Os comportamentos de risco relacionados à saúde cada vez mais vêm tomando espaço em pesquisas científicas (Alwan, 2011; Meireles et al., 2015; Sousa et al., 2010). Investir nessa área de pesquisa se dá ao fato de que determinados comportamentos de risco na adolescência podem vir a surgir de maneira precoce na vida do adolescente (Galán et al., 2013), bem como refletir nas fases subsequentes da vida, podendo alterar de forma negativa a saúde do adolescente (Afridi et al., 2013).
Essa saúde caracterizada de forma negativa, pode sinalizar a presença de determinados comportamentos que possam vir a afetar as fases subsequentes a da adolescência (Christian et al., 2011; Meireles et al., 2015; Wiklund et al., 2012). A autopercepção de saúde é uma medida que vem sendo cada vez mais utilizada em inquéritos de saúde (Currie et al., 2004; Galán et al., 2013; Meireles et al., 2015), que pode indicar problemas de saúde em adultos, e maior risco de mortalidade em idosos (Pavão et al., 2013), tendo então uma carência de estudos quando relacionada a fase da adolescência uma vez que essa fase é um período crucial para a adoção de novos estilos de vida, percepções de saúde e comportamentos de risco (Loch & Possamai, 2007; Richter et al., 2012).
Os comportamentos de riscos modificáveis como baixo nível de atividade física, tabagismo, etilismo e envolvimento com outras drogas (Brito et al., 2015; Farias Júnior et al., 2011; Spein et al., 2013) geralmente tem início na adolescência, e quando não são interceptados podem levar a agravos de saúde como por exemplo doenças crônicas não transmissíveis (Eaton, 2006) causas de morbidade e mortalidade em adultos e idosos e doenças crônicas degenerativas (Malta et al., 2010; Twisk et al., 2001).
Logo, é importante responder se a autopercepção negativa em saúde pode sinalizar a presença de comportamentos modificáveis a saúde dos adolescentes, obtendo material para implementação de políticas públicas a fim de alterar os riscos modificáveis na adolescência melhorando o status de autopercepção de saúde dos mesmos bem como obtendo um reflexo positivo para as fases subsequentes da vida. Sendo assim, o objetivo do estudo é apresentar a prevalência da autopercepção negativa em saúde de adolescentes bem como apontar se existe associação com comportamentos de risco modificáveis a saúde (uso de álcool, tabaco, maconha e inatividade física) em adolescentes, escolares do município de Olinda - PE.
Método
Trata-se de um estudo de corte transversal, de caráter descritivo e analítico com base escolar, que representa parte de um projeto maior, que tem por título “Atenção à saúde do adolescente nos serviços públicos de Olinda” no qual se avalia diferentes condutas de saúde entre os adolescentes. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade de Pernambuco (CEP/UPE: 568.996) conforme preconizado pelo CONEP através da Resolução do Conselho Nacional de Saúde Nº 466/2012, que trata da pesquisa envolvendo seres humanos, resguardando os princípios éticos da justiça, beneficência e da não maleficência. Além disso, a presente pesquisa teve a anuência da gerência regional de educação - Metropolitana Norte, nos disponibilizando também dados sobre o senso escolar do ano 2016.
Participantes
A população alvo considerou estudantes da rede pública estadual de ensino médio do município de Olinda-PE, com idade entre 12 a 19 anos. O cálculo amostral foi realizado no site OpenEpi considerando os seguintes parâmetros: Nível de significância 95%, poder de 80, razão de expostos/não expostos de 1, % não expostos positivos 32, % expostos positivos 25 e um Odds Ratio de 0,71, chegando a um total de 1.378 adolescentes. Com objetivo de reduzir as perdas (recusas) na aplicação do estudo, decidiu-se então aumentar em 20% o número da amostra relacionado às perdas, bem como um efeito de cluster de 1,5 chegando-se então a uma amostra mínima a ser alcançada de 2.481 adolescentes.
Como o município de Olinda não há divisão territorial em relação à educação foram consideradas, para distribuição geográfica das escolas, as dez regiões político administrativas para saúde (RPA) para melhor garantir que os estudantes representassem a população alvo, bem como o tamanho da escola e o turno (matutino/vespertino). Na seleção dos sujeitos recorreu-se a amostragem aleatória estratificada por conglomerados em dois estágios, sendo a “escola” e a “turma” as unidades amostrais no primeiro e no segundo estágio, respectivamente. No primeiro estágio, adotou-se o tamanho da escola e seu porte. No segundo estágio, considerou-se a quantidade de turmas nas escolas sorteadas por período de estudo (matutino/vespertino) e séries de ensino (1ª, 2ª e 3ª ano do ensino médio).
Material
A variável dependente desse estudo foi a “Autopercepção negativa de saúde” que é dada a partir da seguinte pergunta: De maneira geral como você classifica sua saúde? E a resposta dada da seguinte maneira: Nada Saudável; Não Muito Saudável; Saudável Bastante Saudável; Completamente Saudável. Para fins de analise as alternativas foram categorizadas de forma dicotômica: Positiva (Saudável/ Bastante Saudável/Completamente Saudável) e negativa (Nada Saudável/Não Muito Saudável) (Galán et al., 2013; Meireles et al., 2015; Spein et al., 2013).
As variáveis sociodemográficas analisadas nesse estudo foram: Sexo (masculino/feminino); idade (12 a 15/16 a 19) e renda familiar (até 1 salário/ >1 salário). Quanto aos comportamentos de risco modificáveis, os mesmos foram avaliados a através do questionário “Youth Risk Behavior Survey” (YRBS), versão 2013, foram analisadas: Prática de atividade física (Ativo fisicamente >300min/sem; Inativo fisicamente <300min/sem); prática esportiva (sim/não); uso de bebida alcoólica na vida (sim/não); uso de tabaco na vida (sim/não); uso de maconha (sim/não).
Procedimento
Para coleta dos dados, foi utilizado um questionário autoaplicável. Esse questionário foi aplicado em sala de aula, sem a presença dos professores, com todos os alunos presentes no dia da coleta e que concordaram em participar do estudo. Os estudantes foram acompanhados por dois aplicadores, devidamente treinados que auxiliaram no esclarecimento das dúvidas e preenchimento do questionário. Os alunos foram informados que sua participação era voluntária e que os questionários não continham qualquer tipo de identificação pessoal, bem como poderiam desistir a qualquer momento da coleta de dados. Foi entregue um termo de consentimento negativo, para os pais dos adolescentes menores de 18 anos para permitir a participação do mesmo no estudo. Todos os estudantes assinaram também o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) afirmando a concordância em participação.
Em relação a análise estatística, os dados foram tabulados no programa EpiData versão 3.1 e as análises estatísticas realizadas no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22 para Windows. As diferenças entre as variáveis categóricas foram avaliadas pelo Qui-quadrado de Pearson (p<0,05). Realizou-se regressão logística binária stepwise para analisar os fatores associados à autopercepção em saúde (0: nenhum risco, 1 grupo de risco), a mesma foi a variável dependente e todas as variáveis com ‘valor p’ inferior a 0,25 no teste de qui-quadrado como variáveis independentes. No modelo de regressão final (modelo ajustado II) o sexo e idade foram considerados como uma covariável. A significância estatística foi estabelecida em α=0,05.
Resultados
A amostra final do estudo foi composta por 2.536 adolescentes (perdas e recusas totalizaram aproximadamente 2,9% dos casos). Mais da metade dos adolescentes participantes eram do sexo feminino (54,8%) e estavam na faixa etária entre os 16 a 19 anos (66,2%). Os comportamentos modificáveis variaram entre 14,7% para utilização de maconha e 83% de inativos fisicamente, os demais comportamentos dos adolescentes estão presentes no Quadro 1.
Entre os adolescentes escolares avaliados, a prevalência da autopercepção negativa em saúde foi de 26,7% (32,9% para as moças e 19,1% para os rapazes p<0,001). Apenas o nível de atividade física não se manteve associado a autopercepção negativa em saúde (Quadro 2).
Entre os comportamentos de risco modificáveis, apenas o nível de atividade física não foi associado a autoperceção negativa em saúde na análise bruta (OR: 1,07; IC95% 0,89-1,28). O uso de tabaco e álcool, independente dos outros comportamentos modificáveis e ajustados pelo sexo e idade permaneceram associados ao desfecho, como pode ser observado no Quadro 3.
Discussão
O presente estudo determinou a prevalência da autopercepção negativa em saúde, bem como analisou os fatores de risco modificáveis associados em adolescentes do município de Olinda - PE. A prevalência da autopercepção negativa em saúde (26,7%), foi superior a prevalência encontrada em estudos nacionais (Loch et al., 2007; Meireles et al., 2015; Sousa et al., 2010) inclusive a estudos realizados no Nordeste como por exemplo o estudo de Mendonça e Cazuza (2012) que apontou que 15,8% dos adolescentes de João Pessoa - PB apresentam uma autopercepção negativa em saúde. Essa diferença de percentual pode estar relacionada ao público abordado uma vez que o estudo de João Pessoa foi realizado com adolescentes de escolas públicas e privadas da região, o que pode ter influência do ponto de vista socioeconômico bem como na variação regional.
Em relação às características sociodemográficas a autopercepção negativa foi mais frequente entre as moças quando comparado aos rapazes (32,9% vs. 19,1% - p<0,001). Esse resultado é apresentado com frequência em outros estudos (Meireles et al., 2015; Sousa et al., 2010; Spein et al., 2013), existindo poucos estudos apontando maiores percentuais de rapazes com uma autopercepção negativa em saúde quando comparado às moças (Brito et al., 2015; Richter et al., 2012). A explicação para percepção negativa de saúde mais frequente entre as moças pode estar associada à sensibilidade destas em perceberem alterações fisiológicas (Mendonça & Farias Júnior, 2012) e ao fato de serem mais atentas a saúde, além de a saúde de forma mais global (Loch et al., 2007; Shadbolt, 1997).
Considerando a idade assim como em estudos correlatos (Christian et al., 2011; Currie et al., 2004; Sousa et al., 2010) a autopercepção negativa foi superior em adolescentes mais velhos. Acredita-se que, com o aumento da idade, os adolescentes passem a perceber a saúde como um construto que vai além da ausência de doenças (Pavão et al., 2013; Sousa et al., 2010). Deve-se considerar também que eles começam a se deparar com uma gama de desafios menos evidentes nas idades iniciais da adolescência (Christian et al., 2011).
Adolescentes pertencentes à família com baixa renda também se mostraram associados a uma autopercepção negativa, o que pode ser decorrente da maior exposição a fatores adversos a saúde nesse subgrupo (Christian et al., 2011). Sabe-se que a ren da representa um componente determinante no maior acesso a outras formas de atividades de lazer, educação, moradia e serviços de saúde. Consequentemente, um poder aquisitivo superior tende a atuar como um mediador do nível de saúde percebida (Loch et al., 2007).
Diversos comportamentos de riscos à saúde têm se associado à autopercepção negativa em saúde dos adolescentes (Brito et al., 2015; Sousa et al., 2015; Spein et al., 2013). O presente estudo visou investigar se os comportamentos modificáveis (uso de álcool, tabaco, maconha, e baixa prática de atividade física) estão associados à autopercepção negativa em saúde de adolescentes. A mídia retrata que o consumo abusivo de álcool está associado à alegria e socialização, podendo induzir os adolescentes a não perceberem que o uso abusivo do álcool como prejudicial à saúde (Laranjeiras & Romano, 1999). Estudos realizados no Brasil não apontam uma relação entre o uso de álcool e a autopercepção negativa em saúde de adolescentes (Meireles et al., 2015; Sousa et al., 2010). Dados opostos foram apresentados em nossos resultados, onde adolescentes que alegaram já ter usado álcool na vida apresentaram 1,54 vezes mais chances de apresentar uma autopercepção negativa em saúde (IC95% 1,27-1,86).
Quanto ao uso de tabaco, os adolescentes que alegaram ter fumado alguma vez na vida apresentaram 1.55 (IC95% 1,28-1,87 - p<0,001) vezes mais chances de apresentar uma autopercepção negativa em saúde quando comparados aos adolescentes que não fumaram na vida. Em estudo realizado no Paquistão e no Brasil, adolescentes que usaram ou usam tabaco apresentaram maiores chances de avaliarem negativamente sua saúde (Afridi et al., 2013; Meireles et al., 2015) reforçando que os adolescentes veem o uso de tabaco como algo prejudicial à saúde.
O uso de drogas ilícitas, regular ou esporádico, repre senta um comportamento relacionado com níveis negativos de saúde percebida (Wade & Vingilis, 1999). Em relação às drogas ilícitas o presente estudo analisou apenas o uso de maconha na vida em adolescentes, por ser um tipo de droga ilícita mais leve quando comparado a outros tipos, minimizando o viés de informação. Em nossos resultados, o uso de maconha se manteve associado com a autopercepção negativa em saúde (p<0,001). No estudo de Souza et al, (2010), os adolescentes que não responderam as questões relacionadas ao uso de drogas ilícitas apresentaram uma maior chance de apresentar uma autopercepção negativa em saúde. Essa abstenção de informação revela a dificuldade de se discutir tais questões e o receio de afirmar a possível experiência. Após a realização dos ajustes nas analises I e II do modelo de regressão, o uso de maconha perdeu a força em ambos os modelos.
Estudos comprovam que a prática esportiva por adolescentes está relacionada a conceitos positivos de saúde e manutenção da saúde (Nery, 2009; Santos et al., 2016). Em nossos resultados, adolescentes que alegaram não participar de nenhuma equipe esportiva apresentaram 1,36 vezes mais chances de ter uma autopercepção negativa em saúde (p<0,001). No modelo de regressão II, independente dos outros comportamentos de risco, ajustado por sexo e idade essa variável perdeu a força em relação a sua associação com a autopercepção negativa em saúde.
Em relação ao nível de atividade física, a mesma foi categorizada de acordo com Prochaska, Sallis, e Long (2001) (ativo fisicamente >300 min/sem; inativo fisicamente <300min/sem) no qual observou-se uma enorme prevalência de adolescentes inativos fisicamente (83,2% do total da amostra onde destes 27,1% apresentaram uma autopercepção negativa). Porém, os dados não se mostraram estatisticamente significativo, o que pode ter sofrido influência da forma de avaliação. Esses achados ainda não estão claros na literatura, sendo observado estudos que mostram uma associação (Eaton et al., 2005; Laranjeiras et al., 2004; Shadbolt, 1997) e outros nenhuma associação (Farias Junior et al., 2011; Meireles et al., 2015; Sousa et al., 2010) com o nível de atividade física. Contudo, estudos que consideraram prática esportiva ou de exercício físico independente do tempo praticado se mantiveram associados a autopercepção negativa em saúde (Breidablik et al., 2008; Pastor et al., 2003).
O presente estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas. Por tratar-se de um estudo de base escolar, e realizado em escolas públicas não é possível generalizar os dados para todos os adolescentes do município de Olinda - PE. Em relação ao delineamento transversal, é importante ressaltar que pode ocorrer um viés de causalidade nas respostas. Destaca-se também que a autopercepção de saúde representa o modo em que se percebe a saúde, outros aspectos como autoestima, pessimismos/otimismos podem interferir nas respostas para aquela ocasião. Diante mão, este estudo apresenta pontos positivos que merecem ser destacados. O tamanho da amostra, bem como a representatividade de adolescentes do ensino médio com uma ampla faixa etária (12 a 19 anos) e diferentes características sociodemográficas. Ressalta-se que todos os procedimentos metodológicos foram aplicados com ética, bem como a utilização de instrumentos previamente testados e validados com níveis aceitáveis de reprodutibilidade, aplicados por pessoas treinadas aponta-se como outro ponto forte desse estudo.
A autopercepção negativa em saúde, que é uma variável simples de ser obtida, apresentou-se como sinalizadora de comportamentos de risco modificáveis nos adolescentes. A presente variável se manteve associada ao uso de drogas bem como a não participação em equipes esportivas nos adolescentes analisados. Ações realizadas no âmbito escolar e comunitário, a fim de dar suporte à adoção de estilos de vida mais saudáveis bem como a diminuição da adesão de comportamentos de riscos modificáveis poderá vir a moldar o status de saúde na adolescência, refletindo de forma positiva nas fases subsequentes da vida.
Contribuição dos autores
Bruno Silva: Coleta de dados, Curadoria dos dados, Investigação, Administração, Validação, Redação do rascunho original
Priscila Andrade: Análise formal dos dados, Redação - revisão e edição
Alison Oliveira: Análise formal dos dados, Redação - revisão e edição
Israela Lins: Coleta de dados, Curadoria dos dados, Investigação, Administração, Validação, Redação do rascunho original
Laura Moraes: Coleta de dados, Curadoria dos dados, Investigação, Administração, Validação, Redação do rascunho original
Viviane Colares: Metodologia, Administração do projeto, Supervisão
Paula Valença: Metodologia, Administração do projeto, Supervisão
Carolina da Franca: Metodologia, Administração do projeto, Supervisão