Como resultado do aumento da expectativa média de vida e melhorias na intervenção em saúde, a população está envelhecendo significativamente (OMS, 2015). Em 2050, prevê-se que haja um aumento de mais de dois mil milhões de pessoas com 60 anos ou mais, correspondendo a mais do dobro que em 2017 e até cinco vezes mais que em 1980 (ONU, 2017). No entanto, são causados grandes desafios à saúde devido a estas mudanças demográficas (OMS, 2015). Em particular, a saúde sexual é uma área multidimensional essencial do bem-estar e da qualidade de vida dos idosos (OMS, 2010).
O desejo sexual é caracterizado com sendo uma fonte instintiva que nos induz para o contacto sexual, através do desejo de ter intimidade e pela capacidade de satisfazer impulsos relacionados ao erotismo, sensualidade e sexualidade (von Humboldt et al., 2020a). A procura por ajuda na terapia sexual por parte da população idosa aumentou, devido à falta de desejo sexual, principalmente mulheres idosas, e disfunção erétil, principalmente dos homens idosos (Morton, 2017). A terapia sexual é bastante influenciada pela abordagem cognitivo- comportamental, que tem uma ótica mais voltada para as disfunções sexuais ao longo do ciclo de vida (Washburn & von Humboldt, 2013). Alternativamente, a psicoterapia centrada na pessoa (PCT) pode oferecer uma exploração eme profundidade do significado do bem-estar sexual dos idosos, com impacto no aumento significativo da autoestima (von Humboldt et al., 2020a), no entanto existem ainda muitas lacunas na literatura sobre PCT em idosos, sobretudo no campo da sexualidade (Washburn & von Humboldt, 2013).
Está a tornar-se cada vez mais pertinente o estudo da sexualidade num contexto terapêutico com a população idosa (Gillespie, 2016; von Humboldt et al., 2013). É uma área crucial na promoção da qualidade de vida, sendo também possível reconhecer os desafios atuais que esta população experiencia na área da sexualidade (Washburn & von Humboldt, 2013). Deste modo, o objetivo deste estudo é avaliar os temas sexuais que afetam o bem-estar sexual (BES) que os idosos apresentam num contexto de PCT.
Método
Participantes
O recrutamento dos participantes ocorreu por via do contacto com centros comunitários e universidades seniores na zona de Lisboa. Esses pacientes encontravam-se em terapia segundo a abordagem centrada na pessoa, devido ao seu pedido para explorar as preocupações sexuais numa perspetiva psicoterapêutica. Com o intuito de criar uma relação terapêutica sólida, foram recomendadas oito sessões complementares de forma a ir ao encontro do objetivo do estudo, explorando o BES. Foram aceites e incluídos neste estudo cinquenta e sete participantes portugueses.
Material
Realizaram-se semanalmente e de forma individualizada as entrevistas semi-estruturadas, com duração de cerca de 45 minutos (ver Quadro 1). Foram discutidos nas entrevistas temas relacionados com os desafios de viver e expressar a sexualidade na vida mais avançada. Todas as entrevistas foram transcritas e codificadas. O ISPA - Instituto Universitário e do William James Center for Research aprovou o protocolo e os procedimentos deste estudo, sendo que procedimentos estavam consoante os padrões éticos da Declaração de Helsínquia de 1964.
Procedimento
A análise dos dados foi realizada com base nas informações concebidas pela amostra durante as entrevistas segundo a análise de conteúdo. Dois psicológicos clínicos codificaram independentemente todas as entrevistas. O processo de codificação foi, em seguida, submetido a um processo de categorização. Finalmente, de forma a haver uma discussão teórica e empírica dos conteúdos obtidos, foi desenvolvido uma matriz de categorização resultados para permitir a saturação teórica das categorias. Foi também calculado o o kappa de Cohen com o intuito de avaliar a confiabilidade do processo (k = 0,82). Posteriormente foi encontrado o consenso sobre os principais temas e subtemas encontrados.
Resultados
Os resultados deste estudo indicaram oito temas mutuamente exclusivos que integram diferentes relatos apresentados pelos participantes idosos durante a relativos ao seu SD e BES: Ausência do companheiro, interferência da família, insatisfação com o corpo e receio de contrair doenças sexualmente transmissíveis (ver o Quadro 2).
Tema 1: Ausência do companheiro
Ausência do companheiro para a atividade sexual foi o tema mais abordado pelos participantes deste estudo (n = 23), afetando de forma negativo o seu BES. A morte do parceiro foi o fator mais mencionado pelos participantes: “A minha atividade sexual diminui drasticamente desde que a minha querida mulher morreu” (Diogo, sexo masculino 82 anos). O declínio cognitivo do parceiro foi também destacado como uma causa para a indisponibilidade para o sexo. “Muito mudou… As vezes ela nem se lembra do meu nome… Já não existe aquela intimidade de antes e por isso tudo parece estranho (Rui, 73 anos).
Tema 2: Interferência da família
Vinte participantes mais velhos destacaram a família como um agente que interferia negativamente com o seu BES. Rita afirma, “divorciei-me do meu marido depois de trinte e dois anos de casamento. Ambos tínhamos objetivos diferentes e por isso achamos que esta decisão era a melhor. No momento de encontrar um novo parceiro, a minha família coloca-se no meio e o relacionamento acabava mesmo antes de começar. A minha família era um obstáculo e até hoje ainda não encontrei o meu novo amor” (Rita, 74 anos).
Tema 3: Insatisfação com o corpo
Pouco mais de 70% dos participantes (n = 18) indicaram que as mudanças físicas que vinham com o envelhecimento eram uma preocupação para o seu BES. Com o passar do tempo, mudanças no corpo, litações físicas e até alterações estéticas são inevitáveis. “Cabelos brancos, rugas, cicatrizes são mudanças que não deixar de notar e que de alguma forma nos faz sentir e agir de maneira diferente na cama”, conta Diana (75 anos).
Tema 4: Doenças sexualmente transmissíveis
Por fim, alguns idosos (n = 5) não deixaram de referir o receio de contrair doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Na verdade, as preocupações com as DSTs podem atrapalhar relacionamentos sexuais satisfatórios. “Desde que era jovem, sempre nos alertaram para este tipo de doenças e acho que o medo foi crescendo pois fui-me informando cada vez mais. Cada vez que faço sexo fico com medo e por isso agora a minha atividade sexual tem vindo a diminuir”, verbalizou Susana (74 anos).
Discussão
O objetivo deste estudo é preencher uma lacuna de conhecimento sobre a variedade de perceções dos idosos quanto aos desafios ao seu BES.
O tema mais citado pelos pacientes deste estudo foi ausência do companheiro. De facto, o BES dos idosos é negativamente afetado pela ausência de um parceiro devido à morte ou divórcio (Træen et al., 2016). Em momento de luto nestas situações A PCT pode exercer uma função significativa, contribuindo para um autoconceito mais claro e uma melhor a qualidade de vida dos idosos (Vogel et al., 2021).
A interferência da família foi o tema seguinte mais referido pelos participantes como um desafio para o seu BES. Na verdade, a família pode ser uma grande influencia na vida sexual dos idosos. A indicação de que não existe a sexualidade na idade avançada pode gerar sentimentos de rejeição em relação aos familiares de idosos, podendo também aumentar os medos familiares associados à ocorrência de comportamentos de risco, afetando a saúde dos idosos (Gillespie, 2016).
Além disso, os idosos também se sentiram desafiados pelas mudanças físicas que acompanham o envelhecimento, influenciado negativamente para o seu BES. A aparência física e a auto- perceção, essencialmente a imagem corporal e uma sensação de atratividade, são muitas vezes influenciadas por padrões sociais e culturais externos podendo afetar intimidade e a sexualidade da população idosa (Træen et al., 2016; von Humboldt et al., 2022). Além disso, a autoimagem, desejo sexual e excitação sexual podem ser negativamente influenciados por problemas físicos mais comuns na adultícia avançada, como doenças crónicas (von Humboldt & Leal, 2017; von Humboldt et al., 2018; von Humboldt et al., 2020b; von Humboldt et al., 2020c).
Por último, estes participantes indicaram o receio de contrair doenças sexualmente transmissíveis, como afetando negativamente o BES, especialmente quando se envolvem em atividades sexuais com novos parceiros. Apesar das taxas de DSTs estarem a aumentar entre idosos (Lyons et al., 2017), os idosos sexualmente ativos estão cientes das mesmas e, até certo ponto, como evitá-las, embora uma educação adicional pareça ser necessária.
Em suma, o nosso estudo evidenciou que os idosos sentiram o seu BES principalmente afetado pela ausência do companheiro, interferência da família, insatisfação com o corpo, e receio de contrair doenças sexualmente transmissíveis. É necessária mais investigação no contexto da psicoterapia para uma perceção e entendimento mais profundo das necessidades e desafios que os idosos enfrentam. É também essencial a produção e implementação correta de programas de intervenção para gerir os desafios mencionados acima na população idosa.
Contribuição dos autores
Sofia von Humboldt: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Aquisição de financiamento; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Validação; Redação - revisão e edição.
José Alberto Ribeiro-Gonçalves: Metodologia; Visualização; Redação do rascunho original
Gail Low: Supervisão
Isabel Leal: Supervisão; Validação; Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Aquisição de financiamento; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Software; Supervisão; Validação; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.