A depressão é uma questão que vem, infelizmente, ganhando destaque mundial. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2017), a depressão é a principal causa de problemas de saúde e a causadora de maior incapacidade. Um dado alarmante é que houve um aumento de 18% de 2005 a 2015, de pessoas que vivem com o diagnóstico, chegando a um número de 300 milhões de pessoas com depressão. O site do Ministério da Saúde do Brasil (2019) enfatiza a gravidade e afirma que de acordo com estudo epidemiológico, a prevalência de depressão ao longo da vida no Brasil está em torno de 15,5%.
O que pode levar um indivíduo à depressão, segundo a Organização Panamericana de Saúde (OPAS)/OMS Brasil, (2018), é a multiplicidade de componentes sociais, psicológicos e biológicos, de tal modo que desemprego, luto, trauma psicológico, como exemplos, ao se fazerem presentes, podem favorecer o desenvolvimento da depressão em um indivíduo. Teixeira (2007) enfatizou que as relações sociais em um mundo capitalista, assim como o trabalho e sua relação com a doença têm merecido especial atenção dos pesquisadores. O autor afirma que a depressão é a quinta maior questão de saúde pública no mundo, fazendo referência à Organização Mundial da Saúde, que previu que até 2020 ela seria a maior causa de incapacidade entre trabalhadores, à frente de problemas cardíacos, o que reafirma as informações trazidas anteriormente. A depender das condições, o trabalho pode ser um fator determinante no aparecimento ou agravamento desse mal, ou seja, as características específicas de cada atividade, seu nível de exigência e urgência podem influenciar na manifestação dos processos de adoecimento.
A Síndrome de Burnout é recorrente em profissões que lidam com pessoas, dentre as quais os profissionais da enfermagem, que, como descrito por Silva et al. (2015), estão expostos a muitos riscos que afetam a saúde, mas talvez de maneira ainda mais intensa, estão em contato com situações que podem desencadear doenças psíquicas, levando à depressão e até mesmo ao suicídio. No seu cotidiano estão em contato com a cura ou a morte e trabalham sob níveis muito altos de exigência por parte dos familiares, dos pacientes e do corpo médico.
Existe, cada vez mais, alta demanda e baixa disponibilidade de recursos materiais e humanos, o que faz com que os processos de trabalho sejam o primeiro agravante das cargas psíquicas sofridas pelos profissionais, seguidos pelas várias situações com possibilidade de morte, conforme destaca Mininel (2011). Segundo ela, os profissionais, além de contarem com uma condição de trabalho que nem sempre é a apropriada, estão expostos a agressões que surgem nas relações humanas inerentes ao trabalho, com pacientes, familiares e até mesmo membros da própria equipe que por vezes tem posturas agressivas e ofensivas com a equipe de enfermagem.
Vale observar que a enfermagem é exercida, em sua grande maioria, por profissionais do sexo feminino. Esse fato ganha relevância quando se observa que essas profissionais, que muitas vezes são mães, passam a ter uma dupla jornada de trabalho (no hospital e em casa) e que, além do cansaço físico e mental, ainda podem se sentirem angustiadas por não ter o tempo que julgam necessário para dedicar aos filhos.
A predominância de mulheres como força de trabalho também é notada no exercício da psicologia, objeto de investigação do presente estudo. Rodriguez (2017) discute que o Burnout em psicólogos pode estar relacionado à natureza do trabalho, influenciada pela intensa demanda emocional em função do contato direto com o sofrimento dos indivíduos. Em outra direção, pode estar ligado a um novo cenário de possibilidades de emprego uma vez que estão crescendo as demandas pelo trabalho da psicologia ligadas às esferas coletivas em múltiplos contextos; se esse novo cenário oferece novas oportunidades de emprego por um lado, por outro causa um aumento na sua complexidade com consequente aumento do estresse. O estudo de Guerra (2011) cita o desgaste emocional presente entre os profissionais da psicologia e propõe, ao pensar sobre os riscos que correm os profissionais dessa área, cuidados que podem ser “autocuidados”.
Olivares (2007) verificou em sua pesquisa quais os níveis de estresse traumático secundário e depressão entre um grupo de psicólogos, e o quanto as atividades de autocuidado podem interferir na vida desses profissionais, que em função da exposição ao sofrimento humano passam a apresentar também depressão, ansiedade, abuso de substâncias e problemas com os relacionamentos interpessoais. O autor relata, ainda, que o profissional desgastado acaba por apresentar uma performance inferior aos demais, e isso impacta na vida de outras pessoas. Nos estudos realizados, 73% dos profissionais entrevistados disseram se sentir com algum esgotamento físico e desses, 83% se dizem estar nessa situação em função da profissão. Ao final do estudo foi possível relacionar algumas medidas de autocuidado como prevenção às situações desgastantes, dentre as quais, além de uma boa alimentação, prática regular de esportes e prática espiritual, entre outras.
Levando-se em consideração que o contato do profissional com o sofrimento humano tem início na faculdade, levanta-se a questão se os estudantes formandos no curso de Psicologia, conforme citado por Oliveira e Barroso (2020) já estariam desenvolvendo uma sintomatologia depressiva relacionada aos seus primeiros contatos com conteúdo acadêmico relacionados à subjetividade humana, além de lidar com as dificuldades comuns de um graduando como o distanciamento da família, novas relações interpessoais e novas responsabilidades. Os estudos mostraram uma triagem para episódio depressivo em 46,7% dos estudantes e 45,8% apresentaram solidão leve. Também houve correlação positiva entre solidão e depressão o (r= 0,50) e negativa entre solidão e suporte social (r= -0,51) e depressão e suporte social (r= -0,45). Foi esta a questão disparadora do presente estudo.
Fogaça et al. (2012) conduziram um estudo transversal com 282 alunos de psicologia, do 1º ao 5º ano de uma instituição de ensino superior privada de São Paulo, com o objetivo de verificar se o ano e o turno de estudo (matutino ou noturno) poderiam interferir no aparecimento de Síndrome de Burnout. Os resultados indicaram que não existe diferença entre os alunos quanto ao turno para aquela amostra, mas evidenciaram a diferença significativamente maior para a deteção desse problema entre alunos do 5º ano, o que reforça a ideia de que é preciso promover intervenções com esses alunos, de modo que possam ajudar na manutenção de sua saúde mental.
Baptista (2012) afirma que as medidas de depressão podem ter uma grande variação em diversos parâmetros, podendo ser falha em países que teriam melhores condições para detetá-la. O trabalho no aprimoramento de métodos de deteção é de extrema importância para um melhor diagnóstico. Os métodos disponíveis apresentam diferentes características e variações, por exemplo, na maneira como medem ou no número de descritores avaliados. Assim, Baptista, Cardoso e Gomes (2012) compararam a Escala Baptista de Depressão (versão Adulto) - EBADEP-A e o Inventário de Depressão de Beck-BDI II, considerado padrão ouro por se tratar de um método utilizado e testado em muitos países. Os autores concluíram que existem evidências de validade para o EBADEP-A, que existe uma estabilidade quanto ao tempo de teste e re-teste em um intervalo de um mês.
Cremasco e Baptista (2017) destacam que para uma melhor avaliação do risco de suicídio é necessário observar os fatores de risco, mas também verificar quais são os fatores positivos que podem prevenir essa ação. Sob esta perspetiva, Paludo (2007) apresenta um dos primeiros estudos em português sobre a psicologia positiva, perspetiva em expansão na ciência psicológica, cujos estudos se concentraram nos aspetos saudáveis do seres humanos. As forças de caráter, características positivas com valor moral para a sociedade, que apesar de estáveis podem ser potencializadas, são um dos principais temas estudados pela Psicologia Positiva, segundo Reppold et al. (2020), isto porque existem evidências que essas forças têm um efeito protetor contra depressão, obsessão-compulsão e ansiedade fóbica, tal como destacado por Batista e Noronha (2020). Nesta mesma direção estão as investigações desenvolvidas com os motivos para viver. Eles se propõem a exercer uma função preventiva a partir do momento que passam a valorizar as virtudes humanas, propondo que a psicologia não tenha como foco apenas a reparação do sofrimento, mas passe a reforçar as suas fortalezas. Como explicado por Pallini (2020), o desenvolvimento do Questionário Brasileiro de Motivos para Viver (BEMVIVER), surgiu em decorrência da reflexão sobre o que pode auxiliar uma pessoa a não efetivar o suicídio. Os estudos psicométricos evidenciaram seis fatores, a saber, suporte familiar, suporte social, espiritualidade/religiosidade, sentido da vida, perspetivas e planos para o futuro e saúde e bem-estar subjetivo.
O presente estudo tem como objetivos investigar a sintomatologia depressiva entre estudantes dos semestres finais do curso de psicologia, verificar entre os estudantes quais motivos para viver são mais importantes como fatores protetivos de sintomatologia depressiva, investigar se há e como é a relação entre sintomatologia depressiva e os motivos para viver e analisar eventuais diferenças de média entre sexos no que se refere a sintomatologia depressiva e motivos para viver.
Método
Participantes
Por meio das redes sociais foram contatados estudantes dos últimos semestres de Psicologia de várias instituições de ensino superior, de algumas cidades do estado de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, homens e mulheres, por conveniência, dos últimos semestres do curso de psicologia de uma instituição de ensino superior privada da região metropolitana de Campinas. A amostra de 85 estudantes que responderam à pesquisa era composta por 84,7% de estudantes do sexo feminino e 15,3% do sexo masculino, 87,1% alunos do 9º e 12,9% alunos do 10º semestre, com idades entre 21 e 57 anos, sendo 27,8 anos a idade média e 24,7% com algum diagnóstico psicológico.
Material
A Escala Baptista de Depressão - Versão Adulto (EBADEP-A-Reduzida) de Baptista tem como objetivo englobar o maio número possível de sintomas ligados à depressão, mas baseados nos manuais internacionais. Com 15 questões, cada uma com frase positiva e outra negativa, e com a escala do tipo Likert de 4 pontos (0, 1, 2 e 3) para que o sujeito responda como se sente nas situações propostas, com pontuação de zero a 60. Essa versão reduzida possibilitou sua aplicação online. Este instrumento teve a sua validade verificada por Baptista e Nunes (2016) e apresenta uma confiabilidade de 0,95, estimada pelo alfa de Cronbach, segundo Baptista et al. (2016).
Em seguida, apresenta-se o Questionário Brasileiro de Motivos para Viver, de Pallini (2020). De acordo com a autora, para verificar a confiabilidade das respostas ao questionário foram feitas as análises do coeficiente ômega de McDonald, que evidenciaram resultado de ꞷ = 0,98 para a versão com 67 itens e ꞷ = 0,95 para a versão com 30 itens. Quando avaliado por fatores, a análise mostrou valores de ꞷ =0,88 para saúde, ꞷ = 0,95 para Espiritualidade/Religiosidade, ꞷ = 0,89 para Aproveitamento da Vida, ꞷ = 0,91 Suporte Familiar, ꞷ = 0,84 para Suporte Social, ꞷ = 0,85 Contato Social e ꞷ = 0,90 para Realização Profissional. A correlação entre a versão com 67 itens e com 30 itens resultou em uma magnitude de ꞷ =0,97. Nesse questionário estão propostas 30 situações (que tratam do suporte familiar, social, espiritual, profissional e físico) e é perguntado o quão importante cada uma delas é para o indivíduo, em uma escala Likert de quatro pontos entre “nada importante” até “totalmente importante”. Por fim, foi aplicado um questionário sócio demográfico (sexo, idade, série do curso de psicologia, abordagem teórica, se já passou por algum episódio de depressão - quais tratamentos foram utilizados, há quanto tempo, se fez ou faz uso de medicamentos).
Procedimento
O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Francisco. Após aprovação (CAAE:29901020.5.0000.5514, Parecer: 3.941.751), a instituição de coleta seria contatada a fim de realizar o agendamento para coleta de dados. Com o início da pandemia de Covid-19 e consequente fechamento da instituição, foi necessária uma readaptação para que a coleta de dados pudesse acontecer em ambiente virtual. Foram inseridos no Google Forms o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que deveria ser aceito pelo estudante para que pudesse respondera pesquisa, o questionário Sócio-Demográfico, a Escala Baptista de Depressão Versão Adulto - EBADEP A reduzida e o Questionário Bem Viver da Escala Brasileira de Motivos para Viver. Os questionários foram divulgados por Whatsapp, tendo permanecido abertos por duas semanas e os dados das respostas foram coletados pelo próprio Google Forms.
Análise de Dados
Os dados coletados por meio dos instrumentos foram analisados pela estatística descritiva, considerando o grupo de participantes em seu total e divididos de acordo com as variáveis de interesse. Foi realizada análise estatística inferencial considerando essas variáveis por meio do testetde student e da ANOVA. Para verificar a relação entre os construtos, foi utilizado o teste de correlação de Pearson. Os dados coletados foram analisados utilizando os programas Jamovi e SPSS.
Resultados
De acordo com Baptista (2019), a nota de corte do instrumento utilizado é 19. Foi observado que média e mediana, 33,30 e 31,00, respectivamente, estão muito acima dessa nota de corte. O Quadro 1 apresenta os resultados da Escala Brasileira de Motivos para Viver - BEMVIVER (composta por Espiritualidade - ES, Suporte Familiar - SF, Realização Profissional-RP, Saúde-S, Contato Social-CS, Suporte Social - SS e Aproveitamento da Vida- AV).
Pode-se observar pelos dados do Quadro 1 que Realização Profissional tem a maior média, seguida por Suporte Familiar e Saúde. Observa-se ainda que Contato Social, Suporte Social e Espiritualidade receberam os menores escores. Com o objetivo de investigar as possíveis relações entre Depressão (DP) e Motivos para Viver foi utilizada a correlação de Pearson apresentada no Quadro 2.
Nota. Espiritualidade - ES, Suporte Familiar - SF, Realização Profissional -RP, Saúde - S, Contato Social - CS, Suporte Social - SS, Aproveitamento da Vida- AV e Sintomatologia Depressiva - SD
Dos 28 coeficientes de correlação obtidos, 18 apresentaram resultados significativos. Entre os significativos as magnitudes variaram de 0,22 a 0,5. Foi observado que as correlações da Sintomatologia Depressiva com os Motivos para Viver são, em sua maioria, fracas, sendo a relação moderada com Suporte Familiar a que obteve maior coeficiente (r= 0,31). Na correlação dos Motivos para Viver entre si, ainda que a maioria também represente correlações fracas, Realização Profissional e Aproveitamento da Vida apresentam o maior coeficiente (r= 0,55). Diferenças entre os instrumentos no que se refere ao sexo foram averiguadas. Para tanto, foram analisadas as estatísticas descritivas e inferenciais. Os resultados estão expostos nos Quadros 3 e 4.
Os resultados do Quadro 3 apontam para a ausência de diferenças importantes nas médias das respostas do sexo feminino para masculino e que nos fatores avaliados como mais importantes essa diferença é ainda menor nos Motivos que obtiveram médias mais altas, como Realização Profissional e Saúde. Essa constatação apenas não é suficiente para poder fazer qualquer inferência sobre esses resultados. Foi utilizado o teste t de Student para verificar as diferenças significativas. Os resultados constam no Quadro 4.
Com base nos dados apresentados no Quadro 4 pode-se afirmar que não há diferença significativa entre as respostas de indivíduos do sexo feminino e sexo masculino, uma vez que o menor escore de p encontrado foi 0,072. No entanto, é possível observar no Quadro 4 que o d de Cohen se mostrou médio no fator DP. Embora não tenha havido significância estatística na diferença entre mulheres e homens, não deve ser desconsiderado um comportamento diferente entre eles no que se refere à Depressão. O Quadro 5 apresenta os resultados referentes à análise de regressão.
Foi realizada a análise de regressão linear simples pelo método Enter, sendo que se estabeleceu como variável dependente os sintomas depressivos, e os motivos para viver foram inseridos como variáveis independentes. No que diz respeito aos motivos para viver como preditores dos sintomas depressivos, o coeficiente de determinação ajustado (R 2 ) foi de 0,19, explicando 20% da variância [(F(7,85) = 3,93; p = 0,001)]. Suporte familiar e realização profissional apresentaram valores estatisticamente significativos como preditores e contato social e aproveitamento da vida foram marginalmente significativos.
Discussão
Os objetivos do trabalho foram investigar a sintomatologia depressiva entre estudantes dos últimos semestres de psicologia, observar quais os motivos para viver poderiam ter uma função protetiva da sintomatologia depressiva e verificar se havia correlações entre a sintomatologia e os motivos para viver. Além disso, investigaram-se diferenças entre os sexos no que se refere à sintomatologia depressiva e os motivos para viver.
Analisando os dados encontrados, foi observado que as médias e medianas obtidas se encontram muito acima da nota de corte preconizadas por Baptista (2012), o que pode indicar presença de sintomatologia depressiva nesses indivíduos. Os achados estão em consonância com os e encontrados por Andrade et al (2016), os quais discorreram sobre a possibilidade de o contato com o sofrimento humano vivido pelos estudantes de psicologia, principalmente os que estão para se formar, causar sofrimento psíquico e supõe que tal fato ocorra em função da formação em psicologia priorizar o conteúdo, mas esquecer de olhar para o envolvimento e singularidade das experiências vividas pelos seus estudantes.
A coleta de dados desta pesquisa estava sendo preparada quando o mundo presenciou um rápido avanço da COVID-19 (acrônimo para Corona VirusDisease 2019), cujo primeiro caso havia sido notificado em novembro de 2019 na cidade chinesa de Wuhan. Em 24 de março, uma semana após a notificação do primeiro caso de óbito no Brasil por COVID-19, foi decretado pelo governo do estado, conforme portal oficial do Governo do Estado de São Paulo (2020), um período de quarentena, para que houvesse o distanciamento social, medida considerada mais eficaz no combate à proliferação do novo vírus. Esse fato pode significar um viés no trabalho, pois, de acordo com a pesquisa de Wang et al. (2020) nas duas primeiras semanas da pandemia na china, um terço dos pesquisados consideravam ter ansiedade de moderada para severa e no Brasil, Zanon et al. (2020), mencionam que um período de isolamento social maior que 10 dias já pode ser um preditor de sofrimento mental, e a pandemia, como discorre Barros et al. (2020), introduziu diversos estressores, entre eles problemas econômicos e a incerteza quanto ao futuro, o que impacta mais fortemente adultos jovens em definição de carreira.
Tão importante quanto detetar a sintomatologia depressiva, é pensar em formas de mitigá-las. Nesse sentido, a Psicologia Positiva trouxe uma nova proposta: trabalhar o bem-estar e as forças e virtudes dos pacientes como forma de enfrentamento de situações-problema, redução do sofrimento e desenvolvimento de uma vida com mais sentido (Zanon et al., 2020). Em sintonia com esse objetivo foi desenvolvido um instrumento que conseguisse medir os motivos para viver. Segundo Pallini (2020) o objetivo inicial era que o instrumento pudesse predizer o suicídio através de uma relação direta e negativa com esse fenômeno. Com o aprimoramento desse instrumento, entretanto, percebeu-se que ele trazia dados importantes para saúde de uma forma geral, pois indicava quais eram os fatores importantes da vida dos indivíduos que fazem com que valha a pena viver, o que abre caminhos para profissionais em clínicas ou mesmo órgãos responsáveis por pensar políticas públicas de saúde, trabalhar no reforçamento desses fatores como prevenção à sintomatologia depressiva e suicídio. A esse instrumento foi dado o nome de Escala Brasileira de Motivos para Viver (BEM VIVER).
Quanto aos motivos para viver a pesquisa mostrou que realização profissional e suporte familiar são os motivos mais importantes para os estudantes. Segundo Pallini (2020) a realização profissional engloba a estabilidade financeira, ter um emprego e a possibilidade de estudar ou fazer uma capacitação profissional e o suporte familiar diz respeito, entre muitos outros, a dar e receber afeto, regras e orientações que acabam por ser traduzidas em satisfação, valoração e sentimento de pertença. O suporte familiar apresenta benefícios em várias etapas da vida. Se na infância e adolescência ajuda a criar representações positivas de si próprio quando adulto, nos idosos colabora para a perceção de que são amados e seguros, contribuindo para uma melhor qualidade de vida.
A análise de regressão apresentou valores estatisticamente significativos como preditores da sintomatologia depressiva para dois motivos para viver. De acordo com essa análise, suporte familiar mostra-se como fator protetivo, pois apresenta uma relação negativa (beta negativo) com sintomatologia depressiva, ou seja, quanto maior o suporte familiar, menor a sintomatologia e vice-versa, enquanto realização profissional - que, de acordo com Bajoit (1997), pode também ser entendido como a demanda por ter uma realização profissional, um objetivo a ser alcançado - vai na mesma direção dos sintomas depressivos (beta positivo), ou seja, ela pode ter um efeito promotor dos sintomas depressivos. Para esses alunos a busca por uma oportunidade no mercado de trabalho pode ser um causador de angústia e stress e que pode, ainda, de acordo com Barros et al. (2020) estar sendo agravado por uma situação de pandemia que afeta a economia mundial e, consequentemente, a disponibilidade de empregos.
Quando comparados os motivos para viver entre si, a correlação com maior coeficiente, ainda que moderada, foi alcançada entre a realização profissional e aproveitamento de vida. Apesar de conquistas materiais não terem um efeito protetor duradouro, esses dois motivos podem estar relacionados mais com o planejamento de objetivos e o trabalho na busca por alcançá-los e as experiências que podem ser adquiridas ao longo desse percurso e o prazer de usufruir dos frutos dessas conquistas.
Barros et al. (2020) detectaram em seu trabalho uma prevalência de transtornos mentais no sexo feminino. Um fator pode ser a maior preocupação e cuidado que as mulheres têm com a própria saúde. Os dados obtidos no presente trabalho, ao contrário do estudo citado por Barros et al. (2020), não demonstraram haver uma diferença significativa entre as médias de respostas do sexo feminino e masculino para a sintomatologia depressiva e motivos para viver. No entanto, deve-se considerar que a amostra era maioritariamente feminina.
Em síntese, pode-se afirmar que os objetivos do presente estudo foram alcançados. Como agenda de pesquisas futuras, sugere-se que o presente trabalho seja feito novamente quando a pandemia de COVID-19 for extinta, com a probabilidade de conseguir médias mais baixas para a sintomatologia depressiva, ou ainda de que essas médias sejam mais altas em função de uma realidade moldada pela pandemia, o que aumentaria a necessidade de ser trabalhar com esses estudantes, utilizando os motivos para viver, para auxiliá-los em um momento de transição em suas vidas.