12 de março e aceite para publicação em 21 de setembro de 2019.
Notas
1 Esses dados se encontravam disponíveis na página da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres até o início de 2019, em <https://sistema3.planalto.gov.br/spmu/atendimento/atendimento_mulher.php?uf=TD>. Acesso em 12.8.2018. Todavia, a webpage foi retirada do ar.
2 Disponível em: <http://cepia.org.br/wp-content/uploads/2017/11/encartemare.pdf>. Acesso em 20.9.2019.
3 Disponível em: <http://www.nepp-dh.ufrj.br/crmm/index.html>.
4 Ponto de venda de drogas ilícitas.
5 Vamos referir-nos a esta forma de violência, sofrida por uma mulher e cometida por seu (ex-) companheiro, como violência doméstica e familiar contra a mulher, seguindo o que está posto na Lei 11340/2006, ainda que existam outras formas de denominá-la.
6 A pesquisa de doutorado, da qual faz parte o material aqui analisado, foi realizada na Universidad de Málaga Espanha. Por este motivo, e a fim de facilitar o contato com as/os profissionais entrevistadas/os, optamos por enviar os questionários por email. Tal fato não nos trouxe nenhum problema do ponto de vista metodológico, visto que as/os entrevistadas/os conheciam pessoalmente a pesquisadora principal e todas as dúvidas e questionamentos foram resolvidos de modo a não prejudicar a análise dos dados.
7 O questionário original e todo material de análise integram a pesquisa de doutorado de Marisa Antunes Santiago, orientada por F. Manuel Montalbán Peregrín e Hebe Signorini Gonçalves, intitulada «Una marea de historias: releer la violencia de género en una favela carioca», apresentada na Universidad de Málaga Espanha. Disponível em: <https://hdl.handle.net/10630/9838>.
8 Das diferentes áreas de atuação, obtivemos respostas de seis psicólogas/os, cinco assistentes sociais e duas/dois advogadas/os. Destas/es, quatro tinham mestrado, um/a tinha especialização na área da Psicologia Jurídica e oito eram graduadas/os. A maioria delas/es era formada há mais de três anos e trabalhava há pouco tempo na área de gênero. As idades das/dos entrevistadas/os variavam de 24 a 57 anos, sendo que a maioria estava na faixa de 24-34 anos (10 profissionais).
9 Por este motivo, ao longo do trabalho iremos nos referir às pessoas entrevistadas sempre no feminino, visto que a grande maioria de nossas entrevistadas eram mulheres.
10 Feminismos no plural porque o entendemos como um movimento múltiplo, com diversas e diferentes reivindicações e propostas, apesar de surgir com frequência «como sendo uma simples entidade relacionada com igualdade» (Nogueira 2012, 44).
11 Para preservar o anonimato, as citações de quem respondeu ao questionário estão identificadas de T1 a T13. O T corresponde a Técnica/o, seguido do número atribuído a cada um/a dos/as 13 profissionais que responderam ao questionário.
12 Consultar <https://siga.ufrj.br/sira/temas/zire/frameConsultas.jsp?mainPage=/repositoriocurriculo/B21A89C9-92A4-F79A-2795-804B345F9BCD.html>.
13 O marcador étnico-racial, imbricado com gênero e classe social, merece destaque, especialmente nos estudos de Saffioti e Almeida (1995), Gonzalez (2008) e hooks (2015).
14 «Desenrolar», na gíria da favela, diz respeito a uma forma de negociação entre diferentes agentes sociais, funciona como um mecanismo de fazer justiça. São negociações entre os moradores e os donos do tráfico para resolver conflitos e desentendimentos ou pedir algum favor (Santiago e Gonçalves 2013).
15 Vale ressaltar que, apesar de reconhecerem o «desenrolo» como umas das ferramentas utilizadas pelas mulheres no enfrentamento da violência neste território, as técnicas não a legitimam e não aconselham as mulheres a se valerem dela. Em geral, quando se deparam com esta possibilidade no discurso das usuárias do serviço, tentam mostrar que essa não é a melhor opção, mesmo que todas as outras também pareçam ineficazes.