Cada vez mais habilidades são requeridas para que haja integralidade no funcionamento adaptativo. Entre as inúmeras habilidades adquiridas no curso da vida, as habilidades sociais se caracterizam por sua grande influência no bem-estar, na qualidade de vida e na prevenção de diversas psicopatologias (Hohendorff et al., 2013; Leme et al., 2016). Na adolescência, um conjunto bem elaborado de habilidades sociais mostra correlação positiva com o desenvolvimento socioemocional, a saúde mental, a aprendizagem acadêmica e o sucesso profissional (Beauchamp & Anderson, 2010; Campos et al., 2018; Del Prette & Del Prette, 2009; Feitosa et al., 2009).
Habilidades sociais são definidas por Del Prette e Del Prette (2009) como grupos de comportamentos presentes no repertório do indivíduo, requeridos em interações sociais para que haja um desempenho socialmente competente. Diferente das habilidades sociais, a competência social prevê o melhor desempenho social diante de uma determinada demanda contextual. Na adolescência, as habilidades sociais são de grande relevância tendo em vista o estabelecimento de novas redes de relacionamento entre pares, imprescindíveis para formação da identidade social (Del Prette & Del Prette, 2009; Leme et al., 2016).
Déficits e recursos nas habilidades sociais podem ser generalizados ou específicos em determinadas classes. Empatia, autocontrole, civilidade, assertividade, abordagem afetiva e desenvoltura social são classes de habilidades sociais na adolescência que fornecem uma análise detalhada e discriminatória do repertório social. O conhecimento detalhado de déficits e recursos sociais norteiam políticas públicas voltadas, respectivamente, para prevenção frente a comportamentos de risco e promoção da saúde através de programas de intervenção em habilidades sociais (Del Prette & Del Prette, 2009).
Segundo o modelo bioecológico (Bronfenbrenner, 2005) o desenvolvimento é compreendido pelo dinamismo e interação de múltiplos processos que compreendem aspectos individuais, contextuais e temporais. Trazendo tal proposta para o estudo das habilidades sociais, observa-se uma interseção entre esses aspectos no que se refere às dimensões pessoais, contextuais e culturais dessas habilidades que, também através de uma interação dinâmica, promovem, ou não, um melhor desenvolvimento social (Leme et al., 2016).
O desenvolvimento social de adolescentes que vivem em condição de vulnerabilidade possui peculiaridades, tendo em vista a vivência em contextos marcados por exposição a situações de risco (Fonseca et al., 2013). Adolescentes em situação de acolhimento encontram-se nesse grupo. A exposição à violência, negligência ou condições de privação social presentes nessas famílias, ameaçam a integridade física e psíquica desses adolescentes, sendo necessário o afastamento do ambiente familiar, afim de que se preserve o direito à cidadania e ao desenvolvimento pleno (Brasil, 1990; Kim & Cicchetti, 2010; Raby et al., 2019).
Tendo em vista que o repertório social do indivíduo depende de diferentes fatores, tanto ambientais quanto individuais, em determinado contexto cultural e período, adolescentes em situação de acolhimento podem apresentar diferentes trajetórias de desenvolvimento social. Apesar do contexto familiar desfavorável, fatores individuais, como a autoestima (Harris et al., 2020; Huamán et al., 2020; Velásquez, 2016; Villarreal-González et al., 2011), e sociodemográficos, como sexo e idade (Campos et al., 2018; Del Prette & Del Prette, 2009; Hohendorff et al., 2013), podem exercer forte influência nessas trajetórias, podendo até mudar seu rumo (Lemeet al., 2016).
Considerando a dificuldade de acesso e a escassez de estudos com relação a adolescentes em situação de acolhimento no Brasil, além da carência de pesquisas abordando aspectos do desenvolvimento social nesse grupo, o presente estudo objetivou descrever o repertório total e das classes de habilidades sociais (empatia, autocontrole, civilidade, assertividade, abordagem afetiva e desenvoltura social) de adolescentes em serviços de acolhimento em uma das capitais do Nordeste do Brasil. Além desse escopo, objetivou-se verificar a associação do repertório social encontrado com a autoestima e com fatores sociodemográficos (sexo e idade) nessa população.
Método
Delineamento
Trata-se de um estudo transversal descritivo e analítico, realizado em serviços de acolhimento no município de Recife, capital do estado de Pernambuco, situado no Nordeste do Brasil.
Em 2013, 60 instituições abrigavam adolescentes e crianças, vítimas de maus-tratos ou abandono, em Pernambuco. Dessas, 32 (53,3%) concentravam-se na Região Metropolitana do Recife e 13 (21,6%) em Recife (Tribunal de Justiça de Pernambuco [TJPE], 2013). A cidade foi foco do estudo por apresentar o maior quantitativo de casas de acolhimento do estado de Pernambuco, voltados para adolescentes e crianças abandonados ou vítimas de abuso ou violência (TJPE, 2013).
Participantes
Participaram todos os adolescentes, entre 10 e 18 anos, acolhidos nas oito instituições que atendiam a essa faixa etária. A coleta de dados foi realizada mediante aplicação de questionário, de fevereiro a julho de 2014. Foram excluídos do estudo indivíduos com comprometimento de ordem neurológica ou qualquer deficiência que incapacitasse ou comprometesse a aplicação dos questionários. Dos 55 adolescentes elegíveis, dois se recusaram a participar do estudo, resultando em 53 adolescentes entrevistados.
Material
O instrumento foi constituído pelo Inventário de Habilidades Sociais para Adolescentes (IHSA-Del-Prette) (Del Prette & Del Prette, 2009), Escala de Rosenberg (Rosenberg, 1989) para avaliação da autoestima e questões isoladas relacionadas ao sexo e à idade.
IHSA-Del-Prett. Desenvolvido no Brasil e aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia. Consiste em 38 itens, do tipo likert, com base em situações em que o adolescente se autoavalia em relação à frequência e à dificuldade com que reage nas interações sociais. A avaliação das habilidades sociais ocorre em termos de percentis, conforme manual, através do escore total e das seis classes: empatia, autocontrole, civilidade, assertividade, abordagem afetiva e desenvoltura social. No indicador de frequência, a classificação é feita de acordo com os seguintes intervalos: 01-25, repertório abaixo da média inferior; 26-35, repertório médio inferior; 36-65, bom repertório; 66-75, repertório elaborado; 76-100, repertório altamente elaborado. No indicador de dificuldade, a classificação é feita da seguinte forma: 01-35, baixo custo de resposta; 36-65, médio custo de resposta; 66-100, alto custo de resposta. Dessa forma, um repertório mais elaborado de habilidades sociais é obtido quando há escores altos na frequência e escores baixos na dificuldade (Del Prette & Del Prette, 2009).
Escala de Rosenberg. Apresenta fácil aplicabilidade e boas propriedades psicométricas, sendo considerada medida padrão quanto ao apreço ou valorização em relação a si próprio. A escala consiste em 10 itens pontuados de 1 a 4, resultando em uma pontuação máxima somada de 40. Cada afirmação positiva recebeu uma pontuação de 1 (discordo totalmente) a 4 (concordo totalmente), enquanto declarações negativas foram pontuadas no sentido inverso de 4 (discordo totalmente) a 1 (concordo totalmente), usados para avaliar a atitude positiva ou negativa de si mesmo. A adaptação transcultural da escala para adolescentes brasileiros foi realizada por Avanci et al. (2007) e obteve-se α de Cronbach de 0.68 e kappa predominantemente moderado.
Procedimentos
Esse estudo é parte de um estudo maior intitulado “Adolescentes em situação de abrigamento: diagnóstico institucional e competência social”, que foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fiocruz/PE, sob o Parecer no 529.615/2014 através da Resolução do Conselho Nacional de Saúde Nº 466/2012. A pesquisa foi iniciada após permissão judicial e participaram da pesquisa apenas os adolescentes que aceitaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Análise Estatística
A tabulação dos dados foi realizada no programa Epidata entry 3.1. utilizando o recurso de dupla entrada de dados para verificar possíveis erros de digitação. As análises foram realizadas no software Stata versão 16 para Windows. Para a realização das análises, o IHSA-Del-Prette foi categorizado, quanto ao indicador de frequência, em repertório satisfatório (altamente elaborado, elaborado e bom) e em repertório deficitário (médio inferior e abaixo da média inferior) e, quanto ao indicador de dificuldade, em alta dificuldade (alto custo de resposta) e baixa ou média dificuldade (baixo e médio custo de resposta).
Frequências absoluta e relativa, média e desvio padrão foram empregados para descrever os participantes do estudo. Teste T e Teste de qui-quadrado foram usados para avaliar associações uni-variadas entre autoestima, sexo e idade e habilidades sociais, utilizando um nível de significância p ≤ 0,05.
Resultados
No escore total das habilidades sociais, a maioria (69,7%) dos adolescentes apresentou repertório satisfatório (bom, elaborado e altamente elaborado) e, um pouco mais da metade, baixo ou médio custo de resposta (50,9%), quanto aos indicadores de frequência e dificuldade, respectivamente. Dos adolescentes que apresentaram repertório satisfatório, a maioria apresentou repertório altamente elaborado (37,6%).
Em relação ao indicador de frequência das classes de habilidades sociais, a maior parte dos adolescentes apresentou um repertório satisfatório na assertividade (64,1%), empatia (60,5%), abordagem afetiva (60,4%) e autocontrole (51%). As classes em que um maior número de adolescentes apresentou repertório deficitário foram desenvoltura social (71,7%) e civilidade (52,8%).
Quanto ao indicador de dificuldade, a maioria dos adolescentes apresentou baixa ou média dificuldade em todas as classes de habilidades sociais. O repertório total e das classes de habilidades sociais dos adolescentes em situação de acolhimento, quanto aos indicadores de frequência e dificuldade estão descritos, respectivamente, nas Figuras 1 e 2.
Uma maioria significativa dos adolescentes apresentou baixa autoestima (84,3%). Em uma escala que varia de 10 a 40 pontos, a média do escore de autoestima foi de 26,7 (± 3,1) pontos. Quanto aos dados sociodemográficos, 67,9% era do sexo feminino e a média de idade foi de 14,5 (±1,9) anos. O quadro 1 descreve as proporções absolutas e relativas entre autoestima, fatores sociodemográficos e o escore total de habilidades sociais dos adolescentes em situação de acolhimento, além do valor de p relativo ao teste de chi-quadrado de associação.
Em relação às classes de habilidades sociais, comparando-se adolescentes com alta autoestima com aqueles com baixa autoestima, estes apresentaram maior prevalência de repertório deficitário em: assertividade (p=0,00), desenvoltura social (p=0,02) e autocontrole (p=0,02) (Quadro 2).
Adolescentes mais jovens (10-14 anos) apresentaram maior dificuldade na assertividade do que adolescentes mais velhos (p=0,02). Adolescentes com baixa autoestima apresentaram maior dificuldade no autocontrole quando comparados com aqueles com alta autoestima (p=0,04) (Quadro 3).
Discussão
Diante dos resultados encontrados, de modo geral, os adolescentes se mostraram com proficiência ou recursos comportamentais satisfatórios e baixas dificuldades ou pouco comprometimento no repertório total de habilidades sociais. Considerando que fatores individuais interagem dinamicamente com fatores contextuais para formação do repertório social, incluindo-se os inúmeros processos ao longo do tempo nos diferentes contextos, ambientes de risco, por si só, não parecem determinar trajetórias de desenvolvimento desfavoráveis (Hohendorff et al., 2013; Lemeet al., 2016; Villarreal-González et al., 2011).
A identificação de um repertório total de habilidades sociais altamente elaborado em 37,6% dos adolescentes se assemelha aos resultados encontrados no estudo de Visioli et al. (2018), realizado com adolescentes brasileiros em conflito com a lei, que mostrou um repertório altamente elaborado em 32,7% dos adolescentes estudados. Apesar do presente estudo não abordar uma amostra específica de adolescentes em conflito com a lei, com frequência, adolescentes em situação de acolhimento estão envolvidos em medidas socioeducativas (Acioli et al., 2019). Ademais, a vulnerabilidade dos ambientes em que ambos os grupos se encontram inseridos não favorece, de regra, o desenvolvimento de um bom repertório social (Fonseca et al., 2013; Raby et al., 2019; Visioli et al., 2018).
Apesar da presença de adversidades familiares, mecanismos de superação contribuem, expressivamente, para a construção de caminhos positivos no desenvolvimento social. Não obstante o contexto familiar de risco, fatores de proteção individuais como, características de temperamento afetuoso e flexível, capacidade de autonomia, autocontrole, e contextuais como, apoio oferecido através de amigos, professores ou de outras pessoas significativas, podem ter prevalecido sobre os fatores de risco, levando a um adequado desenvolvimento de habilidades sociais (Assis et al., 2006). Além disso, a desejabilidade social pode ter contribuído para os resultados encontrados. De peso relevante na construção da identidade e no reconhecimento social na adolescência, a aceitação por pares pode ter colaborado para uma supervalorização na autoavaliação desse grupo (Lemeet al., 2016). Outra possível justificativa pode ser dada por um baixo discernimento, por parte desses adolescentes, quanto aos próprios sentimentos e atitudes ao responderem o instrumento.
Em relação às classes de habilidades sociais, a maioria dos adolescentes apresentou repertório satisfatório nas classes assertividade, empatia, abordagem afetiva e autocontrole. A assertividade, relacionada à capacidade de lidar com situações interpessoais com potenciais riscos de respostas aversivas, e a empatia, que compreende o respeito às diferenças e a demonstração de interesse pelo outro, estão intimamente relacionadas à qualidade das relações com adultos significativos (Mota & Matos, 2010). A contribuição positiva de figuras sociais, como profissionais da instituição, professores e funcionários da escola, associada a aspectos positivos da personalidade, como a extroversão, predizem relações sociais ajustadas com os pares, levando a um efeito indireto no desenvolvimento da empatia e da assertividade (Bueno et al., 2001; Jincy & Suja, 2020; Mota & Matos, 2010).
A abordagem afetiva envolve a busca de relacionamentos mais íntimos, como formação de amizades e de vínculos amorosos (Del Prette & Del Prette, 2009). Experiências precoces de violência, física ou sexual, e negligência se relacionam com uma maior dificuldade no estabelecimento de relações mais íntimas e duradouras com pares (Raby et al., 2019; Zappe & Dell’Aglio, 2016). No entanto, as experiências de negligência e/ou maus-tratos, vivenciadas pelo grupo de adolescentes estudado, parecem não dificultar o amadurecimento sexual e a procura por amizades.
Com relação ao autocontrole, pouco mais da metade da amostra apresentou repertório satisfatório. Relacionado ao controle das emoções e dos sentimentos, estudos anteriores mostraram que adolescentes que sofriam maus tratos apresentavam déficits no autocontrole (Alink et al., 2012; Kim & Cicchetti, 2010). Por outro lado, a influência de outras figuras significativas, como professores ou cuidadores, pode levar a um sentimento de pertença e segurança que favorece a resiliência frente a situações que exigem autocontrole (Mota & Matos, 2010). Tais aspectos, somados à percepção, interpretação e superação individual desses adolescentes podem ter contribuído para o resultado encontrado (Assis et al., 2006).
Em relação à desenvoltura social e à civilidade a maioria dos adolescentes apresentou um repertório deficitário. Requerida em momentos de exposição social e relacionada à convivência em contextos formais como a escola, através das experiências com professores e pares, (Del Prette & Del Prette, 2009) a desenvoltura social apresentou o pior desempenho. Estudo de Acioli et al. (2019), com adolescentes acolhidos na cidade do Recife, verificou baixa frequência e desempenho escolares e uma alta vivência de rua e uso de drogas nesse grupo. Somado a isso, as mesmas autoras (2018) identificaram baixa formação de vínculos entre adolescentes e cuidadores nas instituições do município de Recife. Tais aspectos parecem contribuir, de maneira expressiva, para o déficit significativo encontrado.
Quanto à civilidade, a exclusão social contribui para o déficit na aquisição e conhecimento das normas culturais vigentes. Relacionada a comportamentos de traquejo social, como agradecer, elogiar e cumprimentar, o menor repertório encontrado pode ser atribuído também à ausência de experiências em ambientes sociais formais que exijam seu uso corrente (Del Prette & Del Prette, 2009; Visioli et al., 2018). Além disso, condições familiares desfavoráveis, anteriores ao acolhimento, não contribuem para o aprendizado e modelagem de comportamentos ajustados e bem adaptados (Mota & Matos, 2010; Siqueira & Dell’Aglio, 2010).
Em termos de dificuldade, a maioria dos adolescentes apresentou baixo ou médio custo de resposta nos escores total e em todas as classes de habilidades sociais. O indicador de dificuldade apresenta menor robustez, se comparado ao indicador de frequência, porém é relevante considerá-lo, tendo em vista que os dois se complementam na avaliação do repertório de habilidades sociais e em planejamentos de programas de intervenção (Del Prette & Del Prette, 2009). Nenhuma das classes apresentou resultado crítico, caracterizado pela associação de um repertório deficitário e uma alta dificuldade. A associação de déficit na frequência e excesso de dificuldade evidencia problemas motivacionais no desempenho, ou até ausência de determinadas classes de habilidades sociais no repertório e um alto custo subjetivo, indicando ansiedade ou déficit de fluência na emissão de comportamentos relacionados a essas classes. Quando críticas, as habilidades sociais devem ser priorizadas em intervenções (Del Prette & Del Prette, 2009; Visioli et al., 2018).
Em relação aos dados sociodemográficos, a maioria dos adolescentes que se encontrava em situação de acolhimento no período do estudo era do sexo feminino, não havendo predomínio de nenhuma faixa etária. Tal achado vai de encontro ao estudo de Acioli et al. (2019), realizado em adolescentes acolhidos no município de Recife, que identificou predomínio de adolescentes mais velhos e do sexo masculino, no período de 2009 a 2013, principalmente, em instituições voltadas para adolescentes com necessidades especiais. Tendo em vista que, essas instituições não foram selecionadas para o presente estudo, pode-se justificar, em parte, o maior número de meninas.
A maioria dos adolescentes apresentou baixa autoestima. De acordo com Massenzana (2017), a autoestima se caracteriza por uma autoavaliação que se baseia na autopercepção do indivíduo sobre si. As diferentes experiências, nos diversos contextos transitados, podem levar a autopercepções positivas ou não. De certo modo, é de se esperar que adolescentes em situação de acolhimento tenham maiores chances de apresentar baixa autoestima, tendo em vista vivências marcadas por diferentes formas de maus-tratos no contexto familiar (Cruz et al., 2016). Além disso, o estigma social atribuído ao processo de institucionalização também pode contribuir para uma maior redução da autoestima (Huamán et al., 2020; Rodrigues et al., 2014; Villarreal-González et al., 2011).
Adolescentes com baixa autoestima apresentaram um repertório mais deficitário no autocontrole, na assertividade e na desenvoltura social do que aqueles com alta autoestima. A autopercepção está relacionada à qualidade das interações interpessoais, havendo uma retroalimentação positiva entre elas. Porém, situações de exposição a vulnerabilidades, como se encontram os adolescentes em situação de acolhimento, não favorecem uma melhoria da autoestima que, por sua vez, levam a um pior desenvolvimento de habilidades sociais (Bi et al., 2015; Harris & Orth, 2020; Huamán et al., 2020; Velásquez, 2016).
Menor proficiência e maior dificuldade no autocontrole foram mais prevalentes nos adolescentes com baixa autoestima, quando comparados com aqueles com alta autoestima. Uma elevada autoestima permite melhor enfrentamento a situações estressantes que demandam autocontrole, levando à menor frustração e a um maior bem-estar (Huamán et al., 2020). Contextos familiares desfavoráveis para o desenvolvimento do autocontrole, como na amostra estudada, contribuem para uma maior predisposição a problemas de comportamento, em especial no que se refere à maior agressividade (Del Prette & Del Prette, 2009; Mota & Matos, 2010).
Uma baixa autoestima associada a um déficit na assertividade mostrou-se relacionada a uma maior propensão com o envolvimento em situações e relações inapropriadas, maior risco de uso de drogas e álcool, baixo rendimento escolar e condutas agressivas (Velásquez, 2016). Níveis menores de autoestima aumentam os riscos na saúde mental dos adolescentes (Keane & Loades, 2017). Em estudo realizado observou-se repertório deficitário de desenvoltura social em adolescentes com indicativo de depressão (Campos et al., 2018).
Uma maior dificuldade na assertividade foi encontrada em adolescentes mais jovens, quando comparados a adolescentes mais velhos. De maneira geral, o aumento da demanda social com o passar dos anos permite o aprendizado de comportamentos socialmente aceitáveis, incluindo a defesa de direitos e a expressão de discordância, de maneira adequada à situação (Fragoso et al., 2018). Tal achado foi semelhante ao encontrado apenas entre os meninos da amostra normativa do IHSA-Del-Prette (Del Prette & Del Prette, 2009).
De caráter inovador, o presente trabalho permitiu um estudo detalhado do repertório total e de classes de habilidades sociais em adolescentes institucionalizados. Além desse escopo, analisou a relação da autoestima e de fatores sociodemográficos com o repertório social desse grupo, em que se pese a carência de pesquisas voltadas para a temática. Apesar do contexto familiar de vulnerabilidade, de maneira geral, os déficits no repertório social desses adolescentes são pontuais, localizados em algumas classes, e sem determinar grandes dificuldades.
Tais achados levam a crer que, apesar da complexidade da história de vida desses adolescentes, existem fatores que favorecem o desenvolvimento de habilidades sociais. Nesse caso, mais estudos são necessários para identificar os fatores positivos que contribuem para a promoção do bom desenvolvimento social nesse grupo. Além disso, o conhecimento do repertório social de forma pormenorizada evita generalizações e norteia programas de intervenção estrategicamente voltados para os déficits identificados.
Intervenções orientadas para o desenvolvimento de atitudes positivas em adolescentes em situação de vulnerabilidade, através de encontros semanais e instruções, mostraram aumento no autocontrole, na empatia e na assertividade, em estudos anteriores (Corrêa et al., 2020). Tais resultados fornecem evidências para o uso de estratégias semelhantes visando à prevenção e à promoção da saúde de adolescentes institucionalizados.
A baixa autoestima encontrada na maioria desses adolescentes, e sua relação com uma maior prevalência de déficits em algumas classes de habilidades sociais, alerta sobre a responsabilidade social com esse grupo, em que se pesem estratégias de fortalecimento da autoestima e, consequentemente, das habilidades sociais. Intervenções em habilidades sociais já se mostraram efetivas na melhoria da autoestima em adolescentes em situação de vulnerabilidade, evidenciando uma relação positiva entre ambos os constructos podendo, portanto, ser utilizadas na amostra de adolescentes estudada (Corrêa et al., 2020).
Essa pesquisa apresentou algumas limitações. Primeiramente, a amostra apesar de censitária foi de número reduzido. Estudos longitudinais, com obtenção de amostras mais robustas, podem auxiliar na compreensão do desenvolvimento social desses adolescentes e constatar as associações encontradas. Além disso, a falta de dados sobre o tempo de acolhimento desses adolescentes se caracterizou como outra limitação, tendo em vista a influência do ambiente institucional e das diversas relações presentes nesse contexto, principalmente, com os cuidadores, no repertório social desses adolescentes.
Contribuição dos autores
Clívia Galindo: Conceitualização, Análise dos dados, Metodologia, Curadoria dos dados, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.
Raquel Acioli: Redação do rascunho original, Curadoria dos dados, Conceitualização.
Maria Luiza Lima: Conceitualização, Análise formal, Redação do rascunho original.
Alice Barreira: Conceitualização, Visualização, Redação - revisão e edição, Análise formal, Metodologia, Supervisão e Administração do projeto.
Viviane Colares: Análise formal, Visualização, Metodologia, Redação - revisão e edição, Supervisão e Administração do projeto.