A paternidade dispõe de uma gama variada de arranjos familiares que perpassam pelos temas de relação de gênero e como esse pai - conceituado como figura que maneja diligência, independente de qual seja sua orientação sexual e de gênero - deve exercer o cuidado para com o bebê. Considerando que, em famílias planeadas em moldes tradicionais, a mulher desenvolve o papel principal na gestação e parto, enquanto o ofício paterno, em razão de uma rígida conjuntura sócio-cultural machista que terceiriza papéis de atenção e delicadeza ao feminino, ainda não é devidamente valorizado e exercido em sua máxima. Assim, é possível verificar que a participação do homem no ciclo gestacional e pós-gestacional transcende ao ato de reprodução, todavia, tal consciência sobre o encargo de cuidar encontra-se ainda, cotidianamente, ancorada apenas ao suporte da maternidade (Lima, 2014).
Estudos como os de Noergaard et al. (2017) e Candelori et al. (2015) mostram que quando o vínculo pai-bebê é desenvolvido e estimulado desde os primórdios de existência do(a) bebê, a criança manifesta efeitos positivos no tocante à evolução em áreas do comportamento, desenvolvimento psicológico e cognitivo. Dessa forma, em casos de nascimento prematuro é possível perceber que há a configuração de um desafio para o desenvolvimento desse vínculo de extrema importância para a saúde e amadurecimento do bebê. Tal realidade torna-se evidente em razão do contato não regular da criança pré-termo com seus genitores, seguido de grande isolamento e escassez de estímulo através de sentidos básicos do(a) bebê como o tato, o cheiro e a voz dos pais, corroborando para uma defasagem em seu desenvolvimento sócio-neuro-cognitivo.
A prematuridade é caracterizada pela ocorrência do nascimento do feto antes das 37 semanas de gestação. Por essa razão, o pré-termo apresenta risco elevado de desenvolver problemas clínicos, como enterocolite necrosante, retinopatia da prematuridade, displasia broncopulmonar, hemorragia intraventricular, entre outros, o que justifica a sua internação em Unidades de Terapia Intensiva Neonatais (UTIN). Esse processo de nascimento e posterior internamento é considerado traumático e impacta diretamente no vínculo dos pais com o(a) bebê (Candelori et al. 2015).
O nascimento de um bebê, geralmente, é algo bastante almejado pelos seus pais, contudo quando há uma intercorrência na gravidez e, posteriormente, há o nascimento prematuro, deve-se ter em mente que o choque desse evento nos pais e a quebra das suas expectativas pode de alguma forma interferir em suas transições para a maternidade/paternidade (Ionio et al. 2016). Diante disso, a entrada de um recém-nascido prematuro em uma UTIN desperta em seus genitores os sentimentos de impotência, medo, estresse e em alguns casos depressão, pois se veem em uma situação na qual devem ressignificar seus papéis parentais dentro de uma UTIN (Carson et al., 2015; Çekin & Turan, 2018; Ionio et al. 2019; Wormalda et al., 2015).
O processo de tornar-se pai vem acompanhado de uma série de influências vinculadas à identidade social da figura masculina que dentro do processo sócio-histórico está em constante transformação (Lima, 2014). Nesse caso, a função paterna dentro de uma UTIN requer do homem algumas adaptações para com a sua família, como desempenhar o papel de um mediador e protetor entre a mãe-bebê e as possíveis interferências externas que possam abalar o desenvolvimento e a saúde dessa díade.
Em razão de toda uma dinâmica de hospitalização e adaptação, os pais acabam por vivenciar de forma mais passiva a evolução da saúde do pré-termo e de forma mais acentuada, os homens que se veem limitados a tornar-se receptores de informações médicas (Aija et al. 2019; Baía et al. 2016). Conquanto estudos mostrem que a participação ativa de ambos os pais influenciam de maneira positiva a evolução da saúde do bebê prematuro, temos ainda atravessamentos sócio-históricos sobre a masculinidade e paternidade que causam dilemas no pai que deseja tomar a iniciativa no cuidado da sua criança (Noergaard et al., 2017; Piva et al., 2018).
Estudos como a presente pesquisa configuram-se como peças imprescindíveis que objetivam preencher a lacuna de conhecimentos e manejos do assunto da paternidade vinculada à prematuridade de bebês. Torna-se imprescindível ressaltar que, a presente investigação teve como objetivo realizar uma revisão sistemática acerca da paternidade no contexto de prematuridade do(a) filho. A paternidade encontra-se atravessada por marcadores sociais os quais implicam no significado, na ocupação e no manejo desse papel, entre tais fatores pode-se citar o machismo, questões socioeconômicas de cada família, questões reprodutivas e culturais. É imprescindível fazer menção ao fato de que, numa tentativa de justificar a configuração de uma nulidade e (ou) passividade dessa paternidade, diz-se, hodiernamente, que a função cuidadora da prole está intrinsecamente ligada à maternidade. Por essa razão faz-se substancial que estudos com foco na paternidade - visando suas estruturas, posições e arranjos - sejam realizados, objetivando perceber e ressignificar essa experiência ativa de cuidado, desde o pré-parto ao pós parto, e formação social do sujeito em situação de prematuridade.
Método
Estratégia de Pesquisa
Foram realizadas algumas pesquisas durante o período de dezembro de 2020 à janeiro de 2021, buscando-se encontrar e averiguar artigos científicos em três bases de dados previamente escolhidas (SciELO, Scopus e PubMed) com o objetivo de analisar as experiências da paternidade quando ocorre o nascimento prematuro. Como método de investigação, foi utilizada a Revisão Sistemática da Literatura (RSL) e como principal ferramenta de referência dessa metodologia foi empregada as indicações dos Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-análises (PRISMA). O PRISMA é formado por um fluxograma de quatro etapas (figura 1) que permite mostrar o processo e os resultados da investigação.
Pesquisa de Artigos
Em primeira instância, foram definidos quais bancos de dados seriam utilizados nessa revisão sistemática da literatura. Utilizando a plataforma digital Periódicos CAPES CAFe, elegeu-se, processualmente, as seguintes fontes: SciELO Citation Index (Web of Science); Scopus (Elsevier); MEDLINE/PubMed (via National Library of Medicine). A CAPES é reconhecida como referência no acesso à informação científica internacional, neste caso, especificamente às pesquisas desenvolvidas em cuidado e saúde, garantindo livre circulação de publicações em diversas bases de dados. Em seguida, definiu-se os critérios de inclusão e exclusão, utilizou-se, portanto, os termos de pesquisa (TS) “father”, “childbirth” e “premature” com recurso da linguagem bolean “e” (AND) e “ou” (OR) da seguinte forma: (FATHER AND CHILDBIRTH OR PREMATURE AND FATHER). As opções de pesquisa se deram por artigos completos de livre acesso, idiomas Português e Inglês, e publicações no período de dez (10) anos (2010-2020)
Seleção de Artigos
Para a seleção dos artigos, critérios de elegibilidade (de inclusão e de exclusão) foram previamente estabelecidos pelos (as) pesquisadores (as). Caracterizam-se como fatores inclusivos os artigos científicos em que os termos de pesquisa selecionados estivessem presentes no título e/ou nos termos do assunto e/ou no resumo; que foram publicados entre 2010 e 2020; de caráter empírico ou teórico com metodologia científica válida (revisão cega de pares); escritos em Português e/ou Inglês.
Como demarcação de fatores que invalidaram a adesão de alguns estudos para comporem tal revisão sistemática da literatura, podem-se ser citados os estudos científicos do tipo: Dissertação de Mestrado e/ou Doutoramento, Livros e notícias sem revisão de pares - mesmo que os termos de pesquisa estejam presentes no título e/ou nos termos do assunto e/ou no resumo. Outros fatores de exclusão tratam-se de publicações cujo a data antecede 2010 e exceda o ano de 2020, publicações que sejam pagas para aceder, que não estivessem escritas em Português e Inglês e, por fim, estudos que não possuíssem como tema central os termos booleanos da pesquisa (Ex.: Tratem somente sobre questões de parto e que excluem a visão paterna sobre a prematuridade).
Na base de dados SciELO Citation Index (Web of Science) foram encontrados 70 publicações de modo que, seguindo os critérios de inclusão e exclusão, respectivamente, 62 estudos foram excluídos e apenas 8 publicações foram incluídas na presente revisão. Em seguida, na base de dados Scopus (Elsevier) 397 estudos foram encontrados seguindo os mesmos critérios, sendo 379 publicações excluídos e 18 incluídos na revisão. Por fim, na base de dados MEDLINE/PubMed (via National Library of Medicine), a partir dos critérios definidos, foram obtidas 30 publicações, dentre essas, 28 foram excluídas e apenas 2 incluídas no estudo de revisão sistemática.
Análise de dados
Após a etapa de pesquisa eletrônica nas bases de dados citadas anteriormente, efetuou-se uma análise manual de forma minuciosa no resumo completo de cada artigo previamente selecionado, tendo em conta os critérios de inclusão, exclusão e a pertinência de cada estudo publicado.
Ulteriormente, realizou-se uma análise dos 28 estudos que foram selecionados para inclusão nesta pesquisa de revisão sistemática da literatura, após a verificação de 2 artigos duplicados, estes foram excluídos das análises. Com isso, obteve-se 26 artigos que atenderam os critérios de elegibilidade estabelecidos pelos (as) pesquisadores (as). Dessarte, esta revisão sistemática dispõe de 26 estudos sobre a paternidade vinculada com a prematuridade de bebês.
A análise e seleção dos artigos em suas respectivas bases de dados foram realizadas por dois pesquisadores, de forma independente e sistemática. Com isso, os estudos foram identificados pelos títulos das publicações que correspondiam aos termos booleanos de busca e através dos resumos na análise eletrônica. Cada pesquisador efetuou a leitura na íntegra dos estudos e elencou os possíveis artigos para a revisão sistemática. Em seguida, ocorreu uma nova avaliação pelos dois pesquisadores que determinaram os estudos que foram incluídos na revisão. Para melhor padronização e análise dos artigos foram criadas pelos pesquisadores quatro categorias temáticas, sendo estas: Experiências de Sofrimento Psíquico, O laço afetivo pai-bebê, (In) Satisfação com o serviço e Dilemas familiares na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN).
Resultados
No período de realização da coleta de estudos publicados, foram encontrados um total de 497 artigos que, após uma filtragem respaldada em critérios de elegibilidade, restaram somente 26 artigos aptos a serem inseridos nessa corrente pesquisa. Entre os 26 artigos, zero estão categorizados como estudos quantitativos, dez como qualitativos e dezesseis como estudos quali-quantivos (Quadro 1).
Autores, Ano | N (pais) | Objetivo |
---|---|---|
Candelori et al., 2015 | 64 | O estudo investigou como os pais lidam com o nascimento prematuro de seus filhos, avaliando se apresentam sintomas de depressão e ansiedade, em comparação com as mães. Também testou a versão italiana de uma entrevista clínica para pais de bebês de alto risco. |
Ionio et al., 2016 | 80 | O objetivo deste estudo foi examinar a relação entre o nascimento prematuro, o estresse parental, sentimentos negativos e o ambiente da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN). |
Hagen et al., 2016 | 16 | O objetivo deste estudo foi explorar e descrever as experiências de enfrentamento dos pais de crianças admitidas em uma unidade neonatal. |
Ionio et al., 2019 | 81 | Este estudo teve como objetivo examinar o estresse e os sentimentos negativos dos pais após o nascimento prematuro de seus filhos, bem como identificar os fatores de risco associados a esses sentimentos durante a permanência de seus filhos na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN). |
Marski et al., 2016 | 8 | Descrever a experiência do pai frente à alta do filho prematuro da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal e apontar intervenções para a promoção dessa experiência. |
Matos et al., 2017 | 8 | Este estudo se propôs a discutir as experiências subjetivas dos homens relativas ao estabelecimento do vínculo pai-bebê |
Medeiros & Piccinini, 2015 | 3 | O presente estudo buscou compreender o impacto do nascimento pré-termo na relação pai-bebê |
Noergaard et al., 2017 | 12 | Descrever as necessidades dos pais quando seus bebês são admitidos em uma unidade de terapia intensiva neonatal e discutir essas necessidades dentro de um quadro teórico de masculinidade para avançar na compreensão e gerar conhecimento significativo para práticas clínicas. |
Pichler-Stachl et al., 2019 | 94 | O objetivo do presente estudo foi examinar a dependência da idade do estresse em mães e pais após o nascimento prematuro e a admissão do bebê na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN). |
Russell et al., 2014 | 39 | Este artigo explora as opiniões e experiências dos pais sobre o cuidado de seu bebê muito prematuro na UTIN (Unidade de Terapia Intensiva Neonatal). |
Santos et al., 2012 | 9 | Este estudo objetivou compreender as vivências paternas durante a hospitalização do recém-nascido prematuro na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal de um hospital público de Feira de Santana, Bahia. |
Schmidt et al., 2012 | 10 | Este estudo teve como objetivo identificar os sentimentos, experiências e expectativas dos pais durante a primeira visita ao filho internado na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN). |
Soares et al., 2015 | 22 | Compreender os significados atribuídos pelo pai ao ter um filho prematuro internado na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. |
Pace et al., 2016 | 8 | Descrever a trajetória e os preditores de sofrimento em pais de bebês com PTV durante as primeiras 12 semanas após o nascimento e comparar as taxas de depressão e ansiedade em pais de bebês com PTV com aquelas de pais de bebês nascidos a termo (FT) saudáveis logo após nascimento e aos 6 meses de idade pós-natal. |
Wormald et al. 2015 | 46 | Este estudo de caso representa os desafios que muitos pais enfrentam na identificação da deficiência e da superdotação dos seus filhos e na garantia de que ambas as excecionalidades são desenvolvidas de forma otimizada. Através deste estudo de caso, são destacados os papéis que um sistema educativo e os pais dessa criança devem assumir para que este desenvolvimento aconteça. São feitas recomendações para identificação, prestação de serviços, desenvolvimento profissional para professores e colaboração entre todas as partes ligadas a esses alunos. |
Çekin & Turan, 2018 | 9 | O objetivo deste estudo é determinar os níveis de estresse dos pais cujos bebês prematuros estão internados na unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN) e determinar os fatores que afetam seu estresse. |
Schmöker et al., 2020 | 9 | Comparar experiências de stress em mães e pais de bebés prematuros durante o primeiro ano de vida, avaliar mudanças no stress parental e explorar potenciais preditores de stress parental. |
Carson et al., 2015 | 7 | Revisar de forma abrangente estudos observacionais e experimentais que examinam a relação entre comportamento sedentário e desenvolvimento cognitivo durante a primeira infância (do nascimento aos 5 anos). |
Medeiros & Piccinini, 2019 | 8 | Analisar o acompanhamento pré-natal da gestação de alto risco no serviço público. |
Dadkhahtehrani et al., 2017 | 8 | O presente estudo foi desenhado para explorar as experiências de pais com neonatos prematuros hospitalizados em uma unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN). |
Steyn et al., 2017 | 16 | O objetivo do estudo foi explorar e descrever as experiências vividas por pais de bebês prematuros em uma UTI. |
Sgandurra et al., 2019 | 9 | Este estudo tem como objetivo avaliar os efeitos da intervenção precoce CareToy no estresse parental em bebês prematuros. |
Aija et al., 2019 | 7 | Estudar a presença dos pais na UTIN, o grau de participação dos pais durante as visitas médicas e identificar os fatores subjacentes à participação. |
Baía et al., 2016 | Identificar fontes de estresse em mães e pais de bebês muito prematuros internados em UTIN e sua associação com características sociodemográficas, obstétricas e dos bebês. | |
Alves et al., 2014 | 5 | Este estudo tem como objetivo analisar o repertório de significados, conhecimentos e emoções atualizados pelos pais de bebês muito prematuros internados em UTIN no processo de decisão sobre cuidados parentais, opções de tratamento e utilização de fontes de informação. |
Em relação às quatro classes temáticas estabelecidas para classificação dos artigos coletados, a categoria de Experiências de Sofrimento Psíquico obteve um total de 08 artigos acoplados a esse grupo, a segunda categoria, nomeada de O laço afetivo pai-bebê, contém 02 estudos em anexo, a categoria de (In) Satisfação com o Serviço tem, por sua vez, 02 artigos agrupados nesse tópico e, por fim, na categoria de Dilemas Familiares na UTIN 14 artigos foram selecionados para compor tal camada.
Posto isso, torna-se imprescindível discutir o simbolismo presente em cada uma das categorias adotadas no presente estudo. No tocante à categoria das Experiências de Sofrimento Psíquico, o sofrer é assumir uma atitude, por algo ou alguém, perante o que nos acontece, o que significa que o homem é alcançado pelo mundo e por algo que não é ele mesmo. Dessa forma, os pesquisadores adotam na análise de dados a perspectiva de experiências de sofrimento psíquico - estresse, ansiedade e depressão paterna - como fatores vinculados a uma experiência de empatia, comprovada a partir das posturas paternas para com o sujeito pré-termo, e em virtude daquilo que postulam os oito artigos inclusos nesse grupo.
Sobre a categoria nomeada de Laço pai-bebê é preciso dizer que o bebê é um ser de relação, equipado antes mesmo do seu nascimento para se relacionar com um outro humano. É possível discorrer que a possibilidade de desenvolver uma comunicação sócio-afetiva com um outro, nesse caso a figura paterna, sugere a formação de um laço interativo-singular - facilitado pelo próprio pai - entre ambos sujeitos presentes nessa relação. Entre os artigos presentes nesta revisão sistemática da literatura, apenas dois (02) estudos estão voltados para a discussão dessa temática.
A categoria temática, (In) Satisfação com o Serviço explora o ponto de vista dos pais em relação a experiência do cuidado dos bebês prematuros no serviço hospitalar. Com isso, as opiniões dos genitores irão alternar entre positivas e negativas tendo como referência o modo com que a equipe hospitalar lida com a saúde delicada do pré-termo, especialmente na questão da maneira de informar aos pais e no modo com que os profissionais estimulam o fortalecimento do vínculo pai-bebê.
A última categoria, Dilemas Familiares na UTIN, apresenta o maior agrupamento de artigos. Dessa forma, foi evocado com mais frequência a questão de se ter um filho prematuro em uma UTIN e como as relações de gênero vão se adaptar nesse novo ambiente. De forma que através dos artigos, verifica-se como se dá a dinâmica familiar entre os genitores e como o vínculo com o bebê é desenvolvido dentro do contexto hospitalar.
Discussão
Entre os artigos encontrados, tornou-se perceptível que embora haja uma gama de pesquisadores que têm se detido ao estudo da paternidade vinculada à prematuridade de crianças, há ainda uma urgente necessidade de que estudos brasileiros sejam desenvolvidos nessa área, tendo em vista a escassez nacional de tais postulados. Um fator imprescindível a ser mencionado nesse estudo discorre sobre a conjuntura paterna no contexto de prematuridade, está atravessada por fatores sócio-histórico-culturais, evidenciando uma segregação estrutural da ocupação desse papel por tal indivíduo. Condições de estresse, medo, angústia, ansiedade e depressão têm sido fatores recorrentes, de acordo com os estudos encontrados nesta revisão sistemática da literatura, à acometer a saúde do homem pai de pré-termo.
Santos et al. (2012) e Matos et al. (2017) discorrem que a experiência da concepção de uma criança denota um significativo momento no ciclo vital da mulher e do homem, com grandes impactos no seio familiar. Em acordo com os postulados de Schmidt et al. (2012) e Medeiros et al. (2015), pode-se dizer que o parto prematuro tem como significado a interrupção de um sonho de ter um filho em tempo gestacional normal, com a ausência de complicações, tendo em vista as interferências no processo gravídico, desencadeando a hospitalização do pré-termo nas UTIN, o que denota um dos maiores problemas de saúde perinatal em evidência no mundo . Tais intercorrências, como refletem Marski et al. (2016) e Soares et al (2015), fomentam no seio familiar uma angústia sobre as incertezas da saúde do(a) filho(a) e o sentimento de não ser, de fato, pai ou mãe.
Candelori et al. (2015) revela que em um universo de 64 pessoas, sendo 32 casais, a taxa de ansiedade média e alta das mães é de 90,61%, enquanto que a porcentagem dos pais é de 62,50%. Isso ocorre devido a todas as questões que os pais devem enfrentar quando se tem um filho em uma UTI neonatal. Dialogando com esse estudo, Russell et al. (2014) afirma que quando os profissionais intensivistas permitem a participação, sobretudo do pai, nas atividades do cuidado do bebê prematuro, se tem nos pais impactos bastante positivos na queda de relatos de ansiedade.
Com isso, pode-se afirmar que ao proporcionar a participação dos pais no banho, na higienização e na amamentação dos seus filhos há uma construção mais sólida do vínculo do pai-bebê e uma maior aproximação com a equipe multiprofissional. Russell et al. (2014) confirma por meios das narrativas dos pais que a afinidade com a equipe que vai sendo desenvolvida ao longo do tempo de internação vai endossar a confiança dos pais, tanto em relação à própria capacidade de cuidar do filho, quanto na confiança de que os profissionais estão cuidando da melhor maneira possível dos seus pré-termos.
Cabe ressaltar que durante o estudo com pais em UTIN Hagen et al. (2016) destaca que o sentimento que mais se manifestou nos homens foi a alienação e eles explicam que isso ocorreu devido ao choque do nascimento prematuro e da decorrente internação. Esse sentimento expressa as dificuldades paternas de pensar, agir claramente e ainda ter que manter uma fachada de aparente estabilidade emocional. Corroborando com o que Russel et al. (2014) afirma sobre a importância da construção prévia de um vínculo pai-bebê, tanto em benefício paterno, pois essa conexão com o filho ajudaria a enfrentar as dificuldades e medos que o processo de internação impõe, quanto na evolução da saúde do pré-termo (Candelori et al., 2015; Noergaard et al., 2017).
Outro fator que reforça esse sentimento paterno de mero espectador é a idade, como atesta Ionio et al. (2016, 2019) que sua pesquisa concluiu a relação direta entre a idade paterna e os níveis de estresse. O estudo mostra que em pais mais jovens se encontram os níveis mais elevados de estresse em relação à saúde do bebê, revelando que nascimentos prematuros de fato interferem na transição e construção da paternidade. Essa quebra da idealização do papel parental é de fato um dos maiores estressores nos pais, pois se veem tendo que desenvolver papéis que vão além da mera provisão familiar (Pinchler-Stachi et al. 2019). Como afirma Pace et al. (2016), esses sentimentos negativos que desencadeiam a ansiedade e o estresse podem acabar por resultar também em quadro depressivos após o nascimento e a internação na UTIN. Ou seja, pode-se verificar que o risco de desenvolver depressão é maior para pais que possuem filhos pré-termos internados, do que em pais que tiveram o nascimento dos seus filhos sem nenhuma intercorrência.
A pesquisa de Wormald et al. (2015) indicam os preditores do estresse paterno a partir de entrevistas com os pais de pré-termo constatando que os picos de estresse estão diretamente relacionados à estar separado do seu filho. Posto isso, consoante a Çekin e Turan (2018), urge a necessidade de desenvolver protocolos de intervenção a fim de auxiliar a redução de tais níveis de estresse, possibilitando que esses indivíduos construam pontos de resiliência nos espaços de internação neonatal.
Em pesquisa mais recente, Schmöker et al. (2020) conduzem a discussão do estresse paterno para o pós-internação, comprovando que em um período de um ano após a alta hospitalar ainda se tem níveis altos de estresse paterno, sobretudo nos seis primeiros meses. Desse modo, fazendo-se necessário um acompanhamento em saúde mental, por profissionais da psicologia, focando nesses pais (Carson et al. 2015; Medeiros et al. 2019).
Para além do que foi exposto, Dadkhahtehrani et al. (2017) evoca para o debate os episódios de ruptura de famílias numerosas em decorrência da ausência da mãe que acompanha o(a) bebê internado(a). Os autores também mostram que alguns pais procuram a causa e alguém para responsabilizar pelo nascimento prematuro dos seus bebês, sendo bastante recorrente a acusação do não cumprimento de rituais religiosos, de deficiências nos cuidados médicos e também a falha da mãe no cuidado da gestação.
Sobre a dinâmica hospitalar, Steyn et al. (2017) dizem que quando se havia uma maior aproximação e diálogo entre os pais dos bebês prematuros e a equipe médica da UTIN, mais os genitores se sentiam seguros e confiavam que seus filhos estavam recebendo o melhor tratamento. Os pais narram que quando veem os médicos, frequentemente os associavam com piora no quadro de saúde. O que demonstra que a equipe médica deve ter um compromisso de informar de forma empática a situação do bebê e as possíveis intervenções que podem ser realizadas (Sgandurra et al., 2019).
A partir das máximas de alguns estudos realizados, como o de Aija et al. (2019) e Alves et al. (2014), é possível afirmar que quando o corpo médico é devidamente treinado e valoriza a colaboração para com os pais e/ou responsáveis pela criança, esse elo pais-equipe médica torna-se imprescindível na elaboração de um espaço de cuidado neonatal centrado na família que apoie a proximidade entre pais e bebês.
Dessarte, tais fatores mencionados corroboram para que reflexões no tocante ao cuidado em saúde do homem (reprodução masculina, saúde mental e construção da paternidade e suas implicações) sejam planeadas a fim de disseminar informações ao campo científico-profissional e comunitário. A fim de facilitar que tais informações cheguem até o grupo de pessoas que mais necessitam desses saberes e, consequentemente, sejam instruídos no tocante ao tornar-se pai de crianças pré-termo.
Com isso, objetivou-se a partir do presente estudo compreender as possibilidades de cuidado paterno na prematuridade de bebês, ressignificando o laço social entre estes sujeitos. Diante do exposto, é de suma importância que a equipe de profissionais da saúde que atuam no espaço da UTIN esteja atenta para as dificuldades da paternidade e os seus dilemas sociais, de forma que a equipe se torne um catalisador do processo de construção de vínculo dos pais com seus filhos.
É de caráter impreterível, que tais conhecimentos que versam sobre o ser pai no contexto de prematuridade retornem à sociedade no formato de cartilhas de saúde, objetivando tornar público o saber para a comunidade leiga ante a medicina e também para os profissionais que estão inseridos nos espaços de cuidado de demandas do público infantil acometido de prematuridade em seu parto.
Contribuição dos autores
Emmanoel Holanda: Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Redação do rascunho original, Redação, revisão e edição.
Raphaella Magalhães: Concetualização, Supervisão, Metodologia, Redação do rascunho original, Redação, revisão e edição.
Flávio Lima: Concetualização, Análise formal, Metodologia, Administração do projeto, Supervisão, Redação do rascunho original.
Regina Azevedo: Concetualização, Supervisão, Redação, revisão e edição.