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Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.18 no.1 Lisboa abr. 2017
https://doi.org/10.15309/17psd180115
A visita domiciliar no contexto da saúde: uma revisão de literatura
Home visit in the health field: a systematic literature review
Kátia Bones Rocha1,2, Jaqueline Conz1,3, Mariana Barcinski1,4, Daniel Paiva1,5, & Adolfo Pizzinato1,6
1PUCRS – Faculdade de Psicologia, Porto Alegre, Brasil.
2E-mail: katiabonesrocha@gmail.com;
3E-mail: jaqueconz@gmail.com;
4E-mail: mariana.barcinski@pucrs.br;
5E-mail: atdanielpaiva@hotmail.com
6E-mail: adolfo.pizzinato@pucrs.br
Endereço para Correspondência
RESUMO
A visita domiciliar vem sendo utilizada por diferentes profissionais da área da saúde. O objetivo deste estudo é realizar uma revisão de literatura acerca desta prática. Além disso, buscaremos analisar de forma aprofundada os artigos em que o psicólogo utiliza a visita domiciliar como uma estratégia de trabalho. Método: Revisão de literatura realizada nas bases de dados Scielo, Bireme e PsycINFO, no período de janeiro a abril de 2014. Os critérios de inclusão foram artigos na íntegra, publicados em português, inglês ou espanhol nos últimos 10 anos. Resultados: Foram encontrados 1.015 artigos contendo a palavra visita domiciliar no título, resumo ou palavras-chave, mas apenas 489 (48,2%) seguiam os critérios de inclusão iniciais. A visita domiciliar aparece nos artigos sendo utilizada como estratégia de cuidado pelas equipes da atenção primária, como intervenção dirigida a portadores de doenças crônicas e também está associada à coleta de dados para pesquisas. Apenas 8 artigos descreviam a utilização da visita domiciliar por psicólogos e, nestes, a visita domiciliar era utilizada ou como espaço de psicoeducação, como forma de atenção a pacientes e familiares com sofrimento psíquico grave ou como parte de pesquisas-ação. Conclusões: Existe uma escassez de bibliografias sobre a utilização da visita domiciliar como técnica de intervenção, tanto para os profissionais em geral, quanto para psicólogos. Assim, é importante que esta estratégia de cuidado possa ser pensada a partir uma perspectiva crítica e ética.
Palavras-Chave: Saúde, Visita domiciliar, Comunidades, Psicologia
ABSTRACT
Home visit has been used by several health professionals. The aim of this paper is to perform a literature review on the use of home visits as a work tool. We will also try to deeply analyze the papers in which psychologists use home visit as a work strategy. Method: A literature review performed on the Scielo, Bireme, and PsycINFO databases, from January to April/2014. The inclusion criteria were full papers, published in Portuguese, English, and Spanish, in the last 10 years. Results: A total of 1, 015 papers with the term “home visit” either in the title, abstract, or keywords was found, but only 489 (48.2%) followed the initial inclusion criteria. From the papers analyzed, home visits were used as a tool of care by the primary care staff, as an intervention directed to patients with chronic conditions, and as an instrument to collect data for researches. Only 8 papers described the use of home visits by psychologists. Conclusion: There is a shortage of papers on home visit as an intervention technique, for both professionals in general and psychologists. Therefore, it is important that this care strategy be thought from a critical and ethical perspective.
Keywords: Health, Home visit, Community, Psychology
A visita domiciliar é uma técnica que vem sendo utilizada por diferentes profissionais, consistindo no atendimento ou acompanhamento dos usuários no seu local de residência (Rocha, Moreira, & Boeckel, 2010). As visitas domiciliares podem servir como uma forma de criar fortes vínculos afetivos com pacientes, especialmente os que podem estar com dificuldade de locomoção ou com humor deprimido, conforme descrevem Neves et al. (2012).
No Brasil, a visita domiciliar aparece como uma atividade realizada dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) pelos profissionais das equipes de atenção primária, chamadas de Estratégia Saúde da Família (ESF), e mais recentemente pelos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), que fazem a retaguarda especializada para as equipes de atenção primária (Freire & Pichelli, 2013). Porém, Neves et al., (2012) argumentam que a prática de visita domiciliar nem sempre é reconhecida como legítima pelos profissionais que a praticam, às vezes sendo considerada algo do improviso.
É importante destacar que a visita domiciliar pode ter como aspecto positivo a aproximação dos profissionais ao contexto no qual os sujeitos estão inseridos. A maior aproximação do contexto de vida dos usuários possibilita a valorização da dimensão subjetiva das práticas em saúde, das vivências dos usuários e dos trabalhadores da saúde, abrindo espaços de comunicação e diálogo entre saberes e práticas, além de novas perspectivas para a reflexão e ação (Paim & Almeida Filho, 1998).
Uma das principais doutrinas do SUS é a integralidade, discorre sobre “o reconhecimento na prática dos serviços de que cada pessoa é um todo indivisível e integrante de uma comunidade” (Ministério da Saúde, 1990, p. 5). Além disso, assinala que as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde também formam um todo inseparável, não sendo passíveis de compartimentalização. Dessa forma, as unidades prestadoras de serviço, com seus diversos graus de complexidade, devem configurar um sistema de assistência integral à saúde (Ministério da Saúde, 1990). Pode-se pensar, assim, a visita domiciliar como um espaço para a construção de novas lógicas de produção do processo de saúde/cuidado, já que, com essa prática, o profissional passa a conhecer os problemas de saúde dos sujeitos no contexto concreto no qual estes estão inseridos. Nesse sentido, essa aproximação por parte dos profissionais da saúde pode gerar uma compreensão mais ampla sobre o processo de saúde/doença/cuidado da população.
Ao optar-se por trabalhar com uma compreensão mais abrangente do conceito de saúde, que possui como fatores determinantes e condicionantes o meio físico (condições geográficas, água, alimentação, habitação, saneamento, etc.), o meio socioeconômico e cultural (ocupação, renda, educação, etc.), os fatores biológicos (idade, sexo, herança genética, etc.) e o acesso aos serviços que visam à promoção, proteção e recuperação da saúde (Ministério da Saúde, 1990), a visita domiciliar pode configurar-se como uma ferramenta de trabalho potente para os profissionais da saúde. É importante destacar que as visitas domiciliares quase sempre são realizadas por profissionais de diferentes disciplinas, como psicólogos, assistentes sociais, médicos, enfermeiros, entre outros.
Embora se configure como potente ferramenta para a compreensão contextualizada dos processos de saúde e doença, bem como para o delineamento de intervenções de prevenção e promoção da saúde, a utilização da visita domiciliar suscita questões teóricas, metodológicas e éticas. Um primeiro questionamento diz respeito à leitura teórico/prática que se constrói acerca desta intervenção, técnica ou estratégia. Em outras palavras, de que forma sustentamos teórica e metodologicamente a adoção da visita domiciliar como técnica/estratégia de intervenção em saúde?
Do ponto de vista ético, a história da utilização da visita domiciliar como ferramenta privilegiada da assistência social e da saúde (referência), nos impõe um questionamento ético sobre os sujeitos e/ou grupos aos quais direcionamos prioritariamente as nossas práticas. De quais critérios nos valemos para eleger determinados indivíduos ou famílias como principais beneficiados desta estratégia? E, ao fazermos esta eleição, que subjetividades e que formas de relação estamos legitimando ou reforçando? Portanto, a adoção da visita domiciliar por profissionais de quaisquer áreas de atuação deve ser acompanhada por um questionamento constante, especialmente com a intenção de não reafirmar relações de poder nas práticas de atenção à saúde de determinados grupos sociais.
Assim, a partir dessas perguntas iniciais, o objetivo do presente estudo é realizar uma revisão de literatura ampla sobre a utilização da visita domiciliar como um instrumento de trabalho na área da saúde em geral, buscando conhecer o objetivo da utilização da visita domiciliar nos diferentes artigos encontrados, a formação dos profissionais que escrevem o artigo e a área em que o artigo foi publicado. Depois desta análise inicial, realizamos uma análise em profundidade dos artigos em que o psicólogo aparece, sozinho ou como parte de uma equipe, utilizando a visita domiciliar como estratégia de trabalho.
MÉTODO
O presente estudo trata-se de uma revisão de literatura realizada nas bases de dados Scielo, Bireme e PsycInfo no período de janeiro a abril de 2014. As palavras chaves utilizadas como descritores para a busca de dados foram “visita domiciliar”, “visita domiciliaria”, “home visit and psychology”, de acordo com os Descritores em Ciências da Saúde da BVS. Os critérios de inclusão foram artigos na íntegra, publicados em português, inglês ou espanhol nos últimos 10 anos (janeiro de 2003 a janeiro de 2014). Os artigos encontrados foram, então, divididos nas seguintes categorias:
1) Objetivo da visita domiciliar;
2) Profissionais envolvidos na elaboração e escrita do artigo;
3) Área de conhecimento das revistas em que os artigos estavam publicados;
Após essa categorização inicial dos artigos, passamos à segunda etapa, na qual foram selecionados artigos de acordo com os seguintes critérios de inclusão:
1) Psicólogos envolvidos na redação do artigo;
2) Visita domiciliar não utilizada exclusivamente como instrumento para coleta de dados de pesquisa.
Os artigos que mostravam a interface entre a visita domiciliar e os profissionais da psicologia foram lidos e analisados na sua íntegra e alguns tópicos foram selecionados para posterior discussão.
RESULTADOS
A partir da pesquisa nas bases de dados Bireme, Scielo e PsycInfo, foi encontrado um total de 1.015 artigos que tratam de visita domiciliar, mas, a partir da leitura do resumo destes artigos, apenas 489 (48,2%) seguiam os critérios de inclusão iniciais apresentados para essa revisão.
A partir da busca inicial realizada a base de dados com maior número de artigos encontrados foi a Bireme, na qual foram encontrados 723 artigos. Destes, 345 (47,7%) entraram para a análise de dados seguindo os critérios de inclusão e exclusão anteriormente referidos. Seguido da base de dados Scielo, na qual foram encontrados 116 artigos, e 82 (70,7%) foram incluídos. Quanto à base de dados PsycInfo, foram encontrados um total de 176 artigos que relacionavam “home visit” e “psychology”. Destes, 62 (35,2%) seguiram os critérios de inclusão.
Dos 489 artigos selecionados, 23,1% (n=113) utilizavam a visita domiciliar com o fim restrito de coleta de dados para pesquisa, seguidos de 20,9% (n=102) que tinham como objetivo a realização da visita domiciliar como estratégia de intervenção por profissionais da Estratégia Saúde da Família (ESF) na atenção básica. Outra proporção importante de artigos (16,4%; n=80) tinha como objetivo a utilização da visita domiciliar para pacientes portadores de alguma doença crônica.
Dentre os profissionais que mais escreveram artigos sobre sua prática de realização de visita domiciliar estão, em maior proporção, os profissionais da enfermagem (31,5%; n=154), os profissionais da medicina (29,9%; n=146), seguidos pelos profissionais da equipe da estratégia de saúde de família (18%; n=88). Na quarta posição estão os psicólogos (9,5%; n=46).
Em relação à área de concentração das revistas em que os artigos foram publicados em primeiro lugar aparece a medicina (26,4%; n=129), seguido da enfermagem (24,9%; n=122), saúde em geral (22,9%; n=112), saúde mental (11,9%; n=58) e psicologia (7,8%; n=38).
Os estudos que incluíam o profissional da psicologia realizando ou envolvido com a visita domiciliar, sem utilizá-la como instrumento de coleta de dados, foram 8 destes 4 (0,8%) estavam na base de dados Scielo, 2 (0,4%) da Bireme e 3 (0,6%) da PsycInfo. No Quadro 3 se descreve o contexto em que as visitas domiciliares foram utilizadas em cada estudo.
Dos artigos encontrados na base de dados Scielo, um artigo trata especificamente da realização de visitas domiciliares por profissionais e estagiários da psicologia na área de saúde mental (Pietroluongo & Resende, 2007). O segundo artigo inclui os profissionais de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e tem como temática a inclusão dos familiares através da visita domiciliar no tratamento do usuário com sofrimento psíquico (Schrank & Olschowsky, 2008). O terceiro artigo descreve a realização da visita domiciliar por estudantes de psicologia dentro de um PET-Saúde na Estratégia de Saúde Família (ESF), no qual um dos preceptores era psicólogo (Villas Boas, Souza, Augusto, & Floripes, 2012).
Os dois artigos encontrados na base Bireme utilizam a visita domiciliar como instrumento de pesquisa, porém utilizando a pesquisa-ação como método. Um deles é uma pesquisa sobre divórcio destrutivo, utilizando a visita domiciliar como uma tentativa de realizar um trabalho com as crianças da família, a partir de uma intervenção com desenhos (Juras & Costa, 2011). O outro trata do tema do abuso sexual intrafamiliar, utilizando a visita domiciliar como estratégia para investigar as relações familiares e a percepção das famílias sobre o abuso sexual (Penso, Costa, Almeida, & Ribeiro, 2009).
Um dos artigos encontrados na base de dados PsycInfo utilizava-se da visita domiciliar como instrumento de intervenção na psicoeducação de pais e adolescentes para um comportamento mais saudável no trânsito (Haggerty, Fleming, Catalano, Harachi, & Abbott, 2006). Outro artigo explora a temática da esquizofrenia e da realização de visitas domiciliares por psicólogos treinados como forma de intervenção e de psicoeducação (Malakouti et al., 2009). O último dos estudos selecionados tenta fazer uma correlação entre as características de personalidade de profissionais que realizam visitas domiciliares e a participação de mães durante a visita como sendo fatores mediadores de uma possível melhora na qualidade do atendimento (Sharp, Ispa, Thornburg, & Lane, 2003).
DISCUSSÃO
A maioria dos artigos encontrados explorava a utilização da visita domiciliar realizada por profissionais da atenção primária da Estratégia Saúde da Família (ESF). Dentre os profissionais que mais escreveram artigos sobre sua prática de realização de visita domiciliar estão os profissionais da enfermagem, medicina e da equipe da Estratégia de Saúde da Família.
Neste sentido, é importante considerar que o psicólogo não faz parte da equipe mínima obrigatória da ESF, composta por médico, enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes comunitários. Na equipe ampliada, que também não conta com a participação de psicólogos, são incorporados um cirurgião dentista e um auxiliar de saúde bucal, constituindo a equipe de saúde bucal.
As diversas demandas geradas no dia a dia da ESF têm mostrado a necessidade da incorporação de outros profissionais da saúde (Ministério da Saúde, 2009). Neste sentido, em 2008 o Ministério da Saúde criou o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) que tem como objetivo ampliar a abrangência e o foco das ações da atenção básica, trabalhando em parceria com as equipes da ESF (Brasil, 2009). No artigo de Freire e Pichelli (2013) as autoras descrevem o trabalho do psicólogo no NASF e citam a visita domiciliar como uma ferramenta de trabalho, que surge como uma potencialidade fundamental para a ampliação do cuidado para as profissionais da psicologia. O NASF aparece como uma nova possibilidade de inserção do trabalho da psicologia ao nível primário. O que pode contribuir para que a psicologia trabalhe mais em estratégias de promoção de saúde.
Outro resultado relevante da presente pesquisa é que a maioria dos estudos foram publicados na área da saúde pública/saúde coletiva. Segundo Paim e Almeida Filho (1998), apesar de em si não constituir um paradigma, a saúde coletiva enquanto movimento ideológico comprometido com a transformação social apresenta possibilidade de articulação com novos paradigmas científicos em saúde capazes de abordar o objeto saúde-doença-cuidado, respeitando sua historicidade e integralidade. Neste sentido, a integralidade é um dos objetivos da saúde coletiva e a visita domiciliar pode ser utilizado com uma ferramenta de trabalho que pode possibilitar um espaço de troca entre profissionais da saúde e usuários buscando construir novas possibilidades de cuidado em saúde, mais integrais, mais interdisciplinares, ou até mesmo, mais transdisciplinares. Assim, a temática da visita domiciliar parece ter um espaço dentro da área da psicologia e da saúde coletiva.
A segunda área de maior concentração de publicações foi a saúde mental o que também parece ser um dado relevante ao pensar na necessidade de construir outras possibilidades de intervenção, articulação entre pessoas com sofrimento psíquico, famílias, comunidades e serviços de saúde. A visita domiciliar pode ser um instrumento ou ferramenta que possibilite uma maior integração entre estes diferentes atores sociais, usuários, famílias, comunidades e profissionais da saúde.
Visita domiciliar e pesquisa
Aproximadamente de 23% das visitas domiciliares eram realizadas como instrumento de coleta de dados para o artigo. Ao pensar neste resultado, é possível fazer um questionamento acerca de quais preceitos éticos estão implicados na realização de tal prática. Assim, muitas vezes a palavra visita domiciliar aparece em artigos nos quais a visita domiciliar é utilizada exclusivamente como instrumento para a realização de pesquisas acadêmicas.
Tal prática pode nos levar a questionamentos éticos sobre o uso da visita domiciliar: se utilizada como instrumento de coleta de dados apenas, não estaria ferindo-se o princípio básico da visita domiciliar, que define-se como um atendimento ou acompanhamento dos usuários no seu local de residência? Como já citado, o propósito da visita domiciliar é incitar uma aproximação dos profissionais ao contexto familiar dos sujeitos, promovendo a valorização da dimensão subjetiva. Se houver visita domiciliar para coleta de dados de pesquisa apenas, afasta-se do objetivo inicial da técnica.
A discussão em relação à ética envolvida nas diferentes técnicas, procedimentos e fazeres que construímos nas nossas práticas nos permite lançar um olhar crítico, reflexivo e questionador que pode nos ajudar a responder nossas perguntas iniciais deste presente estudo. Segundo Pietroluongo e Resende (2007), as três dimensões atitudinais que são de fundamental importância para que o psicólogo consiga alcançar o objetivo de capacitação do núcleo familiar a partir da visita domiciliar são a ética, a ação teórica e a postura reflexiva. A ética não se trata de uma reprodução da moral, mas sim de uma reconstrução desta a partir do contato com o outro.
Guareschi (2003) define a ética como uma postura crítica na relação dialógica com o outro, diante de todo conceito criado e institucionalizado. O outro é visto em uma relação de convivência, sendo construído nessa relação que se estabelece. Assim, mais do que julgar a adequação ou não da realização de visitas domiciliares para realização de pesquisa, é importante pensar quais são os nossos objetivos com este estudo e que compromisso estabelecemos com aquelas pessoas que se dispõem a participar destes estudos.
A visita domiciliar como instrumento de trabalho do psicólogo
Assim como destacado anteriormente, ao realizarmos esta revisão de literatura, nos deparamos com uma escassez de trabalhos que abordam a utilização da entrevista domiciliar como instrumento, ferramenta e possibilidade de intervenção pela psicologia. A seguir apresentaremos como cada um destes oito estudos encontrados utiliza, operacionaliza e conceitua a visita domiciliar. Além disso, buscaremos compreender em que contextos esta intervenção acontece, a que população está dirigida e quais são seus objetivos, buscando sempre trazer uma perspectiva crítica de utilização desta técnica no cotidiano das práticas de atenção à saúde.
O artigo de Sharp et al. (2003) investiga a qualidade da relação estabelecida entre mães de bebês entre 6 e 12 meses de vida e o visitante domiciliar. O objetivo da visita domiciliar neste estudo é promover resultados mais positivos para as famílias através de serviços que contemplem o ambiente familiar. Além disso, durante a realização de visita domiciliar os visitantes domiciliares anotavam o tempo de duração da visita e, depois de três anos, respondiam a um questionário que identificasse as características de sua própria personalidade e as próprias percepções acerca dos casos atendidos. Um achado interessante apontado pelos autores é que as necessidades das mães que pareciam ter menos problemas podem ter sido negligenciadas durante as visitas domiciliares em prol das mães que os profissionais consideravam que necessitavam mais de apoio. Os autores concluem que a equipe de visita domiciliar deve prestar atenção para que todas as famílias tenham igual acesso às visitas tendo suas necessidades atendidas.
No estudo anteriormente descrito se pode observar que muitas vezes a intervenção pode ser orientada mais pelas percepções da equipe do que pelas necessidades dos próprios usuários. Além disso, se pode observar que a promoção à saúde nem sempre é privilegiada pelas lógicas de cuidado tradicionais, que de alguma maneira priorizam os usuários mais “problemáticos”.
No artigo de Haggerty et al. (2006) é feita uma avaliação de questões ligadas à direção defensiva de veículos em adolescentes e suas famílias. O foco do artigo é realizar uma avaliação de estratégias interventivas de prevenção tanto para o adolescente que está habilitando-se para dirigir quanto para as famílias, que recebem informações acerca de fatores de risco e de proteção. Uma das estratégias preventivas adotadas foi a realização de visita domiciliar, com o intuito de ajudar os familiares e os adolescentes a melhorarem as habilidades de tomada de decisão em relação a dirigir e também a desenvolver padrões e expectativas em relação ao comportamento enquanto na direção. Tais visitas eram voltadas para adolescentes identificados como sendo de alto risco, devido tanto a seus comportamentos ou ao desempenho acadêmico. Durante as intervenções, os psicólogos tratavam de questões relacionadas ao próprio risco e, com o passar do tempo, esses alunos também poderiam receber visitas durante os momentos de transição para o ensino médio, ao começar a dirigir e ao sair da escola.
Os dois artigos anteriormente referidos utilizam a visita domiciliar para grupos considerados de “risco”. A ideia de nortear as intervenções para grupos considerados de risco foi em grande parte construída pela vigilância epidemiológica. Segundo Paim e Almeida Filho (1998), o modelo da vigilância epidemiológica fundamenta-se na epidemiologia e nas ciências sociais, ao contrário do modelo da história natural da doença que privilegia o indivíduo e sua fisiopatologia.
Cabe destacar que o modelo da vigilância epidemiológica busca orientar intervenções visando o controle de danos, o controle de riscos, através dos determinantes socioambientais (Paim & Almeida Filho, 1998). Por outro lado, quando se afirma que a intervenção estará dirigida a populações de risco, outras discussões podem ser realizadas. Com que conceito de risco trabalhamos? O que entendemos como comportamentos de risco? Quem define o que são comportamentos de risco e em referência a que população?
De acordo com Guareschi, Reis, Huning e Bertuzzi (2007), o conceito de risco está associado a marcadores como comportamento e populações específicas, o que acaba por individualizar certas condições de saúde ou doença. O conceito, dessa maneira, acaba ficando associado a questões de moralidade, pois de alguma maneira responsabiliza a indivíduo. Se pensarmos que a prática da visita domiciliar tem como objetivo a promoção da saúde, por que ela acaba sendo utilizada somente em casos específicos, atingindo populações específicas?
Esta lógica de risco tem sua aplicabilidade prática ao pensar este conceito desde a perspectiva da vigilância epidemiológica, mas devem ser considerados de maneira crítica ao pensar nos estigmas relacionados com esta abordagem. Além disso, coloca a questão de a quem dirigimos determinadas práticas? Se uma prática em saúde é considerada efetiva, é considerada boa, ela deve ser dirigida para toda população ou só para determinados grupos? Por que escolhemos determinadas práticas específicas para determinadas parcelas da população?
Almeida Filho, Castiel e Ayres (2009) destacam que o conceito de risco tal como vem sendo utilizado pela epidemiologia homogeneíza contradições, estabelecendo de alguma maneira que só se pode administrar o risco (o futuro) de maneira racional, através de probabilidades, que acabam sendo entendidas como predições deterministas e não probabilísticas. Quando afirmo que uma população é uma população de risco, de alguma maneira já determino suas possibilidades. Nesta mesma direção, Paim e Almeida Filho (1998) apontam que devemos buscar a superação de práticas preventivas preditivas, que devemos buscar outros modelos de saúde coletiva capazes de propor visões, formas, figuras e cenários, em vez de buscar predizer efeitos com base em informações restritas.
A seguir serão descritos três artigos que utilizam a visita domiciliar como estratégia de cuidado e atenção usuários portadores de sofrimento psíquico e suas famílias. No estudo de Malakouti et al. (2009), a visita domiciliar é oferecida para pacientes com esquizofrenia no Irã. O objetivo dos autores é avaliar a efetividade de serviços de gerenciamento de caso. Participaram do estudo 6 famílias que receberam uma visita domiciliar de cerca de 45 minutos por mês, durante 1 ano, com pacientes esquizofrênicos. Nas visitas, tanto os psicólogos quanto os familiares faziam uma checagem dos sintomas do paciente, realizavam psicoeducação em relação à esquizofrenia e ficavam à disposição do paciente, caso este precisasse. Os resultados do estudo apontam que houve redução no número de hospitalizações após as intervenções, tanto de um grupo quanto do outro, indicando a possibilidade de familiares realizarem intervenções de saúde, quando treinados.
Na mesma direção o artigo de Pietroluongo e Resende (2007) trata da visita domiciliar como um instrumento para buscar o acompanhamento e a reintegração social de pacientes portadores de doenças mentais que muitas vezes necessitam internações psiquiátricas. Portanto, a entrada do psicólogo no
domicílio visa incluir a família e o meio social no processo de tratamento, e também olhar para a loucura como um fenômeno complexo. Os autores afirmam que é importante que o profissional possa ter uma escuta diferenciada, evitando julgamentos ou teorias preestabelecidas de funcionamento do ser humano. O próprio sistema familiar e social dispõe de estratégias e mecanismos para lidar com impasses ou problemas; cabe ao profissional ter esse olhar diferenciado e auxiliar que estes sujeitos ampliem suas capacidades de auto-gestionar os seus problemas (Pietroluongo & Resende, 2007).
No artigo de Schrank e Olschowsky (2008) os autores utilizam como metodologia a pesquisa descritiva, analítica do tipo estudo de caso e discutem sobre a inclusão da família no tratamento de pacientes portadores de algum tipo de doença mental e frequentadores do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). O CAPS é um serviço substitutivo de atenção em saúde mental que tem demonstrado efetividade na substituição da internação de longos períodos, por um tratamento que não isola os pacientes de suas famílias e da comunidade, mas que envolve os familiares no atendimento com a devida atenção necessária, ajudando na recuperação e na reintegração social do indivíduo com o sofrimento psíquico. Deste modo, percebeu -se necessário criar espaços para orientar, acolher e preparar emocionalmente as famílias, potencializando a participação e a integração da família. Dentre as atividades em que se percebeu o maior envolvimento dos familiares estão os grupos de familiares, oficinas, visitas domiciliares, além das festas comemorativas. A visita domiciliar foi percebida como a atividade em que a equipe pode utilizar para identificar e se comunicar com famílias que não frequentam o CAPS (Schrank & Olschowsky, 2008).
No contexto das intervenções dirigidas a usuários portadores de sofrimento psíquico e suas famílias a visita domiciliar aparece como um instrumento interessante de trabalho, no qual os profissionais da saúde, dentre eles o psicólogo, buscariam dar suporte e ao mesmo tempo incluir as famílias de usuários com sofrimento mental no tratamento. Um dos grandes objetivos da realização das visitas domiciliares é poder capacitar as famílias a usarem de recursos próprios para resolver os problemas, assegurando uma maior autonomia dos sujeitos. Com a construção de autonomia, há também a construção de novas possibilidades de saúde/cuidado.
Trabalhar pela autonomia dos sujeitos e coletividades é estabelecer possibilidades crescentes de criar novas normas para suas vidas, novas formas para lidar com as dificuldades, limites e sofrimentos, que sejam mais criativas, solidárias e produtoras de movimento. Modos de vida que apostem na auto regulação dos sujeitos sem que isso signifique a retirada das responsabilidades do Estado quanto às condições de vida da população (Paim & Almeida Filho, 1998).
Em relação às trocas que podem ser realizadas entre as equipes de saúde e os usuários portadores de sofrimento psíquico e suas famílias, Pietroluongo e Resende (2007) destacam que a verticalidade da equipe centraliza o poder nas mãos de poucos profissionais e torna a experiência da loucura em algo puramente orgânico. Já a estrutura horizontalizada da equipe entre si e em relação ao usuário e a família entende a loucura como um fenômeno multidimensional e pluri-determinado, devendo ser olhado por diversos profissionais com capacidades e saberes diferentes, ampliando possibilidades de melhora ou solução.
Em relação à horizontalidade e verticalidade do poder, Benevides e Passos (2005) destacam a importância de os profissionais da saúde buscarem novas formas de produzir saúde, que devem passar por um reposicionamento dos sujeitos implicados no processo de produção de saúde, criando condições para a crise de uma subjetividade assujeitada a padrões de relações não democráticas e de manutenção de privilégios de classes socioculturais, de gênero e de categorias profissionais. Cabe destacar que a simples adoção da visita domiciliar pela equipe não garante esta horizontalidade nas relações dentro da equipe e da equipe com os usuários e comunidade; é uma construção constante, que dificilmente acontecerá em contextos em que a visita domiciliar é utilizada como algo improvisado, como destacam Neves et al. (2012).
A partir de uma construção das equipes, a visita domiciliar pode ser utilizada como uma estratégia de produção de novas possibilidades dentro do campo da saúde mental, buscando processos mais autônomos de trabalho por parte da equipe, famílias e usuários. Pietroluongo e Resende (2007) destacam ainda a importância da escuta do psicólogo dentro das equipes multidisciplinar. É a partir da escuta que o profissional pode proporcionar momentos de subjetivação do sistema familiar.
O psicólogo também possui o papel de intermediador entre a instituição e a família, além de poder proporcionar o acolhimento da própria equipe em momentos nos quais os técnicos se sintam impotentes. Além disso, o psicólogo pode exercer o papel de incentivador da reflexão técnica dentro da equipe. Por conhecer os processos relacionais, o psicólogo pode ajudar a compreender, dentro de um espaço social, quais lugares estão sendo construídos para os sujeitos. Além disso, pelo seu papel de escuta, pode ser o precursor do movimento de reflexão e mudança É interessante analisar o papel do psicólogo e como ele pode contribuir para a equipe utilizando a sua capacidade de escuta como um instrumento de trabalho importante dentro da prática da visita domiciliar (Pietroluongo & Resende, 2007). Outro aspecto interessante é o seu papel associado a uma ideia de “entre” dois objetos de estudo. Um deles seria a família em si e outro seria a própria equipe, na qual o psicólogo aparece como integrante e ao mesmo tempo como o profissional capaz de fazer também as leituras dos movimentos da equipe da qual faz parte. Uma reflexão que poderia ser colocada aqui é a importância não só da escuta do psicólogo, algo classicamente atribuído a esta categoria profissional, mas também a possibilidade deste de construir espaços de diálogo, de troca, de construção de novas possibilidades.
Outro artigo que aborda o trabalho da psicologia nas visitas domiciliares foi o elaborado por Villas Boas et al., (2012), quedescrevem um dos projetos desenvolvidos pelo programa de educação pelo trabalho para a saúde (PET-Saúde) com um grupo formado por um tutor (médico) três preceptores (profissionais da ESF, sendo um enfermeiro, um psicólogo e um assistente social) e 12 acadêmicos de Medicina ou Enfermagem. Os objetivos foram realizar acompanhamento domiciliar em idosos de uma Unidade da Saúde da Família e descrever a percepção dos acadêmicos quanto a esta modalidade de atendimento. Durante as atividades do projeto percebeu-se um menor número de internações dos idosos. Além disto, os acadêmicos relataram melhor compreensão do envelhecimento populacional e a adequação de proposta como forma de atenção à saúde dos idosos. Neste artigo a questão da visita domiciliar era utilizada como instrumento de pesquisa, ensino e extensão.
Cabe destacar, que o PET-saúde busca incentivar a interação ativa dos estudantes e docentes dos cursos de graduação em saúde com os profissionais dos serviços e com a população. A ideia do programa é que durante todo o processo de ensino-aprendizagem, os alunos tenham a oportunidade de se capacitarem teoricamente e também tenham uma formação prática nos serviços públicos de saúde. Espera-se que o programa repercuta positivamente na construção de novos perfis profissionais, em favor da integralidade e resolubilidade da atenção à saúde prestada à população (Haddad et al. 2009). Neste sentido, é interessante ver a utilização da visita domiciliar como uma possibilidade de intervenção, multi, inter, transdisciplinar e que isto esteja sendo ensinado e praticado pelos profissionais da saúde durante seu processo de formação.
Os dois artigos que serão discutidos a seguir utilizam a visita domiciliar como parte de uma pesquisa, mas também como possibilidade de intervenção. O primeiro estudo foi conduzido por duas psicólogas e utiliza a visita domiciliar como instrumento de pesquisa (Jura e Costa, 2011). Para a realização da pesquisa, as psicólogas/pesquisadoras visitam a casa de famílias com histórico de divórcio problemático, a fim de realizar um trabalho com as crianças da família, a partir de uma intervenção com desenhos. O método utilizado pelas pesquisadoras foi a pesquisa-ação, onde o pesquisador não trabalha sobre os sujeitos, mas sim com eles. A pesquisa-ação objetiva a transformação da realidade estudada, assim como a produção de conhecimento relativo a essas mudanças. Pode-se pensar, assim, que no estudo de Juras e Costa (2011), a visita domiciliar não é apenas um instrumento, mas também é uma intervenção para investigar o tema abordado. A partir das visitas às casas das famílias, pode-se entender melhor a realidade daqueles sujeitos.
O objetivo do estudo de Penso et al. (2009) é, essencialmente, discutir acerca do abuso sexual contra crianças e adolescentes, praticado pelo próprio pai. Durante as visitas, os pesquisadores realizaram entrevistas semiestruturadas, com o objetivo de investigar as relações familiares, assim como a percepção do abuso sexual pelos membros da família. Os pesquisadores argumentam que, após a observação das interações e diálogos dos familiares, a prática da violência sexual se anuncia através de códigos sócio-culturais, sinais de ameaça, mensagens de insegurança, segredos, afetos e jogos psíquicos instalados no seio familiar. A visita domicilar, nesta pesquisa, mostrou-se efetiva para a percepção in loco da ambivalência dos abusados em relação aos abusadores.
Neste sentido, é importante destacar que o tipo de delineamento utilizado na pesquisa tem implicações. Nas pesquisas como a pesquisa-ação ou a pesquisa-intervenção (Paulon, 2005; Rocha, 2006), apesar de cada um destes métodos terem suas especificidades, a pesquisa em si já se configura em uma intervenção que tem um benefício direto para os participantes, assim, a discussão sobre a ética poderia ser realizada, mas desde um prisma diferente das pesquisas que utilizam a visita domiciliar apenas para a coleta de informações.
A partir dos artigos encontrados pode-se pensar que, na prática, a psicologia acaba ficando mais associada ao cuidado especializado e não à promoção da saúde. Os artigos levantados, que tinham o trabalho do psicólogo como foco, apontam o trabalho de visita domiciliar em relação a um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) (Schrank & Olschowksy, 2008) ou direcionado a usuários e famílias sofrimento psíquico grave (Malakouti et al., 2009; Pietroluongo & Resende, 2007), ou como uma das etapas da pesquisa-ação (Juras & Costa, 2011; Penso et al., 2009). Três artigos relatam a ação das visitas domiciliares na atenção primária (Villas Boas et al., 2012) e na área de promoção à saúde (Haggerty et al., 2006; Sharp et al., 2003). Assim, provavelmente no futuro a visita domiciliar possa estar sendo utilizada como uma ferramenta de trabalho através das equipes do NASF, o que já se pode observar na literatura (Freire & Pichelli, 2013), e que poderá contribuir para que a visita domiciliar seja utilizada também como um instrumento de promoção à saúde.
O presente estudo colocou em destaque a necessidade do desenvolvimento de artigos que descrevam, analisem e discutam a utilização da visita domiciliar pelos profissionais da saúde e, também, mais especificamente pelos psicólogos. A maioria dos estudos encontrados utilizava a visita domiciliar no campo da saúde, mais especificamente dentro da atenção primária na ESF e na área de saúde mental. Assim, o trabalho do psicólogo ficava mais vinculado ao nível especializado. Por outro lado, com a introdução dos NASF provavelmente no futuro sejam produzidos mais materiais sobre a utilização da entrevista domiciliar na atenção primária e na área da promoção à saúde.
Os estudos que incluíam os profissionais da psicologia, que foram revisados em profundidade, nos possibilitaram realizar uma leitura crítica de como esta estratégia de intervenção vem sendo utilizada. Nosso objetivo foi problematizar esta prática e introduzir alguns elementos para discussão. Neste sentido, a entrevista domiciliar pode ser utilizada como uma oportunidade de ampliação do diálogo dentro da equipe de saúde e com os usuários, buscando produzir lógicas horizontais de cuidado.
Nesta direção, é importante que a visita domiciliar não seja realizada como algo improvisado, assim como aponta a literatura (Neves et al., 2012), ou pontual. Pensar nos sentidos e significados da visita domiciliar na área da saúde pode potencializar este dispositivo. Assim, a visita domiciliar pode ser pensada como uma estratégia de cuidado que considere as necessidades dos usuários e de suas famílias, bem como a autonomia e o protagonismo destes no processo de atenção. Neste contexto, a visita domiciliar pode ser um espaço de articulação entre as demandas individuais e familiares com os demais recursos da rede e da comunidade no qual estes usuários e suas famílias estão inseridos.
O foco da atenção na visita pode ser pensado além da lógica biomédica do sintoma, do problema, do risco, para ser pensada a partir da perspectiva também da promoção à saúde. Neste contexto o psicólogo, conjuntamente com os outros profissionais da saúde, pode construir um espaço no qual novas possiblidades de cuidado mais criativas, solidárias e inovadoras possam ser pensadas.
Assim como foi exposto na introdução, esta ferramenta de trabalho vem sendo também utilizada em outros campos, como por exemplo, no Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Cabe destacar, que não encontramos na nossa busca bibliográfica nenhum artigo falando da visita domiciliar especificamente dentro da assistência.
No entanto, entre as limitações do estudo podemos destacar que escolhemos trabalhar com o descritor “visita domiciliar”, terminologia utilizada em estudos anteriores (Rocha, Moreira, & Boeckel, 2010), utilizado pela BVS e que, segundo a definição exposta por Lacerda, Giacomozzi, Oliniski, e Truppel (2006), se aproxima do tipo de intervenção que os psicólogos realizam nas comunidades. Por outro lado, durante a revisão ficou claro que existem diferentes termos utilizados para descrever tal prática. Sendo assim, futuros estudos poderiam utilizar um número maior de descritores para realizar a busca nas diferentes bases de dados. Como pontos positivos, se destacam as diferentes bases de dados revisadas, bem como a análise profunda e crítica do material encontrado.
Futuros estudos na área podem buscar realizar entrevistas com profissionais da saúde em geral, e também da psicologia, que realizam visitas domiciliares procurando investigar as questões que foram postuladas no início deste artigo e que não puderam ser respondidas na sua totalidade em função da escassez bibliográfica e da limitação de espaço do próprio artigo. Além disso, futuros estudos podem investigar como as entrevistas domiciliares vêm sendo realizadas no cotidiano de trabalho dos profissionais, que desdobramentos e possibilidades esta intervenção suscita nas diferentes famílias e comunidades, bem como analisar como ela vem sendo utilizada em diferentes espaços como na assistência e na saúde, na atenção básica e especializada.
Nesse sentido, devemos continuar nos questionado sobre que leitura teórico-prática estamos construindo em relação a esta intervenção? A que sujeitos está dirigida esta prática? Quais sujeitos e que profissionais estamos produzindo a partir da utilização desta técnica? Que crítica estamos construindo em relação a esta prática? Como eticamente escolhemos os sujeitos a quem esta prática se destina? Poderia contribuir para uma compreensão mais ampla e problematizada da utilização desta ferramenta de intervenção.
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Recebido em 05 de Agosto de 2014
Aceite em 03 de Janeiro de 2017