A iniciação sexual precoce tem sido definida por alguns autores como ter relações sexuais antes dos 15 anos (Buttmann et al., 2014; Lewis et al., 2014; Thitasan et al., 2019; White Hughtoet al., 2016), e está associada a problemas de saúde pública, tais como contaminação por infeções sexualmente transmissíveis, gravidez na adolescência e abortos inseguros. Analisando os dados epidemiológicos, observa-se que a infeção pelo vírus HIV é a segunda maior causa de morte entre adolescentes no mundo (WHO, 2014), a gravidez acomete cerca de 21 milhões de jovens todos os anos e aproximadamente 3,9 milhões acabam sofrendo abortos (Darroch et al., 2016).
Dentro do contexto da puberdade, sabe-se que o álcool é a substância psicoativa mais consumida entre os jovens (Johnston et al., 2017) e alguns estudos tem mostrado associação entre consumo de álcool e a iniciação sexual precoce, fato que pode estar relacionado à redução do discernimento causada por essa droga (Pengpid & Peltzer, 2018). Há evidências de que existe redução considerável na região cerebral responsável pela tomada de decisões em jovens que consumiam álcool, o que pode torná-los vulneráveis a outros comportamentos de risco (Aiken et al., 2018; Squeglia et al., 2014).
Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi investigar a associação entre a iniciação sexual precoce e o consumo de álcool em adolescentes da cidade de Olinda, Brasil.
Método
Participantes
Trata-se de um estudo transversal, de base escolar que faz parte de um projeto maior intitulado “Atenção à saúde dos adolescentes nos serviços públicos em Olinda”, A amostra final consistiu em 1154 adolescentes com idade entre 13-18 anos, com um poder de 100%.
Vinte e duas escolas secundárias foram selecionadas aleatoriamente dentre as trinta e duas escolas públicas de Olinda, cidade da região metropolitana de Recife e a terceira maior cidade do estado de Pernambuco-Brasil (Olinda, 2018). Como não há divisões territoriais em relação à educação nesta cidade, as dez regiões Políticas Administrativas foram utilizadas para a delimitação geográfica, na tentativa de garantir que a amostra final representaria a população de estudo. A amostra foi selecionada por meio de técnica aleatória e estratificada por conglomerados em dois estágios (primeiro por escola e depois por turma). O Programa Randomizer, que fornece números aleatórios, foi usado para selecionar as unidades participantes, e os alunos regularmente matriculados nas escolas e nas classes selecionadas aleatoriamente que estavam presentes no dia da coleta foram convidados a participar do estudo.
Foram incluídos na amostra os adolescentes de ambos os sexos, na faixa etária do estudo, regularmente matriculados no ensino médio das escolas estaduais de Olinda-PE e que concordaram em participar da pesquisa. Por outro lado, foram excluídos os estudantes que deixaram de responder a pergunta nº 59 do questionário, relacionada a vida sexual ou que deixaram o questionário com 20% ou mais de questões não respondidas; bem como os estudantes com alguma deficiência ou disfunção que impossibilitasse o autopreenchimento do questionário.
Medidas
Variáveis sociodemográficas: as medidas auto-relatadas incluíram os dados referentes ao sexo, idade, cor/etnia e religião; sendo coletadas da seguinte forma: “Qualé o seu sexo?” (masculino vs. feminino); “Qual é a sua idade?” (12 anos ou menos, 13 anos, 14 anos, 15 anos vs. 16 anos, 17 anos, 18 anos, 19 anos ou mais); “Como você identifica sua etnia ou cor?” (branco vs. preto, pardo, amarelo, indígena); e “Qual é a sua religião?” (católica, evangélica, espírita vs. afro-brasileira, outras, nenhuma).
Iniciação sexual precoce: para determinar a idade da primeira relação sexual os participantes responderam a pergunta "Quantos anos você tinha quando você teve uma relação sexual?". Os alunos que relataram ter relações com menos de 15 anos foram classificados como sendo precoces (Buttmann et al., 2014; Lewis et al., 2014; Thitasan et al., 2019; White Hughto et al., 2016) e os que ainda não eram sexualmente ativos ou que iniciaram suas vidas sexuais com 15 anos ou mais foram categorizados como não precoce.
Idade da primeira dose de álcool: a pergunta “Que idade você tinha quando tomou a primeira dose de bebida alcoólica?” foi usada para determinar se o contato com esta substância foi precoce ou não. Os participantes que responderam terem consumido álcool com menos de 15 anos foram categorizados como sendo precoces (Asbridge et al., 2016).
Beber em binge: A prática de binge foi determinada através da pergunta “Durante os últimos 30 dias, em quantos dias você tomou 5 ou mais doses de bebida alcoólica em uma mesma ocasião?” Para a análise dos dados as categorias foram agrupadas em não (nenhum dia) e sim (1 dia, 2 dias, 3-5 dias, 6-9 dias, 20-29 dias, todos os 30 dias) (Samhsa, 2014).
Procedimentos
Os dados foram coletados entre abril e agosto de 2014, usando o questionário validado e adaptado para o português do Brasil Youth Risk Behavior Survey, que é auto-explicativo e possui um módulo relacionado ao comportamento sexual (Guedes & Lopes, 2007). Esta ferramenta foi desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde com assistência do Center for Disease Control and Prevention.
Inicialmente um estudo piloto foi realizado para calibrar, padronizar e treinar a equipe de pesquisa, composta por professores e alunos da Faculdade de Odontologia de Pernambuco e do Programa de Pós-graduação em Hebiatria da Universidade de Pernambuco. A coleta dos dados ocorreu através da aplicação coletiva dos questionários na sala de aula, onde os participantes estavam constantemente assistidos pelos pesquisadores que permitiram esclarecimentos de possíveis dúvidas. Depois de responder, os participantes devolviam seus questionários em um envelope de cor parda, garantindo assim seu anonimato.
Após a coleta, os dados foram digitados com dupla entrada no programa EpiData 3.1 e a análise estatística foi feita com a ajuda do programa SPSS versão 20.0. Análise multivariada (regressão logística binária) foi utilizada para avaliar a associação entre o início sexual precoce com os fatores sociodemográficos e os padrões de consumo de álcool. A medida de associação utilizada foi o Odds Ratio (OR) com o correspondente intervalo de confiança de 95% (IC). As variáveis usadas como ajuste foram as variáveis sociodemográficas que apresentaram significância. Além disso, uma análise estratificada para o gênero também foi realizada para testar associação entre início precoce com os padrões de consumo de álcool, uma vez que se admite as peculiaridades entre os gêneros para essas variáveis (Aiken et al., 2018).
O estudo respeitou a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde e aprovação ética do Comitê de Ética da Universidade de Pernambuco (CAAE: 13800813.7.0000.5207), sendo a aprovação pela Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco obtida antes do início da coleta. Confidencialidade e anonimato foram mantidos para os participantes da pesquisa. Os adolescentes com mais de 18 anos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e os menores de 18 assinaram o Termo de Assentimento e obtiveram o Consentimento Passivo de seus responsáveis.
Resultados
Nota: a. p-valor: Teste de chi-quadrado; b. Ajustado para sexo, idade, etnia e religião; c. Ajustado para sexo e religião.
Um total de 1154 adolescentes participaram do estudo, dos quais 47,7% (551) já tinham vida sexual ativa, sendo a idade média para o primeiro sexo de 14,35 anos. Ao todo, 24,0% (277) tinham menos de quinze anos na primeira relação sexual. Entre os fatores sociodemográficos, o sexo e a religião apresentaram forte associação com o início precoce. Em relação aos padrões de consumo de álcool, observou-se associação entre aqueles que beberam em binge nos últimos 30 dias e os que tinham menos de 15 anos quando tomaram a primeira dose de bebida alcoólica (Quadro 1).
A análise estratificada para o sexo mostrou associação estatística entre iniciação sexual precoce com a idade da primeira dose de álcool e a prática de binge nos últimos 30 dias para ambos os sexos, como mostra o Quadro 2.
Discussão
O presente estudo teve como objetivo investigar a associação entre a iniciação sexual precoce e o consumo de álcool em adolescentes da cidade de Olinda, Brasil. Dos 1150 participantes, destaca-se que uma parcela significativa, quase ¼ dos adolescentes tiveram relações com menos de 15 anos. Embora o Brasil seja um país majoritariamente cristão e ainda relativamente conservador, a prevalência da iniciação sexual precoce foi maior do que a de países mais liberais, como os Estados Unidos ou países do norte Europeu (Kastbom et al., 2015; Lewis et al., 2014; Thitasan et al., 2019). Essa peculiaridade pode ser atribuída a exposição precoce de jovens a conteúdo sexual, do processo de globalização e a alta popularidade das mídias sociais no Brasil (Reis et al., 2014).
Através da análise bivariada e multivariada verificou-se significância estatística para a associação com o sexo e a religião dos participantes. A valorização da castidade feminina, (seja por seus preceitos culturais e/ou sociais) ainda é uma realidade atual que tem sido discutida em estudos recentes (Bhana, 2016; Pinsky, 2016). O reflexo deste conservadorismo pode ser visto no presente estudo, pois as chances dos meninos iniciarem suas vidas sexuais precocemente foram quase quatro vezes maior quando comparado às meninas na análise ajustada. Entretanto, deve-se considerar a possibilidade de parte das moças não terem sido francas ao responderem o questionário devido aos preceitos conservadores e sociais, que vêem a sexualidade feminina como moralmente errada, enquanto que para os rapazes o início precoce parece refletir um estigma positivo, afirmando sua masculinidade. Mesmo as moças que admitiram já ter uma vida sexual ativa podem ter aumentado deliberadamente a idade da primeira relação sexual, por medo de se expor a tabus sexistas ainda vigentes (Lyons et al., 2013).
Os adolescentes que se declararam sem religião ou praticantes de religiões de origem não-cristã tiveram 1,68 mais chances de iniciar suas vidas sexuais precocemente quando comparados aos cristãos. A religião é conhecidamente um fator protetor para alguns comportamentos de risco, especialmente aquelas com bases mais conservadoras, como o cristianismo, cujo dogma da castidade ainda é bastante valorizado e acaba interferindo na forma como os adolescentes encaram suas sexualidades (Gómez-Bustamante & Cogollo-Milanés, 2015; Sam & Willoughby, 2017).
Em relação ao álcool, observou-se que quanto mais prematuro for o contato com esta substância psicoativa, maiores foram as chances do início sexual precoce ocorrer, chegando a ser até 2,98 vezes mais na análise ajustada. Um destaque maior deve ser dado para as adolescentes do sexo feminino, pois para elas as chances chegam a 3,29 vezes maiores. É comum que os jovens usem esse tipo de substância na busca de uma maior desinibição, mas por outro lado, se tornam mais vulneráveis (Azevedo et al., 2015; Domingues et al., 2014). Além disso, sabe-se que quanto mais precoce for a exposição ao álcool maiores serão as chances de um futuro consumo compulsivo, o que pode trazer riscos consideráveis a saúde destes jovens (Aiken et al., 2018).
Também observou-se associação entre o início sexual precoce e a ingestão excessiva de álcool, onde as chances foram 2,78 vezes maiores do início precoce ocorrer entre os adolescentes que beberam em binge. O cérebro dos adolescentes é mais sensível a substâncias psicoativas, e beber em binge pode causar desordens neurológicas (Bohnsack et al., 2019). Além disso, é comum que os jovens bebam para socializar em ambientes longe do monitoramento parental, tornando-os vulneráveis a possíveis parceiros sexuais, apesar de não estarem totalmente prontos para isso (Sznitman & Engel-Yeger, 2017). Pode-se assim considerar o retardo do contato com álcool como uma interessante estratégia para prevenir a iniciação sexual precoce e, consequentemente, os demais comportamentos de risco que estão atrelados ao consumo dessa substância (Doran & Waldron, 2017).
Além do desenho transversal que impede inferir as relações causais entre as variáveis, este estudo possui outras limitações, entre elas o assunto abordado, que por representar um tabu pode levar os adolescentes a escolherem respostas mais aceitáveis socialmente. Por isso, os tabus sexistas devem ser levados em consideração ao longo da nossa análise dos resultados. Vale ressaltar ainda que utilizamos a idade biológica para determinar a precocidade na prática sexual, no entanto, existem outros fatores psicossociais que devem ser levados em consideração, como peculiaridades culturais e fatores cognitivos inerentes a cada indivíduo. Portanto, alguns resultados evidenciados aqui não devem ser generalizados para todos os adolescentes sendo interessante a minimização de tais limitações em estudos futuros.
Através destes achados, é possível afirmar que o padrão de consumo do álcool é um fator importante na associação com o início sexual precoce para ambos os sexos. Além disso, sugere-se a implantação e/ou implementação de políticas públicas voltadas para a promoção da saúde sexual de adolescentes considerando o consumo de álcool como fator que pode contribuir para comportamentos sexuais de risco deflagrados pelo início precoce.
Contribuição dos autores
Laura Moraes: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Redação do rascunho original
Carolina da Franca: Aquisição de financiamento; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Supervisão; Redação - revisão e edição
Paula Valença: Investigação; Redação - revisão e edição
Valdenice Menezes: Aquisição de financiamento; Investigação; Redação - revisão e edição
Viviane Colares: Aquisição de financiamento; Investigação; Redação - revisão e edição
Patrícia Zarzar: Investigação; Redação - revisão e edição
Mirian Cardoso: Investigação; Redação - revisão e edição
Maria Cecilia Tenorio: Investigação; Redação - revisão e edição