A adolescência corresponde a um período de transição entre a infância e a vida adulta, caracterizado pelos impulsos do desenvolvimento físico, mental, emocional, sexual e social e pelos esforços do indivíduo em alcançar os objetivos relacionados às expectativas culturais da sociedade em que vive. A palavra adolescência deriva do latim “adolescere” significa “fazer-se” homem/mulher ou “crescer na maturidade” (Spezzia et al., 2014)
Diante dos vários problemas e desafios que surgem nessa fase da vida, o bullying é reconhecido como um problema relacional que está presente entre crianças e jovens em idade escolar (Olweus, 2013) e configura-se como uma modalidade de violência na escola, como forma de poder entre os pares, por meio de agressões tanto de cunho físico, como psicológico (Costa et al., 2015; Limber et al., 2013).
Durante a adolescência, o bullying na escola é um fator potencialmente estressante que pode resultar em distúrbios psicossociais (Olweus, 2013). Uma das diversas consequências destes distúrbios psicossociais existe o bruxismo assim como: o estresse, os traços de personalidade ansiosa, responsabilidades em lidar com tarefas e perdas têm sido relacionados à sua causa. Essa condição caracteriza-se pelo ranger ou apertar dos dentes, o qual pode ocorrer durante o sono ou em vigília (Serra-Negra et al., 2012; Serra-Negra et al., 2014).
Estudos afirmam que o bruxismo apresenta impacto negativo na qualidade de vida dos escolares, principalmente nos domínios, limitações funcionais e alterações no bem-estar social. Devido ao estresse do dia a dia ser cada vez mais percebido em crianças e adolescestes, torna-se necessário a detecção precoce no intuito de impedir a instalação de males ainda maiores e o comprometimento da qualidade de vida do indivíduo (Antunes, 2015; Sousa et al., 2018; Strausz et al., 2010).
Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a associação entre bruxismo e bullying e fatores associados em adolescentes escolares da rede estadual de ensino de Olinda na faixa etária de 14 a 19 anos de ambos os sexos.
Método
Participantes
Trata-se de um estudo piloto do tipo transversal e de base escolar e foi realizado na cidade de Olinda, município do estado de Pernambuco, Brasil. A amostra correspondeu a 10% da população referente ao estudo maior, sendo obtido o valor de 234 adolescentes através do programa OpenEpi versão 3.3. Os critérios de inclusão para compor a amostra foram: estudantes de ambos os sexos, na faixa etária de 14 a 19 anos e regularmente matriculados no ensino médio das escolas públicas estaduais. Os critérios de exclusão foram: os estudantes com alguma deficiência ou disfunção que impossibilitasse o autopreenchimento do questionário.
Material
Os instrumentos para coleta de dados utilizados foram a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE, 2012), realizada pelo IBGE, no qual foram obtidas as informações relacionadas à saúde do adolescente e a presença do bullying. O tópico “análise dos comportamentos de risco” continha dois quesitos relacionados a presença de bullying ou cyberbullying, a saber: “Nos últimos 12 meses, você sofreu bullying na sua escola” e “Nos últimos 12 meses, você sofreu bullying virtual, incluindo e-mail, salas de bate-papo, mensagens instantâneas (whatsapp), sites (facebook) ou por meio de mensagens de texto?”. Considerou-se como associação positiva se o adolescente respondeu “sim” para uma das duas perguntas.
Os dados relativos à presença do bruxismo foram coletados por meio de três questionamentos contidos no instrumento Critérios Diagnósticos de Pesquisa em Disfunção Temporomandibular (RDC/TMD), desenvolvido por Dworkin e LeResche em 1992 e validado no Brasil por Lucena et al. (2006). As três perguntas a serem usadas foram: “Você já percebeu ou alguém falou que você range (ringi) ou aperta os dentes quando está dormindo?”; “Durante o dia, você range (ringi) ou aperta os seus dentes?”; “Você sente a sua mandíbula (queixo) “cansada” ou dolorida quando acorda pela manhã?”.
As informações foram digitadas em dupla entrada no software Epidata 3.3 e os erros encontrados na validação foram corrigidos. A análise de dados foi feita com base no banco do SPSS (versão 20). A avaliação do perfil dos alunos foi realizada com os calculos das frequências e percentuais, sendo construídas as respectivas distribuições de frequência. Para comparar os percentuais encontrados nos níveis dos fatores avaliados foi aplicado o teste Qui-quadrado afim de comparar proporção. Ainda, foram calculadas as prevalências do bullying escolar e cyberbullying sofrido pelos alunos, assim como a prevalência do bruxismo noturno e em vigília. Para avaliar a associação do perfil dos alunos e da ocorrência de bullying com o bruxismo, foram construídas as tabelas de contingência e aplicado o teste Qui-quadrado para independência. Nos casos em que as suposições do teste Qui-quadrado não foram satisfeitas, foi aplicado o teste Exato de Fisher. A razão de chances (OR, odds ratio) foi calculada com intervalo de confiança de 95%. Todas as conclusões foram tiradas considerando o nível de significância de 5%.
Procedimento
Este projeto foi desenvolvido de acordo com a resolução no 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 76609817.1.0000.5207), com a anuência da secretaria de educação do estado de Pernambuco. Os adolescentes maiores de 18 anos convidados a participar desse estudo assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os menores de 18 anos obtiveram a participação no estudo através da autorização dos pais ou responsáveis por meio do TCLE e assinaram o Termo de Assentimento (TALE) afirmando que gostariam de participar da pesquisa.
Resultados
A amostra final do estudo foi de 234 adolescentes. No tocante as características demográficas, 61,9% dos adolescentes eram do sexo feminino, 60,3% tinham idades entre 14 a 16 anos e 62,0% eram de cor amarela/preta/indígena. As prevalências de bullying e bruxismo na amostra geral foram 26,1% e 33,0%, respectivamente. (Quadro 1). Com relação ao sexo observou-se uma prevalência maior nas meninas tanto do bullying (25,7%) quanto do bruxismo (36,8%) e com relação a faixa etária os mais velhos com idades entre 17 a 19 anos apresentaram uma prevalência maior de bruxismo (33,3%) e nos mais novos com idades 14 a 16 anos foi observada uma maior prevalência de bullying (30,7%) ( Quadro 2 e Quadro 3).
O quadro 2 apresenta a associação entre características demográficas, bullying e bruxismo. Nenhuma associação foi observada entre sexo (p=0,940) e idade (p=0,095) com a prevalência de bruxismo. Por outro lado, foi possível observar uma associação estatisticamente significante indicando maior prevalência de bruxismo nos adolescentes que sofreram bullying (44,3% vs. 29,1%; p=0,030). Como apresentado no quadro 3, não foi possível observar uma associação estatisticamente significante entre sexo, idade e bullying.
Discussão
A pesquisa mostrou uma prevalência de bruxismo em 33%, da população estudada sendo maior que a de estudos anteriores que tiveram como resultado uma prevalência de 22,2% em indivíduos de ambos os sexos (Sousa et al., 2018), e se distância de resultados como o que encontrou uma prevalência de 15,3%, e pode ser justificado com o fato de que as populações estudadas possuíam faixas etárias e características sociodemográficas diferentes como renda e escola pública e particular (Fulgêncio, 2016). A prevalência de bullying foi 26,1% do total da amostra, um número muito próximo a outros estudos como o de Andrade (2012) onde 20,8% dos alunos foram vítimas de algum destes comportamentos uma ou duas vezes durante o ano letivo. Também se identificou uma prevalência de 38,1% de bullying em adolescentes de ambos os sexos nas escolas pesquisadas (Haas et al. 2017). Moura et al. (2011) Encontraram uma prevalência de 17,6% e afirma que esta é próxima das encontradas em estudos realizados em outros países e no Brasil. A diferença entre os resultados pode ser justificada pelas faixas etárias distintas e pelo uso de diferentes critérios e métodos de estudo.
A prevalência do bullying em relação ao sexo foi maior no feminino (25,7%) que no masculino (24,7%), porém, também não houve uma associação estatisticamente significante, em discordância com o estudo de Menegotto et al. (2013) onde o bullying mostrou-se associado ao sexo masculino (61,9%), à hiperatividade e a problemas de relacionamento com os colegas. Além disso, os resultados apontaram que quase 50% das vítimas eram agressores também. A grande maioria dos agressores é do sexo masculino e que estes praticam a violência de forma direta, por meio de agressões físicas e intimidações. As meninas costumam praticar a violência de forma indireta, por meio de boatos maldosos, exclusões do grupo, entre outros. Essa associação provavelmente se deve às diferenças que caracterizam o sexo masculino e o feminino, que se fundamenta em um modelo social machista, que é reproduzido no contexto escolar, no qual em sua maioria o sexo masculino está significativamente associado à vivência e expressão da agressividade (Pigozi & Machado, 2015).
O presente estudo mostrou que 44,3% dos adolescentes que diagnosticados com bruxismo sofriam bullying, sendo estatisticamente significante. De forma semelhante Fulgêncio (2016) identificou em seu estudo que 54,6% dos adolescentes bruxistas haviam sofrido bullying verbal. Este resultado pode ser explicado pelo fato de que o bullying verbal pode acarretar problemas psicossociais, como o estresse e a ansiedade, que, por sua vez relacionam-se à ocorrência do bruxismo noturno. Nestes adolescentes, a parafunção pareceu ser um meio para a liberação de tensões oriundas dos episódios de bullying verbal escolar (Fulgêncio, 2016; Haas, et al., 2017; Serra-negra et al., 2015)
Quanto às limitações da pesquisa podemos citar que este foi um estudo exploratório, e a pesquisa foi realizada em escolas públicas estaduais.
O bruxismo apresentou maior prevalência nos adolescentes de 17 a 19 anos e sexo feminino. O bullying acometeu a faixa etária de 14 a 16 anos e não apresentando diferença estatisticamente significante entre os sexos. Bruxismo e bullying apresentaram uma associação estatisticamente significante mostrando que os adolescentes que sofreram bullying apresentaram maior prevalência do bruxismo.