A população mundial está envelhecendo rapidamente, sendo que um quarto a um terço tem idade igual ou superior a 60 anos. Em 2050 serão cerca de 2 bilhões de idosos, com 80% vivendo em países de baixa e média renda. Os países desenvolvidos foram os primeiros a experimentar essa mudança, porém nem eles nem os países em desenvolvimento estavam preparados para tal mudança (Fried, 2016; World Health Organization, 2020).
Com o envelhecimento populacional cada vez mais significativo, no Brasil surgem preocupações em vários setores, inclusive na área de saúde, devido ao notável aumento das doenças crônico-degenerativas. Estas são causa crescente de morbimortalidade e de crescimento na prevalência de transtornos mentais, ampliando a demanda por cuidados primários de saúde a longo prazo (Araújo et al., 2015; Biasoli, 2015; Medeiros et al., 2017; Paula et al., 2016; WHO, 2020). Partindo dessa premissa, o cuidado à saúde da pessoa idosa inicia-se na Unidade Básica de Saúde (UBS) da Atenção Primária à Saúde (APS), porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS) (Brasil, 2012; Brasil, 2017).
Na UBS são realizadas consultas médicas e procedimentos assistenciais demandados por pessoas idosas. Há, entretanto, alguns pacientes que utilizam com muita frequência a UBS, ocasionando grande número de prescrições e de referências para outros níveis de cuidados, sendo denominados de hiperfrequentadores (HF) (Gomes, 2017). São considerados indivíduos HF, os 10% que tiveram maior número de consultas médicas nos últimos 12 meses (Luciano et al, 2010; Pymont & Butterworth, 2015; Pymont & Butterworth, 2015a; Smits et al., 2016).
Gomes (2017) e Robles et al. (2009) demonstraram que muito dos idosos HF são portadores de sarcopenia, pré-fragilidade e fragilidade, idade avançada, baixa escolaridade, desemprego e comorbidades múltiplas, como hipertensão arterial, diabetes mellitus, bronquite, enfisema pulmonar e doenças psiquiátricas.
As mudanças físicas e psicossociais provenientes da senescência são fatores determinantes para a incidência do estresse crônico e do sentimento de solidão, advindos de perdas e diminuição da capacidade de adaptação. Estes fatos também levam ao surgimento de depressão e ansiedade, que interferem na inserção social e na qualidade de vida da pessoa idosa (Alves et al., 2016; Azeredo & Afonso, 2016; Carmona et al., 2014; Gameiro et al., 2014;). Estas são as alterações do estado mental mais comuns nesse grupo etário, com destaque para os transtornos depressivos que variam entre 4,8% e 14,6% nos idosos vivendo na comunidade (Frank & Rodrigues, 2016).
Estudo de revisão sistemática constatou alta utilização da APS por idosos, o que leva a altos custos (Welzel et al., 2017). No Estudo Internacional de Saúde e Aposentadoria, em idosos a solidão apresentou significativo efeito positivo associado às consultas médicas (Gerst-Emerson & Jayawardhana, 2015). Assim sendo, há necessidade de se garantir o desenvolvimento de abordagens mais resolutivas para os idosos HF na APS, com utilização de novos paradigmas na atenção à saúde da pessoa idosa.
Terapias expressivas (TE) é expressão utilizada englobando técnicas e formas de expressão diversificadas, como música, canto, dança, dramatização, poesia, pintura, desenho e escultura. A arte, além de sua função social, permite ao homem liberar sentimentos e emoções, com seu efeito terapêutico diretamente ligado ao uso da energia psíquica e às possibilidades de expressar os conteúdos internos (Andrade, 1993).
No trabalho atual, foram utilizados, conjuntamente, música e dança, o indivíduo idoso possui uma bagagem musical adquirida no decorrer da vida, composta por variadas canções que marcaram e construíram sua história desde a infância, traduzindo vivências e se tornando companheiras de jornada. Utilizando-se o repertório de músicas que lhe é significativo, buscou-se estimular a memória, a produção de reminiscências, a consciência do movimento corporal e a orientação espaço-temporal (Aleixo, 2004). Concomitantemente utilizada a dança, atividade coadjuvante na terapêutica de várias doenças proporcionando, além do condicionamento físico, integração social, lazer e benefícios psicológicos, propiciando o desenvolvimento da capacidade de percepção, consciência corporal e novas possibilidades de comunicação (Houston, 2005).
O objetivo do presente estudo foi verificar o efeito das terapias expressivas (TE), utilizando música associada à dança e a trabalhos corporais, na depressão, ansiedade, estresse e solidão apresentados pelos idosos HF na APS, assim como no número de consultas médicas desses usuários.
Método
Delineamento do estudo e local do estudo
Trata-se de estudo quasi-experimental (pré-pós intervenção), no período de janeiro de 2018 a janeiro de 2020, realizado na Unidade Básica de Saúde (UBS) da Granja do Torto, unidade de atendimento à saúde do tipo Centro de Saúde cadastrada pelo Ministério da Saúde, situada na área especial da Vila Wesley Roriz, Brasília, DF.
Participantes
A amostra foi constituída por 70 idosos, dividida em dois grupos: grupo de intervenção (GI), com indivíduos hiperfrequentadores (HF); e grupo controle (GC), com indivíduos não hiperfrequentadores. Foram considerados indivíduos hiperfrequentadores, o paciente com cinco consultas médicas no período de 12 meses na unidade básica de saúde no ano anterior ao estudo (Andersson et al., 2004) e os não-hiperfrequentadores, aqueles com quatro ou menos consultas médicas no mesmo período.
Os critérios de inclusão na amostra foram: idade 60 anos ou mais; estar cadastrado na UBS; atendimento médico no ano de 2017 na UBS da Granja do Torto; disponibilidade em responder aos questionários; e participação nas sessões de Terapias Expressivas (TE). Foram critérios de exclusão: déficit visual, auditivo ou de linguagem que dificultasse a comunicação; recusa em responder aos questionários aplicados; diagnóstico médico de Acidente Vascular Encefálico (AVE), depressão (em tratamento) ou doença de Alzheimer; mais de 25% ou mais de faltas nas sessões de TE; déficit cognitivo, aferido no Mini Exame do Estado Mental (MEEM).
No MEEM, as pontuações de corte utilizadas, segundo a escolaridade, foram: 17 para analfabeto, 22 de um e quatro anos de escolaridade, 24 com escolaridade de cinco a oito anos, e 26 para nove anos ou mais anos de escolaridade (Brucki et al., 2003). Os idosos que pontuaram abaixo da nota de corte foram excluídos da pesquisa.
Os idosos selecionados foram convidados, através de contato telefônico, a comparecerem à UBS da Granja do Torto, sendo agendada reunião para explicar os objetivos do estudo. Após os esclarecimentos adequados, os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Material
A coleta de dados foi realizada através de questionários versando sobre:
a. variáveis sociodemograficas (sexo, idade, raça/cor da pele, estado civil, escolaridade, renda mensal do idoso, aposentadoria (sim/não), religião e arranjo familiar;
b. variáveis relacionadas ao serviço de saúde: número de consultas médicas no último ano, distância em metros da residência do idoso para UBS, relato de internações nos últimos 12 meses;
c. avaliação do estado mental, através do Inventário de depressão de Beck e Inventário de Ansiedade de Beck, ambos validados no Brasil por Cunha (2001), Escala de Estresse Percebido validado para idosos no Brasil por Luft et al. (2007) e Escala de Solidão UCLA validada no Brasil por Barroso et al. (2016).
Procedimentos
Os idosos HF foram submetidos a sessões de TE, duas vezes por semana, com duração média de duas horas, durante 24 semanas. Os exercícios propostos nas sessões de TE foram adaptados da Biodança, sistema de integração e desenvolvimento humano orientado para a expressão das potencialidades humanas por meio da dança, exercícios de comunicação e vivências integradoras induzidas pela música (Toro, 1991).
Foi solicitado aos idosos HF que relacionassem as músicas de preferência na época de sua juventude, procurando-se, sempre que possível, utilizar nas sessões de TE músicas cantadas (em português). Além das músicas populares escolhidas pelos idosos, nas sessões foram utilizadas músicas eruditas, com o objetivo de produzir emoções de amor, carinho e felicidade, dançando-se com essas músicas.
Na intervenção, foram utilizadas as seguintes linhas de vivência da biodança: vitalidade/identidade, afetividade, criatividade e transcendência (Toro, 2002). Os exercícios utilizados nas sessões de TE na linha de vitalidade foram: caminhar sinérgico, melódico e celebrante, jogos de vitalidade, brincadeiras de olhar, exercícios de fluidez, roda de ativação progressiva e danças rítmicas. Na linha de criatividade tivemos: dança da semente, dança yang, dança yin, brincadeiras criativas buscando resgatar a alegria (dança lúdica em pares, brincadeiras de olhar). Incentivo da improvisação com criação de danças. Na linha de afetividade tivemos: roda de embalo, roda de comunhão, encontros afetivos em feedback, colo, ninho da espécie, abraços fraternais, caminhar de confiança e caminhar com motivação afetiva. Na linha de transcendência, executaram-se roda de reverência e batismo de luz. Algumas das atividades propostas pertencem concomitantemente a mais de uma linha de vivência como, por exemplo, o canto do nome e ouvir seu nome cantado pelo grupo de maneira melódica e afetiva, que integram as linhas de identidade e de afetividade (Toro, 1991; 2002).
No início de cada sessão, os idosos eram recebidos pelos pesquisadores com abraços e efusivas falas, demonstrando-se a satisfação por sua presença. A seguir, trocavam-se informações sobre o ocorrido com o grupo naqueles dias e apontavam-se as ausências observadas. Durante as sessões, estimulavam-se os idosos com mensagens positivas, como palmas, estalidos dos dedos ou estímulos verbais. Feito relatório por escrito de cada sessão, com registro num diário de campo dos fatos ocorridos e comportamentos de interesse dos participantes.
Foi criado grupo no WhatsApp com a participação de todos os idosos do GI que tinham acesso a essa tecnologia. Àqueles não incluídos nesse grupo, foi fornecida lista com os números dos telefones dos idosos do GI, estimulando-os para que se comunicassem e se visitassem, a fim de que formassem uma rede de apoio.
O grupo controle (idosos não HF) não realizou qualquer tipo de atividade programada durante as 24 semanas no qual feita a intervenção TE. Após esse período, ambos os grupos foram reavaliados.
Análise dos dados
Os dados foram processados e analisados através do programa SPSS-IBM (Statistical Package for Social Sciences), versão 20.0 for Windows, devidamente registrado para a pesquisa. Inicialmente realizada estatística descritiva, com medidas de tendência central e de dispersão (média e desvio padrão) e as medidas qualitativas por frequências relativa e absoluta. Em seguida, aplicado o teste de Shapiro Wilk a fim de verificar a normalidade dos dados. Na análise da associação entre os grupos (GI/GC) e as características sociodemograficas foram utilizados os testes de qui-quadrado de Pearson. Para comparação entre os momentos pré e pós intervenção, usada análise de variância multivariada para medidas repetidas MANOVA (2 grupos x 2 momentos) e aplicado o teste de Lambda de Wilk. Para todos os testes, considerado o nível de significância de p ≤ 0,05.
Resultados
Foram admitidos no estudo 160 idosos atendidos, durante o ano de 2017, na APS da Granja do Torto. Quando submetidos aos critérios de inclusão e exclusão do estudo, 69 idosos atenderam aos critérios de elegibilidade, sendo alocados no grupo de intervenção (idosos HF) e no grupo controle (idosos não HF). A figura 1 representa o algoritmo de progressão dos pacientes no ensaio clínico.
Os 69 idosos foram divididos em dois grupos, ficando: no GI, 32 (46,4%) idosos HF (com cinco ou mais consultas ao ano); e no GC, 37 (53,6%) idosos não HF (com menos de cinco consultas ao ano).
As variáveis sociodemograficas dos dois grupos são mostradas na tabela 1. A única variável sociodemografica estudada que mostrou diferença significativa entre os dois grupos foi a idade, com média de 73,97± 6,67 no grupo HF e 69,78± 6,78 no grupo não HF (p = 0,04). As variáveis raça, estado civil, escolaridade, nível de instrução, aposentadoria, renda mensal, religião e arranjo familiar não mostraram diferenças significativas entre os dois grupos.
Quanto à distância entre o Posto de Saúde e a residência do idoso, foi encontrada diferença significativa entre os grupos (p=0,03), havendo maior número de idosos morando mais longe do posto no grupo dos não HF apresentado na Tabela 1.
*Base do Salário Mínimo em 2018 (ano da coleta de dados): R$ 954,00
**Associação significativa (p ≤ 0,05) - Teste de Qui-quadrado.
Fonte: Dados da pesquisa (2018).
Quanto ao número de atendimentos médicos dos idosos na UBS da Granja do Torto no ano de 2017, o total de consultas no grupo de HF foi de 247 (M=7,72; DP=1,98) e no grupo de não HF de 94 (M=2,54; DP=1,12). No ano seguinte ao término da intervenção TE, este número foi de 153 (M=4,78; DP=2,80) no grupo de HF e 107 (M=2,89; DP=3,14) no grupo de não HF, com diferença significativa entre os grupos (p<0,001), com diminuição significativa do número de consultas no grupo de HF (Tabela 2).
Quanto ao estado mental, verificou-se diferenças significativas entre os idosos HF e não HF após o período de realização da intervenção TE. Nos HF, a pontuação média de depressão na pré-intervenção foi M = 10,72 (DP=8,35), diminuindo para M = 4,72 (DP=3,65) na pós-intervenção, enquanto houve aumento da depressão no grupo não HF (p < 0,001). Quanto à ansiedade, no grupo HF houve melhora significativa com M = 13,66 (DP=11,50) na antes e M = 11,50 (DP=12,15) na pós-intervenção, enquanto ocorreu aumento da mesma no grupo não HF (p= 0,05). Quanto à solidão, no grupo HF a média do escore inicial foi M = 18,16 (DP=14,17) e pós- intervenção foi de M = 15,91 (DP=13,92), enquanto o grupo não HF apresentou aumento dessa média nesse mesmo período (p=0,01). Com relação ao estresse, no grupo HF as médias antes e após intervenção foram de M = 22,03 (DP=8,24) e M = 18,00 (DP=10,05), respectivamente, enquanto no grupo não HF ocorreu aumento dessa pontuação no período final, com diferença significativa entre os grupos (p=0,006) (Tabela 2).
Discussão
No estudo atual, foi verificado que o estado mental dos idosos HF atendidos na APS modificou-se significativamente após as sessões de TE. Ocorreu significativa diminuição da depressão, ansiedade, solidão e estresse nesse grupo de idosos.
Durante as sessões de TE, nos idosos HF observou-se necessidade de compartilhar anseios, medos e frustrações, assim como queixas de sintomas físicos como dores generalizadas, tonturas e indisposição, dentre outras. Estes sintomas podem estar associados à falta de atenção e de afeto pois, foram diminuindo à medida que os encontros aconteceram e, em alguns casos, desapareceram. Vários idosos reclamaram da falta de reconhecimento de sua experiência e de seu saber, sentindo-se improdutivos e estigmatizados pela família e por seu grupo social. Foi possível observar, à proporção que realizadas as sessões de TE, que a troca de conhecimentos, carinhos, experiências, ideias, sentimentos e circulação permanente de afeto, permitiu que os vínculos afetivos se aprofundassem e se desenvolvesse a valorização do potencial humano e a harmonia do viver em coletividade.
Na pesquisa atual, verificou-se que os idosos HE ficam satisfeitos ao serem recebidos pelos pesquisadores nas sessões de TE, com paciência, atenção e diálogo no atendimento. A disponibilidade e a compreensão dos profissionais de saúde que coordenaram as sessões de TE mostrando, em grande escala, afetividade no cuidado aos idosos, aparentemente preencheu nos mesmos o desejo profundo de serem compreendidos em suas necessidades. Tal compreensão por parte desses profissionais foi passo fundamental para a humanização da assistência prestada e os desfechos positivos obtidos. A sensibilidade dos profissionais de saúde, ao perceberem os problemas emocionais do idoso, favorece a escuta e a busca de melhor tratar e informar o paciente, escolhendo o melhor momento e as palavras para explicar a situação de sua saúde, sempre ao nível de sua compreensão. Assim, quando recebem esta atenção de outros profissionais de saúde, podem diminuir suas visitas ao médico, pois já supriram suas necessidades com estes profissionais. Este foi um dos aspectos focado na pesquisa atual, sendo os idosos tratados com humanização pelos pesquisadores. Provavelmente, este foi um dos contribuintes para o resultado de diminuição no número de consultas ao médico da APS após a intervenção de TE.
A TE é atividade grupal que envolve música e atividade física (dança/movimento), dentro de uma estrutura psicoterapêutica, trabalhando o corpo por meio de coreografias criadas com músicas. Propicia atividade física, lazer, ludicidade, estimulação cognitiva, desenvolvimento da coordenação motora, autoestima e socialização. Os ganhos obtidos com o uso contínuo da dança, nas esferas física, cognitiva e social, contribuem para promoção da qualidade de vida dos participantes, facilitando a socialização e o conhecimento corporal, estimulando a criatividade, a memória e a coordenação motora. Assim sendo, pode ser aplicada em diferentes áreas e contextos como saúde, educação, instituições e comunidade (Bucho, 2013; Cassiano et al., 2009; Malchiodi, 2014).
Na pesquisa atual, como parte integrante da TE, a música promoveu alegria e satisfação aos idosos HF. As preferências musicais desses idosos eram de músicas populares durante os seus anos de juventude, em concordância com os dados de Gibbons citado por Moser (1998). Determinados tipos de música sugerem ideias e sentimentos devido a associações e a evocações, sendo que o valor terapêutico da música não está somente nos efeitos que o som provoca sobre o organismo e o psiquismo humano, mas no significado que é dado à música por cada ouvinte (Costa, 1989). As alterações fisiológicas que ocorrem com a música, como redução do estresse, não dependem somente se a música é sedante ou estimulante, mas do interesse despertado por ela em cada um dos ouvintes (Blasco, 1999). Por este motivo, foram feitas as histórias de vida sonoras de cada um dos idosos participantes da TE. As músicas que estão ligadas à história da pessoa podem possibilitar uma retrospectiva da vida, um reviver de lembranças e emoções relacionadas a eventos significativos que, por sua vez, podem facilitar o encontro da significação e do propósito da vida.
Ao participarem das sessões de TE, os idosos HF entraram em contato com suas emoções, convivendo com seus limites e, ao conhecer suas potencialidades e habilidades, puderam acreditar em si mesmos. Provavelmente, foram o cultivo de boas relações grupais, a aceitação e a inclusão, que surtiram efeitos positivos, levando à atenuação significativa da depressão, ansiedade, estresse e solidão. O trabalho grupal proporcionou através do contato com o outro, a oportunidade do idoso entrar em contato com seu próprio corpo, seus sentimentos e sua forma de pensar, descobrindo alternativas para se transformar em um ser social e produtivo.
Felizardo et al. (2019), ao realizarem revisão sistemática em grupos de promoção da saúde para idosos, constataram que a adesão dos participantes às intervenções contribuiu para socialização, possibilitando benefícios na saúde integral e na interação social, redução do tempo ocioso, adoção de estilos de vida saudáveis, assim como troca de saberes e experiências. Estas alterações proporcionaram efeito significativo nos estados emocionais, o que fomentou o envelhecimento saudável, com manutenção da autonomia e independência dessa população.
No estudo atual, em concordância com Paula et al. (2016), verificou-se que ação voltada para promoção da saúde com idosos na comunidade, destacando-se as relações sociais e a participação social, levou a desfechos positivos nesse grupo etário. O desenvolvimento das relações sociais com os outros é determinante para o desenvolvimento pessoal, sendo que o afeto e o carinho presentes em uma relação contribuem para sentimento de pertencimento a um grupo, possibilitando troca de apoio emocional. O apego, a ligação afetuosa, o vínculo afetivo, propiciam segurança e proteção. Focando na afetividade, que é o combustível para enfrentar novos desafios, e utilizando a TE, no trabalho atual os idosos melhoraram seu estado mental, possibilitando a criação de novos projetos e perspectivas de vida.
Cerdeira et al. (2017) relatam que a música assume relevante papel na memória afetiva dos idosos, retomando sentimentos e lembranças do passado nas músicas que marcaram histórias, lugares e eventos através de recordações musicais. Os temas musicais propiciam aos idosos uma redescoberta de suas emoções, contribuindo para aceitar o outro e liberar o inconsciente. Segundo esses autores, por meio da terapia com música, associando a prática de atividade física através da dança, são gerados benefícios para a saúde física, psicossocial e espiritual. A música proporciona alegria, disposição e relaxamento, além de trabalhar livre expressão, intercomunicação, criatividade e ativação da memória. Associada aos movimentos da dança, favorece o combate ao estresse, melhora a autoestima e estimula a aprendizagem afetiva, melhorando a qualidade de vida.
Vários profissionais da área da saúde utilizam a música para fins terapêuticos, como terapia complementar na adesão ao tratamento, visto que através da música os pacientes podem expressar seus conteúdos internos, apresentando melhora nos aspectos emocionais, diminuindo níveis de ansiedade e depressão, além de melhorar aspectos fisiológicos como pressão arterial, frequência cardíaca e respiratória. O ato de ouvir música pode produzir mudanças positivas no humor, restaurar a paz e o equilíbrio emocional, proporcionar relaxamento e diversão, assim como facilitar a expressão de sentimentos, tais como tristeza, raiva e luto (Barcellos, 2015; Seki & Galheigo, 2010).
A prática de atividade física regular proporciona efeitos benéficos para os idosos. Dentre as modalidades de atividade física para esse grupo etário, destaca-se a prática da dança, que influencia significativamente na melhoria da saúde física e psicológica, promovendo maior integração social. Nessa perspectiva, a dança é prática saudável para os idosos, sendo excelente meio de alívio das tensões do dia-a-dia com atenuação da ansiedade e do estresse, haja vista que enfatiza aspectos físicos, sociais, afetivos e cognitivos, além de estimular criatividade e autoestima, auxiliar nas mudanças de comportamento, melhorar raciocínio e ampliar comunicação (Miranda, 2017; Ramos et al., 2014). A prática semanal da TE possibilitou aos idosos o conhecimento de novas pessoas, fortalecimento de vínculos de amizade, interação e socialização, aumentando gradativamente o circuito de relacionamentos e o fortalecimento de afetos com outros participantes. Segundo Miranda (2017), o convívio grupal e as práticas semanais de dança melhoram o humor, reduzindo o estresse e a depressão, em concordância com os achados do trabalho atual. Essa prática, como forma de liberdade, incentiva o idoso a usar a linguagem corporal e romper com alguns desafios, dentre eles, se expressar por meio de ritmos, o que o leva a atribuir novo significado para a vida.
Os idosos do grupo HF diminuíram significativamente o número de consultas médicas na APS durante o período de um ano após o término das sessões de TE. Deve-se lembrar que o grupo de idosos HF se mantiveram no mesmo domicílio durante o período da pesquisa. Esta diminuição no número de consultas médicas reforça a importância do atendimento integral e intersetorial, o que exige presença de trabalho de equipe multidisciplinar e envolvimento de toda a sociedade. De acordo com Brasil (2017) e Alves et al. (2016), UBS devem ser potenciais espaços para educação em saúde, por meio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, prevenção de doenças e agravos e garantia de atendimento da demanda espontânea custo-efetivas. Os profissionais de saúde, conforme planejamento da equipe e inserção de abordagens adequadas, deverão atender à necessidade e demandas de saúde da população idosa incorporando diversas racionalidades em saúde.
Assim, a TE, como forma de intervenção para os idosos HF, fortalecendo os aspectos positivos da afetividade, proporcionou efeitos positivos nos aspectos físico, mental, psicológico e social, oportunizando a esse grupo vivenciar benefícios no seu estado mental, propiciando diminuição da depressão, estresse, solidão e ansiedade.
Os profissionais de saúde que cuidam dos idosos devem ser capacitados no atendimento a esse grupo populacional, buscando práticas de assistência mais humanizadas e que atendam à sua necessidade. Entre as estratégias a fim de manter os idosos no convívio em sociedade, estão atividades e atendimentos grupais, que permitem troca de carinho, afeto, experiências, ideias, sentimentos, conhecimentos e dúvidas. O atendimento grupal, propiciando a relação interpessoal democrática, contribui com benefícios significativos para a população idosa assistida na APS.
No grupo de idosos HF, é importante o suporte psicológico como condição de saúde mental. A troca socioafetiva constitui benefício coletivo para esse grupo de idosos, a fim de ter suas necessidades afetivas supridas. A criação e divulgação da participação social desses idosos em espaços públicos, com manifestações de afeto, auxilia o envelhecimento positivo, maior socialização, trocas de saberes e vivências, além de apoio mútuo e, como consequência, atenuação da solidão, depressão, estresse e ansiedade. Há, portanto, necessidade de ações preventivas com os idosos na direção de estímulo utilizando a intervenção de TE, com contato de diferentes gerações (e não só com idosos) e em diversos contextos.
O estudo atual trouxe o desafio de uma temática emergente, que foi a Saúde Mental para atenção integral à Saúde do Idoso assistido na APS. Verificou-se que, com ações relativamente simples de promoção à saúde, conseguiu-se diminuir o número de consultas médicas de idosos HF, melhorando a articulação e a efetivação de políticas integrais e intersetoriais. Nessa perspectiva, o médico de família e comunidade poderá potencializar a gestão do seu tempo, além de minimizar a redução do impacto econômico para os pacientes hiperfrequentadores. Assim, conclui-se que é imprescindível implantação de grupos de promoção de saúde em todas as UBS, visando um envelhecimento saudável com um cuidado holístico, fomentando qualidade de vida aos idosos.
Agradecimentos
Este artigo é fruto de muita dedicação e comprometimento da equipe executora.
Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Distrito Federal pelo fomento que permitiu a realização do projeto de pesquisa, por meio do Edital PPSUS EFD_00000119, aos Profissionais de Saúde da Unidade Básica de Saúde da Granja do Torto, DF e aos idosos pela disponibilidade em participar dessa pesquisa de forma voluntária, muito obrigado! “O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001”. A Universidade Católica de Brasília por oportunizar o Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Gerontologia e contribuir para o crescimento profissional e pessoal e a Universidade Federal do Tocantins.