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Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.17 no.3 Lisboa dez. 2016
https://doi.org/10.15309/16psd170313
Obesidade e estratégias de enfrentamento: o quê destaca a literatura?
Obesity and coping strategies: what is highlighted by litarature?
Marinna Simões Mensorio1,2, & Áderson Luiz Costa Junior1,3
1Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Clínica. CEP 70910-900. Brasília. DF. Brasil.
2e-mail: ninamensorio@gmail.com;
3e-mail: aderson@unb.br
Endereço para Correspondência
RESUMO
A obesidade é caracterizada como uma epidemia mundial e inclui relações funcionais com diversas variáveis psicossociais. Este trabalho teve como objetivo realizar um levantamento da produção internacional sobre estratégias de enfrentamento adotadas por pacientes com obesidade, disponível de 2012 a 2001. Efetuou-se busca bibliográfica nas fontes de dados: Pubmed, Portal Capes, Scielo, Lilacs e Scholar Google. Foram extraídos 92 resumos e selecionados 16 artigos na íntegra. Conforme o conteúdo, os artigos foram classificados em categorias: (a) Estratégias de enfrentamento e hábitos/transtornos alimentares (sete artigos); (b) Estratégias de enfrentamento e preconceitos (quatro artigos); e (c) Estratégias de enfrentamento e variáveis relacionadas à cirurgia bariátrica (cinco artigos). Estratégias mais adaptativas e especialmente voltadas à solução de problemas têm se mostrado mais eficientes no combate às adversidades da obesidade.
Palavras-chave: Obesidade; estratégias de enfrentamento; preconceito; cirurgia bariátrica; revisão de literatura.
ABSTRACT
Obesity is characterized as a global epidemic and includes functional relationships with psychosocial variables. This study aimed to conduct a survey of the world production related to the topic of coping strategies and treatment of obesity, available from 2012 to 2001. A literature research was conducted in the data bases Pubmed, Capes, Scielo, Lilacs and Google Scholar. Were extracted 92 abstracts and selected 16 full articles. As content, the articles were classified as: (a) Coping strategies and obesity variables (seven items), (b) Coping strategies and prejudices directed to obese people (four items), and (c) Coping strategies and variables related to bariatric surgery (five items). More adaptive strategies and especially focused on problem solving has proven most effective in combating obesity adversities, including prejudices and maintenance of eating habits.
Keywords: Obesity; coping strategies; prejudice; bariatric surgery; literature review.
A obesidade é caracterizada como um processo de acúmulo excessivo, ou anormal, de gordura corporal, com implicações adversas e potencialmente significativas à manutenção da saúde (World Health Organization [WHO], 2010). Com etiologia funcionalmente relacionada a fatores sociais, psicológicos, genéticos e físicos, a obesidade é uma das maiores epidemias do mundo ocidental, sendo, atualmente, concebida como um grave problema de saúde pública (Lugli & Vivas, 2011; Harveyet al. , 2010; Keskin, Engin,& Dulgerler, 2010).
Para identificar o grau de obesidade de um indivíduo, um dos indicadoresmais referidos é o Índice de Massa Corpórea (IMC), calculado pela fórmula matemática P/h², ou peso, em quilogramas, dividido pela estatura, em metros e centímetros, ao quadrado. Quando o IMC estiver acima de 25 kg/m²aponta-se sobrepeso e acima de 30 kg/m² identifica-se Obesidade. Quanto à gravidade (WHO, 2012), pode-se classificar a obesidade em Grau I (IMC entre 30 e 34,9), Grau II (IMC entre 35 e 39,9 kg/m²) e Grau III, ou Obesidade Mórbida, quando o IMC está acima de 40 kg/m².
No caso da obesidade mórbida, o quadro clínico,geralmente, está associado a diversas complicações médicas (Jia&Lubetkin, 2005), e a transtornos psicológicos e sociais, entre eles: doenças cardíacas e respiratórias, doenças ósseas (osteoporose, artrose), insônia, diabetes, ansiedade, depressão, baixa autoestima, transtornos de imagem corporal, isolamento social, sensação recorrente de exclusão como consequência da obesidade e baixa qualidade de vida (Greenberg, Perna, Kaplan,& Sullivan, 2005; Hatzenbuehler, Keyes,& Hasin, 2009; Keskin et al., 2010; Oliveira, Linardi,& Azevedo, 2004).
Para o tratamento da obesidade pode-se incluiruma combinação de procedimentos, tais como, medicações, procedimentos cirúrgicos, treinamento para mudança de comportamentos e adesão a dietas específicas. Dentre essas possibilidades, para indivíduos com o IMC acima de 40, ou acima de 35 com presença de comorbidades, a cirurgia bariátrica tem sido apontada como uma intervenção potencialmente eficaz à perda de peso em curto prazo. Todavia, a redução e manutenção de peso corporal dependem, entre outras variáveis, da aquisição e manutenção de hábitos comportamentais associados à dieta (Weineland, Arvdsson, Kakaulidis,& Dahl, 2012).
Alguns estudos apontam que sintomatologias típicas de distúrbios alimentares, como Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica e Transtorno de Comer Emocional, tem sido frequentes entre a população obesa e obesa mórbida, especialmente em pacientes elegíveis à cirurgia bariátrica, o que dificulta o processo de perda de peso pós-cirurgia e o enfrentamento de situações adversas ligadas à condição da doença (Guerdjikova et al., 2007; Andrews, Lowe,& Clair, 2009).
No que se refere aos efeitos psicológicos da obesidade, as pesquisas apontam que a doença pode influenciar, de modo adverso, a aquisição e manutenção de relações interpessoais e a percepção de suporte social disponível ao enfrentamento de situações cotidianas (Hörchner,Tuinebreijer, Kelder,& Urk, 2002), além da relação largamente descrita entre obesidade e transtornos deansiedade e depressão (Bodenlos, Lemon, Schneider, August,& Pagoto, 2012).
Relevante ainda é destacar as situações de preconceito as quais a população obesa está exposta. O preconceito relacionado à obesidade é caracterizado como uma tendência a julgar um indivíduo de maneira negativa, ou discriminatória, devido ao seu sobrepeso (Puhl & Brownell, 2001).
Questões Básicas a serem Abordadas
A relação entre obesidade e preconceitos tem sido bastante estudada pelos pesquisadores. Carr e Friedman (2005), por exemplo, em estudo com três mil adultos, de todos os pesos, apontaram que, comparados a pessoas de peso normal, indivíduos obesos mórbidos estavam mais propensos a reportar discriminação cotidiana e institucional, além de perceberem menores níveis de autoaceitação. Hansson, Näslund, e Rasmussen (2010), ao avaliar 5018 indivíduos com e sem obesidade, observaram que episódios de discriminação eram significativamente mais referidos por indivíduos obesos, quando comparados com aqueles de peso normal.
Uma vez que a obesidade pode ser acompanhada, além do preconceito, por problemas físicos e sociais, a qualidade das relações interpessoais e a rede de apoio social de indivíduos com esta doençapode não ser suficiente para enfrentar as situações discriminatórias do cotidiano, favorecendo o desenvolvimento de outros transtornos psicológicos(Li & Rukavina, 2009; Hörchner et al, 2002).
O enfrentamento, ou Coping, se refere às estratégias comportamentais e cognitivas adotadas pelas pessoas para se adaptarem a demandas relacionadas a circunstâncias estressantes, adversas ou inéditas (Folkman & Lazarus,1980; Antoniazzi, Dell’Aglio,& Bandeira, 1998). Funcionalmente, as estratégias de enfrentamento podem estar focadas no problema (mudar os hábitos para que seja possível o emagrecimento, por exemplo), ou na emoção (o que fazer com os sentimentos adversos diante da obesidade, por exemplo).
No contexto do enfrentamento de eventos relacionados ao tratamento da obesidade os estudos apontam, pelo menos, duas lacunas de conhecimento: (a)a análiseda eficiência de estratégias adotadas por pacientes obesos para lidar com as dificuldades diárias, especialmente relacionadas a preconceitos e mudanças de hábitos alimentares, precursoras de danos psicológicos e emocionais (Koball & Carels, 2011;Li & Rukavina, 2009); e (b) a análise da eficiência de métodos de manejo comportamental das condições adversas do próprio tratamento da obesidade,tais como, mudanças de hábitos alimentares, adesão a consultas médicas, dietas e programas de atividades físicas, além da preparação psicossocial para a cirurgia bariátrica, quando for o caso(Puhl & Brownell, 2003).
Puhl e Brownell (2003) analisaram estratégias de enfrentamento adotadas por pacientes obesos para lidar com eventos do dia-a-dia, apontando que os comportamentos dos pacientes variavam desde tentativas ativas para mudar a condição estigmatizante (adesão a dietas para perder peso) até o desenvolvimento de orgulho desta condição, com mobilização de ações sociais de prevenção à discriminação.Almeida, Savoy, e Boxer (2011) destacam que a exposição a experiências de estigmatização podem dificultar a motivação à adesão de dietas, assim como aumentar a adoção de estratégias de esquiva à prática regular deexercícios físicos. Apesar de a insatisfação com o corpo constituir um motivador de engajamento em comportamnetos de controle de peso, experiências de preconceito aumentam a probabilidade da adoção de estratégias de enfrentamento menos eficientes, mesmo que aumentem a insatisfação corporal (Puhl, Moss-Racusin, & Schwartz, 2007).
A relação entre enfrentamento e hábitos alimentares tem sido descrita, também, entre indivíduos não obesos. Em um estudo com 160 empresários,de IMC normal, Potocka e Móscicka (2011) encontraram que os hábitos alimentares estavam relacionados ao estresse do trabalho, de modo que estratégias de enfrentamento com foco na emoção e busca por suporte emocional estavam positivamente relacionados a comportamentos alimentares não saudáveis. Os autores destacam a relação entre estresse, enfrentamento e hábitos alimentares, apontando as estratégias de enfrentamento como determinantes do processo de aquisição e manutenção de comportamentos alimentares saudáveis ou não.
Davies, Bekker e Roosen (2011), por sua vez, examinaram o papel das estratégias de enfrentamento e de psicopatologias como preditoras da redução de transtornos alimentares em 93 pacientes não obesos.Estratégias de enfrentamento mais ativas e focadas em problemas, e baixos níveis de psicopatologias, foram preditores de padrões alimentares mais saudáveis.
Objetivo do Trabalho
Este artigo tem por objetivo analisar o que tem sido estudado em termos da relação funcional entre estratégias de enfrentamento e obesidade. Com base em informações obtidas, pretende-se apontar elementos que facilitem intervenções psicossociais em unidades de tratamento a pacientes obesos.
MÉTODO
Efetuou-se pesquisa eletrônica nas fontes: Pubmed, Portal Capes, Scielo, Lilacs, e Scholar Google, durante os meses de janeiro e fevereiro de 2012, buscando-se artigos que investigassem a relação entre estratégias de enfrentamento e obesidade, publicados entre 2012 e 2001. Os descritores incluíram termos em língua inglesa e portuguesa. Os termos utilizados foram: Obesity combinado com Coping ou psychological ou emotions e, ainda, Bariatric Surgery combinado com Coping ou Psychological ou Emotion. Para as fontes de dados brasileiras, utilizou-se os termos: Obesidade combinado com estratégias de enfrentamento ou psicológico ou emocional e, ainda, Cirurgia bariátrica combinado com estratégias de enfrentamento ou psicológico ou emocional.
Dos artigos rastreados nas fontes de dados, foram identificados 92. Após a leitura de todos os resumos, foram selecionados 16 artigos que tratavam especificamente de relações entre estratégias de enfrentamento e pacientes obesos. Foram excluídos artigos com participantes não-humanos e aqueles publicados antes de 2001. Após leitura, na íntegra, dos artigos selecionados, procedeu-se a uma classificação em função do conteúdo dos mesmos, com definição de três categorias de pesquisa:
- Relação entre estratégias de enfrentamento e hábitos/transtornos alimentares.
- Relação entre estratégias de enfrentamento e preconceitos a obesos, incluindo situações de estigma, discriminação e vergonha.
- Relação entre estratégias de enfrentamento e fatores relacionados à cirurgia bariátrica, tais como adesão à dieta e atividades físicas, comorbidades e necessidade de redução de peso.
RESULTADOS
Estratégias de enfrentamento e hábitos/transtornos alimentares
A primeira categoria de artigos trata da relação entre estratégias de enfrentamento e variáveis da obesidade, com identificação de sete artigos.
Pirutinsky, Rosmarin, e Holt (2012) levantam a hipótese de que estratégias de enfrentamento mal adaptadas interferem sobre os hábitos alimentares, aumentando a probabilidade de instabilidade emocional e ganho de peso corporal. Já estratégias de enfrentamento religioso, negativas ou positivas, podem interferir sobre a relação entre estabilidade emocional e o IMC e, consequentemente, sobre a obesidade. Estratégias positivas incluem buscar uma boa relação com Deus, buscar resiliência benevolente e obter apoio religioso interpessoal; já estratégias negativas incluem raiva de Deus, religiosidade passiva (espera que a solução dos problemas “caia do céu”), dúvidas religiosas e revoltas. Esperava-se que em pacientes que adotassem enfrentamento religioso positivo o funcionamento emocional não se relacionasse ao IMC, o que não ocorreria com aqueles que adotassem estratégias negativas. Com 212 participantes Judeus, os autores perceberam que estratégias positivas foram moderadoras de relação emocional com a comida: o funcionamento emocional não estava relacionado à obesidade nesses casos, diminuindo consequências adversas da obesidade, enquanto estratégias negativas não apontaram relação específica. Assim, estratégias religiosas positivas podem ser úteis ao combate à obesidade, enquanto as negativas não tem relação direta com o IMC.
Andrews, Lowe, e Clair (2009) investigaram a relação entre insatisfação de necessidades pessoais e falta de controle sobre o comportamento de comer, em 136 indivíduos obesos. O estudo apontou uma relação inversa entre satisfação de necessidades pessoais e comer emocional, com mediação de estratégias de enfrentamento negativas. Os autores destacam a necessidade de estratégias de enfrentamento mais adaptativas, tais como aquelas que podem ser adquiridas por meio de acompanhamento psicológico a indivíduos que apresentam comportamentos de comer emocional.
Em estudo que investigou a relação entre atitudes dirigidas à alimentação, percepção corporal, habilidades para resolver problemas e estratégias de enfrentamento para lidar com o estresse de 99 pacientes obesos, Keskin, Engin, e Dulgerler (2010) observaram que a habilidade para resolver problemas (referenciada como estratégias de enfrentamento adequadas) aumentava na medida em que atitudes alimentares não adequadas diminuíam. Uma relação positiva foi encontrada entre atitudes alimentares não adequadas, rede de apoio social insuficiente e enfrentamento não satisfatório de situações adversas.
Alberts, Mulkens, Smeets, e Thewissen (2010) investigaram se estratégias cognitivas, baseadas em proporcionar atenção incondicional e plena às necessidades psicossociais de indivíduos, podem reduzir o desejo por ingerir alimentação em um grupo de 19 adultos com sobrepeso, participantes de um programa de treinamento alimentar que tentava promover a regulação de desejos por meio de aceitação da condição e uso de estratégias de desligamento de pensamento obsessivo e redução da relação automática entre impulso e resposta alimentar. Os participantes apresentaram desejo por comer significativamente mais baixo após o treinamento, referindo maior sensação de controle sobre o comportamento alimentar.
Manzoni et al. (2009) avaliaram a eficácia de um programa de relaxamento, de três semanas, em pacientes obesas que reportaram descontrole emocional sobre o comportamento de comer. O treino de relaxamento foi eficaz à redução de episódios de comer emocional, sintomas depressivos e ansiosos, atuando como forma de enfrentamento cognitivo mais favorável.
Em um estudo com 104 pacientes obesos, Hörchner, Tuinebreijer, Kelder e Urk, (2002), ao investigar a relação entre estratégias de enfrentamento, solidão e situações de dificuldades sociais, observaram que as mulheres obesas demonstraram mais comportamentos de fuga, padrões de resposta passiva e “esperar para ver” como estratégias de enfrentamento, vivenciando suas relações interpessoais íntimas como relativamente pouco confiáveis.
Ao estudar a relação entre fatores de personalidade e estratégias de enfrentamento em 109 indivíduos com transtornos alimentares e obesidade, Tomaz e Zanini (2009) observaram que indivíduos com alto índice de neuroticismo como característica de personalidade, e que adotavam estratégias de descarga emocional (chorar, gritar), apresentavam maior frequência de comportamentos alimentares inadequados, tais como comer excessivamente, e percepção de maiores dificuldades para lidar com problemas do dia-a-dia.
Estratégias de enfrentamento e preconceito
A segunda classe de artigos revisados tratou da relação entre estratégias de enfrentamento e aspectos relacionados ao preconceito, discriminação ou estigma sofrido por pacientes obesos. Foram encontrados cinco artigos que tratavam deste tema.
Koball e Carels (2011) examinaram em que sentido estratégias de enfrentamento adotadas para lidar com as experiências de discriminação medeiam a percepção de estigma de peso e depressão entre pacientes obesos. Com participação de 54 pacientes, perceberam-se maiores experiências de preconceito relacionadas à depressão. Ademais, a adoção de estratégias de enfrentamento, mal ou bem adaptadas, mediavam, significativamente, a relação entre o estigma de peso e depressão.
Almeida et al (2011) investigaram a relação de fatores de risco, como estresse, funcionamento psicológico, insatisfação corporal, estratégias de enfrentamento negativas e estigmatização pelo peso, como preditores do comportamento de comer compulsivo em pacientes candidatos à cirurgia bariátrica. Os resultados demonstraram que a estigmatização, assim como o enfrentamento negativo das situações adversas, eram preditores da aquisição de comportamentos de compulsão alimentar.
Ao estudar 98 indivíduos obesos, Conradt et al. (2008) avaliaram o tipo e a frequência de situações típicas de enfrentamento em que os indivíduos obesos tomam consciência de serem obesos, ou são confrontados com a obesidade, além darelação entre respostas de enfrentamento a situações de culpa e vergonha. Como situações angustiantes,q ue geravam a necessidade do desenvolvimento de estratégias de enfrentamento, foram encontradas avaliações negativas de si mesmos ou de outros, prática de atividade física em público, ou situações de risco ambiental (como compra de roupas, por exemplo). Vergonha do próprio peso foi apontada como preditor negativo do engajamento em estratégias focadas no problema. Já a culpa foi preditora positiva do uso de estratégias com foco no problema. Ademais, perda de peso foi acompanhada por uma redução do uso de estratégias não focadas no problema, tais como pensamento fantasioso e evitação do problema.
Em estudo que objetivou investigar experiências de estigmatização, tipos de estigmas, estratégias de enfrentamento e comportamentos alimentares em 2671 pacientes com sobrepeso ou obesidade, Puhl e Brownell (2006) encontraram que experiências de estigmatização pelo peso (tais como percepção de julgamentos exagerados de peso, baixa expectativade desempenho em relação a obesos,necessidade de superar barreiras físicas e comentários pejorativos), especialmente vindos de familiares, eram comuns entre os participantes e uma variedade de estratégias de enfrentamentoera adotadaem resposta (especialmente: fugir de comentários negativos, buscar autoafirmações positivas, buscar a fé,buscar suporte social fora da família e comerdemais). Exposições mais frequentes a situações de preconceito estavam relacionadas à percepção de maior estresse emocional. Quanto maior o peso corporal do indivíduo, mais significativo era o relato de preconceitos vivenciados. Por outro lado, não houve relação entre exposição a situações de preconceitos de peso e funcionamento psicológico, expresso por sintomas de depressão e ansiedade, autoestima e variações de humor. Todavia, estratégias de enfrentamento adotadas nessas situaçõesestavam associadas ao desenvolvimento de bem-estar emocional.
Puhl, Moss-Racusin, e Schwartz (2007) estudaram,em 1013 mulheres com sobrepeso/obesidade,a relação entre preconceito ligado ao peso, internalização de estigmas de peso e respostas de enfrentamento para lidar com a estigmatização, a depressão e o comer compulsivo. As participantes que acreditavam que os estereótipos de peso eram verdadeiros relataram mais episódios de comer compulsivo e maiores dificuldades para aderir à dieta. O engajamento em estratégias de perda de peso, como resposta ao preconceito, não estava relacionado a crenças em estereótipos. Pacientes que internalizam estereótipos negativos parecem mais vulneráveis ao impacto do estigma de peso sobre o comportamento alimentar. Segundo os autores, o estigma de peso não age motivando os indivíduos a se engajarem em estratégias de perda de peso. Aqueles que acreditavam que os estereótipos eram negativos enfrentavam o estigma se recusando a aderir a dietas.
Estratégias de enfrentamento e variáveis relacionados a cirurgia bariátrica
A terceira categoria de análise contemplou os artigos que tratavam de estratégias de enfrentamento e aspectos relacionados à cirurgia bariátrica, sendo encontrados quatro artigos nesta classe.
Rydén, Karlsson, Sullivan, Torgerson, e Taft (2003), em estudo com 1085 pacientes antes da realização da cirurgia bariátrica e 24 meses após, observaram que pacientes que voltaram a ganhar peso depois da cirurgia reduziram a utilização de estratégias de enfrentamento com foco no problema e na emoção, porém, mantiveram níveis de sofrimento psicológico inalterados. Por outro lado, todos os participantes que perderam peso apresentaram redução de estratégias com foco na emoção, aumento de enfrentamento com foco no problema e redução na percepção de sofrimento.
Rydén et al. (2001) estudaram a relação entre estratégias de enfrentamento relacionadas à obesidade e problemas psicológicos. Candidatos à cirurgia apresentaram baixos níveis de estratégias focadas no problema e altos níveis de estratégias focadas na emoção.Na amostra estudada, estratégias de enfrentamento focadas na emoção promoveram má-adaptação e foram associadas a um aumento da percepção de sofrimento psicológico. Entretanto, estratégias de enfrentamento focadas no problema foram mais adaptativas e associadas a uma redução da percepção de sofrimento.
Ortega, Fernandez-Canet, Alvarez-Valdeita, Cassinello e Baguena-Puigcerver (2012), em estudo que investigou os preditores de sintomas psicológicos adversos em 60 obesos mórbidos após cirurgia bariátrica, apontaram que baixo apoio instrumental, baixa autoestima e enfrentamento focado na emoção eram os principais preditores pré-operatórios para sintomas psicológicos adversos seis meses após a cirurgia.
Guerdjikova et al.(2007) analisaram 50 pacientes que relatavam alta frequência de episódios de comer emocional, após seis meses da cirurgia bariátrica. Os pacientes relataram utilizar três principais tipos de comportamentos para lidar com a urgência de comer emocional: comportamento oral - comer algo (n = 18), sedentarismo (n = 21) e atividade física (n=11). Grande parte dos pacientes (42%) que experienciou o comer emocional escolheu comportamentos sedentários como forma de superar e enfrentar a urgência de comer como resposta emocional.
A seguir, segue-se uma tabela resumo com os artigos analisados.
DISCUSSÃO
O tratamento da obesidade, enquanto doença multifatorial, não pode ser reduzida a um seguimento de dietas ou ingestão de remédios. É necessária uma ampla mudança comportamental e de hábitos para que a obesidade seja tratada. Nesse contexto, o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento eficientes atua como potencial aliado à redução do peso corporal.
A obesidade tem sido apontada como promotora de prejuízos não apenas físicos, mas psicológicos e sociais e está, em geral, relacionada a transtornos da alimentação. Pessoas portadoras desta doença vivenciam experiências de estigmatização e preconceito (Puhl & Brownell, 2001) e limitações sociais que podem prejudicar a saúde mental, dificultar a adesão a mudanças de comportamentos e ainda provocar constrangimentos em situações do dia-a-dia, tais como experimentar peças de vestuário em lojas, ser alvo de brincadeiras relacionadas ao peso e apresentar dificuldades de locomoção ou de acesso a determinados locais espacialmente limitados.
Uma vez que o tratamento da obesidade pode ir além de medicamentos e remédios, chegando ao próprio procedimento cirúrgico, o portador desta doença, além de ter de enfrentar situações adversas vindas da própria condição obesa, como o preconceito vivenciado, ainda passa por uma exaustiva condição de tratamento, que exige diversas mudanças de hábitos e comportamentos.
Nesse contexto, a maneira com que as pessoas enfrentam essas situações adversas, ou, resumidamente, o enfrentamento, atua de maneira determinante para o desenvolvimento de comportamentos alimentares (Potocka & Móscicka, 2011), favoráveis ou não. Pacientes que priorizam estratégias de enfrentamento mais satisfatórias se sobressaem, lidando de maneira mais postiva com intercorrências do tratamento e da condição de obesidade em geral. Por outro lado, aqueles que adotam estratégias de enfrentamento mal adaptadas têm mais dificuldade em perder peso ou envolvem-se em comportamentos alimentares mais prejudiciais (Pirutinsky, Rosmarin,& Holt, 2012).
Um enfrentamento mais adequado é apontado como potencial redutor de problemas alimentares,sejam para populações obesas ou não obesas (Mwendwa et al., 2011). Percebe-se, contudo, que pacientes portadores de obesidade, em geral, tem que desenvolver estratégias mais adaptadas ao controle de situações específicas, tais como preconceitos (Puhl & Brownell, 2001; Mwendwa et al., 2011), o que é, por sua vez, relatado como não frequente: obesos, em geral, apresentam estratégias de enfrentamento não favoráveis, utilizando, frequentemente, o próprio comportamento de comer excessivo como maneira de enfrentar o preconceito ou o fato de terem de mudar a alimentação (Silva & Maia, 2012; Puhl & Brownell, 2006).
Percebeu-se uma tendência em se considerar que estratégias de enfrentamento focadas no problema mostram-se mais favoráveis à eliminação, ou não ocorrência de comportamentos alimentares não satisfatórios, assim como para a perda potencial de mais peso (Conradt et al., 2008). Uma priorização de estratégias com foco na emoção pode não ser interessante para indivíduos com sobrepeso ou obesidade, sendo estas relacionadas a comportamentos alimentares não satisfatórios (Potocka & Móscika, 2011; Freeman & Gil, 2004), apesar de serem largamente adotadas por essas populações.
Desta forma, deve-se destacar a importância de intervenções psicossociais que estimulem formas de enfrentamento mais favoráveis às condições adversas da obesidade, com intervenções que priorizem foco no problema.
Discutindo-se mais especificamente o tratamento cirúrgico, estratégias de enfrentamento não eficientes aumentam a probabilidade de transtornos alimentares ou reganho de peso após cirurgia bariátrica. Observou-se que melhores resultados são encontrados quando se conseguiu reduzir, no paciente, o uso de estratégias com foco na emoção e potencializar a priorização de estratégias com foco no problema, mais adaptativas (Rydén et al., 2001; Rydén et al., 2003).
De maneira geral, o que se percebe com a revisão dos artigos é uma demonstração cada vez maior da relação entre como as pessoas enfrentam as situações de obesidade ou sobrepeso e a consequência deste enfrentamento sobre o peso ou o aparecimento de condutas alimentares não favoráveis. Pessoas com um enfrentamento positivo, ativo e que priorize o foco no problema, têm mais probabilidade de serem bem sucedidas no combate à obesidade. Pacientes com estratégias não eficientes (descontrole emocional sobre a própria alimentação, sedentarismo, passividade), apresentam probabilidade de se manterem na condição de excesso de peso.
Nesse contexto, não se pode deixar de destacar a importância do olhar individual sobre cada paciente. A revisão efetuada neste trabalho aponta evidências da importância de incentivar o desenvolvimento de estratégias positivas, especialmente com foco no problema. Todavia, destaca-se a consideração para o incentivo ao que é eficiente para cada individuo. Desenvolver estratégias que o farão ter resultados mais saudáveis, independente da topografia do enfrentamento. Deve-se pontuar, ainda, a necessidade de cuidado ao definir-se o que é um enfrentamento positivo ou bom e um enfrentamento negativo ou ruim. Em geral, estratégias com foco na emoção são consideradas não adaptativas, mas muitas estratégias cognitivas, como a própria distração, por exemplo, são estratégias consideradas emocionais. Estratégias de mudança de foco de atenção, ou estratégias cognitivas até então consideradas não adaptativas por serem de prioridade emocional, podem ter papel fundamental sobre o processo de enfrentamento da obesidade (Alberts, Mulkens, Smeets, & Thewissen, 2010; Manzoni et al., 2009).
Levando em consideração a gama de tratamentos possíveis para o tratamento da obesidade, há, ainda, grande lacuna sobre o conhecimento do processo de enfrentamento dessa população. Percebeu-se clara demonstração da relação entre estratégias de enfrentamento e situações cotidianas, como transtorno alimentares e preconceito sofrido. Todavia, ainda pouco se sabe sobre as consequências das estratégias de enfrentamento priorizadas sobre o sucesso do tratamento da obesidade, incluindo suas várias faces: medicamentoso, psicoterápico, nutricional e cirúrgico.
Neste contexto, vale destacar que todos os artigos pesquisados, que tratavam de tratamento, destacavam o tratamento cirúrgico. Pouco se sabe sobre a relação entre o enfrentamento individual e as condições de tratamento clínico da obesidade, como as constantes consultas, automonitoramento e adesão à medicação objetivando a perda de peso.
Com relação ao período de publicação, os resultados evidenciaram uma maior constância de produção a partir de 2007, com identificação de dois artigos publicados por ano a partir de então, sem destaque para nenhum ano com maior produção.
Identificou-se, ainda, apenas um artigo brasileiro que tratava, especificamente, da relação entre estratégias de enfrentamento e transtornos alimentares. Tal dado reforça a necessidade de mais estudos brasileiros que analisem a relação apontada pela literatura internacional entre enfrentamento e obesidade, e que considerem a realidade brasileira para a proposta de desenvolvimento de intervenções psicossociais eficientes à nossa população.
Não houve evidência de artigos apenas qualitativos. Todos os artigos apresentavam metodologia quantitativa ou quali-quantitativa. O uso de análises de discurso e maior valorização de aspectos que qualifiquem a experiência do paciente poderiam ser mais referidos. Talvez o desenvolvimento de mais pesquisas que contemplem aspectos subjetivos dos discursos de indivíduos obesos ao enfrentar situações adversas poderia gerar novos dados que subsidiassem programas de estimulação do desenvolvimento de intervenções psicossociais mais eficientes, uma vez que abriria portas para o descobrimento de aspectos, muitas vezes, não contemplados com o uso restrito de questionários e escalas.
Ademais, considerando-se a obesidade uma doença multifatorial, é importante que as equipes de saúde também observem os aspectos individuais de cada usuário dos serviços de saúde e tenham uma visão mais humanizada deste desenvolvimento multifatorial. Neste contexto, destaca-se a relevância do trabalho do psicólogo nas equipes de saúde como promotor inicial dessa visão global e individual de cada paciente, cada qual com suas dificuldades e estratégias específicas, que devem ser respeitadas e valorizadas.
Como limitações deste trabalho, deve-se destacar a restrição dos idiomas dos artigos, uma vez que foi prejudicada a leitura de artigos que não estivessem em língua portuguesa ou inglesa, diminuindo, assim, a possibilidade de análise de outras pesquisas desenvolvidas talvez em culturas diversas. Ademais, a exclusão por idade não permitiu a análise de formas de enfrentamento adotadas por pacientes crianças. Sugerem-se novos estudos que contemplem uma maior amplitude temporal e etária, além de novos estudos empíricos sobre a realidade brasileira, para que o tratamento da obesidade possa embasar-se não apenas em conhecimento médico, mas igualmente nos aspectos psicossocias envolvidos e que considerem a relevância do enfrentamento dos indivíduos no tratamento da obesidade.
REFERÊNCIAS
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Recebido em 07 de Março de 2016/ Aceite em 20 de Abril de 2016