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O envelhecimento humano tornou-se um dos grandes fenômenos sociais e sistemáticos do último século, o que envolve muitos desafios no que tange ao seu enfrentamento (OMS, 2015; Zielińska-Więczkowska et al., 2012). Devido a essas circunstâncias, percebeu-se que o envelhecimento ativo se faria importante para assegurar uma boa qualidade de vida na velhice (OMS, 2015). As Universidades Abertas à Terceira Idade (UnATIs) desempenham papel importante e têm efeito benéfico para envelhecimento ativo, boa qualidade de vida na velhice, suporte multidimensional para os idosos e, consequentemente, aumento da satisfação com a vida dos idosos (Nascimento e Giannouli, 2019; Zielińska-Więczkowska et al., 2017).
A primeira UnATI de que se tem notícia foi fundada em 1973 em Toulouse, na França, por Pierre Vellas (Formosa, 2014; Swindell & Thompson, 1995). Esse modelo de ensino era dirigido a idosos e aposentados, com um espaço destinado para o desenvolvimento de atividades culturais e sociais. Na década de 1970, no Brasil, o Serviço Social do Comércio (SESC) foi o grande incentivador para a criação da primeira UnATI brasileira (Nascimento & Giannouli, 2019). Em 1982, a Universidade Federal de Santa Catarina criou o Núcleo de Estudos da Terceira Idade, o NETI, considerado o primeiro programa com características de UnATI. No entanto, quem replicou o modelo francês foi a Pontifícia Universidade Católica de Campinas em 1990 (Cachioni, 2012).
Em cumprimento ao Estatuto do Idoso e respeitando-se o direito à educação prescrito pela Constituição, são oferecidas pelas universidades diferentes ações extensionistas como alternativas de atenção ao idoso, pautadas na valorização e maior respeito ao processo do envelhecimento da população (Oliveira et al., 2015). As ações extensionistas educacionais voltadas para a terceira idade fundamentam-se na concepção da educação permanente (Oliveira et al., 2017).
Oliveira et al. (2015) contextualizam que a educação permanente se apresenta como ampliador da participação dos indivíduos na vida social e cultural, o que poderá acarretar a melhora das relações interpessoais e intrapessoais, qualidade de vida, satisfação com a vida e bem-estar positivo, auxiliando numa melhor compreensão do mundo e na crença de esperança no futuro. Assim, destaca-se a importância da UnATI no processo de desmistificação dos preconceitos relacionados ao envelhecimento (Zielińska-Więczkowska et al., 2012) e nas funções educacionais, ativadoras, integradoras, compensatórias e recreativas que podem impedir o isolamento social e proporcionar aos idosos a oportunidade de envelhecerem ativamente, além de encontrarem auto-aceitação (Günder, 2014).
O presente estudo teve como objetivo verificar os indicadores de bem-estar e analisar os benefícios relativos dos idosos na participação em um programa de educação permanente segundo critérios sociodemográficos e efeito de participação no programa.
Método
Participantes
Este estudo faz parte de um projeto maior intitulado “Educação permanente: benefícios da Universidade Aberta à Terceira Idade da EACH-USP”, de delineamento transversal, com dados coletados no primeiro semestre de 2016 dentro da UnATI da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). A coleta de dados foi realizada por uma equipe de profissionais e alunos treinados, pertencentes ao programa de graduação em Gerontologia da EACH-USP. Realizou-se as entrevistas no próprio local da matrícula, por meio de um protocolo já estabelecido. As sessões de coleta duraram em média 60 minutos. A duração mínima foi de 50 minutos e a máxima de 70 minutos. Cada entrevistador foi encarregado de aplicar o protocolo, registar suas respostas, respeitando o tempo de resposta e esclarecendo as dúvidas que o entrevistado pudesse ter no transcurso da aplicação.
Os critérios de inclusão foram: (a) ter 60 anos de idade ou mais; (b) estar matriculado no programa UnATI-EACH no semestre corrente; (c) ausência de déficits físicos, de linguagem e compreensão que impedissem a participação e (d) ausência de déficits cognitivos pelo Miniexame do Estado Mental (MEEM) (Brucki et al., 2003; Folstein, 1975). Participaram deste estudo 138 idosos regularmente matriculados em atividades da UnATI/EACH-USP.
Material
Variáveis sociodemográficas. Os participantes foram questionados relativamente ao sexo, faixa etária (categorizada em três grupos: 60 a 69 anos; 70 a 79 anos e 80 anos e mais), nível educacional (ensino fundamental completo/incompleto; ensino médio completo/incompleto; ensino superior completo/incompleto), renda familiar (de 1 a 2 salários-mínimos, de 3 a 5 salários-mínimos, de 6 a 10 salários-mínimos), trabalho remunerado (dicotômico) e arranjo de moradia (sozinho; com cônjuge; com filhos; com cônjuge, filhos e outros). Os efeitos de participação no programa foram obtidos por meio de questão aberta: “O sr. (a) percebeu alguma mudança em algum aspecto da sua vida ou seu dia-a-dia após frequentar as atividades da UnATI-EACH? Sim ou não? Se sim, quais foram?”.
Satisfação Global com a Vida. Avaliado pela escala desenvolvida por Neri (2002) que mede o bem-estar subjetivo por meio de uma figura de uma escada de onze degraus, ou seja, uma escala de 0-10 pontos. No presente estudo, utilizou-se uma versão adaptada com 10 degraus, ou seja, uma escala de 1-10 pontos. Os participantes foram orientados a observar a figura e pensar no que seria a melhor vida possível, imaginando que essa melhor vida possível fica no alto da escada (n.º 10).
Sintomas depressivos. Avaliado por meio da versão reduzida da Escala de Depressão Geriátrica (EGD), composta por 15 questões fechadas e dicotômicas. A pontuação dá-se por: aos itens 1, 5, 7, 11, 13 soma-se 1 ponto a cada resposta negativa e aos itens 2, 3, 4, 6, 8, 9, 10, 12, 14, 15 soma-se 1 ponto a cada resposta positiva. São considerados normais os idosos que apresentam pontuações de 0 a 5, enquanto idosos com pontuações de 6 a 10 apresentam indícios de depressão e pontuações de 11 a 15 são considerados gravemente deprimidos (Paradela et al., 2005).
Déficit cognitivo. Avaliado pelo Miniexame do Estado Mental, variando de 0 a 30 pontos, utilizou-se a pontuação proposta por Brucki et al. (2003), subtraindo 1 desvio-padrão da média da faixa de escolaridade, ou seja, 17 pontos para analfabetos, 20 pontos para os idosos com 1 a 4 anos de escolaridade, 24 pontos para 5 a 8 anos de escolaridade e 26 pontos para os idosos com escolaridade acima de 8 anos. Os participantes que pontuaram abaixo da média esperada foram excluídos da amostra final
Os procedimentos estavam de acordo com as normas preconizadas pela Convenção de Helsinki e chanceladas pelo Ministério de Saúde. Os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes do início da entrevista. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da EACH-USP (Parecer: 1.403.809).
Análise de Dados
Análise Quantitativa. Foi realizada estatística descritiva para a caracterização da amostra a partir das medidas de frequência absoluta e relativa para as variáveis categóricas. Após teste de normalidade das variáveis, verificou-se as correlações entre faixa etária, nível de escolaridade, indicadores de depressão e indicador de satisfação global com a vida pelo coeficiente de correlação de Spearman. Para realização da análise estatística foi utilizado o programa computacional Statistical Analysis System versão 9.2. O nível de significância adotado para os testes foi de 5%, ou seja, p < 0,05.
Análise Qualitativa. As respostas resultantes da variável de benefícios de participação na UnATI -EACH/USP foram transcritas na íntegra e submetidas à análise de conteúdo de Bardin, método de análise de dados verbais que identifica emissões significativas para a teoria e para os objetivos da pesquisa (Bardin, 1970). As respostas obtidas foram colocadas em classes de equivalência definidas a partir dos significados observados pelo codificador, atribuindo significados às categorias a partir de teorias e microteorias. A análise do material textual foi realizada por um painel de especialistas que percorreu as seguintes etapas: (1) três duplas de especialistas trabalhando independentemente e depois em conjunto realizaram pré-análises, envolvendo leituras flutuantes do material textual resultante da transcrição literal das respostas dos 138 idosos. Os objetivos foram identificar unidades de análise, selecionar e reunir as emissões significativas e elaborar indicadores que pudessem fundamentar a interpretação. Ao final dessa análise, as duplas decidiram que, independentemente do número de palavras ou frases, a emissão completa de cada idoso em resposta à pergunta aberta seria considerada como uma unidade de análise. Decidiu-se, também que cada categoria de significado seria contada apenas uma vez por emissão, não importando se o idoso repetisse ou reiterasse a informação com as mesmas palavras ou usasse sinônimos ou exemplos; (2) cada dupla realizou análise independente das emissões da amostra sobre os significados de benefícios, identificando semelhanças e diferenças, e depois os reagrupou em categorias comuns. As categorizações independentes tiveram confiabilidade analisada pelas duplas, com exigência de 100% de acordo. Oito categorias resultaram desse trabalho; para cada uma houve uma definição e foram reunidos exemplos. O produto foi um quadro usado como base das análises posteriores. O critério para interrupção da análise que conduziu a tal conjunto de categoria foi o de saturação, ou seja, repetição das mesmas categorias e não aparecimento de outras diferentes com relação ao mesmo material textual; as três duplas de especialistas confrontaram todas as emissões dos idosos com as oito categorias até atingirem o critério de saturação. Concluíram posteriormente que as categorias estavam bem definidas e eram suficientes para analisar o material textual.
Resultados
O estudo foi realizado com amostra de 138 idosos que frequentavam a UnATI-EACH/USP. Dos 138 participantes, 47,02% recebiam de dois a cinco salários-mínimos e apenas 20 indivíduos ainda realizavam trabalho remunerado. Nota-se que 68,88% dos entrevistados já participavam das atividades da UnATI-EACH/USP. 70,91% dos idosos são frequentadores há mais de seis meses e 65,94% realizam de uma a duas atividades semestralmente. As características sociodemográficas estão descritas no Quadro 1.
De acordo com a Escala de Satisfação com a Vida (Quadro 2), 31,16% dos participantes apresentaram altos níveis de satisfação (oito pontos do total de 10), e em relação ao indicador de depressão apenas 13,77% apresentaram sintomas sugestivos de depressão. Aparentemente, as pessoas idosas têm maior nível de satisfação com a vida apresentam menor frequência de sintomas depressivos.
Após leitura minuciosa de cada fala das pessoas idosas, procurou-se fazer interpretação que possibilitasse revelar os significados e sentimentos que os participantes têm em relação a participação nas atividades da UnATI. Em razão da densidade do objeto de estudo, foram identificados três temas sobre a participação nas atividades da UnATI: 1) saúde e funcionalidade; 2) bem-estar psicológico; 3) relações interpessoais. O Quadro 3 apresenta os temas e categorias das respostas.
Quadro 3 Temas e categorias derivados das respostas correspondentes aos benefícios de participação na UnATI/EACH-USP
Após realização da análise de Bardin em si, foi realizada análise quantitativa dos conteúdos das falas dos participantes. Deste modo, verificou-se maior frequência ao tema bem-estar psicológico, seguido pelas relações interpessoais e saúde e funcionalidade (Quadro 4). No tema bem-estar psicológico, as categorias autoconhecimento, autovalorização e autoaceitação. Já no tema relações interpessoais, a categoria relações sociais harmoniosas se destacou. Por fim, no tema de saúde e funcionalidade destacou-se a categoria atividade.
Discussão
O presente estudo verificou quais são os indicadores de bem-estar e seus benefícios relativos à idosos que participam de um programa de educação permanente. Os indicadores de bem-estar foram medidos pela escala da escada de Satisfação Global com a vida, proposta por Neri (2002). Revelando que os idosos apresentam boa satisfação com a vida, pontuando a partir do degrau oito da escala.
Na análise de Bardin, encontrou-se três temas principais que foram divididas em categorias e definições. O tema bem-estar psicológico apresentou 45,91% da frequência das respostas, de acordo com as categorias e definições. Já o tema relações interpessoais, apresentou 37,64%, e o tema saúde e funcionalidade apresentou 16,45%.
Observou-se que apenas 13,7% dos idosos apresentaram sintomas depressivos, corroborando com os achados de Ordonez et al. (2011), em que os idosos com sintomas depressivos compunham 3,57% da amostra. O estudo realizado na Universidade para a Terceira Idade (UNITI) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul observou que 80,6% dos idosos não apresentavam sitomatologia depressiva (Irigaray & Schneider, 2007). Contudo, o estudo realizado no Programa Universidade Aberta à Terceira Idade da Universidade Federal de Pernambuco observou 18,15% idosos com depressão menor e 5,86% idosos com depressão maior, contradizendo os achados da desta pesquisa (Leite et al., 2002).
O bem-estar psicológico é considerado um dos quatro domínios de qualidade de vida, descritos por Lawton (1983,1991), e refere-se a um termo geral usado para descrever o bem-estar experimentado pelas pessoas conforme a avaliação subjetiva que fazem de suas vidas (Diener, 1999). A satisfação com a vida representa um dos componentes essenciais do bem-estar subjetivo (Diener, 1984). Pode-se observar, que no presente estudo, os idosos apresentaram altos índices de satisfação global com a vida, um indicador de respostas pessoais a condições de saúde e autonomia (George, 2010). Corroborando com nossos achados, Zielińska-Wieczkowska (2017) evidenciou em seu estudo que as UnATIs contribuem para aumentar os níveis de satisfação com a vida dos participantes, além de desempenharem importante papel e efeitos benéficos em relação ao envelhecimento positivo e ao suporte multidimensional aos idosos.
A importância das relações interpessoais demonstra que o suporte social é importante para o envelhecimento positivo quando se pensa em melhorias de condições de vida e de saúde dos indivíduos idosos (Freitas et al., 2016; Johnson, 2014). O estudo de Sonati e colaboradores (2011) evidenciou que participantes de UnATIs mostraram melhor performance social, atestando que o engajamento de idosos em projetos de educação permanente podem contribuir para reduzir taxas de isolamento social, bem como de depressão e ansiedade. Estudos nacionais (Batistoni et al., 2011; Ordonez et al., 2011) demonstraram que contatos sociais regulares atuam como suporte emocional aos participantes e a educação permanente pode atuar como importante estímulo para relações interpessoais.
A saúde e a funcionalidade apresentam-se de forma importante para os múltiplos benefícios do idoso. Melhores condições de saúde e funcionalidade são associadas a alto nível de satisfação com a vida em idades avançadas (Bowling et al., 1970). A manutenção de atividades, tanto física quanto cognitiva, pode ser considerada o fator que levará os indivíduos a maior autonomia e independência (Kagawa & Corrente, 2015). Assim, a diminuição de saúde (física ou cognitiva) pode contribuir na redução de autonomia para a execução de atividades básicas e instrumentais de vida diária, causando dependência e impacto negativo à vida (Kagawa & Corrente, 2015). O estudo de Mitchell et al. (1997) demonstrou que idosos partiticipantes de UnATIs apresentavam melhor saúde física se comparado aos não-frequentadores, assim como melhor saúde mental.
Como limitações do presente estudo pode-se mencionar que a amostra é por conveniência e limita-se apenas a este grupo da UnATI-EACH/USP. Além disso, os dados dos benefícios foram de autorrelato, em vez de referenciados a testes psicológicos, o que pode ter contribuído para a redução de sua confiabilidade. Em relação às potencialidades, podemos mencionar que há poucos estudos nacionais que tratam da participação de idosos em UnATIs, sendo que a atual pesquisa pode contribuir para achados em relação a este tema.
Contribuição dos autores
Juliana Alves: Conceitualização, Análise formal, Metodologia, Redação - revisão e edição
Gabriela Cabett Cipolli: Metodologia, Visualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.
Vanessa Alonso: Metodologia, Visualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.
Ruth de Melo: Metodologia, Visualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.
Samila Batistoni: Metodologia, Visualização, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.
Meire Cachioni: Curadoria dos dados, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Recursos, Supervisão, Redação - revisão e edição.
